Sou dado à criação de micro-relações.
Nunca consegui lidar com a aleatoriedade dos encontros entre mim e o Outro. Se o gajo que me serve o café, no snack bar onde vou duas vezes consecutivas, mete conversa duas vezes seguidas, considero que eu e ele temos uma relação, uma micro-relação, dependente da circunstância de eu lá ir tomar café ao estabelecimento, e do humor do serviçal naquele dia. Se calhar levo demasiado a sério a vida. Ou sou co dependente. Temo que seja a 2ª. E sei que sou um romântico incurável. Tenho toda a minha personalidade enredada nessa premissa de tomar o ‘amor’ como um valor por ele mesmo. Foder, todos fodem. Dar significado metafísico aos encontros e desencontros, é só para malta de barba rija, como eu. Como a relação com o gajo que me serve o café acaba assim que saio do estabelecimento para ir ‘à minha vida’, assim termina a micro-relação com as gajas do tinder e do bumble. Geralmente, numa manhã promissora, em que elas tiraram a maldade do corpo, e onde eu terei de tirar a ideia delas da minha cabeça, as fantasias de fodas futuras e felicidade permanente a dois, da minha cabeça. Ò pinga amor do caralho. Gajos como eu, têm dificuldade neste jogo. Gostamos de pensar que foder é apenas recompensante se houver uma ligação emocional entre ambas as partes. No passado eu achava que o que era preciso era virar frangos. Números. Que Deus, Deus o tenha, não me iria colocar no prato a mulher que eu mereço. Portanto, como bom protestante, traduzi a Bíblia para vernáculo, e tratei de foder tudo o que me aparecesse no radar. No meio do entulho aparecerá a flor. Mas não. Não apareceu a ride or die girl, a gaja que me amaria incondicionalmente, aquela que mataria ou morreria desde que ficasse ao meu lado. O meu lado conas diz-me que nenhum ser humano digno desse nome, se dignaria a uma auto-anulação apenas para presencia a minha existência. E eu digo ao meu lado conas, olha lá ó cabrão, então eu não morreria por cada puta que me traiu? Quanto mais com as que foram decentes por mim. Não me meteria à frente do tigre-dentes-de-sabre, do estuprador, assaltante, ex marido, para a proteger da dor? Ora se eu me posso auto-anular em benefício da detentora de vulva, não pode a mesma retribuir e não é isso o ‘amor’? O meu lado não conas, toma a palavra, e responde, ‘-Ó seu caralho, sacrificares-te não é virtude, é apenas condicionamento genético, proteges o útero que te promete imortalidade.’. Foda-se. Tem razão. Mas tiro tanto prazer da certeza de que uma gaja que me deseja é um sinal do Criador a dizer ’-Estás bem cabrão, continua.’ Que me custa acreditar embora saiba que é verdade. Ao escrever este texto, vou ao Lidl, escolho 3 latas de meio litro de cerveja cujos desenhos steampunk me servem de desculpa para quebrar o voto de abstémia. Juro que vou deixar de beber cerveja, juro. E estas têm 11.5º de álcool, boa. Onde ia eu? Sabes que mais? Não vou abdicar do meu ‘romantismo’, com ele provo a todas as putas, que elas são meras marionetas, e eu, verdadeiro agente. Fiquem-se aí, suas putas, com orgasmos e com vossas certezas nas escolhas correctas, que eu fico cá comigo nesta sabedoria infernal, de que vocês jogam bem o jogo, mas só eu conheço as regras. Enquanto não te aparece a certa, fode as erradas dizia-me o alter ego, porque se estás à espera da ride or die girl, morres virgem. O silogismo é simples, uma gaja que te veja de tal forma o prémio, que a única coisa que lhe importa é estar contigo. Tudo o resto para ela é acessório. Se a gaja te encara como uma peça no puzzle que delineou para a vida, não é ela. Eu sei que bato nesta tecla, mas é apenas porque prefiro atracção genuína, que instrumental. Tive a minha parte de gajas que picam o ponto na sua labuta contra o mundo, onde sou apenas um número. Reconhecíveis pela constante cara de enfado e sexo sardinha. Não quero isso para mim. Nem tu. Não queiras ser o prémio de consolação na vida miserável de outro ou outra. Se não sabem dar valor ao que têm diante dos olhos, que se deitem na cama que fizeram. Cabe ao gajo