Na última bancada do 329 que vai do vómito oriental lisboeta ao Campo Grande, ele, eu, ia olhando no dentro dos olhos dela dando seguimento ao coro bem batido que granjeara toda a atenção da jovem ninfeta.
Os meus bíceps já não tinham o ou a H2O de outrora e a pele não estava tão esticada, mas, o exercício constante ainda os fazia sobressair sobre uma população ou obesa ou homossexual. A miúda, Clara de nome e de pele, olhava-os com um fascínio que o, me, desconcertava. Estive para dizer que era da punheta, mas deixei-me estar calado. Tivesse tanto músculo na zona do ventre como na que exerce trabalho braçal e tinha metade das gajas de Lisboa a pedir sevícias sexuais à minha pessoa. Excepto se houvesse executivos de chinos e camisas brancas sob bronze de solário. Esses é que levam as dondocas todas. Eu metera conversa agressiva sobre a sua mala escolar demasiado grande impedir a respiração da minha tomateira que exigia pernas bem abertas. A donzela havia notado que as pernas afastadas, minhas, lhe cerceavam a liberdade de movimentos. Daí a fazer-lhe ver a injustiça de autocarros comprados em segunda mão à República Federal Alemã, os cujos a Rodoviária lisboeta nem se dava ao trabalho de remover os avisos de achtung , foi um ápice. As pupilas dilatadas certificaram-me que estava interessada, ali pela zona do Prior Velho. Ao parar no Campo Grande, já nossas bocas se haviam encontrado. O suor primaveril que emanava dos seus sovacos, a ingenuidade com que sua língua tacteava rapidamente a minha cavidade bucal, certificava-me que ela me tentava impressionar ou revelar destreza amorosa, não se querendo ficar atrás, pelo menos da minha língua globetrotter bucal. O tactear das minhas mãos pelo seu dorso revelara um apara mamas com presilha dobrada sobre si, de forma ostensiva, o que demonstrava a falta de brio compreensível nesta idade, porque com uma cara e corpo daqueles, cuidado com pormenores é desnecessário. O seu olhar para a minha boca exprimia aquele fatalismo cósmico que arrebata todo o ser de alguém, como que emulando a verdadeira paixão. Saídos perto do Museu de Lisboa, beija-me inusitadamente querendo fingir espontaneidade, à qual respondo com um puxar para mim da sua pélvis com a força dos braços alimentados a masturbação recorrente. Ligeiramente mais baixa, apertei-a tanto que a elevei no ar, em frente à Faculdade de Ciências. Ela não quis ir para as aulas, fomos ver os patos para o lago mais próximo. Vinte e quatro anos e cabelo louro reflectindo o céu que sorria acima. Morava num quarto de uma tia, vinda das entranhas nacionais, com mentalidade à frente, apesar de nova. Sem que lhe perguntasse nada, revelou-me as suas conquistas, poetas, filósofos, músicos, arquitectos, e naquilo que as mulheres são melhores, a linguagem, espalhava-se ao comprido, revelando o seu modo de pensar através das palavras escolhidas. A forma como falava revelava já um fatalismo no qual pairava desgosto de amor intenso e prévio. Afagando-lhe a cara, não lhe disse que eu era diferente. Disse-lhe que a má imagem que tinha dos homens era devida ao seu sistema reticular, escolhendo o pior dos outros para ver. «-A minha tia não está em casa.» Disse-o enquanto eu discorria uma das minhas teorias idiotas. Parei e algo falou em mim por mim. «-Clara, dou-te um fodão que os teus antepassados vão sair da cova a vomitar com o enjoo dos abanões.» «-Quero ver isso.» respondeu. Ali para a zona de Xabregas, a janela mostrava um astro que se escondia por detrás do nosso, e a sua pele suada reflectia a bênção de um novo mundo para mim que agradecia ao Deus de todos, por causa desta celebração de vida. A pila não havia forma de esmorecer, nem ela de se enfadar e parar. Como que se estivesse a cumprir promessa indo a Fátima de orgasmo, entregava a nuca ao travesseiro exalando monossílabos de prazer enquanto lambia o meu próprio cuspo da sua pele da cópula anterior. «-João, fala-me dos teus amores infelizes.» «-Não, não merecem, se são infelizes não é por minha culpa, que fico sempre até ao fim como mestre de cerimónias.» Contorcendo-se contra mim, e soltando pequenos gemidos, deu para perceber que atingira o clímax. «-Com pedidos desses, vais-te apaixonar por mim Clara.» «-Isso é o que vamos ver.» Não perdeu tempo a negar-me essa confiança inabalável em mim. Reconhecendo-me essa capacidade. Não me chamou convencido. Não me designou de arrogante. Pura, apenas disse concordar com o jogo. O lóbulo da orelha assentava bem na minha língua, que se entretia enquanto a refracção fazia efeito. A sua total entrega era inebriante e o convite ao naufrágio. Bastava eu acreditar na verdade que ela fingia acreditar. «-O meu padrasto abusou de mim, durante um ano antes de se separar da minha mãe.» Perdi a tesão toda e fiquei deveras enjoado. Que podia fazer além de me abraçar a ela e chorar. Foda-se que caralho. «-Lamento. Não sei que te diga.» Esbocei uma teoria do homem ser lobo do homem, como se isso desculpasse uma má desculpa de inferno que é este mundo. A intenção de ser médico na aflição de outro é contrária à minha natural sensibilidade, a sensibilidade aguda com a ferida do outro apenas acentua o efeito da dor no outro. Havia que ser bruto. «-Aprendeste alguma coisa com ele?» «-Como podes dizer algo assim?» «-Caga, todos temos uma história triste.» «-É verdade.» «-Que é feito desse filho da puta?» «-Foi esfaqueado no rabo, demasiado acima, na Turquia, por um grego. Está paraplégico há uns anos.» Levantando-se da cama de solteira, começou a vestir-se argumentando que tinha de ir para Lisboa ter com amigas, para um jantar de aniversário. Ali pela Avenida de Roma apartámo-nos. Vestida de vermelho mini saia diluiu-se na noite. Ao regressar a casa de Metro, perguntei-me como a testaria. Aposto que ela fez o mesmo pois mandou-me um sms a dizer que se havia homem da vida dela, eu seria o que mais próximo se aproximara. Ingenuidade ou jogo? Dou o benefício da dúvida. Decidi alternar com períodos de quente e frio. Ligava-lhe duas vezes por dia comunicando as minhas saudades. Quando a sentia afastar-se, como sempre, sempre, sempre acontece, afastava-me eu. Ela quando sentia que eu estava a distanciar-me, começava a perseguir. O ciclo repetia-se. Evitou copular mais, não por falta de atracção, mas para deixar o elo emocional em territórios de ainda controlável. Eu, percebi. Também percebi que não fora a minha destreza oratória, ou originalidade de discurso a granjear o acesso ao punani dourado. Apenas o qualquer coisa em mim. Noutros tempos teria ficado em suspenso da donzela, por causa da sua inamovível peregrinação por todo o local que a excelsa Olissipo faculta para edificação dos patrícios. Ora eu não preciso de mulher alguma para o meu crescimento espiritual, e para apreciar o estar com a minha própria companhia. Nem