II
Um dos esqueletos de Maya A razão pela qual me anima a dissecação mórbida dos cilícios suavemente depositados em mim, nada tem que ver com saudosismo. Apenas e só por dois motivos, um emocional e comum a todo o ser que já magoou e foi magoado, e que tem que ver com a razão, a justificação da violência experienciada. Por outro lado, o frio e mediato esforço de entender as razões e os porquês dos comportamentos, as estruturas que enformam não só quem nos magoou, mas também a natureza das personalidades semi desviantes. Desviantes porque felizmente, (em relação ao tema tratado), não são a maioria, embora tal como a capacidade de matar das nossas mãos, a capacidade de pressionar cilício está potencialmente disponível em qualquer ser vivo homo sapiens sapiens passível de ser objecto de amor, ou de obsessão. A razão pela qual me anima a dissecação mórbida dos acontecimentos, expressa em interpretações, nada tem que ver com dores de corno, de cotovelo ou ressentimentos. Faz parte da galeria museológica dos meus amores, apenas. Não quero voltar, atrás senão nas ocasiões em que magoei, não quero retomar relações, não quero vingar-me de ninguém, embora a dor esteja tão presente que é uma tentação viva. Mas ridícula também, como se púbere aprendiz de feiticeiro que corre a experimentar feitiços para se vingar de quem lhe roubou o pião. A compreensão e a tentativa de compreensão própria e do outro, nada tem que ver com impressionismos intelectuais como com Paula, ou como galhardete que se troca anónimo para os possíveis leitores que fazem parte desta história, apenas são o abraço forte e para mim na direcção da 'adaga' cravada à esquerda do esterno tal e qual como Sísifo se ri de cada vez que a pedra resvala montanha abaixo, não é por me magoar que deito fora a experiência humana. Como se costuma citar Pessoa sobre castelos em pedras atiradas, não construo uma ressentida fortaleza, antes aprecio as pedradas em cheio na testa e descrevo-as. Pode ser que seja útil a alguém. O grande Kant é que a sabia toda, actores e espectadores no teatro do mundo e de nós próprios. A Segundo o Estagirita, o destino da mulher é o seu corpo. As nossas experiências pessoais são altamente determinadas pelos conteúdos emocionais que lhes conferimos, e a partir delas tomamos decisões, elaboramos critérios e construímos visões do mundo e sistemas de crenças. As nossas ideias do mundo são feitas a partir de uma experiência subjectiva a partir de um ego ignoto e inacessível. E no entanto com igual força de crença e lógica (segundo a premissa de que se sou subjectivo, os outros não o são menos) temos a certeza da que as nossas suposições são tão ou mais acertadas que as dos outros. Por isso mesmo os sedutores seduzem, têm uma certeza acerca do mundo e da psicologia humana, que não pode deixar de atrair. E no entanto a formulação de leis não se deixa apanhar nesta divisão entre tímidos e sedutores. Em última análise o que diferencia o profeta do suicida pessimista e niilista é a força de adesão a crenças interiores. O que de um ponto neutro implica um grau indeterminado de loucura, ou melhor, de falta de cientificidade gnoseológica e epistemológica. Os pãezinhos sem sal, e os born to be wild desta vida, representam a parcimónia com que a Natureza sempre opera, nada os parece distinguir a nível celular, senão uma certeza muito própria sobre si mesmos. Essa certeza releva do processo de formação na infância, no tipo de pais, mas acima de tudo na sensação de auto estima que acompanha em diferentes graus (mas nunca longe de um meridiano estável) a vida do sujeito. Ambos os espectros parecem ter razão, uns aproveitam a vida, outros não conseguem senão perceber que a lucidez é uma maldição, e não raras vezes acabam na ponta de um lençol pendurado a alturas do tecto. Como qualquer mosquito que sente que o mundo existe para si, os seguros de si sentem plena convicção na veracidade do seu sistema de crenças, na exacta medida em que rejeitam qualquer outro incapaz desta proeza, ou que lhes retalhe estas certezas solipsistas tão aprazíveis. Vivem centrados em si. Os desgraçados deste mundo, cujo amor-próprio pouco lhes serve senão para evitar que sejam muito humilhados, não podem senão pairar em contemplação perplexa daqueles que hipnoticamente têm o que lhes falta, a eles. Daqui nasce uma crença sobre a diferença de naturezas. O que aprofunda o fosso entre uns e outros, com reflexos na linguagem corporal que exprime determinado sistema de crenças, na exactíssima medida em que certifica: a) uns da sua natureza superior, e b) outros da sua menoridade. O sistema reticular de ambos, apanhado