das micro-relações, ir aprendendo as técnicas do açougue. Cortar a direito e aprender a aceitar, a aleatoriedade das escolhas alheias. Não é ressabiamento, apenas perceber que ninguém vê com olhos de outro, a não ser quem não tem vida interior e se limita a ser reflexo da tribo alargada em que se insere. Enrolas-te com uma gaja que de vida própria tem apenas a vivência com família ou amigos, como podes esperar personalidade? Traços específicos de um outro que se determina autonomamente na passagem da areia pela ampulheta? Como podes esperar ser amado ou amada, quando a pessoa que está do outro lado evita a sua própria individualidade, refugiando-se nas trincheiras de relacionamentos com outros? Quem és tu? Sou a amiga de x, familiar de y. Há quem viva bem, passando ao lado destes pormenores. Não é o nosso caso. Se o fosse não estavas aqui a ler. E nos entretantos, vamos rodando frangos. Até ao momento em que percebemos que somos também nós um frango rodado por outro. Perdidos em cornucópias infinitas em que o movimento é o único garante contra a morte aparente, a estagnação. Só o movimento nos convence da inexistência de mobilidade no tempo. E como sabemos que o alarme da morte tocará eventualmente, preferimos a ilusão do movimento, à helplessness da crua realidade, de que não vais a lado nenhum. O movimento não é senão a cenoura que te faz fugir da verdade de que tudo é relativo, menos o beijo que te dou onde a minha língua bebe o teu fresco cuspo como se num deserto de Ozymandias. E te puxo uma perna para cima apenas para ver os teus olhos reflectidos nos meus enquanto te penetro pela primeira vez.
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Ocorrera-me a ideia, já há alguns anos, de que a necessidade de ter uma mulher na ponta do braço não seria uma espécie de revanche para com a vida e a macacada em geral.
Do género, vês, tenho uma mulher que me reconforta pelo facto de me garantir acesso a um útero e ao orgasmo ocasional. O que prova que sou válido, sou um vencedor na vida, mesmo que nessa vida todas as outras secções sejam um complexo fracasso. Passo pelos outros homens, com a confiança da posse de um troféu momentâneo, o único que vale, afinal, na vida, a possibilidade de acesso ao local de acolhimento da nossa replicação genética. Sinto-me válido na Existência, e não um completo falhado, um farrapo de Humanidade, incapaz de ser amado por outrem o suficiente, o suficiente para transmitir um conjunto de informações genéticas que de outra forma estariam condenadas ao esquecimento eterno. A mulher como muleta existencial, token do próprio valor, como garante da auto-estima num mundo competitivo como é os dos homens. Desde os momentos em que na infância e adolescência, se castram uns aos outros, por via da violência física ou psicológica, para diminuir os níveis de confiança de cada um. Como os coelhos velhos fazem em relação aos novos, em brigas onde o alvo primário é os testículos, de forma a massacrar e até anular a capacidade reprodutora do potencial competidor que daqui a uns meses seria demasiado forte para suplantar. Alguém que se queixe dos dóidóis que as cachopas fazem, é porque nunca olhou de frente para a filha de putice dos homens uns para os outros. Do ponto de vista moral, pois do biológico faz sentido, somos primatas violentos que competem entre si a espasmos cronológicos para legar semente à geração seguinte. Assim se pressionam os competidores, com uma pressão implacável de forma a quebrá-los, a baixar-lhes a garimpa, anular a confiança própria, tornar o competidor num não agente, incapaz de se defender a si mesmo. Para garantir, ainda que de forma inconsciente, o acesso a todo o pito reprodutor. E o pito adora isto, ao pito não interessa nada senão os vencedores. O único sítio onde o pito fica molhado com o sensível, o dedicado, com o homem macio, é nos filmes românticos. Na vida real, os índios, os brutos, os agrestes, levam para casa toda a atenção e desejo feminino. As prisões albergam filas de mulheres ansiando pela atenção de