havia, portanto, que a engodar com a promessa de uma relação futura, só proposta pelos conas que pretendem garantir a disponibilidade da vulva no futuro, nem que seja por obrigação matrimonial. Comungando na religião cuja doutrina assenta na mulher como centro do nosso propósito. A mulher como ponto de fuga de uma existência que fomenta a fornaça de um desespero que não se anula senão na distracção oscilante entre dois seios e duas nádegas. Percebi que ela começara a compor um mundo de desqualificação da minha pessoa, para mascarar a sua falta de coragem profunda. Se eu fosse um cabrão, podia mascarar as consequências das suas acções, alijar responsabilidade. Se eu fosse o culpado de tudo, o seu capricho, a sua imaturidade, a sua responsabilidade sobre os sentimentos de outro, ficariam afogados em vergonha. Conheço bem a táctica e não lhe a facilitaria em nada. Só por causa da deslealdade. Seria o cílio cravado. Ela que não pensasse que seria mais um troféu, um gajo que fodia no anonimato do seu anzol em forma de jovem corpo. Havia de ser uma lembrança incómoda, irritante como mosquito, uma reflexão em frente a seus olhos, da futilidade que ela própria em si não queria encarar. É o meu papel mais comum, armar-me no espelho do outro, de forma a revelar-lhe a fantasia que compõe de si, para poder viver consigo próprio. O que vistas bem as coisas, me torna contra-natura e pior ainda. «-Clara, és uma cobardolas. Fazes o necessário para proteger o teu couro. O outro que se foda. Salva-me a espessura do meu. Senão continuavas a trucidar sonhos alheios como andando em papel de arroz.» O impacto das acções nas emoções de outro, são como a pimenta em rabo alheio. Além de mim existiam milhões na metrópole, portanto nunca lhe faltaria palco. Perdia tempo nas redes sociais a anunciar os gatinhos abandonados e a censurar a maldade dos homens, mas naquilo que podia ter acção directa, espalhava-se ao comprido. É que nem via como problema. Supostamente, o sentir era problema do outro. Um pouco como agiota que lucra da ingenuidade alheia. E eu sempre lá, como padrão assinalando a presença da pátria, a pátria da hipocrisia. És uma cobarde, Clara.
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I
O Hipólito tinha cerca de dois metros e era um dos poetas mais aclamados da noite alfacinha. Fadistas, nacional cançonetistas e outros acorriam a ele para fazer umas letras. Até o cantor pimba de sucesso quando queria subir de estilo e credibilidade, ia ter com o Hipólito para que este lhe desenrascasse umas letras. Eu gostava da sua poesia, tinha intensidade e cortava. Não era merda anódina perdida nas brumas do lacónico. Conheci-o à hora de almoço na Sociedade Portuguesa de Autores. Ele vinha a sair e eu a entrar por causa de uma merda qualquer a ver com royalties. Ele ao sair pela porta que eu segurava como sempre faço, dando espaço ao outro para sair da carruagem ou do espaço onde eu quero entrar, diz «-Obrigado.» e segurando na porta fica a olhar para mim, e já nas minhas costas atira «-Olha lá, tu não escreves umas coisas? Tu és escritor não és?» E eu respondi «-Não. Eu sou um grande escritor.» E ele com aquele esgar de lábios em que reconhecemos universalmente o desdém na cara dos outros, troca «-Deve ser uma fantasia tua, nem o que escreves tem nada de grande, nem tu ao vivo me pareces grande coisa.» Está certo, eu abri as hostilidades, ele escalou. Parei, passei para o lado dele da porta, encarei-o de frente, e com as mãos na cintura feito varina ou personagem de filme americano dos anos 50, retorqui «-As aparências iludem, tu pareces tão grande mas eu daqui consigo-te ver a careca. Já vi rabos de babuíno mais pilosamente ricos.» O tipo ficou a olhar para mim, avaliando se a imbecilidade que eu dissera lhe merecia uma reacção de hostilidade e fandango de falanges em rosto alheio, ou se merecia uma gargalhada por causa da graça dúbia do afirmado. Havia apenas que ficar a apoiar o que dissera e confesso que me preocupava mais analisar porque saíra a minha menção ao esfíncter de uma determinada espécie de primata, que a reacção deste gajo, maior, mais pesado, mais velho e mais cheio de si. O meu olhar reflectia isso mesmo, uma espécie de esforço em assumir a imagem de temerário e ele topou isso pelo que voltou à carga, só para teste final antes de decidir se eu era alguém para se gostar, ou alguém para castigar pela jactância. «-Li o teu livro, ‘O amor é urdido’, e é melhor que a merda de blogue que escreves. Devias dedicar-te mais à literatura e menos à ficção de datagrama.» A ele, também lhe correra mal o que queria dizer. Um blogue não é ficção de datagrama. Percebi que a sua convicção de ser o maior do mundo e arredores, estava abalada. Cedi-lhe «-Conheço a tua poesia, e conheço a tua pôiasia.» «-Pôiasia, o que é isso? De poiesis?» «-Não, de poia mesmo, de merda, que é o que escreves sempre que trabalhas para cantores populares. Queres agradar ao maior número e só escreves merda.» «-É pá, aí tenho de te dar razão.» respondeu sem pensar. Parou e cogitou acerca do que acabara de dizer. A minha menção a ‘merda’ tão vernacular, foi eficaz. Colocara-o à vontade e exprimira uma espécie de frontalidade. «-Epá, queres ir almoçar, é já aqui.» perguntou apontando para um estaminé ali perto, ao mesmo tempo que cumprimentava um fulano que o abordara, aparentemente estava combinado irem almoçar os dois. Eu respondi, «-Dá-me só cinco minutos, vou entregar uns papeis e desço já.» Ele responde, «-Estamos no restaurante, bebes o quê?» «-Vinho ou cerveja.» Ao sentar-me à mesa descobri que o outro era o seu agente. Nunca tinha visto um agente com um ar tão geek como aquele. Curiosamente quando soube o seu nome, identifiquei-o como o mais capaz e eficaz agente da capital. O jarro de vinho já ia a meio quando o derramei no meu copo. Começámos a medir pilas a nível de gosto literário, e descobrimos que não falávamos a mesma língua. Ele sabia enumerar poetas de todo o lado e estilo, e para mim era só Camões, Pessoa, Bocage, e mais uns quantos, assim, genéricos, sem brilho que impressionasse. Alguns chamam-lhe clássicos. Claro que é mais de bom tom citar um poeta basco que morreu de cirrose num pombal, que um soneto de Camões. Para mim, não. Ah e Zeca Afonso. Aí concordámos e foi quando o contexto virou a meu favor, pois o agente também era um coleccionador de poesia e estavam irmanados a tentar abrir-me os olhos, isto já no terceiro jarro. «-No blogue tento transformar os sentimentos mesquinhos em algo mais nobre e belo. É muito difícil. É catarse. O livro tem o melhor.» «-Não acho. Tens muitos textos no blogue, com ideias soltas que aproveitadas, dariam gemas. Metes é pouco trabalho na redacção.» responde Hipólito ao levantar-se e desequilibrando-se, agarrar-se à mão do agente. Quando voltou, continuou «-Duas ideias acho engraçadas, a tua consciência de que as mulheres agem como são programadas a agir e a decidir de acordo com uma ilusão de livre-arbítrio, e a tua ofensa pelo facto de serem eticamente mancas.» «-Sim, percebo o que dizes, mas que queres, é algo que provoca espanto.» «-Caga no espanto. Elas funcionam noutra frequência e é o que é. São tão frágeis quanto nós. Aceita e lida.» «-Eu sei pá.» Apesar de reconhecer algo de lógico no que ele dizia, senti na sua voz que não havia carga do seu ser nas palavras. Como alguém que fala do que percebe mas não gosta. Dei-lhe um exemplo «-Vê-me esta anterior conquista que me aborda para irmos jantar. Confessa saudades e que sente falta do sexo comigo e que me quer mais que à água que bebe. Eu respondo que não reeditaria nada, porque acabaria por me lembrar do motivo pelo qual cortei com ela inicialmente. Quanto mais me nego, mais ela insiste e acede a tudo. Até reconhecer culpas que sei que nunca assumiria. Mas assim que lhe dou o benefício da dúvida, ok vamos jantar de novo, só para conversar, ela tem um riso triunfal, e no dia a seguir manda sms a dizer que afinal não vai dar porque a fiz sofrer e mais não sei o quê. A única conclusão possível é que queria ser ela a determinar o fim de alguma coisa, como se eu me ralasse com isso. Não percebo como me rio.» «-Tu não queres é largar a ideia da radical igualdade entre homem e mulher porque isso te dá uma noção de amor cortês muitissimo mais profunda. Se houver reciprocidade de caracteres e até uma prédeterminação amorosa, o amor visto por ti ganha foros de cósmico, bem mais grandioso que pura biologia. Por isso não queres largar. Tens o teu ego demasiado investido nisso. Por isso o choque entre as duas ideias te continua a gerar espanto.» Fiquei calado. Bebi. Pousei o copo. Voltei a beber. Este gajo deixou-me sem palavras e viu-me como se eu fosse transparente. Olhei para ele, e eu estava realmente perturbado. «-Sabes, é esta gaja…» Ele riu-se, enquanto brincava com o pequeno balão cheio de conhaque que se aninhava na palma da mão dele, pousada na toalha branca da mesa. Um riso irónico de quem já viu o filme vezes sem conta e se ri com as fraquezas da condição humana. «-Gosto de mulheres e de privar com elas. Gosto de ver o amor delas por mim emanando dos seus olhos. Gosto do feminino e gosto que o feminino goste de mim. Não tendo intenções de me prender a ninguém, assim que surgem os primeiros sinais de disfunção, logo a seguir aos trintas e poucos, salto fora. Para maluco basto eu. Chamam-me cobarde, porco, e tudo e mais alguma coisa. Mas o facto é que não quero ficar como tábua de salvação ou prémio de consolação. Já aceitei que elas não partilham da mesma expressão de amor que nós.» «-Não, não aceitaste. E a prova é que continuas a falar disso.» diz Hipólito interrompendo-me bruscamente. Ele tem razão. «-Será que tenho muito ego investido nesta forma lírica de nutrir sentimentos? É que a partir de determinada quantidade de tempo com alguém, é-me quase impossível de desligar dessa pessoa. Li num estudo que o A.D.N. do esperma dos companheiros passados de cada mulher, fica gravado na portadora, e que o esperma masculino é lesivo para a portadora. Pergunto-me se as lembranças de amores passados não são o esperma feminino que corrói o meu útero mental.» Um chorrilho de gargalhadas interrompe-me a dissertação, tão audíveis que a freguesia do restaurante cessa em uníssono a degustação do repasto, para observar a origem do som e fazer sentido da cena.» «-Só tu mesmo. É isso que aprecio em parte da tua escrita, a merda de analogias que fazes.» Não percebi se era elogio. Não me ralava, estava como perdigueiro, perseguindo o cheiro da ideia que me ocorrera. «-Há um conflito de mundividências, entre mim e ela. Onde ela vê uma cópula, acto fitossanitário necessário como mictar ou obrar, eu vejo uma celebração de vida entre duas gotas de água num oceano. Onde eu vejo Cosmos num afago no rosto, ela vê um testemunho transitório na transitoriedade da vida humana.» «-Sei. O que acontece é que gostas dela, e queres a concretização e manutenção desse desejo ou vontade de. Prolongar a tua vontade enquanto tiveres vontade. E a vontade dela difere da tua.» diz Hipólito claramente divertido. «-Estás a dizer que é uma imposição da minha vontade na do outro?» «-Quem sabe? Talvez sim, talvez não. O certo é que queres concretizá-la. Justificas ou mascaras esse acto sob a capa do amor que sentes, como se o amor sentido lixiviasse esse ditame inflexível de quereres sem adiamentos, a gaja que queres.» Fiquei mesmo maldisposto. O que me estavam a dizer era que sou um puto mimado que imponho a minha vontade sem consideração pela via adulta das coisas, e pela realidade do outro. Faz algum sentido, mas eu não via assim. Por mais que reflectisse. Estaria a esconder de mim próprio? «-Olha lá Hipólito, qual é a natureza do desejo?» «-Como assim?» «-A pergunta é clara.» «-Epá, sei lá. É querer algo?!» «-Precisamente. Tal como a consciência que opera sobre o que existe, o desejo em si é vazio. Só se enforma quando é desejo de um x qualquer. O x que o enforma é o que o determina. O desejo em si é nada. Um movimento estéril. Ora se desejamos alguém, esse desejo é sobre essa pessoa e não sobre um capricho nosso, ou por nós, pois isso já é o desejo em si, sem materialização. Portanto o desejo por alguém é uma relação não estabelecida por nenhuma das partes.» A cara de Hipólito escurece como que numa catarse muscular. Viu-se apertado e a sua arrogância de vencedor da vida esmoreceu momentaneamente. Eu deixara de ser uma curiosidade e passara a reconhecer algo de mais profundo em mim, que o tornara mais humilde. Afinal havia mais gente a participar no génio. Como investigador de uma fundação famosa qualquer, arrancado à endogamia dos meios onde está habituado a circular, e enconado por um plebeu qualquer, assim Hipólito morde a ponta da cigarrilha castanha. «-Estás fodido comigo pá.» «-Porquê?» perguntei eu. «-Porque te vou obrigar a escrever o próximo livro.» «-Como Casanova e Lorenzo da Ponte fizeram a Mozart?» gracejei, passando por cima da encoberta mudança de assunto da parte dele. E percebi que a minha resposta tinha respondido a ele, mas também a mim próprio. A acusação de culpa pelo egoísmo do meu desejo, era idiota, mas a finalidade da projecção de culpa não era fazer-me sentir errado. Nem assinalar a virtude dela. Não, era con-vencer, convencer-se a si própria da minha falibilidade ou monstruosidade, para alijar ou evitar assumir qualquer responsabilidade pelos seus actos, passados, presentes ou futuros. A minha desqualificação era uma fuga à responsabilidade, um mecanismo de defesa próprio. Como o ladrão que chama ladrão a outro para mascarar o seu gosto pela propriedade alheia, assim o meu amor