«De facto, de um momento para o outro, eu começara a sofrer violentamente como há muito não mo permitia, porque me refugiava ora na melancolia ora na tristeza, duas dores doces e bem diferentes.» PP, PortoKyoto p.27
O absurdo é o sentimento de divórcio entre o homem e a sua vida. Não sou só eu que o digo. Já faz algum tempo que adormecido havia, a minha intelectualidade. Essa monstruosidade socrática. Tenho-me deitado no leito da inconsciência, mas nem a ignorância me deixa feliz. O mundo permanece surdo e indiferente às minhas questões, projectos, fórmulas e teorias. É e também não é, mas sendo só isso ao mesmo tempo que também o não é. Esta é a porta a que sempre chego. Não há verdade. Não há caminho. Só caminhada. Logo não podemos estar errados, façamos o que façamos? Não há verdade, apenas arte na mentira. Tenho caminhado. Apenas caminhado. Longe destes momentos só para mim. Até que começaram a chamar-me. Tudo tem um preço. Eu paguei nove anos, mas quanto cresci nesse tempo. Agora apenas tenho a escolher os fios com que me teço. Este texto é na primeira pessoa para a primeira pessoa. Todo o mal que a mim fiz, foi tudo o que paguei. Hipnotizei-me em projecções no futuro de felicidade, como se o outro viesse suprir o que me falta. O princípio da preguiça e da irresponsabilidade está aí. Os meus brinquedos preferidos de pequeno eram um rato Mickey em tamanho grande, com quem brincava aos amigos devotos e a inimigo em cenas de porrada imaginária, e uma noção lírica de amor, onde a finalidade da vida seria a devoção total a uma alma gémea residente no porvir. Atravesso agora o terrível deserto onde a lírica do amor desfeita pelo leão, já não me acompanha mais. Vagueio sozinho pelo mar de areia e já não espero chegar à Terra Prometida, contento-me em pernoitar em alguns oásis, que logo que passa o sono deixam de o ser e se transformam em miragens óbvias. E gosto imenso. Enquanto não chego ao oásis não descanso, para quando lá chegar me lançar de novo ao caminho, caminhando sem cessar, sem destino, auto iludindo-me que é no conforto de um oásis que encontrarei satisfação e paz, e não na ascensão mercerista na prisão do «Expresso da Meia Noite».
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eugosto de letras Arquivo
Abril 2019
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