assassinos, violadores, e outros. Chama-se hibristofilia. O homem incapaz ou menos propenso à violência é arredado para as margens da perpetuação genética, o leitor de Kant, de ética e das boas orquestras alemãs é relegado para os bastidores da corrida proteica. A mulher é incapaz de amar o que não esteja acima. O único sítio onde se apaixona por um sem abrigo, é no celulóide. As rejeições passadas interpretadas a partir de uma interpretação da invalidade da nossa personalidade, são infundadas, portanto. Evolution baby, nothing else. O gajo perdido no passado é aquele que se contenta com uma gaja qualquer apenas para provar a si mesmo que se tornou amável, após tantas rejeições cruéis no passado. O inimigo é o conceito de amor romântico, mesmo na época dos tinders e semelhantes. Se olharmos para a coisa com a fria racionalidade, vimos quem nos quer engodar com algum óleo na água. E nisto passam 30, 40, 50 anos em que somos cílios de nós mesmos, atormentando-nos com a crença da nossa inadequação, ou de forma mais suportável, com a ideia de que elas, as mulheres é que são más, umas putas. Não, existe é um fosso entre a tua idealidade e o mundo como é, ou como to querem retratar. Sapere Aude, sempre. Ela joga a cartada do «-Amo-te.» Apenas com a convicção suficiente para não passar por má fingidora. Chamam-lhe ‘intuição feminina’ e dão-lhe alforria de coisa mágica, de dom inato a qualquer possuidor de vulva. Não é mágica, nem exclusiva do feminino. É mera observação de linguagem corporal e mais uma ou outra pista escondida, como entoação de voz, ou forma de olhar. Tal como qualquer gajo sabe detectar a postura agressiva de um oponente, também ela lera na minha postura corporal o meu distanciamento, a minha voz seca e não melosa, e toda uma postura que prenunciava uma ruptura. Pressentindo isso, tentava manipular-me emocionalmente para adiar a ruptura, de forma a ser ela a fazê-la posteriormente. Quantas vezes caí eu nisto. Vale a pena apenas para ver como a pessoa é na realidade, e não no fingir dela, e na minha idealização. Se odeio as mulheres, não de todo, amo-as com toda a força do meu ser. Mas deixei de comer gelados com a parte frontal do meu crânio. Percebi que a minha idealização amorosa resultava quase sempre numa ruptura decorrente de uma teimosia minha. Ou me amam pelo que sou, ou não faço o mínimo esforço para engodar. Estou aqui para ser adorado, não para conceder paz à realidade das coisas. É fácil enganá-las, comê-las e cuspi-las para a beira de uma estrada, literalmente. Mas porque conheço a minha mãe, tias, primas, sou incapaz de o fazer. Faço uma cortesia civilizada, como os combates aéreos da Ia Guerra Mundial, de não anular os egos das gajas que comigo cruzam caminho. Às vezes é preciso encaixar um murro bem no queixo. Dou-me a esse luxo. Mesmo sabendo que cada amor que morre leva parte de mim, aquela parte responsável pela idealização, única forma que temos de engolir seres humanos do sexo oposto com personalidades de merda. Por personalidade de merda, denoto o ser humano do sexo feminino que se acha merecedor de tudo e mais alguma coisa, por causa do valor inflacionado da sua vagina. A tua vagina não vale muito, os gajos é que têm 17 vezes mais testosterona que as mulheres. Ah cabrão do ego, essa força que faz identificar o indivíduo com a simetria corporal que desperta algum desejo no sexo oposto. Não tens algum mérito por ser bonita. Tens uma janela de tempo, que a Mãe Natureza te deu para enlouquecer um random homem, de modo a comprometer-se no teu bem-estar e da potencial prole. Mas elas continuam um pouco por todo o lado a posar no Instagram, para o seu corpo como que exprimindo para o observador que o que ali está é um pináculo de vida, um produto gourmet para consumo com exigência. Ainda hoje passei por uma ninfeta, na volta da minha corrida diária, como todas as ninfetas, que percorrem a pé uma qualquer estrada, demasiado arranjadas para a ocasião, desatentas porque toda a sua atenção está no ecrã do telemóvel, dando resposta a todos os pretendentes de