lançava os projécteis da culpa armados com o seu próprio pecado. Só pensando no seu rabo. Mas algo do que ele dissera me deixara apreensivo. Não a merda de culpabilização sobre uma suposta imposição da minha vontade. Sei o que quero e nenhuma vergonha tenho disso. Foi a suspeita de uma suposta falta de análise ou auto-engano de mim para comigo. A cogitação sobre a natureza do meu desejo, sabendo sempre no fim, seja qual for a resposta, que me permito errar e pecar, ser humano e defeituoso. Especialmente quando o desejo é perpetuar a dança de cabelos dela no meu rosto, os rostos salivados e levados à exaustão de uma torrente de carinho que não ameaça sequer vir a parar, uma sofreguidão pelo corpo do outro que deixa ambos sem fôlego, como guerra mútua em que queremos assimilar o outro para dentro de nós até ao cabrão do dia do Juízo Final. Para afagos masturbatórios existe a idade adulta, é no Cósmico que me afogo, se ela quiser o determinado pelo mundano, não faz sentido na minha mão. II Fui pagar e depois para casa sentindo-me o tipo mais pequeno e burro do mundo. Só depois veio o alívio daquilo que ele disse fazer todo o sentido. Tinha ficado marcada uma sardinhada na casa dele em Santos. Uma semana depois numa medíocre estação televisiva, as palavras ‘escândalo’ e ‘pedofilia’ chamaram-me a atenção. Pensei logo, esta merda outra vez. Envolvido um conhecido poeta. Chamado Hilário. Foda-se. O tema foi, como é normal, explorado até à exaustão. Fiquei a saber, que depois do almoço que tive com ele, ele tinha raptado e violado uma criança numa passagem inferior em Alcântara, numa casa de banho pública. Que agora esta indefinidamente encerrada. Em plena luz do dia. Fiquei em algo parecido com estado de choque, querendo não crer, sentindo-me eu próprio conspurcado pela presença em comum com este cabrão. Impôr a sua vontade a um ser indefeso que ficará traumatizado para o resto da vida. Que leva um gajo a fazer isto? Doença. Facilidade ou cobardia. Forçar, foda-se. Nem gente adulta quanto mais crianças. Fora identificado por ser figura mediática. A criança violada estava bastante maltratada, pela violência do ocorrido, de ter raspado a cara em cimento afagado e envernizado como Opus caementicium. Marcada para sempre por causa de 15 minutos em que fugiu para longe dos seus pais distraídos com fogo de artifício de uma efeméride qualquer. Este cabrão filosofando sobre a acção ética durante os almoços, mas predador a arrepio da liberdade de outrém durante os serões. Egoísta defensor dos altruísmos pregados ao vento. Desliguei a televisão e lembrei-me de uma frase dele, quando me despedi depois de pagar a conta. «-É guerra. Total e sem quartel. A biologia é isto, e sem Deus, tudo é permitido» Está com as costas na prisão, mas o maior castigo não pode ser este que recebe em vida. I Noémia havia escolhido o mais branco vestido, com bainha 4 dedos acima do joelho, mostrando as bonitas pernas que tinha. Fomos ter com os meus amigos, à inauguração de um bar novo, na frente renovada na margem do Tejo, desobstruída de contentores, por causa da vinda do Papa em 2022. Lambrusco à descrição, a esplanada era gigante e com soalho que fazia lembrar o convés de um navio de madeira. Reticente, em sair com ela para qualquer lado, porque vez sim, vez não, havia sempre um drama, uma discussão, um stress, algo que eu disse, que não disse, que devia ter dito, que fiz, que não fiz, havia sempre algo que ela tirava da cartola por causa da sua necessidade de indignação, por mais que eu pensasse e cobrisse todos os ângulos, todas as possibilidades. Até não haver pinga de espontaneidade em mim, e pinga de respeito dela para comigo. Sete anos de casamento. Ela chegara aos trintas e picos, e decidiu que a vida pode de facto terminar, e que não conseguia competir com a Noémia 7 anos mais nova. Intuitivamente percebeu que tinha de sair do casino e deixar de jogar à sueca da pila, e fixar uma que possibilitasse igualdade de rendimento para alimentar a potencial prole. Tinha uns 3 ou 4 na manga, e escolheu-me a mim. Trabalho num escritório e desde cedo sou gerente, fechado na minha microvida laboral, conhecemo-nos num after hours na Expo. Já estava casado com ela há 3 anos quando percebi que ela é que me tinha habilmente engatado, contra a minha crença até aí. Pensava que a minha verve e audácia a haviam impressionado, mas o meu instinto dizia-me que era algo demasiado bem fingido por ela. Depois arrependia-me por pensar isso dela, que podia estar a ser sincera. Ao ouvi-la dar conselhos a amiga ao telefone, percebi a mestria da predadora, e a contraposição da minha ingenuidade. A descrição cirúrgica de como a amiga havia de proceder para engatar um colega de trabalho. Fiquei sentado de boca aberta a olhar para ela até que ela percebeu que estava a ser observada, mudando completamente de fisionomia e entoação, que foi percebida pela amiga do outro lado que pelo altifalante do telemóvel percebeu que eu estava presente e mudou de assunto, numa espécie e irmandade feminina onde eu era um acessório ou algo de externo, até com a minha própria mulher. Comecei a perceber que a sua escolha por mim se resumira ao meu vencimento e à minha capacidade de ser domado, e não à suposta personalidade que eu tinha. O amor que sempre fizemos foi transacionado, fazia parte do «sim» dito no casamento. Sem ele, o sexo, ela sabia que não me conseguia controlar muito bem. O ressentimento levaria a melhor de mim, e portanto às pinguinhas lá me ia dando o sexo validacional para que eu não deixasse de acreditar que num ponto futuro e muito por culpa do meu esforço, iríamos ser felizes no projecto a dois, onde era sempre eu que a abraçava à noite na cama e começava a beijar, perguntando-me se ela se viraria para mim abrindo as pernas e esperando que eu me aliviasse, ou se algum dia me olharia nos olhos como se me amasse a sério, e desejasse muito. II Sou daqueles gajos pacatos, normais acho eu, sem carisma memorável e que por isso me esforço aquele extra para sobressair de entre os restantes. Sigo as regras e acredito nelas, e dou um pouco mais, faço-as cumprir. Só queria ter família, como todos fazem. Ter uma vida calma, sem problemas, passando pelo mundo e pela vida, como turista de passeio entre duas massas de Nada intercaladas por uma existência. Desde que não consegui resistir a Noémia, a minha vida tem sido como a de tentilhão em gaiola sob foco de luz constante. Não paro de cantar e rolar a cantiga pensando que é dia ininterrupto, meio cego pelo branco do trapo que me cobre a gaiola e não me deixa distrair com nada lá fora. Um monte de penas cuja existência é existir para fazer passar o ar pelos pulmões transmutando-os em sonoros e estridentes cantos, até que me canse e deixe de inspirar. Um monte de humano cuja existência é trabalhar