neste limbo, apenas se limita a confirmar as certezas interiores de cada grupo, a partir da realidade externa. Os vencedores desta vida quando apertados com o argumento do papel do meio físico e social (nomeadamente económico) , no desenvolvimento das personalidades, gostam de apelar ao livre arbítrio e colocar a coisa num plano genético, ou no mínimo de «vontade». Os nheques nheques são o que são, porque são inferiores ou incapazes, até porque esta crença dá um conforto e orgulho, pensar que se pertence ao lado «vencedor», verdadeiro prémio ou dose que dignificam e parecem animar a individuação do sujeito, isto é, eu sou dos bons, um lutador e vencedor, mereço o que recebo de bom na vida, a minha existência tem valor, etc. A adequação ao meio é por isso, (por mais idiota ou cruel que possa parecer) feita a partir do sentimento de individuação e totalmente ao serviço do apego à vida. Para se sentir vencedor o individuo precisa da contraposição lógica e ontológica dos vencidos – se formos todos iguais, que especial sou eu? Sou bom porque tenho um Mercedes, sou bom porque tenho uma mulher boa, sou bom porque tenho uma casa boa, um relógio bom, e todos os outros adereços que me tornam um vencedor, um bem sucedido. Se todos os outros tivessem o mesmo eu não me destacava. Se estes adereços externos e internos (um diploma, uma felicidade obstinada, a própria aceitação das regras do jogo e a sua interiorização) comprovam que eu sou bom, é porque me arranquei da mediania, da mediocridade, e portanto a vida vale a pena ser vivida. O sucesso é portanto a narrativa da reificação da minha individualidade. A minha dignidade é indirecta e mediada através de adereços. Mas a falta de cientificidade de uns, (pois ela pode colocar em causa ou é contrária às suas crenças), não lhes permite ver que o psicológico é diferente, muito diferente, do biológico. Se uma aspirina faz passar a enxaqueca, qualquer paliativo psicoterapêutico é em certa medida ineficaz, pois muito raramente entre os 12 e os 30 alguém vai ao psicólogo, ou acalenta sequer a ideia de passear patologias ou crenças destrutivas. E admitamos, é neste período que se faz a nossa vida mais memorável. Num ser projectado para não viver mais que 40 anos, percebemos a genialidade da filogénese ao colocar o mecanismo diferenciador entre 'líderes e liderados', no campo psicológico. Nos extremos, o balanço é para variar, negativo para os que menos estima por si próprios têm, não raras vezes os egocêntricos chegam a ditadores ou a carismáticos profetas. A Natureza parece, de acordo com esta lógica parcial, querer limpar da existência aqueles que dela duvidam, ao passo que tornar a espécie mais iludida ou agarrada ao existir. Schopenhauer rula. A partir dos sistemas de crenças. É no sistema de crenças que se baseia toda a manipulação. B Há um lastro especial nestes convictos portadores de certezas interiores, que é diferenciador. O relacionado com o objecto de amor. Devemos aqui distinguir entre homens e mulheres. Os sedutores masculinos, geralmente apenas querem ampliar o campo de relações sexuais, comer tanta vulva quanto possível enamorados que estão pelo género feminino no seu todo. Há também os que exigem algum significado e mantém relações com várias pessoas ao mesmo tempo, e há ainda aqueles que querem dar significado à escravatura da testosterona nem que seja a expensas de bom sexo, e esses casam-se. É simplório, mas para o tema que se apresenta é suficiente. A sedução feminina tem menos a ver com acesso a pila, (pese embora as estatísticas demográficas, é matéria prima em abundância) que com outros elementos psicológicos bem mais interessantes. Se em tudo a Natureza joga ou com economia de meios ou com força avassaladora acima de qualquer remota possibilidade, as gónadas masculinas que produzem milhões de espermatozóides todos os dias (quando é só um que fertiliza – e apesar das Sperm Wars – veja-se o livro) parecem deitar por terra o argumento das feministas teóricas segundo o qual a libido feminina é quantitativamente comparável à masculina. Escravo da sua biologia, parece que o homem tem também o seu destino no seu corpo. Todas as mulheres sabem isto instintivamente, umas poucas delineiam estratégias sobre este desejo, umas escolhidas, capitalizam sobre isso. No mercado da carne, a carne feminina é sobrevalorizada em relação à carne masculina, basta sorver a máquina de propaganda de filmes e anúncios comerciais. A mulher é tornada objecto e não se parece importar com isso excepto se nisso houver conveniente. Generalizo e isso vale o que vale. As feministas reclamam teoricamente contra isto, mas a