Vão crescendo pequenos bolbos de acne no escalpe, e ganhei o hábito de quando estou a pensar, projectando uma rede ou configurando uma firewall, de rebentar estas micro pústulas de defesas mortas de branco mortiço e inerte. Gente em óbitos dados na defesa do que penso ser o ‘mim’. Ah, mas os linfócitos não são tu, não têm consciência. Ah seus filhos da puta mecanicistas, para quem o mundo é desprovido de sujeitos. Ligaram-me do escritório, que havia actividade irregular numa das máquinas onde os logs andavam a ser vasculhados. Um puto qualquer que entrou na merda de sistema que o forreta do patrão mandou vir da China. Disse que ia lá se me pagassem horas extraordinárias. Iam ver. Devem ter ligado para o patrão, que gasta rios de dinheiro em putas num casino ilegal em Esposende. Mete as despesas numa das contas da empresa, e de forma tola, guarda um backup no computador da empresa pela qual me paga para ser consultor de ‘segurança’. Até o faria de borla, não fosse eu saber o lucro pornográfico que faz, e o que paga aos desgraçados dos empregados. Pó caralho. Responderam-me, entretanto, que a fazer seria de casa, e que não havia budget para pagar mais. Quem me estava a mandar mensagens era o gajo da Informática, um tipo que tirara uma licenciatura no tempo das floppy drives. E que não acompanhara os tempos. Notava-se pelas mensagens de whatsapp, que estava indignado, que me considerava um mercenário cibernético. Pó caralho. São 3 da manhã e andamos aqui a regatear preços. Disse-lhe que tinha de ir ao bastidor, porque a VPN de merda que tinham, não me dava acesso ao switch, que tinha os mac address que estavam no momento activos, apesar de ninguém estar na fábrica. Por acaso menti. Queria lá ir, para ganhar mais uns trocos, talvez para ir às putas no tal casino de Esposende. Se o gajo gosta, aquilo não deve ser mau. E para apanhar o ar fresco da noite, e sentir que faço algo de importante. Ele responde-me que está fora de questão, que o patrão não paga mais. Duvido que estivesse a perguntar ao dono, ao boss. Estava a armar-se em cabrão, porque desde que eu chegara, ele metera aquela merda na ordem, e isso dava-lhe trabalho, face à modorra prévia à minha chegada. A empresa, apesar de mal gerida, era porreira. O meu canto, tinha uns vidros fumados, onde passo a hora de almoço a micar as pernas às empregadas boas. A observar os rituais e macacadas, as tensões e as operetas, deste conjunto de humanos. Tinha umas 2 ou 3 debaixo de olho, mas o café, e um ar gasto, por falta de fé, forçavam-me a ter de me esforçar mais, para chamar a atenção a gajas com metade da minha idade. Não que isso me rale, mas sinto-me cansado. Nem é cansado. É sem paciência. No cliente anterior, mandei o chefe dos recursos humanos para o caralho. O filho da puta, arranjou maneira de não me chamarem mais, para fazer serviço. Prejudiquei-me só porque já não tenho paciência, que talvez esta seja dependente de alguma esperança larga, acerca do futuro. Eu sou feliz, mas estou-me a cagar. Vão-me caindo gajas em cima do falo, que como e sou comido, e cada um vai à sua vida como se nada se tivesse passado, nada de importante, nada onde possa crescer a planta da desilusão. Mais nenhuma puta me vai desiludir, porque simplesmente, já não me iludo com ninguém. Nem a propósito. Ao mandar o gajo da Informática forreta, dormir, vi uma mensagem no whatsapp da gaja que me mijou o banco do pendura. Foda-se, já nem sei se foi o ano passado, se foi há mais anos. Ou se foi o ano passado. Ando todo queimado. Tenho recusado encontros e fodas fáceis. Tenho-me isolado em torno do meu trabalho e projectos, e não é que é sempre nestas alturas que aparece uma cona na curva da esquina a dizer olá? Ah, mas se tivesses uma filha não falavas em conas. Se calhar não, mas também não a ensinava como estas putas são ensinadas. Mas lá está, podemos ser ou ter os melhores pais do mundo, que somos a média das 5 pessoas com quem nos damos mais. Somos a média do nosso grupo de amigos. Ou amigas. Se as nossas amigas são umas encalhadas incapazes de respeitar ou manter os ditos cujos… Não seremos diferentes. Mas isso é tema para malta com mais de 3 dígitos no QI. Deixa-las pousar. «-João, como estás?! Já acabaste o doutoramento?» Esta gaja, está toda trocada. Arranjei a desculpa que tinha de pesquisar, para não ir ter com ela a casa, várias vezes. Assim que me via debaixo para cima, chupando a pila a innuendos meus, quando tinha a boca desocupada, ia exigindo, que eu teria de retribuir chupando-lhe as gónadas. Eu, que sou do contra, dizia para mim, ah puta, quanto mais pedes menos levas. Embora eu as espevitasse sempre com a léria do chupa-me a pila e cala-te. E chupavam. Chupam. Esta, certa vez, meteu-me a chorar. Olhei para ela, e não chupava mal, e vi uma alma, em forma de anjo brochista, atormentada por uma loucura para si mesma desconhecida. Um pouco como um gajo que sabe da arbitrariedade deste mundo, e se sente culpado pela alienação de um outro concidadão, um outro ser humano. O meu sentimento de sanidade mental, sobrepujava toda a minha possível perspectiva acerca deste ser humano. Lembro toda a putaria, que em relatos análogos me dizia, que eu estaria a ser paternalista. Convencido e arrogante. Vai para o caralho, sabes perfeitamente, quando estás louco, ou quando o outro está louco. Esta começara com o quanto medes? Com um metro e sessenta de altura, achava que 190 cm era um gajo baixo. Amiga, tenho 183. Metade das fodas que te dou. Ria-se. Andava ao meu lado, e metia-se em bicos dos pés, para me chegar com a cara ao ombro. Para que queres tu gajos altos? Perguntava. Ela dizia que era uma preferência. Apetecia-me dizer que eu também preferia pessoas conscientes, mas não iria, de todo, aprofundar a insanidade alheia. Antes de me abocanhar a pila, punha-se a marchar à minha frente dizendo que sabia porque gostava eu dela. Porque era exótica. Eu acenava que sim, para lhe confirmar a ilusão. É óbvio que andou a chupar pilas que não a minha. Mas com a idade que tem, e não perdoa, nenhuma lhe parecia tão virgem como a minha. E nesta merda das fodas e dos afectos, todos preferimos a terra menos lavrada. A mim o que me fode, é o total destroço em que me tornei. Sei que faz parte da velhice, mas tenho o joelho fodido. Eu explico, o exercício físico rejuvenesce-me, e tira-me a vontade de comer qualquer gaja. Torno-me mais selectivo, e já não caio na cantiga das gajas que tem mamas boas e as metem à frente de tudo o resto, para impressionar os observadores. Ou as que têm um bom rabo. Para tratar as gajas por igual, temos de tomar a solitária decisão de não as tratar como gajas, mas como a abstracção de alguém igual a nós, fora de nós, e sem envolvimentos de emoções ou fodanga. Esta, claramente andara a sondar o mercado por pila melhor, mas nada aparecera de acordo com as suas espectativas. Outrora, sentia-me indignado por isto. Agora não. Fodam, amigas, fodam. Ao foder, fodem-se a vocês mesmas. A única coisa que pedi até hoje, foi, que não me fizessem perder o meu tempo. E nem isso respeitaram, por se acharem melhor que ‘mim’. Seja. Que se fodam, e vão dando notícias da sua felicidade. Não porque eu vibre com a miséria alheia. Mas porque só aprendo o que já sabia de antemão. E o que sabia…é que são estúpidas. Vão com o vento. Pois bem, que sejam arrastadas daqui para fora. Eu não queria pensar assim, mas as evidências forçam-me. Resta-me frequentar o putedo. «-Ah João, tenho saudades tuas.»
Respondo cripticamente: «-Eu também amor, tenho muitas saudades minhas.»
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Já estou habituado. Conheci-a num concerto de Ghost. Olá queres uma cerveja, gosto do trabalho do baixista, queres ir tomar café a minha casa. Ela papava todos os concertos de rock em Lisboa. Era uma viciada em tudo o que dizia respeito aos pequenos dramas e tragicomédias, das bandas, dos wannabes da cena. Contabilista durante o dia, metaleira ao fim de semana. Cuspia informação desnecessária que tomava como fulcral, afinal para justificar a sua opção estética acerca da imagem que queria projectar para os outros. Eu, agente provocador como sempre, ia-lhe perguntando acerca dos significados das letras, das músicas, da comercialidade dos álbuns. Começou a perceber que eu estava a bordo, mas não soprava para as velas. Vibrava com os relatos de overdoses e embriaguez, dos membros das bandas. Era daquelas miúdas que ouvi na C+S molhadas e exultadas com os populares da C+S e as suas façanhas pueris, sob as calhas das águas pluviais levanto com torrentes de água pela cara abaixo. Por escarrarem ao vento, e receber a escarreta, prontamente re engolida, assim que lhes aterrava no rosto. Nas aulas de Físsico-Química, eu e outros tentávamos perceber este fascínio estúpido, pelo aparentemente exótico. Que estupidez, que parvoíce, mas ei, as gajas respondem a isto. Passadas décadas, o gajedo não mudou. Se um labrego de banda rock se embebeda, tem a capa de artista, a braços com as forças existenciais que exigem tributo em gin tónico. Se eu ou outro homem comum, nos embebedamos, somos fracassos da humanidade. Mas estou habituado. Para outras labregas, o facto de conseguir entrar em qualquer sistema ou rede ligada a equipamentos informáticos, fazia de mim um geek, um frustrado com a vida sem virtudes sociais. Se o mesmo acto fosse acompanhado de um cheque chorudo, eis que passo a génio incompreendido num campo previamente validado pela procura laboral que trespassa os escritórios da treta nesta ocidental praia lusitana. Relembro o meu cabo Fuzileiro, quando se virava para nós mancebos exclamando ‘-Mais vale cair em graça que serdes engraçados!’ Foda-se. Já cá faltava o vernáculo, não é? Foda-se. Caralho. Vem com o território. Bebo umas garrafas de branco de Bucelas, e sou um traste da vida. A percepção é tudo. Um gajo que não sabe escrever, ler, mas toca numa banda, ou é famoso, ou importante, ai foda-se que ninguém sabe o que ele passa. Um gajo que não sabe ler nem escrever, mas tem um BMW, mas diz umas piadas…giras e boçais…ai foda-se que é um gajo divertido. O mundo é dos que caem em graça, não dos engraçados. Não me venhas com merdas, a perguntar sobre os critérios da minha aferição. Se eu cito Petrarca, e outro cabrão qualquer repete uma frase da Taylor Swift, ah caralhos me fodam, se não considero que o outro cabrão não sabe mais que um qualquer catavento das modas. E EU, valorizo isso, a cultura clássica, testada por gerações de gente, acima da espuma dos dias, disseminada pelos pobres de espírito, impressionáveis. E caio nesta merda como mosca em vinagre. Em gajas, cujo horizonte mental é tão frouxo, quanto o tempo que consideram ser o da espécie humana. É fácil um gajo ser engolido na voragem. Porque pensamos demais. Do tipo, esta gaja tem um compromisso ontológico com a ideia de que a única forma de viver é com o contexto do seu tempo de vida. Ou seja, quer o passado quer o futuro, são não territórios. U topos sem qualquer utilidade. Esta forma crua de interpretação causa de facto dificuldades, a gajos que como eu, adoram o pito molhado e foder até cair de lado. Mas isso é dar-lhes demasiado crédito, aderem às modas, ponto. Mesmo quando acreditam nas energias do tarot, tal decorre só pelo facto de ser impossível qualquer validação crítica, ergo científica, nas premissas de base. Não tem a ver com ser-se engraçado, mas com cair em graça. Entrecruzo os dedos, coloco-os na minha nuca e forço o crânio a olhar para o broche que me faz. Quase tenho pena dela, porque nem me vê como prémio a manter, nem aprecia o bom chupanço de uma pila. A Flávia ao menos, tinha ambos os atributos. O seu esforço decorre de eu ser o prémio possível e não o prémio final. E tu, topas isso, da forma como te abocanham. Há duas formas de reagir a isto. Três, partindo do suposto que temos de abdicar da ideia de que ter uma relação honesta com uma gaja, está fora de questão, porque não existem gajas, assim. Pelo menos de acordo com a minha experiência. Uma, é fingir e ir na onda. Outra é ser cada vez mais exclusivo. Eu tenho sempre optado pela primeira, faculta-me mais cona. Mas com a cona vem, mais desilusão. Parafraseando o livro de um gajo do Holocausto, é ‘isto uma mulher’? Mesmo o gajo que as tenta alertar para o alçapão sobre folhas camufladas, apenas o faz para que no reconhecimento do perigo disfarçado a gaja agradeça com a sua vulva em forma de ‘obrigado, garanhão dos meus sonhos’. Quem exulta, quer ser exultado, e estas putas são tão pobres de espírito, como eu sou mesquinho e torcido e o diabo a sete. Convidei-a para irmos ao Guincho a ver se sacávamos um pargo para o almoço. Ela tem casa ali para aquela zona, dos pais que estão numa quinta para os lados da Guarda. Sem peixe algum, passámos a tarde a foder. A meio da tarde, ocorreu-me a mim, ir para o calçadão, passear de mão dada. Ela não concordou. Que queria ser fodida de novo. Ó amiga. Fui ao frigorífico, a meio caminho entra a cozinha á entrada da vivenda, e a sala com lareira. Bebi cervejas, vinhos e águas, para me reabastecer de líquidos, agora que o NRP Bérrio, foi com o caralho sucateiro. Chegado ao quarto onde dormia, levemente para se recuperar da foda prévia, coloquei-me de travessão sobre a sua anca apontada ao tecto, e beijando-a na bochecha lhe segredei ao ouvido’-Acorda puta que te vou dar um fodão.’ Mais vale cair em graça. (OUVE ESTA MERDA COM O SOM NO MÁXIMO) I Andámos a lutar com os cotovelos aí umas duas horas, o tempo do vôo de Copenhaga a Lisboa. Quem me manda a mim não ter dinheiro, e não ir em primeira classe? Que se foda. Por costume, prefiro fechar-me dentro de mim, esperar que o filho da puta do avião toque na Portela, e depois estendo os braços doridos. Mas tinha 3 cafés no bucho, que me deixam agressivo, para caralho. Empurrei-lhe o cotovelo para fora do falo metálico amordaçado por pompom. Ou seja, o encosto de cotovelo nos bancos da aeronave. Ao fazê-lo, olhei para ela e disse-lhe, voltas a tocar-me e dou-te um fodão que vais contar aos netos. A tipa, apesar de loura, não era nórdica. Ficou a olhar para mim como se eu tivesse saído de um daqueles filmes mudos da Républica de Weimar. Eu ia a olhar para a escotilha, observado o caralho que me foda da noite escura, só para não ter de olhar para ela. Entretanto tirara o meu cotovelo do encosto, e carpia a minha vergonha, por ser parvo à conta da cafeína que uso para compensar as noites mal dormidas. Uma hora e picos depois do acidente, já estando eu a entrar no sono, ouço uma voz: ‘-Isso é a sério, ou é só jajão?’ Nem percebi, como me custa cada vez mais, adormecer, se era o sonho masturbado, ou se de facto, algo cá ‘fora’ no teu mundo e meu. A repetição, desfez as dúvidas. Olhei na direcção dela, e as palavras estavam sincronizadas com o movimento dos seus lábios. O amor à minha imagem e o colocar-me atrás do que digo, especialmente com gajas, acordou-me. Perguntei: ‘-Desculpe?’ E ela respondeu: ‘-Isso que disseste que me fazias, é a sério, ou é só treta?’ Foda-se, que respondo eu a isto? Não ia recuar. Reais caralhos que me fodam. Disse ‘-Amiga, se quiseres aqui, já, e agora, dou-te um fodão que sais daqui de gatas.’ Algo no meu olhar raivoso comunicou à miúda que eu não estava a brincar. Algo relacionado com uma era de onde eu vinha, onde a malta era menos maleável, e onde o ânimo por detrás das palavras, as transbordava e não ficava aquém delas. Calou-se e olhou em frente. Fiquei sozinho com a minha consciência a chamar-me filho da puta, não por dito que acomia toda, mas por usar o sexo como forma de subjugar uma tipa. Por um encosto de cotovelo. Uma miúda com idade para ser minha filha. Foda-se. Caralho. Que o cabrão do vôo acabe depressa. Fecho-me como aquele bicho que disseram que provocou o Covid. Cada vez que Lisboa se aproximava mais um pouco, eu suava um pouco mais com o calor. Ao sair após a aterragem, cheiro o ar, e juro, ajoelho-me e beijo o chão irrigado de escarretas e beatas, como navegador quinhentista chegado a terra pátria. Olho em redor da malta que espera a bagagem que circula em oval órbita, e tenho a epifania que devia ter tido há uns anos atrás, estou tão removido do que seja consciência de uma vida comum, burguesa, neurotípica, que viver no meio dos outros, se torna uma luta incessante entre a minha capacidade de adaptação, e o meu sentimento de inadequação. Tenho de deixar de levar as coisas ‘a peito’. A mochila com o portátil, recebe um puxão. Olho para trás e ela exclama ‘-Não penses que consegues fugir, a palavra dada não volta atrás.’ Ó amiga. Enquanto não lhe vejo o rosto espalmado num vidro de varanda de apartamento na Portela de Sacavém, não descanso. Mordeu os dedos da mão, para não gritar demasiado alto, e contei 5 ou 6 aviões a decolar, que tinha visto para de onde acabara de vir. A 10 minutos de casa, deitei-a na cama, cobri-a com o cobertor de casa alugada por uma noite, beijei-a na testa, que de manhã ia para Chaves de onde era originária. Pus-me no caralho, que tinha merdas para fazer. II Não há maior tesouro no mundo que uma carinha bonita. E a dela, era fora de série. Do pescoço para baixo, não parava nenhum engarrafamento, mas ah caramba, tinha uma carinha fantástica para perfil de rede de engate. Eu já havia saído com ela antes, foi com alguma surpresa que me apareceu de novo nas recomendações. Por enfado, mandei-lhe de novo um like, e para espanto meu, respondeu como se nunca tivéssemos falado. Parado a ler a sua resposta, esforcei-me para lembrar em que ano lhe havia pago um café no Louresshopping. Porra, aos anos que esta traumatizada aqui anda, mas depois constatei, que também eu. Mas eu, é diferente, não quero nada com ninguém a não ser umas migalhas de sexo ocasional, para matar o bicho. Eu não sou maluco. Mais ponderado, respondi a mim mesmo, elas também, um picozinho de ilusão para distrair de uma vida monótona. Com as caras de enfado sem qualquer entusiasmo, por saberem sempre, que há uma fila de gajos, casados, sozinhos, marrecos, pernetas, sonsos, atletas olímpicos, prontos a entrar em mais uma aventura, a acrescentar mais uma conquista ao currículo. Vendo-me nu, não conseguiu disfarçar a surpresa: «-Tu até és jeitosinho!» A cara dela era para comigo lisonjeira, senti-me como gaja gabada pelo arranjo de carne que Deus lhe deu. «-Até?» - perguntei, mas ela já havia passado para a fase de tocar no material com as mãos frias, mas havia dúvidas?, indagava eu para comigo..Tinha de imaginar algo semelhante, adivinhando-me por debaixo da minha roupa. Mas entende-se, que ao vivo e a cores, a imagem até pareça aprazível. Choca-me sempre q.b. quando dizem isto. Eu sei que sou bom e que agrado à vista. Chateia-me que seja uma espécie de surpresa, como que se um contraste entre uma ideia pré-definida e pouco simpática, e um desfecho afinal contra-intuitivo. Entendo que a imagem lhes agrade e que depois murchem quando abro a boca, afinal, detesto ser convencional e moderar o meu palavreado. Ou pior, apesar do meu palavrado prévio e jeito menos convencional, a gaja, o objecto de estudo, apesar disso ainda vai comigo para a cama, o que revela que o aspecto físico da minha pessoa, é suficiente para relativizar a espécie de amargura generalizada na minha voz, o carácter de constante provocação, a rebeldia mitigada sempre numa ânsia de promessa de acalmia, obtidos os prazeres desta vida, um deles sendo a validação feminina. «-Ai porra, pensas demais!» Ter vida interior, especialmente quando a mesma se exprime através de dúvidas, é potencialmente aspecto de seca-vulvas, excepto se esse pensar tenha e seja aprovado por grandes audiências. Por isso, na minha experiência, se queremos manter a gaja por perto, temos de saber quando abrir e quando fechar a boca. Não ir na lengalenga delas que querem homens em contacto com as suas próprias emoções, sensíveis, cozidos e assados. Pelo menos, se como eu, não conseguimos entreter conversas da treta. Eu oscilo entre a brejeirice e a metafísica, chateiam-me as merdas medianas, que são no fundo a vida. O ramram da vida comum. Por outro lado, também as tentava impressionar com a minha profundidade filosófica, mais uma estratégia de as impressionar e fazer concluir que ceder-me vulva é um acto lógico a perpetuar. Claramente, o meu ego manda em mim, passando cheques que nunca conseguiria ou conseguirei, pagar. A minha estratégia estava errada, e o meu carácter de menino da mamã, furta-me a inovar. «-Ai porra, pensas demais!» E das raras vezes que inovei, saí-me bem. Isto tudo pensado enquanto ela me chupa a pila, e roça-se por mim acima, brincando com os mamilos em cima da minha glande, num cliché que nunca entendi, só podendo ser uma projecção do que vê num qualquer filme porno, onde o actor é tarado por mamas grandes. Eu não ligo muito a mamas. De qualquer tamanho, são boas para mim. Ela olhava com o maior desdém para ele. Mascarava sob muralhas de pele, o sentimento de desprezo que não podia deixar de sentir. Não queria sentir assim, mas não conseguia deixar de o fazer. Algo brotava dentro dela que a impedia sentir de forma diferente. Uma voz, uma orientação de consciência omnipresente a partir do primeiro pensamento… acerca dele, que o via como algo relativo e não absoluto. Dava por si, a ter pena dele, alheio a este seu afastamento em surdina, ignorando a avaliação negativa de mulher, à qual, os seus modos simples, o seu desconhecer o que é um sommier, e outras frivolidades com que as mulheres se convencem de ser sofisticadas, tudo isso, o impedia de ver a sua própria inadequação. O que aumentava a carga trágica, ela, tomando-o por pessoa de boa índole, mas sem ser capaz de ter tesão por ele. Só pena. O pobre gajo porreiro, ignorando o verdadeiro mundo do juízo feminino, cruel, implacável, inexorável. E quanto mais dela gostava, mais aumentava o drama interior de um dia se ver sem a aprovação do seu receptáculo de amor. Da sua validação, em forma de duas pernas abertas, húmidas e convidativas. Aquela descarga nervosa que precede a penetração, em que um gajo sente que venceu na vida porque cumpre um papel para o qual foi programado. Claro, ao início, as pessoas dançam uma valsa que visa também verificar se a coreografia é conhecida na ponta da língua. O tédio, o sentimento de familiaridade, como nevoeiros tóxicos, vão-se instalando, e uma das partes vai deixando crescer o mofo do despeito, e geralmente, o gajedo, ou embalado pela atenção de pretendentes ou pela observação dos parceiros das amigas próximas, criando a ilusão da escolha, é sempre o primeiro a deixar os idealistas românticos a profanar os falos com a mão. A escolha é fodida. Se muitos artistas encomiastas, gabam a donzela, a seus olhos o valor sobe e instala-se a mentalidade de leilão e fantasia. As perguntas ‘-Que tens feito por mim, que podes fazer por mim?’ e ‘-E se…’, instalam-se como carimbo de cada pensamento, inebriante acerca do seu próprio valor como pessoa com mamas e rabo. De todos os lados, o upgrade é mais sedutor, que o rei prestes a ser posto, a galinha da vizinha, a certeza do erro que quase se cometeu em forma de gajo recém despromovido a humanóide desprovido de sentimentos que importem. Da mesma maneira que numa app de engate, enquanto houver simetria facial, há sempre um pretendente no canto de uma esquina, à espreita. Como borboletas esvoaçam levemente pela existência, sem a preocupação de algum dia acabar o recurso que lhes constrói a estima. É assim a existência das gajas, leve, despreocupada, sem consequências que não as que se revelam já demasiado tarde. Ah mas odeias as gajas. Não odeio nada as gajas, odeio a frivolidade a que se entregam por ausência de carácter. Especialmente as que preferem viver sozinhas, a contentar-se com alguém que consideram inferior a elas. Odeio a sua estupidez travestida de esperteza, profundamente. Aprendi a odiar. É essa forma de pensar, esses critérios fantasiosos e infantis, que odeio. Engraçado ver moles de putas em manifestação pelas ruas, a favor de um mundo mais igual, quando são elas mesmas as que não conseguem deixar de ver e dividir o mundo em hierarquias. E os homens, cada vez mais conas, apenas têm de afinar a sua conduta ao som dessa divisão, se quiserem ter acesso a uma descarga sonora em forma de monossílabo. As gajas são cruéis quando não és desejado, já cantavam os Doors. E tratar as pessoas de acordo com a situação, é falta de carácter. Por isso desconfio das gajas demasiado-rápido-demasiado-intenso. Visam convencer-me, visam predar-me, visam continuar na sua fantasia marreca. Instala-se a questão, como carcinoma persistente, ‘-É ele o melhor que consigo arranjar, com as armas que ‘Deus’ e a Natureza me deram?’ Como gato que se olha ao espelho vendo um leão, a gorda e a marreca olham para si mesmas a partir do que gostariam que os outros pensassem delas mesmas, e não do que é a imagem reflectida. As apps do smartphone, têm filtros que lhes melhoram os dentes cariados, a pele com crateras de acne e purulento sebo. A sua auto-imagem passa a ser a reflexão cibernética do rosto, do corpo retocado, e avaliam como merceeiro, o seu valor a partir dessa nova maquilhagem. A projecção simpática passa a ser a realidade, sem qualquer exigência de objectividade. No mundo feminino só a forma como se sente é importante. A realidade objectiva, uma chatice. Imitam-se umas às outras, com os mesmos clichés, nos gostos, nas poses de pézinho assente na biqueira da sapatilha, dos dedos anelares e indicadores em V, da língua projectada para fora da boca, ou mordida pelo fechar de ambos os maxilares, no intuito de exprimir, uma inocência malandra e uma ingenuidade com pouca malícia, em pequenos paradoxos estéticos que resultam por causar curiosidade nos observadores, que olham para a dicotomia Madonna-Matrona, virgem-puta. Tudo o que não corresponda ao esperado ser superior ao valor percebido, de si mesmas, do seu corpo, da sua personalidade, da suposta opressão patriarcal nos tempos dos antepassados, tudo o que não seja considerado à altura dos pergaminhos da geometria facial, da gordura acumulada no peito e nas nádegas…é considerado um contentar-se com a vida que soa a condenação, a fracasso, a falhanço. Torna-se a soberba, a arrogância, em estratégia psicológica de captação de valor, análoga ao sentimento dos opressores colonialistas que achavam ser melhores que os escravos que parasitavam. O homem comum, despojado daquele encanto natural, daquela graça social, de ter um je ne sais quoi apreciado pelos outros, tem de cativar da vida algo, por outras vias. Pelo esforço, pelo cumprir das regras, pela auto-anulação. Crescente na exacta medida em que se vai apercebendo que a sua vida vale não por quem é, mas pelo seu valor utilitário. O mundo convida sempre a escolher novos inícios, novos campos de lavoura que parecem mais verdes que os nossos. Havendo pretendentes, sentimo-nos livres e valorizados, por termos escolhas. Quando o valor utilitário ainda não está potenciado, elas