e chegar a casa e sepultar-me no matrimónio onde até ambas as urnas estão separadas. Eu sonhando na morte eterna, com a vida que podia ter sido. Noémia sonhando na morte eterna, com a vida que foi. Era suposto chegarmos a tempo. Chegámos tarde, e logo fomos brindados com cálices cheios. O Sol estava forte mas um toldo às riscas e a todo o comprimento do convés protegia-nos. Não sei o que foi. Eu julgo que foi um momento em que ela estava absorta a olhar para a festividade e deve ter recordado glórias passadas e a promessa de uma vida de excelência que o seu jovem corpo parecia garantir. Não sei, sei que estava de costas quando ouvi um grito da mulher que estava ao balcão, virada para o que estava nas nossas costas, a linha ferroviária, que rasga os subúrbios lisboetas em direcção ao Norte. Entre as duas vigas férreas estavam os pés descalços de Noémia que caminhava lentamente como que em bailado com os braços abertos em direcção ao comboio que fazia de Intercidades, Lisboa-Porto. Não tendo paragens naquela zona seguia a grande velocidade. A minha primeira reacção, estúpida, foi ver por onde descera ela. Por um carreiro entre a ravina, criado pelos pedreiros que haviam feito as obras de restauro que originaram o bar onde estávamos. Nesse carreiro rolaram carros de mão, com entulho bafiento, poeirento. Mais à frente começam aquelas pedras angulares, esbranquiçadas, onde em grandes orgias imóveis sustentam as férreas vigas paralelas por onde o monstro ruidoso desliza. A um quilómetro o maquinista vê Noémia e começa a apitar a buzina freneticamente. À velocidade que vai nunca conseguiria parar a tempo. Noémia avança, pé esticado ante pé esticado, como se dançasse o ‘Quebra-Nozes’, de braços abertos para receber a sua morte. Há uma tensão de calamidade no ar, é quando me apercebo da situação, desato aos gritos e mando-me ao carreiro, por onde escorrego rasgando-me todo num arame que estava saliente, uma verga puta de aço, que espreita pelo betão. Grito o nome dela, o som do pouca terra aproxima-se e o solo como que treme. Nota-se na sucessão de buzinadelas, o desespero do maquinista. Avisando-a para sair, a ela que dança de braços abertos para o aço inox móvel. Chispas saem debaixo da locomotiva, o maquinista trava a fundo, mas a inércia das composições traseiras faz apenas o metal comer metal. Um som oco, simples e ordeiro, termina com a tensão no ar. Os gritos vindos do bar, de pessoas que vomitam, choram, outras que viraram costas para não ver, choque e incredulidade dos que quiseram ver, curiosidade mórbida dos que não puderam não ver. III A composição cessa a marcha apenas 400 metros depois. 400 metros com restos mortais da mulher que eu amei. Rastejo de joelhos e olhos inchados de chorar até aos carris. No local do impacto, um olho fugitivo da órbita, está camuflado entre duas pedras ensanguentadas. Este troço aqui, sempre foi conhecido aqui na terra, como aquele que mais vezes era escolhido para suicídios. Quantos não ouvi eu, falar de quem se lançara contra o comboio?... Alguma vez me poderia passar pela cabeça que a minha esposa seguiria este caminho. Desatei a gritar com a voz que já não tinha, por ter gritado tanto e tão desesperadamente antes do som, do contacto entre carbono e ferro. Apetece-me arrancar todos os meus cabelos. Sinto no coração uma inundação de desespero e desesperança. Uma monção de morte asfixiando-me até ao âmago. Rastejo em direcção ao comboio, recusando-me a acreditar que o meu amor jaz espalhado nessa distância. Como não a vejo, nem acredito que os bocados de carne são dela. Entro em negação e afinal é tão surreal que não pode estar a acontecer, eventualmente acordarei. O pé esquerdo, e a tatuagem de uma roda de leme no peito do pé, é uma chapada de realidade, é o pé dela. Que beijei na primeira vez que fizemos amor, arrastando minha língua como catenária sob a bonita perna dela. Em direcção à vulva que me oferecera HPV, e onde beijei com luxúria aquela carne húmida, e salobra, algures agora sob pedras. Peguei o pé pela planta, assente na minha palma da mão e beijei-o, com lágrimas caindo em bica sob o pé, terminado acima do artelho com duas armas apontadas ao céu, os vestígios da tíbia e do perónio. O sangue quente encostado na minha fronte parecia fazer lembrar o coração dela que ainda batia. Uma promessa de a ver viva ainda de alguma forma. Mas o próprio vestígio mortal nas minhas mãos me lembrava que era uma ilusão como a do algures além do arco-íris. A partir da lua-de-mel percebi que cumpria militarmente os deveres de alguma tarefa que para si assumira. O amor começou primeiro a escassear, e depois a tornar-se um mero pro forma. Um contrato em que nem sempre abria as pernas, só quando eu me portava bem. E ai de mim que reclamasse, que ela faria o amor quando lhe apetecesse, não quando eu queria. E quando me via mais desanimado e prestes a recuperar a minha dignidade, envolvia-me num abraço prolongado de braços e pernas, e lá se esmerava mais um pouco para fingir que gostava realmente de mim, o suficiente para eu ficar na dúvida e sob o peso de uma dúvida acerca do meu próprio carácter, afinal que monstro sou eu, para exigir sexo da minha mulher sem ela lhe apetecer, mas eu quero sempre mais, devo portanto anular-me. Deus me livre pensar em mudar de mulher por causa de algo tão trivial como foder. Como sabia ela manter-me no anzol. As vezes que me dizia que não lhe apetecia por algo que eu dissera, ou que havia feito, e que lhe havia retirado a vontade. Como queres que eu queira fazer o amor contigo, não estou com disposição, não tenho interruptores. Quando queria mesmo castigar, dizia que tinha estado com uma louca vontade e que estava quase a foder-me até partir o estuque do tecto do vizinho de baixo, mas que eu havia feito algo, arrumado mal a escova de dentes, respondido torto a uma provocação propositada dela, que lhe havia tirado a vontade. Sabia que a culpa, era insuportável. Ou o pote de ouro no fim do arco-íris futuro, ou o pote de merda no fim do arco-íris passado na forma de uma merda qualquer que eu tinha feito ou não. Raramente me beijava na boca. Fechava os olhos e eu pensava que ela imaginava ou recordava os outros, aqueles que a marcaram na sua idade fértil mais impressionável. Eu lá me podia comparar ao Caló, ao Justino, ao Inocêncio, aos que a levavam a ter nos olhos o brilho de admiração, que a seduziam para a vida. Esses eram a sorte grande mas nunca se contentaram com ela. Eu o prémio de consolação, em que no grupo de amigas dela lhe dava posição de autoridade numa hierarquia ganha com a sujeição e domesticação dos cônjuges. Os bocós como eu estabeleciam hierarquia nas reuniões sociais de baptizados e festas de aniversário. Mas os que não se deixavam vergar estabeleciam admiração e desejo, expresso em olhares e