Penélope, que lhes solicitam atenção e favores sexuais a troco de atenção e encómios. Desde puto que me lembro de não dar o biscoito, o prémio do meu olhar para quem o usa apenas para se sentir bem consigo mesma. A Mãe Natureza passa-nos uns filtros de merda pelos olhos, que nos cegam para as personalidades de merda das gajas com quem nos cruzamos. As gajas não são todas más. Aquelas com que me tenho cruzado é que deixam a desejar, tal como eu, pois eu não me isento da mousse de dejectos a que se chama ‘desgostos amorosos’. Esta é a única altura em que posso ferir o ego de uma mulher, quando eu decido a ruptura. Se for ela a iniciar, o quer que eu diga sobre ela, a sua maneira de ser, defeitos e erros, será exclusivamente interpretado como ressabiamento pela ruptura, o que só inflacionará ainda mais o seu ego preenchido pelo vento de várias propostas atraentes de outros competidores. Se uma gaja te descarta, não lhe apontes os seus defeitos, o seu feitio bovino a roçar o bpd, a sua falta de graça fora das sessões semanais de arranjo de cabelo, unhas e pele na esteticista, o seu comportamento intragável com as tipas do pans e company, a sua indigência cultural. Nada do que lhe apontes tem efeito, vai interpretar que estás a ver se a magoas por te descartar. É uma luta perdida. Deixa-las ir. As únicas falhas de carácter que assumem, são as que tentam esconder de toda a gente. Levantou-se, deitou-me o vinho à cara, e foi-se embora, numa cena teatral que deve ter imitado de algum filme. Enquanto todos me olham no restaurante, sorvo o vinho que me escorre pelo rosto, e imagino as vinhas regadas a sangue dos antepassados. Ligam-me para o smartphone. A Rosário matou-se. Quando consigo mover alguma parte minha, decorreram uns 30 minutos. Anteontem estive com ela, e ela parecia bem, mas por algum motivo eu já sabia que nada estava realmente bem. No funeral, no Alto de São João, memorizei a campa. Era a noite de maior pluviosidade do ano. A terra ainda estava tenra, só faltava estar quente. É fácil abrir um caixão. Não sei quanto tempo chorámos os dois à chuva. Engraçado. Quando estás sozinho ou sozinha e a precisar de contacto humano, e ninguém se lembra de seres vivo. E quando queres estar sozinho, parece que o telefone não pára. Amordaçado por um desejo de inconsciência que me fizesse esquecer a imoralidade de umas sandes de paio francês com grãos de pimenta acompanhados por cerveja de abadia, esforçava-me por não lembrar os bichos inocentes mortos para o meu prazer gustativo. Ouvira algures no talho alguém dizer que leitão é imoral, mas porco adulto aceitável, pois temos de viver e um porco adulto já viveu a sua vida. Ao ouvir isto, perguntei-me, foda-se? A sério? Um desgraçado de um porco criado em linha de montagem onde só conhece o cimento que o confina da engorda à morte. Vomitei-me de culpa e lamentei a minha condição de humano com carácter fraco. Meti o caralho das sandes de lado e enterrei-me nos braços da cerveja para não ter de pensar. Como faço com as gajas e com a ideia de amor, entretido com elas, para não ter de pensar nas ‘realidades’ da ‘vida’ que custam a engolir. Mini após mini, enchia-me de álcool para não ter de pensar. Cerveja, pois, é que a cerveja faz-me mijar ao fim de meia hora. Se bebesse destiladas, mais facilmente arruinava o fígado, e o cérebro, pois não me fazem parar e mictar tanto. Entretido com este pensamento, e estarrecido no sofá, escuto o toque do smartphone. Era Rosário. Que me queria ver, que precisava mesmo de falar comigo. Ou escutar o que me dizia e a sua entoação, fiquei preocupado. Mas já tantas vezes estas gajas me tentaram manipular, que pensei que fosse novo estratagema. Que ao não lhes prestar atenção, lhes estímulo a jactância, e que por isso investem tudo para conseguir o biscoito e provar a elas mesmas que me têm quando querem. Sim, é assim que elas são. Fiquei em sobressalto, por algo do que disse, mas mesmo assim desvalorizei. Quantas e quantas vezes já não me enganaram com situações sérias que não passavam de esquemas para me abrir