O medronho batia forte, e ao ver o filme da Netflix, observava o meu punho que apoiava o maxilar inferior, tremer. Fez-me lembrar uma idade futura que ainda não chegara, mas já vinha no correio. Deu-me para chorar, pelos cães e cadelas que tive e morreram, na cruel realidade de vermos algo que amamos definhar em pouco mais de 10 anos, e morrer levando bocados de nós com eles. Por todos os bichos que tivemos e que foram no decurso natural das suas vidas, apesar de amarmos os indivíduos que foram. Disse uma vez a um amigo, e mantenho, que os animais são anjos enviados, por algo, para as nossas vidas. Uns acabam no prato, outros no canil. Saber os meus bichos e os futuros, como que a prazo, tal como a minha vida comparada com a de uma tartaruga, faziam-me chorar. Era assim que eu estava, quando a Júlia me ligou. Que as aulas tinham acabado mais cedo e me queria ver dentro de uma hora. 'Ver' era uma cifra para ‘foder’. Ok, lá vou. Metro até ao Areeiro, e algures pela Avenida de Roma, subir a um apartamento alugado pelos seus pais enquanto frequentava um curso no ISCTE. Nem me deixou dizer «-Boa tarde.». Agarrou-se a mim como se a única fonte de oxigénio do planeta, saísse da minha pila. Não me fiz rogado, im buck and im here to fuck. Insisti na performance sob a ligação emocional. Que é o que os gajos de 18 anos fazem. Mas vou fazer o quê? Falar das minhas ideias sobre as pinturas de Bosch? Acho-lhe uma graça ímpar. Aquele corte de cabelo `a República de Weimar. O humor fino e sarcástico para a idade. Claro que aprecio um bom corpo, a pele esticada e a lei da gravidade escrupulosamente respeitada. Mas é mais que isso, é a pessoa. Ela fazia-me rir, e respeitar ao mesmo tempo. Revia a minha Humanidade nela. Não era um corpo caduco com agenda própria, encaixando-me num horário mínimo, de forma a manter o quer que seja que em mim era valorizado. Ela realmente gosta de estar comigo, aprecia a minha companhia e procura-me mesmo se acompanhada. É o oposto de todas as gajas de 40 anos que conheço. É uma pessoa jovem, sem lastro e sem arrogância de sobrepôr a sua visão do mundo à minha. E por isso me preocupo. Dou-lhe a experiência, mais ou menos similar, daquela que receberia em tipos da sua idade. Fisicamente consigo, psicologicamente, compreendo. E pergunto-me quem sou eu para fazer ou tomar essa decisão. Como que se um abraço e um beijo na bochecha, justificassem foder e gostar de uma tipa com idade para ser minha filha. Mas depois pergunto-me, que mal lhe faço. Nenhum, então são apenas limitações da minha cabeça, prenhe das mesquinhices dos agressores. Beijo-lhe o lóbulo da orelha, e ela, espantada por eu estar acordado, confessa que nunca se sentiu tão feliz. Eu disse que espero por ela, ao que, beijando-me demoradamente, me diz que nada tenho que esperar.
0 Comments
A manhã estava fresca e oferecia um purgatório de alívio antes das brasas infernais tornarem difícil a respiração.