reverências. Acho que quando se nasce um cona mole, se morre cona flácida e oca. Lascado até ao último pedaço de dignidade, até onde só nos apetece meter os cornos debaixo de um comboio por sermos quem somos. O meu amigo mais próximo dizia-me que ela era tóxica. Ela percebeu que ele não a tratava com a bajulação de outros, ainda que educado. Ela sabia que ele apenas a tolerava por ser meu amigo. Não descansou enquanto não me afastou dele. Os acessos de raiva e chantagem e falar mal, não funcionaram. Então recorreu ao que sabia que funcionaria. Tive bom sexo por cinco meses, foi o prato de lentilhas pelo qual vendi o meu amigo. Ao longe vejo as pessoas que nem se aproximam da linha, e alguns passageiros saíram da composição. Pouso o pé dela gentilmente e continuo rastejando como que cumprindo promessa, e ao colocar a mão no carril algo escorregadio. Era um bocado de intestino. Que serpenteando pelo chão, mostrava o caminho como migalhas de Hansel e Gretel para a casa de uma bruxa. No fim do caminho estava a sua bacia, ancas sem pernas e torso. Agarrando-a pelas nádegas viradas para o Sol, puxei-a para mim e a sua vulva se revelou no lado oposto, própria com aquele fiozinho de pelos que dividia os hemisférios, culminando às portas do clitóris, já meio esbranquiçado e oculto pela falta do sangue que secava aos elementos. Nunca havia sido tão minha como agora, inerte e sem cérebro ordenado por demónios. Quantos outros a guardaram assim, como eu agora, antes e depois de mim. Daria tudo para ter essas memórias, para a recordar, agora que sei que não a voltarei alguma vez a ver. Passaria pelo tormento de ter de a ver fazer amor com vontade não negociada e com outros. Se isso ao menos me trouxesse alívio da sua ausência. Quanto mais lhe dizia que tinha saudades dela, mais ela me desqualificava pela minha fraqueza em admiti-lo. Um certo desdém no seu olhar como se acreditasse que a minha vontade de estar com ela era apenas por causa desta bacia que sustento no ar entre as mãos. Como se fosse possível a um frouxo como eu distinguir a mulher da vulva, preocupar-me com ela, saber se está bem, não a deixar só numa altura de aflição. Mas o despeito dela só aumentava. Como se as minhas interpelações para saber dela fossem caprichos egoístas da minha parte. Não preciso de a foder para querer estar com ela. E ela nunca respeitou isso. Ela própria reduzia-se ao seu maior instrumento. Achava sempre que era desculpa minha para disfarçar a minha real vontade, para não parecer mal. IV O decorrer dos 7 anos pode ser analisado pela bacia de Noémia. Engodando-me com o que achava ser novidade para mim, a partir de ideias feitas a partir de outros. Que não se negava a experimentar anal, mas lá ao longe, no fim do arco-íris, quando as condições suficientes nunca estariam, saiba-se lá porquê, reunidas. Quando me via desligado, insistia em imagética explícita, para me excitar em torno da ideia, dando-lhe de novo o poder sobre mim através do seu corpo e da minha imaginação. Percebi isso à segunda vez que mo fez. Falava nisso com demasiado entusiasmo, para me arrastar, e depois negava-se monotonamente. Eu sabia que era treta porque certo dia a fazer administração remota do trabalho para o computador de casa, que tinha microfone ligado, a ouvi descrever proezas com natais passados, às amigas que a tinham ido visitar. Não me ralei, retiro mais prazer da observação solitária do que faz os outros viver e funcionar, que propriamente os seus jogos em relação a mim. Talvez a intenção fosse boa. As exigências, críticas e reclamações não serviam apenas para me reduzir, controlar…primeiro para aferir quão conas eu era. Depois para me castigar por ser esse conas. Depois para se vingar da vida em mim, por lhe ter saído em sorte, um conas. Mas apenas via que me fodia o juízo para me tornar melhor e salvar a nossa relação, num raciocínio infantil de que se eu me tornasse no que ela achava querer, alguma vez nos espalharíamos pelo futuro eterno. Seu ego mascarava assim a necessidade de indignação e o ressentimento com uma existência que não se sonhou que levasse ao ponto presente. E nada como o pobre diabo ali à mão de semear, que não se vai embora, pois mais ninguém o quer, ou ele nunca arranjará alguém tão bom como ela. Mas o que mais me magoava em segredo eram os seus demónios. Noémia tinha sofrido em criança, uma violência muito grande, abjecta. Que nenhuma criança pode e deve sofrer. Ninguém deve, mas especialmente uma criança, que a transportará para a cova depois de adulta. A violência provocada por quem acabaria por morrer anos mais tarde num bairro de lata parisiense, provocou-lhe uma desafectação, instrumental para desligar o ego da realidade que o mutilara. A desafectação tornou-se segunda natureza, e a segunda natureza, por força de lixiviação do ego, tornou-se virtude. A virtude tornou-se bitola, a bitola com que media os carris alheios. Quem não pensasse ou reagisse como Noémia, participava como coautor de um mesmo crime contra o ego da criança violentada. Reagia violentamente ao atropelo da sua ipseidade, percebido ou real, projectando nos criminosos o ónus de um crime repartido pelas décadas, mas como Caríbdis enchendo e vazando regularmente. Esse demónio levava a que os mutilasse com língua afiada até à total exaustão emocional, queimando em enxofre qualquer momento de coexistência com ela. Eu ou ia ao café, ou para casa dos amigos que me sobravam e por vezes ficava até às tantas da manhã, só para não ter de ir para casa. Amigos me diziam, o que pensavam ao fim de umas cervejas, é uma cabra sem carácter, só tem aspecto. O aspecto é a mais eficaz lixívia, pode fazer a merda que quer que se sente sempre inimputável por detrás de um rosto bonito, e da validação que qualquer portador de pila lhe dará assim que ela deseje. Crianças mimadas que se safam sempre com as suas traquinices, por serem crianças. Assim ela, carte blanche para tudo na vida. Tão certa de que eu não me ia embora, e se fosse que nada se perdia. E foi assim que sempre a usaram. Continuo a rastejar. Vejo carros da polícia e dos bombeiros. A 200 metros da última carruagem, vejo uma porção de massa encefálica. Pego nela, para nojo de algumas dezenas de observadores que se juntaram em redor. Seria neste pedaço de matéria que ela guardaria as boas memórias de amor por mim? Passando o pedaço de carne inerte de mão para mão como que se uma ampulheta se tratasse, lembrei que há 30 anos morava um gajo naquela zona da Nacional 10, que tinha tido um pastor alemão que amara muito, e que quando o cão morreu, o enterrou, cortou uma orelha, assou e comeu. O gajo era respeitado e por isso ninguém fez pouco dele, como que percebendo intrinsecamente que havia algum motivo válido para essa acção. Não sei porque me ocorreu isto. Noémia, meu amor, não vais