fazem apostas. De acordo com o valor próprio interiorizado, com o potencial de olhar para o gajo como caval, e tentar adivinhar com aquela ‘intuição feminina’,quão longe irá ele na corrida. Poucos homens comuns, têm esse luxo. E mesmo que tivessem, há sempre uma resistência a largar a certeza garantida pela hipótese promissora. É fácil dar uma foda, e até um pouco de envolvimento emocional. Mas lá voltam deles, a maior parte das vezes, a respeitar o dever de palavra dada, abafando debaixo de masmorras de pele, a sua falha moral, ao invés de justificar, por vezes, com um suposto merecimento do outro, pela traição cometida. Qualquer coisa lhes morde, na maior parte deles, um sentimento de dever, um asco a fraquejar pelos sentidos. Uma projecção de si mesmos na traída, e um asco pela traição sentido na pele. A gaja precisa de sentir-se no lugar do outro para deixar de pensar na sua pele, o gajo precisa de pensar no lugar do outro para se sentir a si mesmo. Ou uma merda do género. Existia uma guerra civil em surdina, com as armas ao dispor dos dois. Até um filho da puta qualquer, inventar a pílula contraceptiva. Aí, deixámos de precisar um dos outros. E agora, bem, somos dispensáveis. Já não fodemos. Isso é do passado. Não, agora andamos em relações co-dependentes entre gónadas. Validando fantasias uns dos outros. Reconhecendo na fantasia o território pátrio onde nos sentimos à vontade. Emprestamos tempo à ilusão de que nos envolvemos emocionalmente. Mas é só para passar o tempo. A malta não pensa em si, por si, sobre si. Sem introspecção, passamos pela superfície das coisas, dos outros, num salve-se quem puder ao sabor do relógio. Como podemos dedicar amor aos outros, se não nos conhecemos, aos nossos desejos, aos nossos caprichos, à ilusão da carne que nos sustém de pé? Toda a luta moral e o seu carácter dignificante, é asfixiada sob o véu que a cobre. O véu do tudo ser permitido. Tornamo-nos amorais, por excesso de ausência de princípios, que essa merda é chata e limita-nos. Sem Deus tudo é permitido. Sem amor, muito mais. Um amor idealizado, pois não existe outro. I Anda no ginásio e perdeu a barriga Estou de volta de uma preparação das aulas, e da correcção de um teste dos miúdos. Toca o telefone. A Dora. Aos anos que não ouvia desta gaja. Deixo chegar ao fim o ‘Superstition’ que serve de toque de telemóvel, concentro-me na guitarra baixo, e quando estou mesmo a gostar, o toque termina. No decorrer do dia, tenho umas 7 chamadas desta gaja. Quero que se foda. Não posso dizer que seja má pessoa, mas não é alguém que eu queira por perto. Foi mais um engate de tinder, nesta minha cruzada de libertino, de usar o falo para verter tinta para papel descrevendo a natureza humana, em especial do meu objecto de desejo, a mulher. E quanto mais lido com elas, com as ‘gajas do tinder’, mais me vou apercebendo do terrível carácter indigente desta malta. Que contrasta de forma quase insuportável no meu espírito, com o meu idealismo romântico de outrora, antes de partir as lentes ‘do amor’ e começar a ver as ‘gajas’ com olhos clínicos e desapaixonados. E vejo, essencialmente, destroços humanos na medida em que despojados de qualquer tipo de introspecção ou de adesão a princípios éticos, que a mim pelo menos, me forçam a não fazer x ou y. Sortudas do caralho. Sem uma moral com exigências lógicas, podem torcê-la ao sabor das circunstâncias. Do que lhes é conveniente. Eu, se sou um cabrão, com alguém ou em algo, dificilmente me convenço que procedi da melhor maneira. Alguma voz em mim, me vai dizendo, ó cabrão, achas que estás a proceder bem? Estás a ser correcto ou isento? Olho para as merdas com carácter mecanicista que visa relativizar o peso do meu ego e individualidade nas minhas relações com o mundo, as pessoas, e as interpretações. Já estas desgraçadas não. Só elas e o seu sentir bem, contam. Nem que tenham de elaborar justificações à medida, convencendo-se a si mesmas, sempre, de maneira a que, no fim do dia, todas as opções e resultados nunca resultem de uma responsabilidade pessoal, ou a alguma luz negativa. Esta mitomania, não é exclusiva das gajas. E eu sou particularmente sensível a esta merda, porque tive um progenitor que padecia da doença, e me fez levar por tabela, por causa disso. Toda e qualquer merda ou argolada que fizesse, era por si justificada a leste de qualquer responsabilidade própria. Foi já com cabelos brancos que ouvi perplexo pela primeira vez, ‘-Eu tive culpa de x…’ da sua boca. Mais vale tarde que nunca, e eu esperara que nunca mais ouviria desta gaja, porque são quase todas, cabras no que diz respeito aos gajos que comeram. O bem-estar dos mesmos é irrelevante ou próximo disso, quando desaparece o seu carácter utilitário, e nada de mais utilitário há, que as emoções, ‘delas’. Quando provocas emoções às dondocas, és rei, quando não o fazes, és plebeu, ou pior, inexistente. A lembrança de ti é algo a asfixiar, não vá ocorrer, o pensamento associado, do quão cabras, foram, são e serão, especialmente no que diz respeito aos tipos que nada fizeram para o merecer. Deus proíba que alguma delas ache de si mesma, ser um farrapo de gente, na forma como trata a malta que carrega uma pila no meio das pernas. É raro encontrar uma que consiga vero homem como passível de ser vítima do quer que seja. Desde os anos 60 que as convencem de que os homens fazem dóidóis e que não se deve confiar em nenhum. Esta, a Dora, ao início das conversações para a cueca, mostrava-se altiva e indignada com a minha falta de submissão, afinal eu fazia parte da classe opressora. Fez-me um ou dois ultimatos sobre que não estava habituada a ser maltratada, e o meu maltrato era apenas não corresponder à norma de bajulação que todos os outros na sua caixa de entrada de aplicação de engate, usava. Talvez por isso voltasse duas vezes atrás, pedindo desculpa de prosseguir os ultimatos, voltando mais calma e cooperante, após ameaçar, e despedir-se de mim, por whatsapp. Desejava felicidades, desejava que eu encontrasse quem procurava…apesar de eu não andar à procura de nada, e ficava 3 ou 4 dias sem falar. Depois voltava, recriminando-me por ser como sou, por ser frio e distante, por magoá-la com o meu silêncio, o diabo a sete. Tinha prometido não me chatear, ou mandá-la levar na peida, que é o que faço a gajas que gostam de jogar jogos para passar o tempo. Vou ter paciência com esta, para ver como é. Sentem-se em baixo, a mortalidade e uma vida falhada de liana em liana, acena-lhes lá ao fundo, e pensam…e por vezes acertam, que papalvos como eu existem para lhes levantar o ego, a moral, gabando o aspecto físico, a elegância e a profundidade espiritual. De modo que seja mais tolerável viverem consigo mesmas. E terem uma nesga de liberdade, sentindo que ainda conseguem desconcertar a admiração alheia com o poder corpóreo em torno do qual construíram a sua identidade. Sem que lhe pedisse, mandava-me fotos no ginásio, a trabalhar os glúteos ou na leg press. Das suas tatuagens, uma delas na anca e com vista de relance do monte púbico, como que se á espera que me saísse baba para o teclado virtual do smartphone. Todos os dias publicava histórias no whatsapp, com aquelas poses com um pezinho assente com a biqueira no chão, calcanhar a apontar ao céu e a perninha inclinada, pose copiada de milhões de outras que se imitam em todas as redes sociais, seja com dois dedos em forma de ‘V’, seja a morder a língua, entredentes ou com ela toda de fora e um olho a piscar, numa sucessão de modas nunca criticáveis pelo que são, marcos efémeros e infantis que visam assinalar a pertença a um determinado tempo no século XXI. Perguntei-lhe sobre a tatuagem de passarinho na anca. Evitou ao máximo contar, criando suspense, e à 3ª vez que lhe perguntei casualmente, aproveitou para me censurar por insistir em algo de pessoal que não era da minha conta. Quando sentiu que me tornei imune à curiosidade, confidenciou sem solicitação que era uma personagem de desenho animado de infância, que significava bastante para ela. Ficou ofendida por eu não perguntar que significado era esse. Tornou-se para mim, terrivelmente enfadonha, alguém que encontrava conforto em ser igual aos milhões de pessoas que encontram conforto em serem iguais aos demais, com as mesmas ideias, poses fotográficas, lugares-comuns como ideias, drones de gente, cujo abismo de se ser quem é, é associado a doença mental. Cuja maior expressão de individualidade, é a que decorre do carácter mimético que reconforta a angústia existencial, precisamente decorrente de não ser um esforço de conformidade, e pagar por isso. Quando somos iguais aos demais, estamos abrigados crítica, e somos até melhor tratados porque confirmamos uns aos outros, que estamos no mesmo comprimento de onda. A sua auto-imagem saída de um casamento falhado, onde sacara uma filha a um gajo que ajudaria a suportar as contas da sua replicação genética, apenas reforçava um quadro pintado a tons neurotípicos , de relativa temperatura morna, como é toda a gente que é normal. Dera o grito de Ipiranga, algures no caminho, e decidira perseguir uma certa imagem de si mesma, no sentido oposto ao da sua auto-imagem. Aderira ao imaginário de ginásio, e passava horas a convencer-me, da imagem de si mesma, que pretendia que eu visse, e assim lhe confirmasse a ela, que era o que queria acreditar de si mesma, que largara a velha pele como Ofiúco de escamas idas, e renascera como Fénix, uma nova mulher, à imagem do que entendia ser uma versão melhorada de si mesma, eliminando todos os defeitos percebidos. Nunca me impressionou tanto o suicídio de alguém, no anseio de reencarnar como ovelha. Por detrás da imagem, da pantomina, a pessoa real, asfixiara-se tanto, que nada havia além de um lugar-comum. Mulher de teflon com sabor a água destilada. Nunca lograria obter uma paixão avassaladora por parte de outro, que não lhe quisesse apenas usar o corpo para ter tesão. Porque nos apaixonamos pelos defeitos. Por isso as malucas nos causam impressão. E a dona da personalidade teflon é por nós vista como um receptáculo de esperma, demasiado temeroso de mostrar quem é, por não ser aquilo que quer que os outros vejam, o que acha que os outros querem ver. Tornamo-nos filhos bastardos de nós mesmos, escondidos à socapa para ninguém conhecer o nosso adultério. O corpo era o seu maior cartão de visita. Ia religiosamente ao ginásio, mesmo quando me deixava na cama insistindo que eu ficasse nela, à espera do seu regresso. Inundava o instagram com fotos da sua gymn culture, como outras inundam com as suas viagens ao Dubai pagas por pretendentes que as comem e rejeitam em surdina após a digestão, copos de vinho branco em piscinas idílicas, tatuagens e outras merdas que as gajas fazem para mostrar a quem queira ver que são bem-sucedidas e felizes. E sofisticadas. E desejáveis. E empoderadas. E todas as coisas frívolas que as confortam. Tinha orgulho no cartão de visita, sentia-se triunfante, finalmente na sua vida. Tomava-me como a ideia que fazia dos homens, esses toscos facilmente manobráveis com um bocado de pele. «-Olha que não costumo mandar fotos de mim para ninguém.» A data nos metadados das fotos, desmentia. Que se lixe, para quê confrontá-la com as suas mentiras desnecessárias? Queria que eu sentisse que a atenção que me dava era algo de especial, convidando-me a devolver a intimidade, a investir franqueza, para depois optar por me acolher ou rejeitar com impacto emocional. Querem ter o poder de decisão de vida ou morte sobre a presa, mesmo à beira da armadilha. Olha, és especial, por isso te mando fotos com que inundei o instagram antes, para me verem e avaliarem. Se te trato como especial, vá, mete a cabeça no cepo, investe, dá-me o biscoito da tua validação e rebarba para me sentir bem com o meu corpo, comigo mesma. Se não quiser, deixo-te cair, rejeito-te após te colocares a jeito, expondo-te, o que acentua a rejeição, tornando-a especial. Se te quiser, fico a sentir que fui eu aquela que iniciou logo à partida, a relação em que teimavas não acreditar. Na cama fodia como a personalidade que tentava a todo o custo, esconder. Não era memorável precisamente por se ter tornado numa personagem de banda desenhada. A hipertrofia tinha-lhe tornado as mamas mais pequenas, e o rabo inexistente. Glorificava os seus abdominais, e o aspecto supostamente mais jovial que o que dizia o cartão de cidadão. Usava sapatilhas ‘Converse’, na ideia parola de imitar as cachopas mais novas, que usam ‘Vans’. Entretanto, um gajo qualquer, das dezenas que lhe alimentavam a ilusão da escolha, bombardeava-lhe as mensagens com promessas tentadoras, e subitamente deixou de me dar cavaco, ausentando-se com um desprezo silencioso implacável, como elas gostam de fazer, sabendo claramente que os gajos, esses brutos, sentem profundamente essa merda. Mais um pobre diabo que persegue o pós ejaculatório, que é lá que olha o rosto da liberdade, livre de pensar em foder gajas 24 horas por dia. A única paz que temos, é quando com os tomates vazios, podemos ser nós mesmos. II Tirou um curso de enfermagem. «-Olá João!» Quem me manda ser parvo e atender número confidencial? Foda-se a Célia. Há uns tempos ligou para pedir uma merda para a filha, que também tinha entrado para Filosofia, em Letras. Mandei-lho à cara. «-Achas? Quem pensas que sou?» Então vamos jantar, disse-lhe eu. Concordou, para a semana. Quando lhe liguei, disse que ia ser complicado naquela semana, e ri-me quando carregava no botão de