a armadura, e eu caí? Assim de que forma, fui eu para sua casa a imaginar as maneiras como a ia comer. Encostá-la à sua cómoda de frente para o espelho, ou de pernas abertas com a janela escancarada. Lambendo-lhe os cantos da boca a partir de trás, ou puxando-lhe o rabo-de-cavalo pela base da nuca. Ia com sede ao pote, mas ao mesmo tempo com a suspeita em surdina, chama-lhe intuição, de que o que esta mulher precisava era de uma relação humana e honesta, e não de uma sessão de fodanga. Recriminava-me depois, pois se não manifestara antes, qualquer respeito por mim, porque havia eu de o fazer, provando ser o conas, ou vá lá, o gajo decente, que ela nunca escolheu ou respeitou? Estacionei o carro, e ao entrar pela porta da casa dela, vazia e sepulcral, vi umas velas em cima da dita cómoda, e pensei ui ui temos foda. Mas assim que me disse boa noite, percebi pela voz, que algo de profundamente errado se passava com este ser humano. Perguntei se estava bem, disse que sim com a cabeça, num gesto exagerado que visava esconder dentro de si a resposta oposta. Convidou-me a sentar na mesa da cozinha, os filhos tinham ido passar a Páscoa com a avó, e ela estava sozinha em casa. Fodanga pensei eu. Mas se não me agarrou o marsápio à entrada, quer que as coisas se desenrolem…desenrolem devagar. Ok, sento-me e aceito o café que me serve. Para que me está a servir café? Quer que eu não durma a noite toda? Fodanga, está a preparar-me para a fodanga. «-João, porque é que nunca nos envolvemos antes do meu casamento? Tens-me dado ajuda e conselhos nesta fase da minha vida, que agradeço muito, mas não posso deixar de pensar porque é que nunca me apareceste no radar do romanticamente possível.» Foda-se. Não há fodanga para ninguém. Esta era uma pergunta séria e sinistra. «-Rosário, eu tento não exprimir palavras que larguem negatividade no mundo, tu não queres que eu responda a essa pergunta.» Assim que disse isto, arrependi-me. Devia ter chutado a resposta para canto, e fingido não perceber. Mas sou um cabrão que gosta de se armar em bom, e mostrar que sei como se joga o jogo, o que só resulta em mostrar que não sei. É preciso viver como se não soubéssemos. Fingir que é doutra forma. Não te dão crédito por saber como se faz uma bola de cautchú, apenas por saberes jogar à bola. «-O que mais te peço hoje, é que faças o que eu te peço. Podes dizer, diz-me.» A forma terna e fatalista como me disse isto, arrefeceu-me a tomateira a temperaturas árcticas. Mas ok, se queres, lá vai. «-Rosário, nunca te envolveste comigo porque fazes parte de um grupo de primatas que se avalia continuamente para aferir a posição social de cada um, e enrolares-te comigo, só baixaria a tua posição social na escola secundária onde andámos, em determinado período de tempo. Isto é algo de inconsciente que nada tem a ver com a tua decisão. Continuamos enquanto espécie, a obedecer aos imperativos biológicos da antropogénese, há 100 000 ou mais anos atrás. Ficavas com a vulva molhada pelos rapazes mais agressivos ou no topo da hierarquia juvenil. Porque foste feita para procriar a partir de tenra idade com tais figuras em tribos de menos de 60 indivíduos. A Natureza programa os indivíduos a agir de determinada maneira sem que se apercebam. E os violentos, agrestes, eram aqueles que conseguiam proteger e matar outros, tudo em nome da transmissão genética e adaptação ao meio.» Nunca consigo explicar bem esta merda. Um longo silêncio se abateu entre nós, que não ousei romper. Beberiquei o café frio e tentei distrair-me com os azulejos dos anos 90, na sua cozinha, contando-os e depois jogando dentro da minha cabeça com as formas coloridas dos mesmos, e o que me lembravam essas formas. O tempo passou de tal forma, que quando ela me interrompeu, fui arrancado desses jogos mentais, e fui obrigado a voltar à realidade. «-Eu acho que entendo e concordo com o que dizes. Mas eu não fiz por mal, há vinte anos, nem sequer te dar uma hipótese. Só não calhou…» «-Falas como se eu tivesse noção do que te acabo de dizer, há 20 anos atrás. Isto