embora sem fazer parte de mim. Levo a parcela de neocórtex à boca e mastigo a carne ainda tenra e tépida, alguns do que me olham vomitam, outros tentam aferir a minha sanidade mental, olhando-me. Dois polícias pararam a 40 metros de mim, olhando o que eu estou a fazer. A fazer do meu amor, uma parte de mim, um pedaço de rim, de músculo, o que seja. O que foi Noémia fará parte de mim, unidos até que a morte ou um comboio nos separe. Será que esta parte de cérebro que engulo, era a casa dos demónios da minha Noémia? Daqueles remoinhos que lhe determinavam todo o comportamento de viúva alfa, de ser humano que se afoga na existência? Em águas sem pé, ensinaram-me na tropa, a abordar quem se afoga, por trás. Aquele que morre não hesitará em matar para se salvar, sem muito pensar nisso. Imersos mergulhando, o mesmo, o que se afoga, é sempre abordado com cuidado, o desespero vira-se sempre contra quem tenta salvar. Abordei Noémia pelo ombro, nas suas costas, nadando em torno dela e esperando que recobrasse o fôlego. Ela só me viu como algo que não a salvando do afogamento, prolongaria uma medíocre estadia na superfície. Tão condenada a olhar para as sombras na sua parede, não tinha olhos para mim. Olho agora eu para minha parede, só, sinto a falta do meu arsénico, e lembro apenas o que de bom ficou para trás, quando lhe fazia festinhas no rosto, e ela sentindo-se amada, revelava um pouco do verdadeiro ser que era, espreitando pelas janelas da alma para a luz cá fora. Meu amor entrando pelos seus olhos apaziguava alguns demónios que deixavam de tapar a luz para dentro da sua alma. Não a salvei, nunca a poderia resgatar ao afogamento, do desespero para seus pulmões. Eu queria, era essa a minha maior origem de desespero, o querer-lhe bem e não lhe poder. Que mal há em querer o bem de quem queremos muito. Pelo cristalino ocular quando tinha sua cabeça viva nas minhas mãos, conseguia ver monstruosos demónios mexendo-se por detrás da porta em que tocamos à campaínha e quem está lá dentro não quer abrir, mas conseguimos perceber estar alguém em casa. Não sei o que foi, o que a levou a fazer aquilo naquela tarde. Será ter sido ver-me feliz consigo, por alguns momentos? E por achar não merecer ela ou alguém ser feliz consigo, caminhar para o Nada? Termino a refeição, sinto bocados de carne nos dentes. Uma mão pousa no meu ombro e uma voz diz, «-É melhor irmos ali para o carro-patrulha.» Levanto-me, não sei porque me tremem as pernas, sei que me doem os olhos de tanto chorar. Retiro um pedaço de cérebro resiliente, de um dente chumbado que tenho. Olho para o pedacinho de Noémia na ponta do meu dedo, e exclamo rindo, «-Amor, amor, eu não deixo ninguém fazer-te mal.» I Miguel foi um dos melhores escritores da nossa geração. Para o fim, costumávamos ficar horas pela noite dentro a falar um com o outro sobre gajas e literatura. O ponto de ruptura dele, aquele em que o Colonel Kurtz passou a ver o horror, foi quando descobriu ter sido instrumentalizado por uma pessoa feminina de quem gostava, para que esta pudesse em privado e surdina, vingar-se do seu namorado. Nisso tenho casca mais dura que ele. Já mo fizeram algumas vezes e tive mais espírito para aceitar que ele. No seu mundo, havia ainda algum idealismo segundo o qual não há necessidade de as pessoas se enganarem. Muito menos quando sem a isso serem obrigadas diziam coisas que podem fazer o receptor entregar-se de forma genuína. E ser por isso trucidado sem apelo nem agravo. Quantas vezes lhe disse para não levar em conta o que lhe diziam, mas o que faziam. «-Miguel, é guerra. E em guerra só um lado vence, o dos homens.» «-Pá ó João, não é tanto assim. Nem quero andar com tanta energia negativa em mim por causa de gajas que atraio, provavelmente porque também ou não sei escolher, ou só atraio as maleitas que residem em mim.» Tínhamos estes debates estratégicos, por entre soro e beeps de máquinas de assistência de vida. E ele ria-se quando as catedrais lógicas erigidas para explicar e enquadrar o comportamento feminino se tornava de tal dimensão que ele, desabafava que se as gajas soubessem o quanto um tipo pensa sobre ao ângulos que nem sonham que cobrimos, deixariam de nos achar tão parvos. E eu respondia-lhe que isso era má leitura dele, pois o homem foi à Lua, e calcula as rotas dos navios no mar, mas qualquer pindérica com dois dedos de cara pode com duas pregas de carne controlar o espaço e os oceanos. Não é preciso ser-se muito esperta, apenas tirar partido da burrice em que neste aspecto a evolução nos condicionou. Afinal se fôssemos imunes ao instinto copulatório, o rácio de 17 para 1 de mulheres que na história do mundo legaram os genes à geração seguinte, por contraposição com os homens, estaria equilibrado. O homem é o sexo dispensável, descartável. Há que lidar. O que só acentua mais o desprezo que têm por nós, vendo-nos capazes de alta capacidade de abstracção em matérias que geralmente repelem o interesse feminino, e afinal tão vulnerável a manipulação por algo que nem precisa de ser muito desenvolvido por elas, o sex appeal. Do género, podes ser muito bom e esperto, mas eu tiro-te do sério e dou-te a volta até à tua completa anulação. Susana, sempre ela, funcionava dessa forma. E detestava que o parceiro pensasse assim, na procura das suas falhas de congruência, porque isso a obrigava a esforçar-se mais do que achava necessário, de acordo com o valor que dava ao alvo. Queria que o alvo acreditasse e confiasse, pois só assim conseguia a projecção, o harai-goshi perfeito. Ele ouvia-me calado e eu via no seu rosto que nada podia retorquir, apenas lamentar reconhecer que eu tinha razão. Outras vezes era ele que me devolvia o meu remédio. Se eu admitia que ela agisse assim comigo, porque acreditava no que ela dizia. «-Mas em concreto, João, que conseguiste tu desta interacção? Uma cópula, e meses da tua atenção não sexual, preenchendo os tempos mortos do outro que não lhe passa cartucho e que age com ela de acordo com o que dela conhece. Parece-me que estás a racionalizar. Mata esse hamster gordo e confortável. É o comportamento, o comportamento afere…» Eu interrompia, «-É complicado, sabes…» Ele interrompia-me «-Diz-me isso sem lhe lixiviares o comportamento.» Então era eu que me calava. Eu passava em revista como tropa na parada, os silêncios, os afastamentos, as alturas das suas aproximações sempre sob a desculpa de algum texto que eu publicasse, as desculpas que dava para as suas faltas de carácter que designava de temperamentalismo, a cristalina facilidade com que me atropelava a individualidade, sob uma capa de completa irresponsabilidade pelos seus actos e sua implicação em mim, supostamente porque não me conseguia ver como vítima, porque supostamente somos todos adultos e deveríamos saber como funciona o jogo. Então