mulher comum desde há algumas décadas alimenta as grandes indústrias da imagem, como se o belo sexo precisasse de se mascarar de belo para seduzir os homens, que geralmente aparecem retratados como porcos que pensam com a cabeça de baixo. Algumas afirmam que se mascaram para se sentirem bem consigo próprias, como se a obediência a tendências da moda actualizasse o indivíduo, como se esse mesmo indivíduo se vestiria da mesma maneira se estivesse no deserto. Como se os saltos altos que arruínam a coluna vertebral, ou as calças e soutiens que estrangulam a circulação feminina fossem factores de conforto, nas odiosas horas passadas, por gosto ou tédio, a compor a personagem que se leva á rua. Se pudéssemos supor que as mulheres se aperaltam para ter o poder do fascínio perante os homens, poderíamos supor que esses malandros são uns distraídos ou desinteressados pelo sexo oposto. Nem nos passa pela cabeça que o sexo seja sobrevalorizado e propagandeado até à exaustão por motivos de controlo de massas e sustentáculo comercial. Se a escolha de parceiro não fosse hiperbolizada, se a vulva não fosse tornada produto escasso, como funcionaria a sociedade? Comparada com a moda masculina, a volatilidade da moda feminina, na sua vertiginosa dialéctica, parece indiciar que o aspecto é nas mulheres um factor importante. Não há aqui qualquer juízo de valor, a nossa espécie já foi bem descrita por Desmond Morris, como uma espécie obcecada por sexo, daí o tamanho «anormal» de determinados adereços anatómicos, o maior falo e testículos comparativamente, dos primatas, os seios geralmente inaptos para a amamentação, mas tão apelativos como o rubro rabo de babuíno, para babuínos. É totalmente natural este passatempo, interessantes são os argumentos em torno dele. A hipersexualização mediática, além da hipersexualização natural, constitui o mercado da carne no qual a mulher parece ter geralmente mais palavra a dizer sobre o acesso à sua vulva, naturalmente, mas por consequência também na escolha de parceiro. Se e somente se, o conjunto dos homens heterosexuais disponíveis, coincida com o conjunto de homens interessados na vulva feminina, o que é garantido com uma educação e propaganda comercial que praticam a hipersexualização. Não sei se seria humano ou sequer possível, 'nacionalizar' as gónadas, como na distopia 'Brave New World' de Aldous Huxley. Mas sei que no mercado da carne, o masculino tem menos divisa como moeda de troca. Penso que qualquer pessoa com intenção objectiva, concordará neste ponto. Desde tenra idade que se vê a mulher assediada por piropos do sexo oposto, como se cada detentor de falo quisesse demonstrar o seu orgulho viril em cada fêmea que tem o azar de passar pela sua visão periférica. É tanto um desabafo sob o efeito da testosterona como uma justificação da sua dignidade enquanto sexo que dizem ser o «forte». Parece que a definição daquilo que seja ser um «homem» passa por satisfazer a mulher. Nos dias civilizados que correm, o ênfase nesta definição já não passa apenas e de todo pela satisfação física, manifesta em orgasmos suor e saliva, mas a definição de «homem» anda mais próxima daquele que existe para agradar à mulher. Transformado numa não entidade, um bócó, um tolo adorável, sem garra ou fibra, mais preocupado com os humores, e superiores conselhos da esposa, que na voluntariosa intenção de se civilizar cada vez mais de acordo com o que for previamente estabelecido como politicamente correcto. Vejam-se os anúncios da MaxMat, onde o tolo marido aparece sempre sob o escrutínio de uma esposa mais adulta, o da Flora onde por sonhar com uma torrada o marido justifica uma agressão com um candeeiro, ou o do Ford Fiesta, onde uma suposta inconfidência justifica o auto flagelo para aplacar a deusa irada, ou ainda o recente do Mercedes classe B em que o homem é claramente chamado de criança, numa reprodução do arquétipo do tolo adorável, enquanto a mulher é objectiva, séria e profissional, apenas enternecida pelo tolo que a preenche de momentos divertidos, mas é o seu tolo. Já muito se falou e escreveu sob a definição social dos sexos, mas na publicidade contemporânea parece vingar uma simbiose, os homens parecem apreciar ser retratados como tolos adoráveis, e as mulheres gostam de ser retratadas como o elemento forte, prático, adulto, do casal. O homem dos anúncios oscila entre o bócó e o primário que vive para a bola, seja na televisão seja com os amigos, e quando quer ser macho coça os tomates ou escarra para o chão. A publicidade capitaliza sobre os estereótipos. Geralmente é retirada qualquer dimensão espiritual ou dialéctica ao homem