demorou muitos anos a perceber e a procurar respostas. Sempre me perguntei pela razão do asco psicológico que as mulheres sentem por homens sensíveis, isto é, por homens levados para a idealidade. A início pensei que era por não gostarem de gajos porreiros, mas eu não era ou sou um gajo porreiro. Usava a imagem de gajo porreiro para atrair e manter a detentora da vulva que me facultava distracção da vida e a descarga energética conhecida como ‘orgasmo’. Durante muitos anos tratei melhor as mulheres que os homens, por essa mesma manipulação que te confesso. Depois pensei que as mulheres eram todas umas putas, até perceber que eram incapazes de uma total consciência das suas acções, e portanto tão imputáveis como um deficiente motor por não conseguir dar um passo de dança. Hoje tenho plena consciência de que são vítimas, marionetas, por igual, de uma Natureza, ou processo instintivo ao qual não têm qualquer acesso. Até nisso têm menos sorte que o homem. O homem, ao menos, por via da introspecção, usada antigamente como forma de adaptação ao meio físico e social, consegue perceber – até por ser o sexo sacrificável – os fios pelos quais o títere o move. À mulher, embora disponível, essa mesma introspecção é menos acessível por via do seu solipcismo, vivendo sobre o seu umbigo, a mulher confunde-se com o seu corpo e valor sexual para outros. Por isso as quarentonas calçam sapatilhas Converse e tiram fotos a andar de skate para o Tinder. Para negar ou adiar a sua própria mortalidade. A mulher é a guardiã do sexo, e por isso capitaliza sobre o mesmo. Faz render as 4 pregas de carne que a Natureza lhe deu.» Outro silêncio. Tenho por regra , que devia respeitar mais, não proferir coisas que não contribuam ou para a neutralidade ou felicidade alheia. Mas a minha vaidade quer sempre demonstrar que sou muito esperto e observador. Mas depois vejo que sou eu próprio que faço essa ficção, a minha narrativa racionalizante, não visa só demonstrar que controlo um pedaço de realidade. Não, há algo de mais sinistro aqui. Se sou assim tão lógico, e se a mulher é então um ser incapaz de introspecção e de morder a língua por sentimento de culpa que nunca assume, eu devo ser o maior idiota ao cimo desta Terra, pois de que me serve impressionar com os meus silogismos, as minhas tretas, um ente que sei que vai deflectir sempre a minha prosápia, para o campo das suas avaliações...isto é, que vai pensar 'se este gajo gasta tanto latim a vender-se e a tentar impressionar-me, é porque não está convencido do seu valor intrínseco...'. Não posso ser assim tão idiota na eira e tão esperto no nabal. Há outra coisa, há algo de mais profundo e torto. Pendo para a ideia de me apegar ao ideal de amor, como um burro que pendura uma cenoura à frente do seu próprio nariz, para vencer a inércia. De quanto da minha personalidade está baseado na empresa amorosa, na identificação do meu ego com as minhas pulsões e na expressão delas por via do sexo. E depois surge-me a ideia de que é porque permaneço numa negação infantil decorrente da primeira infância, recusei-me a ser cínico, como todos ficamos, porque tive uma infância feliz, apesar de tudo. E a racionalidade só me estilhaça essa ilusão reconfortante. Iludo-me atrás de rabos de saias, porque não consigo olhar para o mundo de frente. Assim, Rosário não me pareceu tão repugnante. Pobre diabo feita do mesmo barro que eu. É tratá-las como crianças, que se puderem, sem refreio, comem doces até cair de traseiro. Ver que reagem com os meios que têm, ao mesmo mundo para o qual me custa olhar. Abraço-a e finge-se surpresa, fingindo-se desequilibrar abraçada a mim, em direcção ao seu quarto. A Rosário estava lamechas. Olhava para mim e chorava. E quando via que o choro não resultava, recompunha-se fria e hirtamente, e disparava com jactância na minha direcção.