desligar a chamada. Gajas. Sentiu-se exposta no comportamento pouco honesto. Eu até teria ajudado a miúda, com todo o meu afã. Mas não me cheira este tipo de chico-espertas como a mãe. E também, o meu interesse nela seria apenas para devolver a gentileza de filha da putice, que me fez há uns 5 anos, quando se vingou da descrição física do seu corpo, que escrevi num texto do blogue. Como? Fodendo-me na traseira do seu Fiat 500. Gajas. Provando para ela mesma que me comia e largava, ah fatalidade. Que me dava uma lição por gozar com as suas mamas grandes e corpo desproporcional. Ah gozaste cabrão, pois como-te e cago-te, porque foder é um acto de poder. Shiu, mas não se diz a ninguém, e se nos perguntarem, dizemos que é um acto de intimidade. Quando me vê, desfaz-se em cordialidade e sorrisos falsos, que é forma como gosta de se ver a si, e como quer que os outros a vejam. Em abono da verdade saiu do buraco e começou a ser a bicicleta de médicos de um hospital privado para onde foi trabalhar após o curso. Acha-se demasiado boa para quase todos os enfermeiros. Acha que a idade lhe confere estatuto, e que superou o rude golpe no ego de ter criado expectativas com um cachopo 20 anos mais novo que sentiu curiosidade em saber como fode uma quarentona, se há algo a temer em mulheres mais sabidas. «-Estou confuso, não sei bem o que quero.» foi a desculpa que deu, e todos dão, tentando tirar delas a nódoa do amor próprio lesionado pela óbvia partida que a ilusão, delas, lhes prega. Lidam extremamente mal com a mortalidade, com a sua mortalidade. O mundo prometeu-lhes tanto, e detestam sentir que o DJ vai desligar a música. Ou que já ninguém as olha dançando. Na cabeça dela, subiu socialmente acima de mim, pois não sabe o que faço, o blogue não é lido por muita gente, poucos me conhecem os livros, etc. Para ela sou um elemento do lodo social, muito longe da superfície aquática dos que andam de iate no Tejo. Gosta de jantares com vinho caro, com médicos públicos e privados, que por um motivo ou outro insuflam emoção na sua vida com estas conquistazinhas da treta. Sente que está num patamar acima, e que só por desespero voltaria a considerar a minha pila como bengala. Desrespeita-me o suficiente para achar que sou tão parvo que não adivinho o que lhe vai na ideia. Desprovidas de introspecção, não percebem que não sabem mentir. Não conseguem olhar para si mesmas com olhar clínico, passo a expressão. «-Quero falar contigo, podemos tomar café?» «-Não.» «-Não? Não porquê?» «-Não porque não tenho particular vontade de te ver. Estás bem de saúde? Precisas de algo vital ou é só conversa de merda que te leva a ligar?» «-Estou bem, mas…esquece…» Antes que continuasse a vitimização, disse para comigo, confirma que está bem, boa noite e um queijo. Desligo a chamada. Manda mensagem a dizer que não me fez mal nenhum nem percebe a razão do meu comportamento. Respondo pela última vez dizendo, ‘Vai ao médico, então.’ Não sei se percebeu a piada. Gajas parvas não têm sentido de humor. III Comprou um carro de prestígio Quando o carro tinha 20 anos, fodíamos em campos de trigo. Era mais humilde, e via-me como um prémio. A bisavó tinha-lhe deixado a carripana velha, mas de alta cilindrada. Recebeu um aumento no escritório, e por morar com a mãe, que pagava tudo, juntou para um carro de prestígio. Cessou o direito de a comer dentro do carro. Para não estragar os estofos. O objecto de prestígio, a roupa de melhor qualidade, contrastavam cada vez mais comigo, o trongomonho que se veste de qualquer maneira. Sou um gajo teimoso e de ideias fixas. Meti na cabeça que qualquer gaja, a gostar de mim, gosta de mim pela minha personalidade e não pela minha performance como adereço. Pois raios partam, se esta alguma vez me viu de outra maneira. Talvez quando o meu brilho de cortejamento ainda era vivo. Eu via já a carta da ruptura que vinha no correio. Eu percebo-as. Mas sou teimoso, que fazer. Já perdi muito, por causa disso. Sei há muito que nos dão roupa quando querem deixar a marca na obra de arte que acham esculpir de um tosco bloco marmóreo, quando acham que não nos vestimos como deve de ser, para acompanhar a imagem e esforço que projectam de si mesmas. É compreensível, trocando por miúdos, não querem que o gajo lhes puxe o valor de mercado, o prestígio, a compostura social, para baixo. Eu, teimoso que nem uma mula, ia aos jantares sociais com botas da tropa, cabelo mal cortado por mim mesmo, não envergonhando, mas também não deslumbrando, não insuflando aquela comprazível sensação de ter um gajo à altura da sua auto-imagem. De ‘fazerem um bonito par’. Assumo sempre uma espécie de ruptura, porque me sinto preso na aparência que não acho que tenha lugar numa relação a dois, com mínimo resíduo de verdade. Por isso uso meias por cima do artelho no Verão, calções de cor gasta de há 10 Verões passados, e se me chateiam os cornos por tal digo que é por causa do ambiente, que se andamos sempre a mudar de roupa, não fazemos nenhum serviço ao planeta. Olhá lá, mas então divides o lixo e tiras as carrapetas de plástico dos pacotes de leite, mas estás constantemente a comprar roupa que vem do Bangladesh? Esta é a área da Lógica que não gostam de ouvir. Esquece, quando começam a achar que estão acima, perdem-te o respeito, e perdendo, nada há a fazer. A gota de água foi quando fui ter com ela a um casamento da amiga, com o meu Corsa a gasóleo, com motor Isuzu de 1500 centímetros cúbicos, que dura mais que as baratas vítimas de detonação atómica. Na minha Lógica. Na sua, levei uns 900 quilogramas de óxido de ferro, para um evento social que a envergonharam. Percebi logo no copo de água, que estava estranha, mais enjoada que o normal, e ri-me, de novo. Olhando em minha volta, os ratos bípedes, pressionados a ter de desempenhar e consumir recursos e merdas, para não desapontar o gajedo. Fatos engomados com gravatas constríctoras que não estão habituados, uma adorável peça de teatro a que chamamos de ‘idade adulta’, e que teimosamente recuso, por uma certa ideia de natureza humana, um abismo entre o que é e conheço, e o que devia ser. Na volta para casa, o meu carro parou por falta de bateria e tive de chamar o reboque e lancei a escada, perguntando se ia dormir com ela naquela noite. Disse que não, que tinha de fazer no dia seguinte, apesar de ser um Domingo. Percebi que o carteiro estava a bater-me à porta. Uma certa melancolia acercou-se de mim, segredando-me ao ouvido que tinha de crescer e achar que o ‘amor’, é mais que uma cabana, por mais que ‘elas’ digam que é uma adesão emocional, igual à que ouviram numa canção pop qualquer. IV Foi trocada por uma mais nova O som de uma mensagem por instagram toca e outra que voltou do passado recente, a solicitar um encontro. Mais uma parvinha que segue os seus critérios de avaliação como máximas religiosas de fundamentalismo a toda a prova. Amantizara-se com um artista de pacote, daqueles que perdem a genialidade assim que têm vulva de forma regular e contratual. Dás o pito e eu pago a renda e fingimos que gostamos um do outro. Sem dar por ele, dá por si a gostar mesmo dela, e depois está fodido, não consegue largar o anzol. Ele é conveniente para ela, paga as contas, permite que frequente a gente culta de Olisipo, e diga-se em abono da verdade, tem alguma graça a sua personalidade. É um prémio, dadas as circunstâncias de dentes separados pela idade, amarelecidos pelo tabaco de enrolar, pela magra figura de insuficiente dieta, e de olheiras pelo consumo diário de ódio para com os homens, o patriarcado, o capitalismo. Em grupos de codependência com outras gajas que lhe reconfirmam as crenças de partida, os critérios de avaliação. Chego às vezes a pensar se o conceito de indivíduo se aplica a gajas que pensam com a cabeça umas das outras. Emocionam-se umas com as outras, e essa emoção dispensa o uso de uma racionalidade com leis de congruência. Não são mecanismos que tentam resolver, mas apenas fruir as emoções que serpenteiam pelos corpos umas das outras. Por isso a indignação, potente afectação do espírito, tem foros de culto fundamentalista. Saem em trupe, pelas ruas da capital do império, alimentando sem abrigo, gatos vadios, e outras causas sociais que pouco fazem de concreto além de ajudar a passar o tempo. Sempre desconfiei desta malta solidária, com afã religioso de ajudar, de mudar o mundo grão de areia a grão de areia, e nunca consegui não ver, uma tremenda necessidade de parasitar os outros, os odiados, os rejeitados, por os tais critérios de merda, para se sentirem bem consigo mesmas. Algumas têm nos perfis sociais fotografias com crianças esqueléticas na Etiópia ou Somália, como se fossem troféus para mostrar cá no aconchego, aos outros que assim as catalogam como almas plenas de filantropia. Certa vez perguntei-lhe: «-Se me pintar de preto, enfiar um pau no cu, usas-me como bandeira?» «-A que propósito vem isso?» respondeu-me ela. «-És tão puta para mim, que indago se tiver valor utilitário semelhante, se me passas a tratar como igual.» Mandou-me para o caralho e eu respondi vem tu. Mas arrependi-me porque faz uns broches de merda. Apesar do número de engates passado, nunca aprendeu a fazer um broche de jeito, afinal isso é para agradar ao monstro mau que odeia, o homem. E odiando, sente-se melhor por ser quem é, uma vítima da patriarquia que lhe abafou a liberdade e o sonho de ser astronauta. Se eu tirasse um curso de Economia, o meu trabalho final seria o da economia do ódio. De quanto o ódio é uma virtude social, tal como a lei da propriedade e do terceiro excluído, no caso presente eu, o terceiro sempre excluído, excepto se com valor utilitário. Para malta que tem bons sentimentos para todos os outros que não eu. Pesei seriamente mandá-la levar no cu. Mas fui ao local combinado, bebericar café. Não me desiludiu. O seu prémio, largara o anzol, para morder as escamas de uma 20 anos mais nova e menos manhosa. Como eu o entendia. Eu voltara a ter valor utilitário, pois era um, numa lista de outros, que lhe declarara afecto em tempos idos. E justamente, confesso. Estava a fazer ping, avaliando como juíza, os méritos e receptividade do próximo que a aturaria. Onde há uma janela há uma porta, e como isto é tudo um regatear de preços, calculava o que mais lhe daria, e o que menos dispêndio energético, exigiria. Se eu exigiria quase nada, ou se teria de fazer broches de hora e meia, até que eu caísse na ratoeira de gostar dela apenas por causa da oxitocina largada na ejaculação. Pelo toque da pele e pela associação do rosto ao prazer de esporrar. Aposto que a posição de missionário foi inventada pelo gajedo. Que estes cabrões assim ficam mais embeiçados. É fácil rejeitar uma gaja que não nos atrai. E consegui resistir a dar-lhe lições de moral e mostrar-lhe o farrapo humano que acho que é. Paguei ambos os cafés, e disse, quando me perguntou como estava e que andava a fazer: «-De ti quero duas coisas, a tua felicidade e a tua distância.» Mais um jantar, destes das festas de Natal e celebrações quejandas. Desta vez, uma mesa comprida cheia de gente pelas bordas. Quem combinara a coisa, combinara com tudo incluído e as doses eram de banquete romano, havendo um ou outro que ia de facto ao vomitorium arranjar espaço, no decorrer do repasto. Aliás, desde o sentar-me à mesa, que o ambiente era de banquete, e só me vinha à cabeça Sócrates e as suas palermices bonitas sobre o amor. 20 e tal anos depois de pousar os diálogos, lembrava-me deles, e do quanto eu apreciava comer, beber e discutir os temas, especialmente o amor, que agora me provocava vómitos, da mesma maneira de uma canção que adoramos até descobrirmos que a letra é uma merda muito distante do que pensávamos antes. O arroz de marisco viera com mais arroz que marisco, e eu inclinava-me para trás, apreciando a única coisa boa do repasto, o vinho. Vim de Uber, e portanto, podia beber até cair de cu. À minha frente tinha uns dois ou três miúdos, na casa dos trinta, um meio desconfiado com o mundo à sua volta, um claramente desesperado e um rebarbado que me fazia lembrar a mim há uns anos atrás, sempre à espreita de uma oportunidade sexual, de comer as gajas que se oferecem e não as que realmente quero comer. Reparo que a maior parte dos tipos ficam no mesmo lado da mesa comprida, e eu fiquei no lado das gajas, com mais um ou dois tipos nas pontas da mesma. As conversas à minha volta não me seduzem, e vou degustando o vinho da casa, à espera que o jantar acabe, feita a tarefa de socializar com malta do trabalho, e de me ter forçado a dar socialmente, como forma de meter novas imagens pelos olhos adentro. No grupo há dinâmicas próprias, tensões e tragicomédias, às quais sou estranho, pois evito perceber o húmus humano por detrás das funções da treta de qualquer posto de trabalho. Os postos de trabalho são uma espécie de cosmética que se coloca sobre o rosto do emprego, a macacada vive das emoções das relações humanas que se estabelecem, e invariavelmente, falam os colegas uns com os outros, sobre essas relações, mesmo estando de férias e longe de voltar ao trabalho. É tema comum, como uma ponte sobre o estuário da individualidade, que aproxima indivíduos e ventila frustrações. O tipo que esteja de fora, fica, se quiser, a apanhar do ar, as relações, a organização do trabalho, e as reacções emocionais em torno do exposto. «-Ela veio e nem bom dia me disse, só disse passa aí o relatório de terça-feira, e eu disse, olha bom dia também se usa.» Dito isto, em