retratado nos meios de propaganda. Ironicamente são apenas as feministas fundamentalistas, ergo, acríticas, aquelas que mais caracterizam assim o homem do modo selvagem como ele gosta de se ver, porco, selvagem, agreste. Limitado, como se o limite fosse sinónimo de força de algum traço de carácter. A glória da mulher passa por uma espécie de cultivo da frivolidade e controlo emancipador sobre o bócó. Veja-se o hino a esta dinâmica, a série «O sexo e a cidade.» Perante este tipo de crítica, as mais belicosas feministas argumentam que qualquer crítica é um medo, raiva ou ressentimento que por parte de antiquados patriarcas, receosos de perderem o poder e que querem controlar as gónadas femininas, limitando-lhes a liberdade de expressão, como se a promiscuidade sexual fosse um traço característico dos homens e respectivamente um direito a obter para a igualdade. Mesmo para as adeptas desta ideologia, a sua definição não deixa de se fazer por intermédio de outro. Reifica o outro e aliena-se ela. Eu sou muito boa porque seduzo os homens. O seu valor não vem de dentro mas dos adereços externos. A sociedade do políticamente correcto condena artigos onde apareçam fórmulas para caçar mulheres boas ou para tornar os homens independentes em relação ao sexo, mas abundam artigos pelas Marias e Nova Gentes ou outras formas semi literárias dedicadas às mulheres, cuja missão é ensinar a «caçar geeks» ou seduzir aquele homem que combina com o vestido ou com a mobília. Claro que há reciprocidade, o homem também acha que mulher bonita é estatuto, e serve para mostrar aos outros o seu sucesso. A reificação é mútua, mas mais bem aceite numa direcção que noutra. A mulher tem carta livre para se tornar objecto e objectualizar o homem. O homem tem liberdade para se tornar uma caricatura de si mesmo, isto se quiser acesso à vulva. Por isso foi durante uns certos tempos, caricaturizada a figura do metrosexual. A sociedade do espectáculo valoriza a imagem, que é diferente do bom tratamento de si. Mas o mais sinistro e sinuoso sinal de que vivemos na ditadura da vagina, é a impossibilidade de suscitar qualquer debate ou polémica em torno deste assunto. É o fundamentalismo instalado, a verdade feita tornada dogma. Há os que se calam, e há os que se convertem dizendo-se feministas. A dinâmica é em surdina toda a gente reconhecer a fraqueza física de algum tipo, das mulheres, e ao mesmo tempo negá-la socialmente, isto é, passar um atestado de menoridade ao sexo feminino, compensando-o a decreto, subvertendo a compensação, em valorização social não pelo indivíduo feminino, mas pelo feminino. Assim, o feminista e a mulher recebem ou compensação moral, ou social, por defenderem os pobres e oprimidos, de tão bom tom hoje em dia. Tudo partindo da negação (obrigatória pela generalização) de parte da masculinidade e dos homens enquanto conjunto de indivíduos do sexo masculino. Esses tolos adoráveis devem trabalhar e vergar-se ao bom tom do pedinchar moral, raios sou uma besta se não tratar as mulheres, qualquer mulher com deferência. Lembro de certa entrevista da ex deputada e psicóloga Joana Amaral Dias, em que contava num tom exigente de indignação acusatória, as estatísticas que mostravam maior número de licenciadas a sair das universidades por contraposição os dos homens. Sem enumerar atenuantes, afinal a força dos números o demonstrava, ou diferenças no acesso e conclusão do ensino superior por parte de homens e mulheres. O número bruto assim, parece apenas lançar a suspeição de uma conspiração entre homens, que se reúnem ao Domingo com trajes maçónicos para engendrar novos planos para subjugar o sexo oposto, e durante o resto da semana saudando-se nesta missão através de gestos secretos como coçar os tomates com a mão esquerda ou usando códigos cromáticos nas gravatas diárias, provas de um crime em curso para o qual nenhum iniciado tem capacidade de descodificar. Como se os sapatos de Joana, os jeans, o perfume ou o ar condicionado não tivessem sido feitos também por homens decerto desconhecedores das estatísticas, e que só por isso não se colocam à margem para darem espaço de progressão a mulheres, tão discriminadas socialmente. O homem não sofre, não é discriminado no acesso à vulva que não pode obter por si mesmo, e se não lha dão, tem de aguentar estoicamente. O facto de mediaticamente a vulva ter mais valor que a pila, é uma das realidades da vida, intemporais como a morte, e portanto ele que se habitue a ela. C Temos portanto de um lado a pressão da testosterona, do outro a instrumentalização desse desejo por parte do detentor do acesso ao bem desejado. Parece-me