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Bago de arroz

27/5/2022

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O medronho batia forte, e ao ver o filme da Netflix, observava o meu punho que apoiava o maxilar inferior, tremer.
Fez-me lembrar uma idade futura que ainda não chegara, mas já vinha no correio.
Deu-me para chorar, pelos cães e cadelas que tive e morreram, na cruel realidade de vermos algo que amamos definhar em pouco mais de 10 anos, e morrer levando bocados de nós com eles.


Por todos os bichos que tivemos e que foram no decurso natural das suas vidas, apesar de amarmos os indivíduos que foram.


Disse uma vez a um amigo, e mantenho, que os animais são anjos enviados, por algo, para as nossas vidas. Uns acabam no prato, outros no canil.


Saber os meus bichos e os futuros, como que a prazo, tal como a minha vida comparada com a de uma tartaruga, faziam-me chorar.
Era assim que eu estava, quando a Júlia me ligou. Que as aulas tinham acabado mais cedo e me queria ver dentro de uma hora. 'Ver' era uma cifra para ‘foder’.


Ok, lá vou. Metro até ao Areeiro, e algures pela Avenida de Roma, subir a um apartamento alugado pelos seus pais enquanto frequentava um curso no ISCTE.


Nem me deixou dizer «-Boa tarde.».
Agarrou-se a mim como se a única fonte de oxigénio do planeta, saísse da minha pila.


Não me fiz rogado, im buck and im here to fuck.


Insisti na performance sob a ligação emocional.


Que é o que os gajos de 18 anos fazem. Mas vou fazer o quê? Falar das minhas ideias sobre as pinturas de Bosch?

Acho-lhe uma graça ímpar.
Aquele corte de cabelo `a República de Weimar. O  humor fino e sarcástico para a idade. Claro que aprecio um bom corpo, a pele esticada e a lei da gravidade escrupulosamente respeitada. Mas é mais que isso, é a pessoa.
Ela fazia-me rir, e respeitar ao mesmo tempo.
Revia a minha Humanidade nela.

Não era um corpo caduco com agenda própria, encaixando-me num horário mínimo, de forma a manter o quer que seja que em mim era valorizado.
Ela realmente gosta de estar comigo, aprecia a minha companhia e procura-me mesmo se acompanhada.
É o oposto de todas as gajas de 40 anos que conheço. É uma pessoa jovem, sem lastro e sem arrogância de sobrepôr a sua visão do mundo à minha.

​E por isso me preocupo. 
Dou-lhe a experiência, mais ou menos similar, daquela que receberia em tipos da sua idade. Fisicamente consigo, psicologicamente, compreendo.
E pergunto-me quem sou eu para fazer ou tomar essa decisão.
Como que se um abraço e um beijo na bochecha, justificassem foder e gostar de uma tipa com idade para ser minha filha.
Mas depois pergunto-me, que mal lhe faço. Nenhum, então são apenas limitações da minha cabeça, prenhe das mesquinhices dos agressores.
Beijo-lhe o lóbulo da orelha, e ela, espantada por eu estar acordado, confessa que nunca se sentiu tão feliz.
Eu disse que espero por ela, ao que, beijando-me demoradamente, me diz que nada tenho que esperar.
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Ilusória sucessão de cilícios

20/5/2022

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A manhã estava fresca e oferecia um purgatório de alívio antes das brasas infernais tornarem difícil a respiração.
Acordei cedo, como faço quando estou apaixonado, isto é, quando inebriado pelos meus ancestrais neurotransmissores vocacionados para a transmissão genética.