avaliações de carácter de outras, ou outros, colocados na experiência de laboratório de nome ‘tripalium’. Os romanos outra vez. Ri-me sozinho, à vontade com a natureza da macacada, sempre sob o teatro da informalidade laboral. O chefe deles todos estava algures na mesa, mas eu não conseguia identificar, nem queria. Que sou de outro departamento, e sou convidado porque os desenrasco invariavelmente. O vinho, leva as aparências como rio que limpa o lodo das chuvadas de Inverno, e invariavelmente, fico cada vez mais à vontade, com a desinibição que vem com a Primavera, que é quando a coisa começa a ser interessante. O primeiro exagero no volume de voz, a primeira gargalhada desmesurada, começam a indicar que a coisa se compõe, e olho para os pratos e vejo que a maioria ainda nem a metade vai. Ninguém se quer embriagar com o chefe, ou chefa na mesa. Mas o vinho é demasiado bom. Duas tipas à minha direita, que tinham abusado em jarros de tinto, começam a discutir, por acumulações nervosas prévias, e por momentos, o jantar parece arruinado, com uma delas a fugir a chorar para o wc, com uma terceira a ir no seu encalço, em apoio codependente, que é uma coisa normal no gajedo. Fico orgulhoso de mim, por estar calado e encostado à parede, sem me estar a envolver em discussões, com o mesmo à vontade que um bom pugilista se envolve em refregas, logo eu, que bebo ou discuto, para tornar os outros mais interessantes, à Hemingway. Não porque me ache a última bolacha do pacote, mas porque me aborrece de morte, esta navegação sobre o verniz da formalidade entre as pessoas. Já pensei que é um desejo enorme de intimidade com os outros, que não se compadece com conversas de chacha. Logo eu, cuja energia nervosa só se dissipa com falar muito, sempre e demais. E o falar muito é visto pela macacada como sinal de baixo valor, nada há a fazer. E quanto mais falamos, menos nos respeitam. Mas eu não me importo, porque se fico calado sinto que me estou a anular, e só caio em mim, quando a pessoa do lado receptor do som, é porreira e não parece merecer a minha verborreia incessante. Se for um chico-esperto qualquer, não paro. Mas se é alguém que por lisura no trato, faz por me ouvir por boa educação, porra, é de elementar justiça que eu feche a matraca. Por isso alguns dizem que sou conflituoso. Não sou. Chato, por vezes. Mas desta vez estou a portar-me bem. Já comi e estou a fazer ronha na sobremesa adiada e substituída por tinto. Perco-me calado em memórias do passado que jurara não alimentar. O tempo flui, e quando dou por mim, o jantar ganhou vida própria e as personalidades individuais saem da toca. Os tipos à minha frente discutem bola, e uma tipa à minha direita havia perguntado se eu estava a gostar de trabalhar ‘lá’. Respondi uma coisa qualquer formal e que parece bem, a ver se desistia de puxar por mim, e resultou, calou-se com ar de insatisfação em surdina, pelo conteúdo da resposta. Queria avaliar o meu ‘quilate’ e vira gorada a auscultação, pela minha resposta da treta. Tomara o primeiro passo, e como não surtira o enfeito encantatório pré-imaginado, recolhia-se frustrada, para dar atenção a outra pessoa ou coisa qualquer, como se eu, o enfermo demais para perceber o valor do seu esforço, merecesse continuar condenado a uma solidão qualquer, que ela julgaria imposta, por inadequação minha. Do género, ‘fiz uma simpatia contigo meu cabrão, e nem te esforças? Morre para aí, a ver se me importo.’ O que derrota qualquer intenção de bonomia prévia e revela o carácter egoísta da ‘caridade’. Estou cada vez mais em casa. O tipo mais frustrado à minha frente, e é notória a sua frustração no seu comportamento como que uma revanche de qualquer coisa, dá por si a falar alto, como se desempenhasse uma peça na sua cabeça. Percebo que é para o gajedo presente à volta da mesa, quase todas bonitas e bem arreadas, como é normal nestas jantaradas. Os gajos não, especialmente os mais novos, vão da forma mais casual possível, com sapatilhas em forma de sapato de sola branca, e camisas mal engomadas fora das calças. Elas têm todas tanto brilho nos lábios, por causa da cosmética da moda, que quase dá vontade de usar óculos escuros. Rio-me com orgulho por estar calado, e fazer piadas para me entreter a mim mesmo. O que fala alto, fala alto para alguém, nota-se na voz e nos modos, e apetecia-me chamá-lo à parte e explicar-lhe que se quer comer ou impressionar alguma da mesa, não é esta a melhor forma. Há malta que não sabe calibrar a técnica do pavão. Que a mostrar penas, o tem de fazer de alma inteira e não à coca de captar as reacções. Deixá-lo, tem tempo para aprender. Elas, creio, preferem os dois ou três gajos das vendas, bem vestidos, bem-falantes, circunspectos, e de trato fácil. Os mais inteligentes, socialmente falando. Pelo que me contam no meu departamento, os gajos das vendas, comem as tipas todas, à vez, casadas e tudo. Mas a informação é irrelevante para mim, tento não me envolver num ambiente que conheço de soslaio, é assim, ou foi assim, em todas as empresas onde trabalhei. Nem me dou ao trabalho para analisar a linguagem corporal e descobrir o chefe ou chefa do grupo, que se comporta com uma autoridade assumida, com uma sobriedade de kapo. Nunca falha. Que se lixe, não estou interessado. Mesmo que permita aferir os beijacus e o séquito próximo, todos os que tentam agradar, para retirar algum tipo de vantagem. Lembro-me dos olhares cruzados dos painéis de São Vicente de Fora. Rio-me de novo, por alguma pretensão em achar que sou uma ave rara por ter tão estranhos pensamentos. O tipo que fala alto para que o vejam e ouçam, começa com um encómio parvo em relação às mulheres. Não sei de onde emerge a conversa, mas capta-me a atenção. Creio que na cabeça dele, assinalar a defesa de qualquer dama, equivale a vulva molhada no seio das ouvintes. Calma, tem tempo para aprender. Defende inclusivamente, curiosa palavra, que às mulheres deveriam estar vedados os trabalhos difíceis na fábrica, pois são elas que tratam do lar e invariavelmente, dos escritórios por este país fora. Muito poucas fábricas existem de trabalho industrial pesado para as mulheres, e mesmo essas deviam ser proibidas. Após mais um copo de tinto, e porque não obtivera os olhares de aprovação que almejara, vai mais longe, dizendo que o mulherio nos faz a nós, homens, um favor, por engravidarem de nós. Não consigo evitar sorrir sem mostrar os dentes, e faço por nada dizer. Fico orgulhoso pelo meu silêncio. Como não obtém os olhares de aprovação que almejara, e porque me apanha de raspão, a sorrir com a sua conversa, pergunta-me: «-Não achas?», onde estava implícita uma casca de banana onde eu colocaria o pé, se por acaso a minha resposta fosse contrária, trazendo para mim o foco de atenção do grupo, fazendo esquecer o sapateado palonço dele. A contragosto, disse: «-Gabo-te a coragem, falares destes temas, que nos dias que correm, são tão evitados como outrora o geocentrismo.» Há alguma atenção para o que digo, mais pelo carácter de novidade de quem eu seja, que pelo crédito de rua, uma vez que sou de Letras, e a maior parte dos engenheiros e contabilistas naquela mesa, acalentam a crença de que a malta de Letras escolhe Letras, porque as Exactas é que são difíceis. E que o mundo do trabalho é que é o verdadeiro e o mundo da cultura é um achaque de inaptos. Como a minha resposta é esférica, simpática e sem ângulo de rebate, ele fica ainda mais ressabiado e envolve-se em disputas velhas com os outros que conhece há mais tempo. Alivia-me ter escapado a mais um debate ao qual não saberia escapar, porque também tenho um espírito de missionário, de fazer a malta duvidar das suas crenças, e que duvidar delas é bom. É uma crença minha. Mas da ponta da mesa, alguém pergunta: «- Mas isso significa que achas que o que ele disse em relação às mulheres, não é o correcto, mas é algo análogo a um dogma religioso?» Pronto. Eu tentara evitar, e manter a boca fechada. Toda a população à volta da mesa, ficou em silêncio, o que acentuou a necessidade de eu dar resposta e não poder fingir que não ouvira a pergunta. A interlocutora está vestida com um fato preto, mais um decalque dos fatos fraque masculinos, como outros, como os leggings, ou as malas de tiracolo. Lembrei-me da Simone de Beauvoir e de como sustentava que a identidade feminina ia buscar muito à masculina, sendo cópia com interpretação livre. De como isto tinha tanto a ver com Fanon, o ideólogo da vitimização. De como todos convergiam em Sartre… Mas não interessava, ela continuava a olhar para mim, à espera de uma resposta. Do outro lado da mesa, o que incomodava, quem estava pelo caminho. Respondi, «-Citando Voltaire numa frase que nunca disse, sabemos quem manda em nós, quando sabemos quem não podemos criticar.» E calei-me, encostei-me para trás e bebi mais um pouco de vinho. Claro que a resposta não a satisfez. Cada vez mais autoritária, exigiu: «-Explica, por favor.» «-Como pediste por favor, eu explico.» Olhava para mim com pequenos olhos azuis, cabelo pintado de loiro platina, e dois imensos aros a fazer de brincos, o que no meu livro significa serem brincos de actriz porno. Isso excitou-me e pensei, deixa lá antagonizar esta gaja. «-Existem duas ideias que baseiam a vitimização feminina, e uma multiplicidade de contradições. Primeiro é que as mulheres foram sempre e sistematicamente oprimidas pelos homens, o que não só não é fácil de provar no registo histórico, como é pouco provável que 50% da população tenha de forma duradoura e sem falhas, oprimido outra metade da população. Claro que houve alturas em que o marido tinha direito de vida sobre a esposa, mas isso nem sempre foi a regra, e só aparece como tal hoje, devido a uma multidão de gajas que vão à historiografia tentar provar a sua ideia feminista.Por exemplo, não conheço nenhuma manifestação de esposas de esclavagistas, a tentar acabar com o tráfego que lhes trazia bem-estar material para casa. Quero com isto dizer que, não partilho da ideia de opressão contínua e persistente, mais acreditando que as pessoas do sexo feminino sempre tiveram outro tipo de formas de influenciar a narrativa histórica, o que me leva á segunda ideia feita e contraditória.» «-Qual?» pergunta ela de imediato. «-A de que, face a esta opressão, a mulher é ao mesmo tempo anulada e ao mesmo tempo um sujeito histórico. Significa que a anulação foi feita por incompetentes. Ou que as mulheres são feitas de um barro mágico, diferente. O que implica que não haja igualdade.» Percebi que ela percebeu a minha cilada, com este silogismo. Antes que ela dissesse algo, tirei uma caneta do bolso da camisa, e escrevi algo num guardanapo. Estendi a palma da minha mão para ela, e disse: «-Não digas nada ainda.» o que a fez ficar vermelha de raiva. Entreguei ao gajo que me interpelara antes e disse-lhe «-Não leias ainda, só quando eu disser, se faz favor.» Ele riu-se mas anuiu, mantendo o guardanapo dobrado à sua frente. Virei-me para ela, e disse, «-Desculpa, podes dizer o que ias a dizer.» Todos se olhavam de soslaio, especialmente para o guardanapo, sem perceber o encadeamento das minhas acções. E ela diz: «-A minha mãe nunca teve possibilidade de estudar, para limpar a casa e servir o meu pai e criar-me a mim e às minhas irmãs. Pelos vistos, para ti, isto não é anulação.» Respondi: «-É a forma tradicionalista de constituir família, onde, antigamente, bastava um trabalhar para sustentar a família. Mas não vejo onde está o drama nisso. Eras capaz de ficar com o teu marido em casa, enquanto tu ias ganhar o ordenado para todos? E ias continuar a respeitar o teu marido da mesma maneira? Responde honestamente, se faz favor.» Ela ponderou, e pareceu-me que de forma genuína. «-Não, acho que não. Não o ia respeitar da mesma maneira, tal como o teria em menor respeito, se ganhasse menos que eu. Mas não sou casada, nem isso tem que ver com a anulação do exemplo da minha mãe.» Em frente a ela, outras duas continuaram a falar, sobre a sua total capacidade de viverem uma vida em que o marido estaria em casa a tratar dos filhos. Tentavam cativar-lhe a atenção, mas ela estava à espera da minha resposta. Eu disse: «-Achas que os gajos ligam ao que uma gaja faz, é ou ganha? E tu e a tua irmã, são filhas verdadeiras da vossa mãe?» A cara dela era de estupefacção. As minha perguntas não faziam sentido, mas ela pressentia uma intenção encoberta. Uma armadilha qualquer. Ponderou de novo. Respondeu: «-De facto, pela minha experiência, os gajos querem é saber se a mulher tem bom rabo e bons seios. Não quanto uma tipa ganha. E sim, somos filhas biológicas da minha mãe. Que tem isso a ver?» «-Tem a ver que o teu exemplo é um mau exemplo porque mostra uma situação ideal, quase impossível hoje em dia, em que um dos elementos do casal fica em casa a tratar da prole, sem perda de respeito por parte do parceiro, cuidando do seu legado genético. Parece-te a ti, anulação, que a pessoa feminina trate do seu legado genético, fim último neste mundo nesta natureza? Ou para ti, a realização última do indivíduo é uma carreira, ou um diploma universitário, e não a propagação dos SEUS genes à geração seguinte?» A minha resposta confirmou a sua suspeita, e como era de esperar, começaram as 3 a falar comigo ao mesmo tempo. Deixei que se atropelassem, e quando perceberam que eu nada percebia do que diziam, calaram-se uma a uma, e voltou a amazona loira platinada, a tomar a palavra. «-Mas tu achas que o mundo, e as pessoas assentam apenas nessa