Acordei cedo, como faço quando estou apaixonado, isto é, quando inebriado pelos meus ancestrais neurotransmissores vocacionados para a transmissão genética. Tinha ‘ganho’ uma data de discussões de Facebook na noite anterior, deitando-me apenas às 3 da manhã. O vento nas minhas velas vinha de saber que ia ter com ela de manhã para a acompanhar na cama até perto da hora do marido voltar. Ruiva como só o sangue, rira-se para mim no Aldi, e mesmo sabendo que era casada, não resisti a esvaziar as bolsas pendentes, mordendo para mim um dos meus princípios de não cobiçar a mulher do outro. Mas o desejo relativizava o perigo de um barrote pelos cornos ou a dor moral de encornar outro. Sabia bem melhor acordar suado na cama de um casal que não eu, e perder-me nos gemidos dela, mais por prazer de se vingar do marido, que pelo dano vaginal que eu lhe provocava. Sou acordado antes do tempo, lá pelas 9 da manhã, com uma sms que me efervesceu o sangue, completamente imbuído da convicção de fornicar em breve. Ao ler, as minhas bolsas tocaram na testa de alguém na Nova Zelândia. «-Hoje não vai dar, as coisas ficam por aqui, não me contactes mais.» Que puta de frieza. Como é possível fazer-me objecto de tal forma que pareço nem existir na piada que é o mundo? Todo o meu âmago se sentiu rejeitado, pior, cuspido e relativizado por quem anteriormente me convencera do contrário. Para uma mulher é fácil declarar-se violada anos após o acontecimento. A quem me queixaria eu, por a minha individualidade ter sido comida e cuspida sem apelo ou agravo? Algo em mim deu de si. A sucessão de tratamentos abusivos, sem consideração, forçou-me ao pecado último da interpretação de factos desconexos como parte de uma narrativa integrada. Ela era apenas mais uma na sucessão de cabras. E havia de pagar por isso, macacos me mordessem. Eu conhecia a rotina dela, saía na estação da Póvoa, do trabalho até tarde nos escritórios da metrópole. Não foi difícil pedir emprestada uma carrinha branca e engodá-la com uma conversa de encómios que a seduziram até às portas traseiras de uma Ford Transit sem visão para o interior. Depois foi só aplicar um murro circular que fez com que o seu cérebro embatesse na moldura craniana e provocasse a não consciência. Com que a libertei deste mundo, com um torniquete à moda da Inquisição antiga. A sua urina espalhou-se pela furgoneta previamente plastificada para o efeito. Mijamo-nos ou borramo-nos quando saímos deste mundo. Percebi que a urina não tendo por onde sair, de igual forma acolheria o sangue do desmembramento que eu planeara. Enterrei-a às 3 da manhã, para honrar a nossa primeira confissão de amor, sob uma milenar oliveira da Póvoa de Santa Iria, com vista ampla sob o estuário. Como palavras de homenagem, disse-lhe que apesar de longe das filhas, teria uma boa paisagem para aplacar a tristeza que o mundo lhe trazia por não compreender. Umas semanas mais tarde vi uma reportagem na televisão sobre um fenómeno religioso, uma oliveira à beira do Tejo, que tinha azeitonas vermelhas, cujo azeite sabia a lágrimas. Há mais gente a pensar como eu.
Ontem em conversa com autor muito vendido neste pequeno mercado nacional, percebi que quanto mais diferentes achamos que somos, mas afastados da realidade estamos. A conversa começou comigo dizendo em frente à sua cara: «-És um conas.» Assim que o disse, repostei-me de novo para trás na poltrona e no gin tónico. Pensei comigo, então se o gajo faz vida disto, não vai ostracizar ou encolerizar metade da gente que lhe compra os livros. Bem, a coisa começou antes disso. Foi ao Castelo de Pirescoxe apresentar o novo livro. Eu quando entrei para a palestra, já estava bêbedo. Atravessei toda a sala do auditório, esforçando-me para não me estatelar ao comprido, num silêncio sepulcral, com todos os olhos apontados para mim. Assim que me sentei, o som da apresentação, recomeçou. Que tinha cursado Filosofia na FCSH, que tinha viajado por aqui e por ali, que tinha vivido num cu de Judas nos states, e toda essa merda