legítimo supor que esse bem possa definir-se em torno da ejaculação em corpo jovem e bonito. Este é o lado biológico. Do lado psicológico, a redução absurda deixa-se orientar pela patologia, isto é, de acordo com a minha experiência pessoal as sedutoras compulsivas, esse tipo de mulher especial, necessitam de algo para suprir uma carência, e esse algo não passa necessariamente pela pila ou pelo orgasmo, nem pelo amor e companheirismo almejados por mulheres ditas «normais». Mas os homens gostam é das malucas dizem alguns, isto se com malucas quisermos dizer mulheres à vontade com a sua sexualidade e que não utilizam a vulva para manipular ou condicionar o comportamento do parceiro. Comportamentos patológicos não são exclusivos dos homens portanto podemos indiciar patologia na mulher que para suprir carências interiores usa o outro, tal e qual como o homem que trata a mulher como o bibelot da sua vida. A reificação do homem em relação à mulher (a mulher bibelot ou a mulher saco de esperma e pancada) e a reificação da mulher em relação ao homem (o homem provider ou como dildo animado) só são possíveis num plano geral através do desequilíbrio da balança do mercado da carne, isto é do valor de mercado de pilas e pipis. Esse valor de mercado é manipulado, fazendo crer ao elemento com maior líbido, que tem de pedalar e esforçar para manter o milagre da Natureza que é o ser embonecado com cosmética que é a mulher. A demografia desmente-o. Basta uma mulher mediana, isto é alguém ligeiramente afastado dos padrões de beleza mediatizados, para darmos um exemplo. Desde que não seja marreca ou disforme, crescerá num ambiente que plenamente lhe dará uma lisonjeira opinião de si mesma. Imaginemos que sai de casa uma vez por dia e que uma vez por dia recebe um piropo, seja ele tão inocente como um olá és bonita. Imaginemos que a partir dos 15 anos e que até aos 35 recebe o mesmo tipo de cumprimento. Fazendo estas contas por baixo imaginemos que recebe 7300 piropos por 20 anos de existência. Se repetirmos a mesma coisa ou comportamento para com uma pessoa, temos neste caso a possibilidade de confirmar determinada crença nessa pessoa, que se parece voltar a confirmar a cada novo cumprimento. Não falo aqui de expressões de mau gosto e traumáticas, isto é apenas um exercício teórico. Agora imaginemos uma mulher com um corpo mais bonito ainda. Aumentará o número de elogios, e a convicção de que o seu aspecto é algo digno de admiração e o elemento fulcral na sua definição enquanto pessoa. Vou ter de me repetir ligeiramente para continuar a explanação. A mulher (usando o injusto e arbitrário critério do aspecto físico) de mediana em diante, cresce plenamente convicta do seu valor olímpico, por ser mulher (valor social) e por ser bonita (valor pessoal). A sociedade portuguesa neste primeiro quartel do século XXI, educa as pessoas como se as meninas fossem feitas de pompons e algodão doce e os meninos como se fossem feitos de pedras e cobras. Por muita e hipócrita campanha que se faça para a suposta igualdade entre géneros, é de bom tom o politicamente correcto sexista de ser cavalheiresco com as senhoras, abrir portas e ceder lugar, ajoelhar e oferecer anéis de noivado e casamento, oferecer flores, e ser dedicado defensor dos direitos das mulheres sem que tal se exija para com a classe opressora dos homens. Com isto não defendo qualquer tipo de violência contra pessoas do sexo feminino, por parte de elementos do sexo masculino, que na minha definição não merecem ser chamados de «homem». E vice-versa. Apenas que ser feminista está na moda. E parece que os homens não precisam de defesa, e se alguém defende é machista. A sociedade comercial capitaliza sobre a dialéctica entre homem e mulher de tal forma que a estrita igualdade apregoada pelo discurso social, é mau para o negócio, não cria fluxo, logo não incentiva a necessidade de consumo. Cabe ao homem o papel de burrito perseguindo a cenoura leia-se a vulva sobrevalorizada e embonecada com pó de arroz. A mulher é reduzida a uma parte da sua anatomia, não como igual ao homem mas como objecto sexual ou deusa em alto altar. Incentivado à fome hiperbolizada pela libido, resta ao homem normalizado afundar-se na espiral de desespero, imbecilidade e miséria, numa vida marital insuficiente não exclusiva do sexo oposto, e numa sociedade em que parece não ter lugar ou papel. À mulher normalizada resta o retiro nos seus anos de beleza, perdendo gradualmente a legião de fãs, mas ao menos teve mais hipóteses para escolher. E nenhuma mulher é inadequada. Grande parte da população que é forçada a optar pelo celibato, alimenta a indústria