Tinha ‘ganho’ uma data de discussões de Facebook na noite anterior, deitando-me apenas às 3 da manhã.
O vento nas minhas velas vinha de saber que ia ter com ela de manhã para a acompanhar na cama até perto da hora do marido voltar.
Ruiva como só o sangue, rira-se para mim no Aldi, e mesmo sabendo que era casada, não resisti a esvaziar as bolsas pendentes, mordendo para mim um dos meus princípios de não cobiçar a mulher do outro.
Mas o desejo relativizava o perigo de um barrote pelos cornos ou a dor moral de encornar outro.
Sabia bem melhor acordar suado na cama de um casal que não eu, e perder-me nos gemidos dela, mais por prazer de se vingar do marido, que pelo dano vaginal que eu lhe provocava.
Sou acordado antes do tempo, lá pelas 9 da manhã, com uma sms que me efervesceu o sangue, completamente imbuído da convicção de fornicar em breve.

Ao ler, as minhas bolsas tocaram na testa de alguém na Nova Zelândia.
«-Hoje não vai dar, as coisas ficam por aqui, não me contactes mais.»
Que puta de frieza. Como é possível fazer-me objecto de tal forma que pareço nem existir na piada que é o mundo?
Todo o meu âmago se sentiu rejeitado, pior, cuspido e relativizado por quem anteriormente me convencera do contrário.
Para uma mulher é fácil declarar-se violada anos após o acontecimento. A quem me queixaria eu, por a minha individualidade ter sido comida e cuspida sem apelo ou agravo?
Algo em mim deu de si.

A sucessão de tratamentos abusivos, sem consideração, forçou-me ao pecado último da interpretação de factos desconexos como parte de uma narrativa integrada.
Ela era apenas mais uma na sucessão de cabras. E havia de pagar por isso, macacos me mordessem.
Eu conhecia a rotina dela, saía na estação da Póvoa, do trabalho até tarde nos escritórios da metrópole.
Não foi difícil pedir emprestada uma carrinha branca e engodá-la com uma conversa de encómios que a seduziram até às portas traseiras de uma Ford Transit sem visão para o interior.
Depois foi só aplicar um murro circular que fez com que o seu cérebro embatesse na moldura craniana e provocasse a não consciência. Com que a libertei deste mundo, com um torniquete à moda da Inquisição antiga. A sua urina espalhou-se pela furgoneta previamente plastificada para o efeito.

​
Mijamo-nos ou borramo-nos quando saímos deste mundo.
Percebi que a urina não tendo por onde sair, de igual forma acolheria o sangue do desmembramento que eu planeara.
Enterrei-a às 3 da manhã, para honrar a nossa primeira confissão de amor, sob uma milenar oliveira da Póvoa de Santa Iria, com vista ampla sob o estuário.
Como palavras de homenagem, disse-lhe que apesar de longe das filhas, teria uma boa paisagem para aplacar a tristeza que o mundo lhe trazia por não compreender.
Umas semanas mais tarde vi uma reportagem na televisão sobre um fenómeno religioso, uma oliveira à beira do Tejo, que tinha azeitonas vermelhas, cujo azeite sabia a lágrimas.
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Gozo