lógica determinista? Que não somos mais que máquinas procriadoras? Que dizes da alma, do amor, da empatia?» «-Não, mas também não acho que sejamos muito mais que o código genético que nos define, e a nossa definição é a de macaquinhos sanguinários capazes de poesia. Alma? Quantas vezes pensas na tua alma por dia? Mais ou menos vezes que aquelas que vais à casa-de-banho? Amor? Amor é uma palavra que é um saco onde metemos as definições que queremos e que são mais convenientes. Se o amor é para sempre, porque é que acaba? Os amores são passageiros? Qual é a diferença de amor para capricho passageiro, então? Empatia? Que empatia tiveste tu com os teus ex namorados a quem enxotaste sem consideração pela capacidade empática dos mesmos? És, somos, ou não crápulas egoístas, que gostam de pensar bem de si mesmos, através de palavras bonitas que denotam impossibilidades biológicas?» Ela ficou para lá de vermelha. Algo reverberara nela, e aposto que foi a alusão à forma como eu retratara as potenciais canalhices feitas a outros, em contextos de namoricos. Como se de alguma forma eu soubesse do segredo. Ela deve ter sentido que tinha de tirar o ónus de si, e que o podia fazer, atacando-me com vergonha, desqualificando-me o discurso, retirando-lhe racionalidade e fazendo-o decorrer de uma reacção sentimental amargurada. É melhor desarmar assim, colocando o foco no amargurado, mais que lhe deixar sobressair a evidência lógica do afirmado. «-Tu só podes falar assim porque tiveste algum desgosto amoroso que te fez odiar as mulheres.» Ri-me. Respondi: «Eu não odeio as mulheres, pelo contrário.» Pedi ao rapaz que tinha ficado com o guardanapo, para o virar e mostrar aos restantes convivas, o que lá estava escrito. Ele assim fez, lendo primeiro, desatou a rir-se, e expondo a todos os outros, podia ler-se: «-Argumento continuamente central : Quem te magoou?» As risadas espalharam-se pela mesa, e as três voltaram a falar entre si, para mim e a cavaqueira prosseguiu como normalmente prossegue. Reclinei-me para trás e fiquei estranho comigo, afinal não evitar mais um bate-boca. O tipo do guardanapo, ao perceber que a minha antagonização lograra mais atenção que os seus encómios, a avaliar pelo rubor das cachopas e da discussão entretanto estalada, exclama várias vezes, logrando captar igual reacção emocional para si, longe de uma neutralidade e desprezo costumeiro: «-Pois eu concordo com esses tempos tradicionais, acho que devíamos voltar a eles, as mulheres deviam voltar a ficar em casa a tratar dos filhos.» Olhei para ele e até eu achei que ele se excedera, porque tenho a certeza que não tinha argumentação ou verve para sustentar a bomba. As reacções das outras cachopas foi de espanto exagerado, associado a asco. Antes que fosse totalmente eliminado pela atenção negativa, perguntei: «-Como vais fazer isso sem retirar direitos aos cidadãos femininos? Esses tempos tradicionais não voltam meu caro, a menos que aconteça uma catástrofe apocalíptica. Nem devemos nós tentar impor o quer que seja, ao gajedo. Mesmo que convencesses todas as gajas do mundo, ou só as do Ocidente, o mal está feito. O tinder, o bumble, foram cancros que se espalharam rápido e mataram os hospedeiros. A mulher, sabe que há sempre um pretendente, um novo desafio, um outro homem, num arrastar de dedo indicador. As que se contentam contigo ou comigo, fazem isso, acomodam-se, contentam-se, que remédio. Nunca conhecerás desejo genuíno por parte delas, apenas contratual. O mal está feito, e não pode ser desfeito, pelo menos com estas mulheres, que podem fingir, mas eventualmente apanhas quem finge. É cada vez mais difícil que te encarem como prémio, há tantos e sempre perto, mesmo que estejam no Dubai. O excesso de oferta obliterou o mercado.» Na sua cara percebi que ele já sabia o que eu dissera. Queria era continuar com a ilusão. Prossegui: «-Não estou a dizer que as mulheres isto ou aquilo, apenas a dizer que o mundo actual pulverizou qualquer forma de relação desinteressada, quanto baste, porque criou um desequilbrío nos poderes. A mulher, e bem, é a guardiã do sexo. Do seu corpo. O sistema só funciona com alguma carência. Com equilíbrios. Retirados para meter o gajedo a consumir mais.» Parei a narração porque percebi que era o único a falar e falara demais. Na hora de pagar a conta, nenhuma gaja veio ter comigo para prosseguir a noite, não fiz papel de engatatão, e vim de uber para chez moi. Mordendo a língua por não a conseguir controlar. No dia seguinte sou chamado aos recursos humanos e dispensado do meu posto de trabalho, por não perfilar a mentalidade inclusiva da empresa. A chefa afinal, era a gaja que dera o exemplo da mãe. Optei por não encetar um debate sobre o delito de opinião. Ao invés fiz-me de triste e disse, é uma pena, e logo agora. Ela respondeu, do outro lado da secretária:«-Logo agora porquê?» «-Logo agora que andavas a imaginar eu chegar a casa, comer-te de costas no balcão da cozinha enquanto os putos brincam na sala e a panela do jantar apita no fogão.» Como pensei, ficou desarmada, especialmente no local onde se achava rainha e senhora. Pisquei o olho na direcção do seu rosto vermelho vermelho, e fui-me embora assobiando. Ela perguntou-me o que achava eu, mais bonito entre as pessoas.
Olhei para ela e demorei o meu tempo a responder. Mas respondi. «-O mais bonito entre as pessoas, aqui visto dos meus sapatos, é a relação entre homem e mulher, sem subterfúgios que não a honestidade do desejo mútuo. A maior parte das vezes é ficção, é contextual, é egoísta, mas eu acredito, porque já conheci, gajas que mudariam a sua religião por mim, que assaltariam um banco comigo sem que lhes pedisse, que fariam amor comigo sem ser em troca de qualquer coisa, que não a minha presença.» Ouviu, reverberou nela, mas manteve-se calada. Talvez por perceber, mas ser incapaz de reciprocar. Chutou para canto. Perguntou, meio fingindo «- Não percebo porque dizes tantas asneiras nos teus textos.» Respondi, «-A minha pátria é a minha língua, e macacos me mordam se me escondo das ruelas e esgotos da minha pátria.» Calou-se de novo. Meio a testá-la, meio a sério, disse-lhe que ia assaltar um banco. Ela riu-se e exclamou «-Não sejas tonto.» Retorqui «-Disseste-me tudo o que preciso de saber sobre ti.» Vesti-me, fechei a porta atrás de mim, e congratulei-me, pela maturidade de finalmente perceber de longe, quem me vê como fim, ou como meio. Palavra do Senhor. Bem, a malta não acredita. Antes, eu pensava que era por causa da mariquice de a realidade suplantar a ficção. Hoje sei que é porque a maralha, acha sem ter muito a dizer ou decidir sobre isso, que o que se queixa de amor ou dos outros, é ele mesmo merecedor do castigo, ou pior, inábil a jogar o jogo que todos jogam mas de que poucos sabem as regras. Um ou outro oscila entre «-Eh, foda-se, isso aconteceu mesmo? Não estás a inventar?» Os demais respondem com silêncio desdenhoso, com uma cara de descrédito pelo que é ouvido ou lido, como se o narrado fosse uma historieta que conto para sair sempre bem na fotografia. Ou uma reacção nervosa às consequências da minha inadequação. Um ou outro, mais batidos, tratam-me como velho guerrilheiro, irmanado em velhas e conhecidas selvas. Olha, foda-se. Já sei que não fui feito para ser entendido, que se foda. Siga a Marinha. Estou encostado ao vão da sua porta do quarto, com a cabeça encostada num antebraço esquecido de si, feito apenas para acolher a minha testa suada. Dou por mim a pensar em todos os que já foram. Todos os corpos e almas que em enriqueceram a vida, me deram a honra de os poder conhecer, mesmo as putas indigentes que nunca conseguiram perceber a profundidade da sua indigência humana. O sentimento que emerge da lembrança deixa-me angustiado. Dava tudo para os ter por cá de novo, não quero que sofram ou morram, mesmo as que mais me fizeram dóidóis. Não é bem tudo, mas quase. Não quero que sofram, apesar de terem sofrido. Não quero que tenham vidas mais ou menos anónimas, apesar de as terem tido. Se algum deus me disser, olha, dás um colhão ou um braço e este ou aquela, voltam da morte. Eu não dava. Quer dizer, se calhar até dava, depende do quanto sinto a falta de outrem. Que se foda, sei que me entendes. O quanto gostava que os ‘meus’ mortos não tivessem sofrido. Que foram amigos ou conhecidos temporários, aos anónimos conhecidos de vista que se lançaram da ponte 25 de Abril, os que morreram de cancro, de acidente de viação, de desgosto. Se eu mandasse, nenhum morto poderia replicar em mim a dolorosa experiência da sua ausência. Sim, talvez seja cobarde. Atrás de mim, da cama, ela grita, «-Podes vir, vem comer esta coninha toda!» Tinha-me pedido 5 minutos, para vestir uma lingerie que me ia ‘deixar louco’. Quando a vi só consegui exclamar:« -Foda-se, isso é de velha!» Epá, umas rendas e uns cetins como se usava nos anos 80, a tipa vestira-se da forma que achara que me ia excitar. E eu, ó que caralho, eu disse a esta gaja que eram rendas de pescador, e o papo de cona bem gordo e convidativo para a minha boca por entre rendilhado análogo a cárcere. Esqueci-me de dizer que também há malta que acha que escrevo uma espécie de porno de cordel dos anos 70. Não tenho sorte nenhuma. Ela diz-me ‘-Desculpa? O que disseste? Não percebi!?’ Porra. Também não a quero magoar e a cavalo dado não se olha o dente. Tenho de fingir que estou excitado. Solto o reportório de gemidos monossilábicos e sei perfeitamente que a gaja sabe que estou a fingir. Soa a falso. Nem quero saber se fez de propósito. Vem com esta merda de vestimenta, que é a imagem reflectida da ideia do que acha excitante. Oh amiga, penso eu, achas que eu me passo com lantejoulas farsolas e batidas… Mordo-lhe o interior das pernas, e do nada recebo uma bofetada com toda a força, que me deixa o nariz a fungar molhado e uma espécie de campainha dolorosa decorrente dos sinais de dor áspera da pele na zona do impacto. Ao recobro, olho para ela para perceber o motivo da agressão totalmente inesperada. Franze os lábios naquela expressão própria dos filmes porno, e diz ‘-Come essa coninha, come!’ Passo a língua por dentro dos lábios, a ver se a dor aplaca, e antes que termine o trajecto, recebo outra lambada, desta vez com os nós das mãos. Alto e pára o baile. Digo-lhe ó amiga, não bato nem recebo, voltas a fazer isso e te garanto que te vai doer. E isto não é para ficar já por aqui. Devia ter ficado por ali, porque ameaçar, e não fazer, é cena de conas. Recuperei facilmente a tesão, com uns afagos que ia fazendo, e de novo, do nada, esmurrou-me, desta vez no sobreolho. Parou tudo, e olho, estranhamente, primeiro para ela, e não para as roupas que indicavam o caminho da rua. A minha curiosidade era ver se tinha partido a mão, que as gajas não sabem esmurrar. Pelos vistos não, e ainda olhava para mim, desafiante, expectante, à espera da minha reacção para aferir se eu era um conas ou não. Detesto violência, mas detesto ainda mais ser testado. Disse «-Eu não te avisei?» Ao que ela respondeu com um menear de anca, e uma cara de desafio, de boca aberta e quase que a dizer para eu dar o meu melhor. A minha bofetada saiu fraca. Pouco alarde, apenas o suficiente para pintar ou esguichar, a parede de vermelho vivo. Ao ver a coisa naquele nível, pensei para comigo, pronto, fodi a minha vida. Esta gaja faz queixa de mim e estou fodido. Sentindo-me querer virar, prende-me com as suas pernas, extraordinariamente fortes, como se estivesse numa guarda. Só que a guarda do Jiujitsu, é defensiva, e ela prende-me para aproximar a minha cara, para me esmurrar de novo, desta vez abrindo-me o lábio. Aqui perdi conta de mim, sei que quando olhei para baixo, a sua cara estava o dobro, e escorria-lhe sangue por todos os lados. Meu Deus. Que caralho fiz eu? Mais que o sentimento de estar fodido, estava em choque pela dimensão do dano provocado, pelos meus punhos. Eu sei o dano que podem causar, mas nunca o tendo causado, estava a ter um lidar difícil com essa constatação. Abano-a e pergunto se estás bem. Inclino-me para o telemóvel e começo a ligar para o 112, e ela estica o braço para mo desligar a tempo. Está consciente e não a reconheço por detrás das lesões, disforme, inchada, amassada. Devo-lhe ter dado uns 3 ou 4 estalos com força, mais que isso, teria morto a pessoa. Coloca, os braços à minha volta, puxa-me para baixo e sussurra-me ao ouvido: «-Nunca fui tão bem comida. Não te preocupes, podes ir.» Foi cobarde da minha parte, mas fui. Tapei-a, deixei faze na mesa de cabeceira, e água oxigenada. Dormia serena e descansadamente. Fui-me embora e a minha vida só voltou a ter paz quando a vi na rua, totalmente recuperada, de uns 2 meses a esta parte. É tão fácil mandar os princípios às malvas quando é o nosso rabo na jogada. Felizmente, mesmo que conte a alguém, ninguém acreditaria em mim. Pediu-me para ir ter com ela ao Sol Poente, na sua casa ali na Lapa. Eu não tinha muito que me apetecesse fazer, e queria começar as operações lúbricas assim que ela chegasse, tendo por garantido, na minha imaginação, que me chamara para repetir os últimos 20 dias e tal, de sangue, suor e saliva em torno de quem mais se distraía do existir através do corpo do outro. Toquei à porta, mas ainda não havia chegado. Resolvi ir para o café em frente e controlar a sua entrada. Imaginei uma hora no máximo, distraído entre uma cerveja e o meu Dostoievski. Mas ao entrar, estava a dar a bola, e o ruído parecia-me gorar os planos. Mas sentei-me a um canto, ia