das pseudo espiritualidades, da prostituição, da pornografia e do mercado de bebidas espirituosas consumidas à noite, onde confluem os muitos caminhos que tentam escapar à eminência da solidão. Qualquer pessoa do sexo feminino não agraciada com simetria anatómica pode ainda ainda aspirar a ter um séquito de fãs, chacalídeos que orbitam pelo possível despojo de uma vulva ou conquista. Mas basta um sujeito masculino mediano, (com a arbitrariedade do conceito burguês de beleza), ser tímido ou desastrado, e terá mais dificuldades em encontrar parceira. Por todos os lados a sobrevalorização da vulva, os apelos de uma feminismo feito à conta de um atropelo de determinada existência masculina, são poderosos motores de criação de ressentimento e ódio de um género para outro. Á escassez de vulva no mercado da carne, corresponde um acréscimo do desespero e do sentimento de posse em relação à vulva da qual depende o viciado, que reduz a parceira à entidade a quem agrada e aplaca em tudo porque lhe permite vazar as gónadas maritalmente de vez em quando. Enquanto a mulher for a coqueluche, o prémio, o bem raro, será tratada como produto e objecto com valor de mercado. Enquanto se deixar ser objecto, e tentar lucrar com isso não conseguirá verdadeira igualdade. Na reificação mútua o mercado ganha e os parceiros perdem. Ao homem para ganhar o prémio basta ser servil ou dissimulado, basta tocar bem todas as teclas suavemente indiciadas como passíveis de conceder acesso à maravilha envolta em pregas de carne e pelagem ou penugem. A epítome da deusa-objecto é a indústria pornográfica, verdadeiro manancial de informação sobre os sexos, onde a mulher despudorada e que não exige rigorosamente nenhum tipo de cortejamento idiota e manipulador, se oferece como contraponto à matrona doméstica trombuda dia sim dia não por causa das agruras da sua vida que encontram esteio no parceiro agora oficializado em cartório ou igreja. Do outro lado temos o homem sempre pronto a sexar em verdadeira expressão facial de luxúria e entrega primal ao festival da carne em sinfonias de pura celebração de corpos, em que por vezes a agressão ou virilidade física no toque para com a partenaire indica mais o desprezo para com a deusa-objecto, que uma falta de respeito para com todo o género feminino. Há um jogo de poder na fita pornográfica. Mas pornografia não é só os filmes de adultos. Pornográficos são os números de mulheres que nunca atingem um orgasmo. Pornográficas são as relações Kodak que resultam em divórcios e consequente trauma infantil sob a torpe desculpa de que são feitios ou não se davam bem. Pornográficos são os números da solidão, e da interiorização da culpa por parte de quem não se acha capaz de atrair e manter companheiro / companheira. Certo, há uma minoria que opta pelo celibato, mas penso que a haver uma função ou missão individual relativa à vida humana, ela implica a integralidade de realização do potencial de cada ser, sem exclusão de áreas anatómicas, ou de necessidades sentimentais. A opção pela abstinência de um ramo de experiências da condição humana é uma decisão individual que pode ir contra um desígnio natural no caso de indivíduos saudáveis e aptos. Mas não são só estes que precisam de um envolvimento afectivo. Nem o sexo deve servir exclusivamente fins procriativos. Porque não se resume de todo, biologicamente a isso, como mostrou de forma pioneira Wilhelm Reich. A tal ninfeta habituada a, por direito de nascimento, obter a atenção do sexo oposto, vai aprender a utilizar esse benefício em usufruto próprio. Esse fascínio está na base do valor inflaccionado da vagina em relação ao pénis. O que parece injusto face à mesma necessidade de transacção entre ambos os géneros, ou entre parceiros emocionais seja qual for o seu género. A promessa de sexo passa então a ser um instrumento nestes conflictos de interesse. A escolha da pila dependerá portanto de condições a ela alheias. Por ser mulher, a sociedade «patriarcal» diz-lhe que tem um valor especial, em relação aos homens, e que deve esperar determinado comportamento deles. O espelho confirma-lhe a fortuna cósmica e realça-lhe a especialidade de ser, criando em conjunção um ser extremamente seguro de si, mas mesmo assim não de forma autista pois mesmo as mulheres mais anatomicamente favorecidas se sentem inseguras, mas isso deve-se menos a uma insegurança na fragilidade, que ao medo de perda da capacidade de satisfazer os seus caprichos de sedução. Regra geral, a mulher espera tratamento preferencial em relação ao homem. A feminista despe-se assim da sua manifestação enquanto indivíduo para obter a facilidade