« - Se calhar é melhor ir-me então.» Nem tentava disfarçar procurar no meu rosto a minha reacção ao seu ultimato. O que só me irritava, bamboleante entre a ideia do seu mau carácter, ou da minha própria estupidez, em esperar ‘delas’ algo de tão elaborado. Lembrou-me a ideia que alguém um dia me disse, e que é mais ou menos, elas só parecem enigmáticas, porque lhes dás mais crédito do que o que merecem. A Rosário era uma daquelas que em São João da Talha e nos tempos da C + S, passava por mim como se ela fosse a raposa de Torga, e eu a vinha vindimada. Fascinada com os gajos que jogavam no Sacavenense, ou com os membros de uma banda de heavy metal, nunca acederia aos meus desejos por isso lhe baixar o próprio valor social. Curioso como numa sociedade desenvolvida, os macacos continuam a agir como sempre. Há sempre um macaco no cimo do coqueiro, que serve como alvo do desejo. Os outros são chumps. Boa demais para mim, com a sua camisa branca, sorriso fácil e mamas grandes, tinha de capitalizar nos sujeitos que hoje olham com saudade esse período, a partir dos armazéns de onde trabalham. É estranho, ou não, porque não conseguia eu ver isso, ‘elas’ presas a um instinto que as levava a agir sem agência própria. E depois de conhecer alguns dos gajos populares da altura, eles também. O jogo que tinham funcionava e não pensavam muito sobre isso. Não me espanta, portanto, a relativa idade adiantada com que beijei as mamas de uma mulher. O que eu pensava ser um defeito de fabrico meu, afinal, não era. Como mágico de circo distrital, é no exagero dos gestos que se desvia a atenção para o truque. E bem vistas as coisas, ela, elas, nada mais têm senão as imagens que me excitam os desejos. Controlando o meu próprio desejo, nenhum poder têm sobre mim. Lembrei-me do meu trajecto, para a tal C+S, onde as mais bonitas e desejáveis, me olhavam esperando obter o meu biscoito de validação, que eu não dava, sob a forma de um olhar desejoso, por já saber que após o mesmo, viria o seu ar de satisfação e desprezo, por mais um troféu conquistado. A Rosário tinha exercido o seu poder sexual, almejando sempre até ao céu, nas pirâmides hierárquicas dos homens, de acordo com o valor utilitário que os mesmos iam tendo ao longo da sua vida. Até que o metabolismo abrandou por via das vezes que circundou o Sol, e o poder físico decresceu na exacta medida em que o seu orgulho ia regressando à Terra. Quando sentiu que o casino estava a fechar, arranjou um fiel conas, que lhe alimentasse o investimento de 50% de carga genética. Mas como nenhuma personalidade desenvolvera, afinal basta um corpo bonito, o tipo evaporara-se na chegada de uma outra melhor. Ela olhava-se ao espelho e ainda via bem as memórias de tempos com mais agência. Da mesma maneira que homens reformados postam imagens de si na tropa há 40 anos, assim ela via o que o espelho lhe segredava, por detrás de cada ruga. Começou por me fazer likes nos textos que publico de vez em quando. Uma ou outra conversa animosa, e um café um jantar , e dou comigo a comê-la no sofá da sua sala, vazia porque os filhos tinham ido ver um remake qualquer dos power rangers. O quarto pequeno com cama de casal e cabeceiras com um solitário vibrador dentro, era desolador, e eu só me sentia em terra alheia, lá. Dei comigo a pensar nas punhetas que havia batido a pensar nela, e no escândalo de há uns vinte anos atrás, em que o seu ex namorado lhe publicou as fotos íntimas sem consentimento. Toda a gente ficou a saber como é a Rosário nua. Pintou o cabelo e mudou de trabalho, farta de ir no comboio com gajos de sorriso parvo a olhar para ela, em cumplicidades execráveis que ninguém deseja ter. Eu, olhava para a minha gaita e perguntava-lhe «-Quê, é só isto?» Só isto de trapalhona na cama, limitada até, ou de pouco mais saber falar que do seu trabalho? Nascemos com imagens que se enfiam pelos olhos dos outros, provocando ideias que não controlamos. Rosário era só mais um corpo de morte anunciada, numa das suas voltas terminais em torno do astro rei. |
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Tori Amos - Professional Widow (Remix) (Official Music Video) from the album 'Boys For Pele' (1996) - todos os direitos reservados:
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