vendo a bola, e roendo uns tremoços e ‘minuins’. A bola é uma merda que agrega quase toda a gente que se junte no mesmo espaço, um bypass racional que como a cerveja ou o tinto, aproxima os entes, pelo sacrifício ritualizado dos neurónios. Cometi o erro de dar a minha opinião, contra a opinião de dois ou três, que comentavam mais alto, o jogo. Estala o debate, de opiniões contrárias, onde eu tinha algum crédito de reserva, por ser desconhecido de todos no local. Lá me devem ter achado graça, e ao mesmo tempo um qualquer desafio, pois o meu linguajar e capacidade argumentativa, era novidade e convidava a novas vagas de rebate, por parte do interlocutor. Consta até, que certa tarde, num comício e bebício entre comunistas, defendi as virtudes do Estado Novo, de forma polida e correcta, por estar meio bêbedo, claro. Por alguma estima, e pelo tal carácter de desafio, deixaram-me falar o tempo suficiente, deste meu capricho, para desencaminhar um ou outro, para a minha via argumentativa. «-Camarada como crias unidade numa mole populacional, se não criando ficções nacionalistas? Portugal sempre foi um país de filhos da puta que só pensam no seu umbigo, pelo que o Salazar deve ter lançado a mão ao que podia, para criar uma qualquer identidade nesta malta, gerações após gerações exploradas por capitalistas transfamiliares.» Custava-lhes, também por estarem meio ébrios, ouvir qualquer encómio ao senhor de Comba Dão, mas, saiba-se lá porquê, o meu ‘argumento’ fazia-los pensar, até porque me socorria de Marcuse e da traição do proletariado de hambúrguer na mão, aos ideais marxistas. Às vezes dá-me para estas merdas. Certa vez quando saí com dois amigos meus, pretos, passei a noite a tentar convencê-los que eu também era preto, apesar de ser tão branco como parede caiada, só pelo facto da minha avó ser originária de uma terra na foz do Sado, para onde fugiam muitos escravos. Gosto da refrega verbal, gosto do jogo de ganhar a discussão. Foi sem esforço que me vi envolvido numa discussão alargada sobre o maior jogador de bola de todos os tempos, e eu claro, defendia o Eusébio e logo a seguir o Chalana. Uns defendiam o ido Gomes, e outros o Cristiano Ronaldo. Conversas da treta, que ajudam a fazer passar o tempo, e que fazem invariavelmente que as imperiais pagas por outros se empilhem à minha frente, à espera que as sorva com goela de pato. Nenhuma conversa fica muito tempo no mesmo sítio, e às tantas o assunto, por causa de um exemplo dado, sobre a fidelidade clubística, descamba para o campo de relações entre homens e mulheres. Calei-me. O tema puxa por mim, e não me quero deixar arrastar para o centro do que debatem. O ambiente escurece com a passagem de mais um dia de Sol, e o fumo do tabaco torna este cabaré em algo com mais estilo que a luz do dia normalmente permite. Estou no meu ambiente, o debate e o putedo. Atrás de mim cínicos, à minha direita, platónicos, à minha esquerda, aristotélicos, à minha frente, idealistas, uma sinfonia desgarrada que versa todos os assuntos. Vejo-a entrar em casa e congratulo-me por ter mais afecto pelo debate, que pela vulva. É sinal de liberdade, penso. Liberdade de vozes prenhes de paixão no debate, no envolvimento de cada participante que chama a si a sua experiência e observação, para completar ou reformular as perspectivas dos interlocutores. O fumo de tabaco, a cacofonia e o cheiro a carne assada e suor, fazem que o ar seja denso, ocupado, atarefado. Por cada mesa,um ou outro amargurado com o quer que seja, fala de amor e de desilusão amorosa, facilmente dispersa com a artificial atribuição de um monopólio dos defeitos, ao grupo de pessoas que caracterizam os amantes. Elas maldizem deles e eles maldizem a elas. Que as mulheres são criaturas instáveis e caprichosas, com particular pendor para a maldade gratuita. Tresloucadas pela sobrevalorização de bens materiais e validação emocional, como forma de conseguirem viver consigo mesmas. Eles, retratados por elas como brutos, que não percebem as nuances sentimentais, o complexo edifício emocional e simbólico da mulher, esse bicho acima de deus, que parece não lograr alguma vez, ser entendido pelo mundo. Que são manipuladores e mentirosos, e que andam com esta e com aquela, num lamento pestilento, não da traição de uma alma irmanada, mas da escolha de uma tipa qualquer que assume o lugar de rival. Riem-se deles, que não sabem como lamber o clitóris, e são retratados quase de forma subhumana, pela falta de sofisticação em saber o que é um sommier. Observo calado, e escuto os argumentos, de lado a lado, iniciada a contenda, que por vezes se agudiza por um encontrar de testas de um ou outro mais exaltado, uns sorrisos de escárnio desta ou daquela que assim desvaloriza o interlocutor que a visa. Creio que estão no espaço, uns 2 ou 3 idealistas românticos, eu incluído, e perante a vergonha para com a sua forma de ver, estão calados, evitando denunciar a sua crença por via de sons para que outros oiçam. Cada um afoga como recém-nascido não desejado no alguidar do parto, as suas ideias sobre o poder transformativo do amor, o vínculo profundo e significante entre duas almas, que passam a não poder viver suportavelmente sem a companhia uma da outra. Afoga-se a ideia do homem tradicional como protector, apaixonado, e das mulheres como femininas, sensíveis, com ética e princípios, que não tratam os tipos como objectos animados desprovidos de alma e de sensibilidade nula para com as suas acções. Os pragmáticos estão no meio do recinto, de costas para o balcão. Para eles, as relações são um mal necessário, uma condenação a la Sartre, um meio para o fim da reprodução humana e da sociedade que reduz o eterno homem lobo do homem. Os mais conas encaram as relações como uma forma de crescimento pessoal e iluminação acerca do que seja a ‘vida’, deixando completamente de lado, a guerra civil que opõe os vários lados das barricadas, pelas quais os indivíduos se dividem, consoante o que querem, o que têm no meio das pernas, o baralho genético recebido, a idade, etc. Há os sofisticados que acham que tudo se resolve com relações abertas e poliamor, e que se opõem aos que sonham pelo regresso a uma vida tradicional, mais propagada pela Disney, que pela realidade objectiva passada. Fora uma ou outra erupção emocional, característica de velhas rixas entre os transeuntes, os debates que geram a cacofonia, são extraordinariamente bem-educados, com polidez, e com respeito uns pelos outros, na hora de falar. Não se ouvem muitos atropelos e levantar de voz. Os magoados não conseguem mudar de opinião. A que defendem está ligada às feridas fatais a que não conseguem escapar. Elas como eles, suspiram pelos prémios que já foram, eles lembrando mais a traição ou o abandono, e elas lembrando mais a memória da sua culpa assumida de não ter conseguido fixar o gajo considerado como prémio. No fundo dois grupos, ordenados de acordo com a profundidade do sofrido, que decorre também, da importância dada ao amor, às relações, entre pessoas. Se para um gajo ou gaja qualquer, há uma significação do namorico como algo de tão trivial como de ir a uma reunião de trabalho, o dano é menor que na cabeça daquele ou daquela, espíritos sérios e envolvidos, que quando se apaixonam, apaixonam a sério e, portanto, a traição ou mágoa, são mais difíceis de ultrapassar. A divisão entre borboletas e elefantes. Mas os grupos são heterógenos, pois alguns de ambos os lados, consideram que o amor é um interessante tema de pensamento, outros consideram que é uma coisa muito pessoal, pessoal demais para qualquer tipo de leveza. Quando me farto do ruído que entretanto amaina, escuto as ressacas, aquela malta que acha que descobriu o segredo, que o suposto sucesso reflecte um valor próprio qualquer, completamente alheios aos motivos reais desse sucesso. Um fogueiro reformado, com dedos rebentados e feios, de décadas de trabalho, diz que a coisa nada tem de segredo, que basta falar, falar muito com a outra pessoa. Um polícia de folga, diz que basta chegar sempre com o bacon em casa. E vestir bem, e ter um bom carro. Um grupo de 4 mulheres diz que basta serem levadas regularmente a jantar e a passear. Que sejam românticos com elas. Que é meio caminho andado. O polícia pergunta se alguma vez andaram com gajos que são o contrário do que defendem querer. Dizem que sim, mas quando eram novas e não sabiam o que queriam. Ele ri-se, e elas ficam irritadas, fechando-se sobre si em codependência. O dono do café, diz que é o quererem levar a rumo, um destino comum. Que é a comunidade de interesses que tem com a mulher, que faz manter o casamento decano. A conversa continua lá dentro, eu venho cá fora apanhar um pouco de Sol, sentado em cima das grades do móvel das bilhas do gás. Dirijo-me à porta da rua do prédio, plenamente convencido de que se aproxima mais uma sessão do acto menos original conhecido pela Humanidade. Paro a meio caminho e pergunto-me se quero realmente repetir esta parvoíce sem sentido, mas lá está, a coisa só não tem sentido porque a contrasto com o sentido que eu acho que as coisas devem fazer, e eu sou um romântico idealista. Dou dois passos e pergunto-me se não estou demasiado cheio de passado. Tingido com o negrume de memórias do menos positivo, que somos programados pela Natureza, a lembrar com mais clareza e intensidade. Toco à campainha e subo ao primeiro andar. Ela recebe-me com uma cara sombria. Não nos beijamos e percebo que está nervosa e constantemente agarrada ao smartphone. Pergunto que me queria, uma vez que me convidou a ir a casa dela. Ela responde que é para falar directamente na minha cara, que as coisas não estão a dar para ela, e que temos de deixar de nos ver durante uns meses. Eu ri-me, e disse meio zangado meio a brincar que não tínhamos relação para isso, e que escusava de me ter conduzido ali, que ia perder meia hora a voltar para trás. Ela responde que então para ti eu valia pouco mais que o tempo que perdes a vir para aqui. Ficou fodida por eu não ter o choque do afastamento que solicita. O que é mau para o seu amor próprio. O descartado ainda assim tem valor utilitário, de degrau para o seu amor próprio. Eu digo que não diz nada com sentido. Que fui ter com ela, sem saber que queria deixar de me ver. Afinal é só durante umas semanas e para meter a cabeça em ordem, segundo me diz. Chega até a agarrar-me na mão e a metê-la no meio do seu peito, e suspeito que é apenas para me comprometer o suficiente, para me poder descartar totalmente e assim salvar a sua face para consigo mesma. Tiro a mão e digo que deve ter feito alguma má interpretação acerca da pessoa que sou. Viro-lhe as costas e desejo-lhe felicidades, de certa forma aliviado, e creio que ela também. Demoro mais uns minutos no café, indo ao WC libertar a cerveja previamente ingerida, e vejo que pára um Alfa Romeo em frente ao prédio de onde recentemente saí. Ela vem à porta receber o tipo que dele sai. Rei morto rei posto penso eu. É assim, no mundo, na vida. Bolos em vitrinas rotativas, que são substituídos à medida em que são comidos pela voragem do tempo. E as pessoas, como cacos velhos, acabam os seus dias agarradas às suas memórias e à surda interrogação, sobre o porque não conseguiram resolver a equação do que é manter outro no acto de amor mútuo. Andava há semanas a fingir que não aceitaria o seu convite para ir beber uma cerveja preta à Expo. Não costumo, por incrível que pareça, dar muito crédito a gajas que se metem comigo por causa do blogue. É malta que sente, como coelhos nocturnos, um apelo irresistível por faróis que encadeiam, numa aparente noite escura, , que após a proximidade, são cuspidos como se nunca tivessem passado de meros fósforos de bolso que pretendiam enganar toda a gente aproveitando o fulgor do momento de deflagração…e pouco mais. Nem se apercebem de andarem atrás da sua fantasia ou ilusão, transpondo para o eterno, a elaboração de mente infantilizada que tomam como desejável. Há anos, eu era ingénuo e estúpido o suficiente para fazer o disclaimer, ou aviso à navegação, olha lá, há uma diferença entre as 3 pessoas! Que três pessoas, perguntava o gajedo invariavelmente. Eu, o escritor, e o caralho que seja, que tens na tua cabeça acerca de ambos. Dizer isto, apesar de bem-intencionado, fazia com que me olhassem de soslaio como que pensando acerca do erro da sua intuição fatal, mais mito que outra coisa qualquer. Então mas queres ver que o gajo é um poser? Como se um gajo, para ser autêntico, tivesse de estar balizado no Aut-Aut de Kierkegaard. Ou és um gajo concreto, ou um rockstar qualquer, que escreve em vez de cantar ou tocar guitarra. Não é as palavras o que procuram, mas o sentimento de captar um prémio, um gajo diferente dos demais, com penas de pavão que disfarcem o ser-se mero galo de aviário. Anda quase tudo à procura do mesmo, de totem’s oferecidos pelo mundo, que nos façam sentir que Deus nos pisca o olho lá do alto. Dizendo, «-Toma lá cabrão, toma lá puta, Vou dar-te algo de especial, para que esqueças todos os teus tormentos.» Invariavelmente é tudo tiro de salva, porque a fome do mundo esconde a incapacidade de se ser feliz, e nada há de mais detestado pelas gajas, que o sentimento que têm de se contentar com algo que não corresponda às suas aspirações, por mais fantasiosas e infantis que sejam. Até porque vivemos num tempo em que as ensinamos desde tenra idade, que o mundo lhes deve algo, e que…o homem ideal para elas, está além do planeta Terra. Tu mereces