de ser mulher e a hipocrisia está no facto de que quase todas as mulheres que conheço alimentam bem no fundo uma crença segundo a qual os homens são mais fracos psicologicamente, menos sensíveis, mais brutos, o quer que seja que isto significa. Baseado na minha experiência subjectiva as mulheres acham ter um melhor e mais apurado conjunto de ferramentas para apreender e interpretar o real. Para elas, a psicologia masculina pára na base daquilo que precisam de saber, como seduzir, conquistar, manter e manipular. O resto, especialmente a espiritualidade ou vida interior do indivíduo masculino, só interessa às profissionais do ramo, isto é, psicólogas e psiquiatras. A negação por parte das feministas menos bem informadas, da necessidade de defesa do papel do masculino (e digo defesa no sentido de reformulação anti hipócrita das verdades feitas), é a negação que está na base do fundamentalismo que afirmam ter sido infligido às mulheres no passado. Para as feministas, (especialmente aquelas mulheres que retiram sustento moral das causas caridosas em que embarcam, mais do que do bem efectivo que praticam), a defesa sem quartel do «feminino» o quer que isso seja, é um dogma inatacável e que em última análise conduz a uma contradição pois se enunciar a individalidade acima do género a que se pertence implica negar a individualidade do género oposto na exacta medida em que este discorde, ou se oponha à redução abjecta da sua natureza, seja a do tolo adorável ou do homina (tradução do mangina que é aquele que é mais papista que o papa, e que defende a causa feminista mais pelo retorno moral e potencialmente sexual que possa obter, que por genuíno interesse pelos problemas da sociedade hipócrita que realmente castra homens e mulheres) ou a do deus controlável que é uma imitação de divindade protectora masculina. Deste ponto de vista uma suposta defesa dos direitos femininos implica a anulação fundamentalista dos direitos masculinos. Deste ponto ainda, a defesa dos direitos femininos é hipócrita, porque se baseia num sexismo feminino anti masculino. E é exactamente isso que o feminismo primário defende, que o homem é o alvo a abater. E há homens que dão para o peditório. Este fundamentalismo arrepia a noção de que a defesa da mulher é um entrave à defesa do homem, e os fundamentalistas que o sustentam, mencionam e com razão as injustiças crimes e opressões impostos às mulheres ao longo da História por sociedades retrógadas, mas muito raramente mencionam o esvaziamento de sentido, de espiritualidade, de brilho e colorido imposto ao sexo masculino no século XX, em sociedades consideradas evoluídas. Os milhões que morreram em trincheiras pagaram a justa conquista dos lugares produtivos fora dos lares, permitindo por fim que as pessoas pudessem ganhar a sua independência económica, e por fim reconquistar o seu papel histórico. Estes grupos de causas a sensibilizar, impõem um fundamentalismo de vistas curtas, desfocando o essencial, o direito da mulher é o direito do homem e vice versa. Não há programa de televisão em que a vitimização não renda na boca dos entrevistados, para salientarem o quão difícil foi o reconhecimento, especialmente por ser mulher. Como se a mera posse de pendentes no meio das pernas fosse uma garantia segura de sucesso na vida em qualquer campo. Qualquer masculinista passa por chauvinista, só por afirmar isto. D Se a cultura ensina a mulher a usar todos os meios que estão ao seu alcance, o corpo, a beleza, o fascínio, se ensina os géneros que é uma guerra em que tudo vale, não se percebem os lamentos das sexistas por no seu discurso se queixarem da batalha. Se a cultura ensina o homem a ser lacaio do seu corpo e do corpo do seu objecto de amor, a ser um ser cuja única forma que tem de ser justo é abdicando das suas características mais marcantes, (não são a postura macho, nem a histeria do controlo, nem a idiotice complacente dos anúncios) o cultivo da espiritualidade, a protecção da comunidade e a honra da força com força de honra, a integridade, então não se percebe como ainda existe uma guerra dos sexos, qualquer compêndio militar já teria dado como definição de vitória, o completo aculturamento ou aniquilação de um dos lados por outro. Posto isto, parece evidente que a cultura cria cada vez mais, homens fracos, obsoletos, sem espinha ou missão. A masculinidade torna-se um empecilho, algo de incómodo que urge esconder sob camadas de máscaras assexuadas e sem dentes. Estes indivíduos são o pasto não só das vidas com potenciais por cumprir, como das patologias mentais que provocam em mulheres que buscam o masculino para equilíbrio, mas