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MCSS - 19 Julho de 2016

26/8/2016

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 Farias anos.

Infelizmente é apenas a memória que temos de ti que conta a passagem de mais um ano.
Fazes tanta falta a tanta gente.
 
Quem te conheceu sente a tua falta.
Eu sou uma dessas pessoas.
 
A tua forma de ser era tão forte na meiguice e profunda na generosidade, que iluminava a vida dos outros. Iluminaste a minha.
E não mais fui o mesmo, para o melhor e para o pior.
 
A nossa sensibilidade diferia de tal forma que tive de aprender humildade, sair da minha torre de marfim deserta para perceber que a bondade nas pessoas não equivale a ingenuidade, mas a uma força interior e a uma bem intencionada determinação.
 
Tu ensinaste-me isso. E que bofetada foi no meu cínico modo de pensar.
Ao teu ensino correspondeu a salvação.
Vi-me obrigado  a enfrentar os limites da minha ignorância e a admitir a minha estupidez renitente, e deixá-la transfigurar.
Ao perceber que estava enganado abriram-se portas para mais mistérios do mundo e das gentes.
Abriram-se janelas para perceber mais formas de como me engano a mim próprio e de como sou atávico.
Ou seja, a tua existência contribuiu para um depuramento e mais humana expressão da minha humanidade. A convivência contigo deu-me mais humildade e ajudou a polir algumas arestas de Fausto perante Mefistófeles.
Deste-me a mim mesmo.
 
Fora o amor e sorrisos partilhados, não consigo conceber maior dádiva de uma pessoa para outra, senão esta capacidade de fazer emergir um eu melhor.
Eras generosa em tudo. Uma das pessoas mais generosas que conheci.
Não consigo encontrar palavras ou expressões para te agradecer ou exprimir a falta que nos fazes.
 
Para os teus amigos não eras apenas alguém que se conhece e que acompanha nas ocasiões sociais que sazonalmente ocorrem.Eras o tecido da existência individual de cada um. Eras muito presente  na vida de todos, e com a tua própria existência consguias afastar o denso nevoeiro que é a inescapável solidão que é afinal estar vivo.
 
Nas recordações que tenho, até ser eu a partir, estás presente no grupo das melhores.
Aquela noite que no meu carro partimos à procura de uma praia para beijar a àgua tépida no bréu polvilhado de estrelas, foi um dos dias mais felizes que tive.E tive consciência disso quando ocorreu.
Dessas raras ocasiões que sabemos que estamos a viver algo com significado.~
 
Ou a outra noite em que comemos churros numa esplanada olhando a feira que decorria ou a viagem a Manteigas e à Fraga da Pena, onde mergulhei em pleno Inverno.
 
E as más memórias por causa do que se passou. O pior Março de todos os Marços, nas análises no IPO.
A passares pelo mesmo suplício pela segunda vez. Do meu egoísmo por sofrer perante a possível perda exortando-te a que não te deixasses determinar pela doença, como se por força de vontade se superassem metástases .
 
As conversas à volta da mesa, nas horas de visita, as tuas reflexões acerca da máquina que dizias estar a apresentar contas da tua vida. O corte do teu cabelo. A última réstia de esperança já em desespero.
O almoço contigo e com teus pais interrompido pelo choro e pela sensação que tiveste de ser o almoço de despedida.
 
E por fim a rejeição. A tua rejeição completa e justa desta injustiça.
Um dos dias mais tristes da minha vida, em que como sempre cheguei atrasado, e onde te vi já não connosco, com os olhos semi abertosolhando para cima.
Havia negado até esse momento tal poder suceder, como se constituisse uma afronta do mundo a mim, por causa do meu incurável egocentrismo.
 
Estúpido, egoísta, ressentido por não teres ficado connosco, canalizando assim a dor  de sentir a tua falta. Demorei a compreender a total legitimidade da rejeição de uma vida que não traz senão sofrimento.
 
Durante muito tempo rezava à noite a um deus que não te salvou, pensava com força em ti para fazer presente a tua ausência. Desfilava-te numa galeria de momentos recordados, e tive de deixar de o fazer porque acabava sempre chorando ou de tal forma deprimido que não valia a pena levantar-me de manhã, num ponto quase, de aniquilação completa, em angústia e saudade.
 
Tudo para trazer presente o grupo dos meus mortos como se fosse possível lidar com a perda dos que amamos enquanto estamos vivos. Como se fosse possível evitar o apagamento gradual da imagem dos rostos na nossa memória, de todos aqueles que significaram muito para nós.
Deixei de rezar.
Tento não pensar na perda. Tento pensar no que ensinaste, e de que tenho de dignificar a minha vida, pois estou cá e tu não podes estar, contra tua vontade.
És o meu farol de elevação e dignidade, para onde olho quando estou perdido nas minhas falhas de carácter, e tento viver honrando a memória que tenho de ti, da tua completa integridade.
 
Em vez de lembrar da tua perda, tento encontrar no eu que resgataste o melhor de mim, ldo a lado com os testemunhos da tua existência.
Sentimos todos, muito muito a tua falta.
 
A morte levou-te, mas não te matou.
És o que de melhor vive em nós.
 
Parabéns atrasados.
 

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