kitsch que faz um gajo parecer pra frentex. Eu só pensava, enquanto andavas nessa boa vida, andava eu a sofrer em call centers para pagar propinas. Percebi que o meu rancor apenas se devia a inveja da boa, por ele ser profícuo escritor e ter legião de fãs. E eu, uma promessa adiada. Inveja de sapateiro. O indivíduo culpa nenhuma tinha, das minhas frustrações. E por isso mantive-me calado, até que me lembrei de pesquisar na cercania da minha cadeira, quem estava na plateia. Vinte e tal gajas para meia dúzia de mancebos. Mau. As mulheres são mais letradas ou apreciam mais a literatura? Saem das Universidades em maior número, isso é um facto. Os homens perdidos entre empregos de merda e meros autómatos que deslocam x de A a B, mas o drama é que há muitas mulheres a sair com cursos, e que portanto merecem ganhar mais. Ninguém se pergunta porque os homens ficam em casa a bater punhetas, a evitar entrar na escalada social, ou a suicidarem-se aos magotes. A atenção está toda virada para a ‘questão’ feminina. Qsa foda, tenho a minha dose de gajas e não as censuro de serem egocêntricas. Ou que me chamem chauvinista. Desde que o façam com a almofada entre os dentes. Divertia-me com estes pensamentos, e ia percebendo a lei número um da vida bem-sucedida, não mordas a mão que te mete comida na mesa. E ele, tinha muita gaja à espera para receber um autógrafo. Em semi-círculo, muitas com os tornozelos fora das sapatilhas, com pés cruzados sob as cadeiras rijas, embeiçadas pela voz de um gajo efeminado que era famoso. Ele escrevia romances policiais, coisa para a qual não tenho paciência. No bar do Castelo servem Estrella Damm, uma puta de cerveja espanhola, com o mesmo carácter da minha última namorada. Tem de ser bebida fresca. Fui lá fora buscar outra, outro silêncio à ida, e à vinda, mais por trombas de desconforto dalgumas gajas presentes, ele disse alguma coisa a perguntar ou a censurar a que eu não liguei. Sentei-me e aguardei que o som da sua voz continuasse a falar. Terminado, seguiu-se ruído intenso com palmas e saudações e merdas do género. Na fase zen da bebedeira, tinha inclinada a cabeça para trás a ouvir a sabujice desta trupe de traças apaixonada pelo brilho. Um toque no ombro, alertou-me para o facto de que alguém prestava mais atenção a mim, que ao que acontecia em frente ao palco. Abri os olhos e lá estava o gajo, com um olhar censurador e com uma censura verbal que nem percebi. Mas percebi o olhar e foi quando lhe chamei conas. Deu dois passos atrás e mostrou que eu tinha ido muito longe, mostrando as palmas das mãos como que pedindo clemência pelo que ia fazer, que era inadmissível a ofensa. Levantei-me e disse-lhe, «-Não levas já, seu conas de merda, por respeito ao teu pai.» O pai dele é um famoso cantor dos tempos da resistência antifascista. Musicou muitos poetas, e é realmente um tipo admirável. Mas não era eu que falava, era o vinho. Mas não gostei da abordagem dele. O ter mencionado o pai, ele amainou e até pareceu ignorar-me, embora algum do meu linguajar o tivesse perturbado. Olha lá escreves, perguntou-me. Ya dude, tenho um blog assim e assado. Ele conhecia. Dou por mim num bar de putas na Avenida da Liberdade. Putas é como quem diz, algumas das presentes eram amigas dele. Delegou-me duas, que me ladeavam enquanto eu consumia de borla. O gajo falava, mas eu só ia dizendo que para não morrer de tédio, dava maior carga dramática às relações com outros, tal como Hemingway. E que és um compreensível conas. A minha tesão de culpar o outro, não sei porquê, mostrou-me que eu não era nenhum frouxo, ou prodígio, apenas alguém nascido com pouco temperamento para o corriqueiro, afinal, 99% da nossa vida. Uma das minhas companheiras começou a mordiscar-me o pescoço e é das últimas coisas de que me lembro antes de acordar de manhã, exangue e ainda sem livros publicados. |
Viúvas:Arquivos:
Junho 2024
Tori Amos - Professional Widow (Remix) (Official Music Video) from the album 'Boys For Pele' (1996) - todos os direitos reservados:
|