só encontram um ser masculino que reflecte a sua própria feminilidade. Estes homens são tão vítimas como as mulheres que vivem com eles vidas frustradas, em frustrações exponenciadas por um condicionamento motivado por efeitos comerciais. A insatisfação das relações parece relevar essencialmente do esgotamento das personalidades dentro de aquários em que se sentem presas, sem tensão externa, sem níveis de relacionamento que não das camadas superficiais das personas que se construiram ao longo do tempo e assim acumulando frustração e aceitação da banal inautenticidade. Acredito que o fim da maior parte das relações emana da falta de integridade e integralidade dos participantes. É compreensível numa cultura de medo e propriedade. Cada vez mais, homens e mulheres são adultos infantis infantilizados. Num contexto de deve e haver, de cálculos, de objectivos e ambições fixas a priori, como critérios de sucesso e dignificação da existência ninguém se dedica a ser o que é sem a camada de banha de cheiro que tenta passar por merda. O medo motiva-nos, e as nossas inseguranças alimentam-nos no medo. O outro enquanto adereço da minha vida torna-se minha propriedade, como objecto cuja posse comprova o meu sucesso, numa sociedade que sugere padrões de comportamento a pessoas cuja imaginação não vai além de serem aquilo que acham que devem ser sem conhecerem o que são. Algo de análogo acontece no provincianismo geral. A malta conhece melhor Nova Iorque que Bragança, o MOMA é mais famoso que o MNAA, as canecas de café compradas nas souvenir shops presentes na casa desta geração cosmopolita substituíram as canecas das Caldas da geração anterior. A alienação em relação ao que nos faz diferentes, parte da vontade de querermos ser iguais aos outros modernos, numa masoquista anulação de todos os factores históricos e geográficos da equação que nos conduziu ao ponto presente. A alienação ocorre nas relações, onde personagens de si mesmos e mesmas se relacionam durante anos permanecendo estranhos na mesma casa. Mas parece que as únicas exigências das feministas são bastante concretas, acesso aos lugares de privilégio social, e tratamento preferencial, leia-se auto flagelador por parte dos homens. Não conseguem estabelecer uma relação de igualdade entre parceiros, sem que esta não se baseia na submissão de um deles, o homem. O maior problema dos homens não são as feministas, contudo. O maior problema é o vírus mental que assola muita gente infelizmente, e passa pela perda de personalidade que se exprime através da adopção de comportamentos mendicantes e submisso em torno da obtenção de aprovação e dos favores sexuais. Felizmente não é a maioria, embora o fenómeno se generalize. Quanto mais os homens se tornam submissos, isto é, menos individuados, mais as mulheres face à sua facilidade em obter pila e validação através da pila, se tornam convencidas não só da sua beleza, do seu lugar social de absoluta e singular significância, como da sua superioridade em termos da espécie, numa forma em que parecem querer assumir a completude da mesma apenas no sexo feminino. Apesar desta pandemia, parece que ainda não está toda a gente infectada. De facto parece que a maioria das pessoas ainda é «normal» isto é, consegue perceber a artificialidade da propaganda burguesa. Se a diferença entre os bócós e os sedutores compulsivos, entre as mulheres e as sedutoras caprichosas é apenas software, isto é, é apenas a diferença entre sistemas de crenças competitivos, podemos hierarquizar ou estabelecer extremos. Quem numa interacção consegue fazer o seu sistema de crenças mais presente e dominante controla a relação. O controlo do contexto social, controla os comportamentos. Quantos de nós já não ouvimos tipos e tipas que percebendo menos que nós de determinado assunto, consegue na sua convicção e na sua linguagem corporal, deixar-nos na dúvida em assuntos que normalmente sabemos integralmente o que dizemos e fazemos? Isto é porque são convencidos da sua realidade e conseguem fazê-la sobressair em relação à do outro. De facto, com congruência isto traz resultados, o que só certifica o utilizador acerca da certeza da sua visão do mundo, se funciona é porque é assim. Bócós e sedutores partilham em certo grau a mesma convicção. Uns acham que ou são correctos ou teclam as teclas correctas. Outros também, a diferença é que o resultado é concreto para os sedutores, seduzem. Os moles, conseguem determinado tipo de resultado que só vai confirmar as crenças acerca das suas inseguranças. No fundo a suprema diferença é uns viverem no dever
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