18/5/2022

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Há mais gente a pensar como eu.
Ontem em conversa com autor muito vendido neste pequeno mercado nacional, percebi que quanto mais diferentes achamos que somos, mas afastados da realidade estamos.
A conversa começou comigo dizendo em frente à sua cara: «-És um conas.»
Assim que o disse, repostei-me de novo para trás na poltrona e no gin tónico.
Pensei comigo, então se o gajo faz vida disto, não vai ostracizar ou encolerizar metade da gente que lhe compra os livros.
Bem, a coisa começou antes disso.
Foi ao Castelo de Pirescoxe apresentar o novo livro. Eu quando entrei para a palestra, já estava bêbedo.
Atravessei toda a sala do auditório, esforçando-me para não me estatelar ao comprido, num silêncio sepulcral, com todos os olhos apontados para mim.
Assim que me sentei, o som da apresentação, recomeçou.
Que tinha cursado Filosofia na FCSH, que tinha viajado por aqui e por ali, que tinha vivido num cu de Judas nos states, e toda essa merda kitsch que faz um gajo parecer pra frentex.
Eu só pensava, enquanto andavas nessa boa vida, andava eu a sofrer em call centers para pagar propinas.
Percebi que o meu rancor apenas se devia a inveja da boa, por ele ser profícuo escritor e ter legião de fãs. E eu, uma promessa adiada. Inveja de sapateiro.
O indivíduo culpa nenhuma tinha, das minhas frustrações.
E por isso mantive-me calado, até que me lembrei de pesquisar na cercania da minha cadeira, quem estava na plateia. Vinte e tal gajas para meia dúzia de mancebos.
Mau.
As mulheres são mais letradas ou apreciam mais a literatura?
Saem das Universidades em maior número, isso é um facto. Os homens perdidos entre empregos de merda e meros autómatos que deslocam x de A a B, mas o drama é que há muitas mulheres a sair com cursos, e que portanto merecem ganhar mais. Ninguém se pergunta porque os homens ficam em casa a bater punhetas, a evitar entrar na escalada social, ou a suicidarem-se aos magotes. A atenção está toda virada para a ‘questão’ feminina.
Qsa foda, tenho a minha dose de gajas e não as censuro de serem egocêntricas. Ou que me chamem chauvinista. Desde que o façam com a almofada entre os dentes.
Divertia-me com estes pensamentos, e ia percebendo a lei número um da vida bem-sucedida, não mordas a mão que te mete comida na mesa.
E ele, tinha muita gaja à espera para receber um autógrafo.
Em semi-círculo, muitas com os tornozelos fora das sapatilhas, com pés cruzados sob as cadeiras rijas, embeiçadas pela voz de um gajo efeminado que era famoso.
Ele escrevia romances policiais, coisa para a qual não tenho paciência.
No bar do Castelo servem Estrella Damm, uma puta de cerveja espanhola, com o mesmo carácter da minha última namorada. Tem de ser bebida fresca.
Fui lá fora buscar outra, outro silêncio à ida, e à vinda, mais por trombas de desconforto dalgumas gajas presentes, ele disse alguma coisa a perguntar ou a censurar a que eu não liguei.
Sentei-me e aguardei que o som da sua voz continuasse a falar.
Terminado, seguiu-se ruído intenso com palmas e saudações e merdas do género.
Na fase zen da bebedeira, tinha inclinada a cabeça para trás a ouvir a sabujice desta trupe de traças apaixonada pelo brilho.
Um toque no ombro, alertou-me para o facto de que alguém prestava mais atenção a mim, que ao que acontecia em frente ao palco.
Abri os olhos e lá estava o gajo, com um olhar censurador e com uma censura verbal que nem percebi. Mas percebi o olhar e foi quando lhe chamei conas.
Deu dois passos atrás e mostrou que eu tinha ido muito longe, mostrando as palmas das mãos como que pedindo clemência pelo que ia fazer, que era inadmissível a ofensa.
Levantei-me e disse-lhe, «-Não levas já, seu conas de merda, por respeito ao teu pai.»
O pai dele é um famoso cantor dos tempos da resistência antifascista.
Musicou muitos poetas, e é realmente um tipo admirável.
Mas não era eu que falava, era o vinho. Mas não gostei da abordagem dele.
O ter mencionado o pai, ele amainou e até pareceu ignorar-me, embora algum do meu linguajar o tivesse perturbado.
 Olha lá escreves, perguntou-me.
Ya dude, tenho um blog assim e assado.
Ele conhecia.
Dou por mim num bar de putas na Avenida da Liberdade.
Putas é como quem diz, algumas das presentes eram amigas dele.
Delegou-me duas, que me ladeavam enquanto eu consumia de borla.
O gajo falava, mas eu só ia dizendo que para não morrer de tédio, dava maior carga dramática às relações com outros, tal como Hemingway.
 
E que és um compreensível conas.
A minha tesão de culpar o outro, não sei porquê, mostrou-me que eu não era nenhum frouxo, ou prodígio, apenas alguém nascido com pouco temperamento para o corriqueiro, afinal, 99% da nossa vida.
Uma das minhas companheiras começou a mordiscar-me o pescoço e é das últimas coisas de que me lembro antes de acordar de manhã, exangue e ainda sem livros publicados.
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