muito mais princesa, qualquer homem concreto que não traga mais para a mesa que a sua pila e personalidade, não é digno dos teus pergaminhos…que são… trazeres a vulva como hipoteca do teu valor pessoal. Deixa lá testar mais um pouco. A fantasia acerca de mim, o gajo por detrás das letras, carregava um peso prestes a guilhotinar-me o pescoço da sua aprovação. Já não me bastava o feitio plácido que a Natureza fez acompanhar o meu falo insaciável, que ainda tinha de me esforçar por estar à altura do mito paralelo ao trabalho das minhas mãos e da minha cabeça. Foda-se, e eu que não aprendi a tempo que a malta gosta de falsa moeda, props ao Nietzsche. A deferência para com o criador, leia-se, o gajo que parece ter umas penas de pavão diferentes, durava umas 3 semanas no máximo, até descobrirem que sou um tipo feito do mesmo barro que a restante malta homo sapiens que paira por aí. É um autêntico contra-relógio, até que a espada de Dâmocles caia, e é por isso que vemos gajos tontos nas estradas a passear as matronas enfadadas pelas paisagens aborrecidas. É por isso que vemos gajos a endividar-se em créditos de prestações a 8 anos para comprar carros que impressionem. Que vemos gajos que facilmente esventram um outro qualquer por lhe ter levado o tesouro, a gaja, essa deusa implacável difícil de agradar e manter. Matam-se uns aos outros, matam a elas, em cornucópias estúpidas de desespero e vistas curtas, pura e simplesmente porque adoptam uma mentalidade de carência. «-Eu quero é que a gaja se foda.» Dizia eu, acompanhando o meu amigo, que foi à Junta de Freguesia ali à beira do Tejo, entregar uns papeis por causa da filha. Fui a foder-lhe o juízo o caminho todo, gozando com a sua sujeição à dona, a sua mulher. Quando se chateia com ela, sou o primeiro a dizer para pensar melhor quando diz que a vai mandar comer no cu, e está farto dela. Eu sei que gosta dela, e que apenas está a ventilar. Fora disso fodo-lhe o juízo, porque sei que a única forma de a manter, é tendo uma mentalidade de não ser expropriável para obra pública. A filha de ambos é a cola do casal, remediado com a presença mútua. «-Vai lá tratar disso ó boi.» digo eu enquanto observo os quadros e as fotografias nas paredes do espaço público. «-Dá-me 5 minutos rabeta.» responde ele. O espaço tem algumas janelas, um gabinete escondido à direita da porta de entrada, uma sala imensa de frente à esquerda, lavabos à direita e um hall espaçoso. Foi uma antiga escola primária, que morreu à míngua das crianças que deixaram dela precisar. Pelo lado Este, fui ver a paisagem, uma pequena rua de moradias velhas, algumas com o musgo seco como se de cuspo acintoso expelido nas paredes que raramente são beijadas pelo Sol. Sol que se começa a despedir ao meio dia, entretido no seu mergulho decadente, pelas costas mediocramente aquecidas, do espaço onde me encontro. A visão baixa-me o nível energético e aumenta-me o reflexivo. O meu Portugal está a desaparecer. Sinto que a imagem que me passa pelos olhos, faria sentido à 20 anos atrás, agora sinto-me como uma página de livro, prestes a ser virada, sem que se saiba que letras virão de seguida. Portugal está a desaparecer. Não há malta nova suficiente, apenas subsistem os velhos teimosos. Olhar para a paisagem apenas me conduz a um estado depressivo e, portanto, viro-me para dentro do espaço, reparo na secretária de alguém que deve atender o público em geral, mas está agora num gabinete recôndito a atender o meu amigo. Na parede, uma miríade de cartazes colados com fita-cola de dois lados, no estuque, visam a sensibilização. Campanha contra a violência doméstica, com uma boazona não pintada encostada ao peito de um GNR sem cabeça, campanhas de protecção dos gatos de rua, de contribuir para a malta que não consegue pagar a electricidade ao fim do mês, um coro de apelo ao sentimento e à emoção que faz acreditar ainda mais que Portugal está controlado pelas mulheres. Uma moda emocional, de bons sentimentos e woke, onde o wokismo é a definição do sentimento correcto. Longe vão os tempos, onde qualquer repartição pública era o exemplo de espaço espartano, exclusivamente dedicado à função que o justifica. Talvez numa oficina ou estaleiro, este tipo de cartazes fosse substituído por fotos de gajas peitudas, aceitáveis ainda assim, excepto no Estado. E sem querer reparei, que havia apenas um velho naquele espaço, o resto eram só gajas a trabalhar na Junta de Freguesia. Passavam por mim dizendo as boas tardes, e eu respondia sorridente dizendo olá boa tarde, também. Uma mais gordinha e simpática perguntou-me se estava atendido, e eu respondi que sim, que estava com aquele senhor ali dentro. Fiquei a pensar se não interpretaria como se eu e o gajo fôssemos um dos novos casais da moda, mas a bem dizer, não me afecta mais que o grau de exactidão da ideia. Olho para o chão e para as botas mal engraxadas, e começo a marchar para sentir que estou em movimento enquanto o tempo passa, e numa das minhas travessias do espaço, umas leggings pretas atravessam o meu campo de visão, e sigo-as em direcção quase ao umbigo, onde um rabo perfeito me anuncia a sua existência à qual não consigo evitar um esgar de aprovação. A dona do rabo e das leggings, diz-me um olá boa tarde e quando vejo os seus olhos, percebo que se está a rir, agradada com a minha aprovação involuntária. Foda-se, penso, dei-lhe o biscoito. Que se lixe. Vejo-a afastar-se, e na dobra da porta olha de repente para trás e vê a minha cara de maníaco, embrenhada num filme que minha cabeça realiza acerca de todas as maldades operadas em dois pedaços de glúteo adiposo. Não é de todo bonita. Tem um nariz bergeraquiano, no peito sai ao pai, e onde o seu corpo se destaca é de facto da magra cintura para baixo. As costelas flutuantes marcam a fronteira de onde começa a bênção da lotaria genética, e é clara conhecedora de tal, pois é onde investe o ónus do seu guarda-roupa, a sua pièce de resistánce. Lembro-me da cruel anedota de faculdade, em relação às gajas que não eram bonitas de cara, as camarões tigres, come-se tudo menos a cabeça. É a arma que Deus lhes deu, a forma de levarem o seu navio à India. Passou, e volto a estar sozinho com o espaço e dedico-me a analisar as fotos dos presidentes de junta, idos. Depois as fases de construção e ‘evolução’ da freguesia. Perdido na análise de ruas que reconheço de passar nelas, uma voz por trás de mim, exclama, «-Isso foi em 1999.» De facto era a data da foto. Respondo «-Você mora aqui?» «-Não, vim de fora, mais ou menos nessa altura, vim para a primeira fase desses prédios.» Apontou com o dedo na foto na moldura. Era a tipa do bom rabo com nariz grande. «-Curioso.» disse eu, «-Acho que nesta altura andava aqui a trabalhar com o meu tio, a colocar soalho nestes prédios.» Por acaso é mentira, andei por alturas de 93, mas queria manter a conversa a desenvolver. «-Eu vim nessa altura, mas é agora a casa dos meus pais, agora moro aqui.» e aponta no quadro, esticando o braço esquerdo em oblíquo, estando eu à sua direita, cheirando o aroma do volume de carne doce que me passou à frente do nariz. Olhou séria para mim, como uma criança que tenta ver o efeito de afogar uma multidão de moscas a quem se retirou as asas. Vê-las debatendo-se com água imune às suas desesperadas patas finas demais para as empurrar para a vida na margem. A sua cara estava a menos de 20 centímetros da minha, o que no meu livro, deu ordem de soltura ao meu ritmo cardíaco, e uma excitação imediata e crescente, forçava a romper todas as aparências e a comê-la logo ali. O incómodo olhar, por detrás do desejo, é sempre subjugado pelas aparências, e ela saiu primeiro do feitiço, com um sorriso e um cartão que me coloca na mão, onde com um marcador, cuja tampa fica presa na sua boca, esmagada pelos lábios, deixa um número de telefone a letras gordas e à prova de água. Vira-me as costas e vai-se embora, olhando de novo para trás, para me apanhar de novo a mirar o rabo. Foda-se duas vezes. O meu amigo sai, e eu com ele, a tentar disfarçar uma cena, que ele só vira a última parte. «-Cabrão, que ela te passou para a mão?» «-Nada, um prospecto de uma merda de Arqueologia que vão fazer por aqui.» «-Mostra lá.» Para desviar a conversa, digo-lhe que não sou funcionário público como ele, que tenho mais que fazer. Sei que o irrito com isso, porque ele é militar e isso irrita-lo, a comparação. Ligo para ela, dois dias depois, e ela convida-me para café na casa dela. Estranho, não querer fingir que é séria, e que precisa de me conhecer primeiro num lugar público. Entro na sua casa, onde me aguarda com uns leggings de cor diferente dos primeiros, todas as paredes são brancas com uma risca azul, o que me deixa imediatamente a vontade. Após o café bebido na cozinha, e a conversa de circunstância que a sossegou em relação ao perigo que eu representaria potencialmente, perguntou-me: «-Vieste aqui convencido que me ias foder, não vieste?» Confesso que fiquei desarmado por uma espécie de frontalidade que não conseguia identificar com brejeirice. «-Se queres que te diga, nem pensei muito nisso. Pensei mais nisso quando te vi na Junta, ali sim, tinha-te comido contra a parede. Agora vim mais naquela de saber quem és.» «-Ok, boa resposta.» Parece que lhe agradou a velocidade do meu encavacamento com a sua ‘frontalidade’. Após o café traz-me um moscatel, doce como tudo, ao qual, fiz render o suficiente até sentir que ela ia dar sinais para eu me ir embora. Falei sobre a minha experiência naqueles espaços, onde morava, ali perto, e ela da zona de Lisboa de onde tinha vindo, dos pais emigrantes em França e do emprego decano ali na Junta. Levanta-se e diz «-Venho já.» Penso que vai mijar, ou regar um cacto, sei lá, e observo da sua janela, o estuário, plácido, calmo, com alguns veleiros de fim-de-semana atrapalhados com as correntes do meio-dia. Deixo pairar o olhar pelos utensílios da sua casa, a tentar perceber que tipo de pessoa é. Por acaso parece ser asseada e com bastante interesse em arquitectura, a avaliar pela abundância de livros desse tema, na estante de vime que ladeia a grande janela lá para fora. Ouço um bater na madeira, como alguém que bate à porta, mas sem o ressoar de um espaço vazio para lá das tábuas. Som oco, que me faz olhar para o hall, e o quarto por trás, onde a vejo nua da cintura para baixo, com uma perna flectida do lado onde a vejo, assente a planta do pé sobre o seu outro joelho, numa espécie de auto afago. Com a mão que não está agarrada à ombreira da porta, vai massajando o cabelo, volumoso, e eu levanto-me e dirijo-me na sua direcção. Chegado a ela vejo que também ela está com aquela ansiedade miudinha, que eu demonstrei quando encostou a sua cara à minha, no seu local de trabalho. Em jeito de brincadeira, dispo-me mais rápido da cintura para baixo, que ela me desapertando os botões da camisa de linho salmão. O que faz que a determinado ponto, de dispa com uma mão e me agarre a pila hirta, com a outra, como se lhe desse um passoubem um «-Olá, tu por aqui?!» O céu estava cor-de-rosa por causa da poluição dos aviões. Entro em casa e a minha mãe está na costura, e eu tenho estudo para meter em dia. Recebo outra mensagem por whatsapp, convidando para uma cerveja preta na Expo. Como não respondo, recebo outra, onde diz que está com uma amiga. Bem, duas, já dá mais luta, pois sei que pelo menos uma, está lá como observadora, e é sempre giro perceber as dinâmicas entre ‘amigas’. Fui. Ao sair a habitual censura da minha mãe, que não aprova a minha vida de solteiro: «-Andas numa rica vida...» e eu respondo «-É melhor que andar agarrado à droga.» que sei que a cala. Chego ao local combinado. Qual delas a melhor. Apesar do vento frio estávamos numa esplanada. E a amiga, diz: «-Tens a certeza? Ele parece tão desesperado…nota-se que há anos não faz amor!» Tenho de confessar novamente, não estava preparado para responder a isto, e não respondi de imediato. Eu estava habituado a gajas recatadas, se calhar é isto que elas chamam emancipação. Mas lá arranhei: «-Eu fico sempre deslumbrado com a exactidão da intuição feminina.» As duas sorriram com satisfação pelo facto de serem mulheres e eu as gabar. Porque para elas, ser mulher, é uma definição da sua individualidade. «-O café aqui é queimado. Tenho Nespresso em casa e daquele que tu gostas, Lavazza. Queres subir?» Louvo aos Céus, não estar por perto nenhuma feminista que possa impedir o abuso que eu, o monstro patriarcal, salivo por fazer acontecer a estas pobres donzelas sem agência. Para meter nojo, podia ter dito que não posso abusar da cafeína, mas a minha fraca resistência à tentação já me fazia estar levantado empurrando ambas com uma mão gentil no seu dorso, e uma língua ávida pelo elevador lento. Vendo ambas, que moravam no prédio da esplanada, imagine-se, beijando-se só de cuecas, fez-me misturar a língua no meio da língua de ambas, numa troca em forma de triunvirato de suspiros. Satisfeitos e esgotados, dormíamos até serem horas do último cacilheiro rasgar o rio. Levantei-me, vesti-me, tapei ambas. Beijei cada uma na boca, sabendo que o meu carinho selaria o fim da nossa aventura, para lá de um brilho incompatível com faróis que encadeiam. Cá fora, envolto pela noite escura, arrebanho os tomates e gaita com a mão, olho para cima e agradeço a Deus pela prenda de Natal, que ficará de memória, para o ocaso decadente do Sol, e para nunca me queixar que Ele nunca pensou em mim. |
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