era eu que baixava a cabeça e tinha dificuldade em engolir a realidade. Não era complicado. Era por mim provocado, apenas esperava um resultado diferente, como que se redentor da humanidade feminina, ou quem sabe se a perpetuação da minha obtenção de valor que não me consigo dar, através do elogio da fêmea, e a abertura de pernas é o maior elogio que a fêmea tem para dar. Então não era eu que respondia prontamente a mensagens, e estava sempre disponível para supostamente largar tudo o que fazia para ir ter com ela? Passando a ideia de entrega total, que já sei que me retira o carácter de desafio, e por isso faz a fêmea retrair-se e desqualificar-me nas suas escalazinhas de avaliação. Era eu que planeava e executava o plano, esperando que a sofisticação deste espécime em particular me surpreendesse, e reabilitasse todo o seu género. No fundo não queria a gaja, eram as duas maiores forças em mim a tentar obter algo através dela, o meu ego e a sua incapacidade de admitir derrota, o meu impulso para o amor cortês, o da lírica camoniana, a querer resgatar-se a si mesmo do mundo em escombros após a certeza de que as mulheres são todas iguais. «-Dude, a tua psicologia está a dar cabo de ti. Sabes perfeitamente que voltou para o namorado e nem teve a dignidade de to contar em primeira mão pois quer que corras atrás, ou pior, nem fazes parte da equação. Pelo que contas nunca fizeste. A não ser na tua cabeça de racionalizador orgulhoso, e resolvedor de problemas. És pior que Ícaro. Admite derrota. Perde para te poderes ganhar.» Eu ficava a pensar nisto e na facilidade com que lhe reconhecia razão, contraposta à dificuldade em aceitar o que via como claro. «-Foste usado como Joker, olha como eu. Uma carta no baralho, que se guarda em silêncio e sem muita utilidade, senão em alturas chave do jogo. Ela nunca se interessou por ti, foste apenas uma chave inglesa no plano dela de desmontar a canalização a ver se a água corria melhor. Pelo que me contas, ressabiamento com justa causa ou não, fê-la convencer-te de algo sem correspondente na vida concreta. Jogando em dois tabuleiros, o fácil – o teu—onde bastava acenar com o lenço da sua atenção, e o do outro, difícil, mas sempre a escolha prioritária para ela, pelo envolvimento emocional e material que ela já tinha nele.» «-Tens razão, tens razão, lembro-me dos elogios dela e de perceber isso na sua entoação. Uma espécie de prémio de consolação que me dava para branquear ou asfixiar a voz da sua consciência.» «-Sim, ela tem um plano de desmantelamento do outro, que a conhecendo, lhe resiste, e vê lá tu que ela não o larga. Eu que estou de fora consigo ver, que apenas te dá a promessa de escolha, para que permaneças voluntariamente no anzol. Tu não vês porque tens o ego investido. Cega-te.» «-Suponho que tens toda a razão Miguel. Apanhei-lhe várias incongruências no discurso, que guardei para mim, e automaticamente foram para trás da minha mente. Porque é que me faço isto?» «-Porque és um cona mole.» Ri-me, ele tinha toda a razão. II Antes de ter entrado no IPO, Miguel tinha tido um caso com uma rapariga de valor de mercado abaixo do dele, particularmente agora, que havia ganho vários prémios literários, era convidado para todo o lado e estava a ser conhecido e reconhecido. Era um gajo alto e bem constituído, e de feio, na minha forma de avaliar homens, só uma verruga preta na ponta esquerda do nariz, que lhe dava um ar de Gasganete, dos Estrunfes azuis. Vestia-se bem, era um pouco reservado e observador em sociedade. O que o fazia transparecer como estranho. Depois de se falar com ele, a conversa fluía agradavelmente. Foi assim que o conheci na casa de um dealer de droga, que me interpelou no Copenhaga. Segundo falámos mais tarde, tentou demover-me da performance que acabei por desempenhar drogado, mesmo sem me conhecer, mas que não era comigo que estava a falar, era com um gajo drogado igual a mim, copulando em torno de uma piscina. Pediu-me conselho. Como descartar a miúda sem a magoar ou afectar a já de si baixa auto-estima. Eu dei-lhe a fórmula. «-Liga-lhe três vezes por dia a dizer que a amas, no mínimo três. Responde-lhe prontamente e sem excepção a qualquer mensagem que te envie, indicia planos teus de relacionamento futuro e planos a dois feitos só por ti. Escreve-lhe textos e sempre que a escutas, dá a tua opinião, e envolve-te em todos os seus dramas. Acima de tudo, age como se estivesses sempre disponível para ela, como se nada tivesses para fazer ou ninguém atrás de ti, ou por quem tenhas interesse. O objectivo é passar uma imagem de ti sem opções e fisgado.» «-Mas tu és parvo? Eu não quero nada com ela, isso vai dar-lhe a ideia oposta do que quero!» «-Cala-te e faz o que te digo.» Uma semana depois ligou-me. Que eu era um génio. Que tinha feito o que eu lhe dissera e que a tipa que não o largava, o esperava no trabalho sem se fazer anunciar, só para lhe provar quanto gostava dele, ao fim de uma semana de vulgares demonstrações de afecto, lhe pedira um tempo, que a vida dela estava complicada e epá afinal era melhor levar as coisas com calma. Percebi também que o interesse dele por ela aumentara, por lhe ter visto o completo despudor com que agira, ora amando ou dizendo que amava, ora descartando. Por isso acrescentei algo para lhe ficar no ouvido: «-Elas não amam como nós Miguel. Incondicionalmente, só amam os filhos. Somos ferramentas para elas, com maior ou menor estima. Elas amam oportunisticamente, nós idealisticamente.» Ele pareceu resistir. Para fortalecer o meu argumento, citei-lhe a Lei de Briffault « the female, not the male, determines all the conditions of the animal family. Where the female can derive no benefit from association with the male, no such association takes place. » Disse que depois falaríamos. Esbofeteávamos realidade um ao outro assim, no pouco tempo em que nos considerámos amigos. Ele dizia-me para não levar as coisas a peito, eu dizia-lhe para não perder uma capacidade masculina única, o amor idealizado, só por causa de gajas. Ele falava-me de devolver na mesma moeda as falhas de carácter dos indivíduos, eu falava-lhe em supra manipulação, em moldar a percepção do outro de tal forma em que fica a pensar que nos manobra com os nossos sentimentos, que supostamente escancarámos, apenas para sermos nós o observador último do seu acto criminoso apanhado em flagrante delito, sem que disso se apercebesse. Ele batia com o pé no soalho do Martinho da Arcada, com os Converse azuis, e dizia que grande ideia para novela de mindfuck eu lhe estava a dar. Eu respondia que já ia tarde, pois era sobre o que eu escrevia. Sobre fingir até o fingimento. E sobre os pontos altos desta guerra, quando os indivíduos dizem não confiar nunca no que penso ou sinto, porque finjo, manipulo e influencio. Onde sempre respondo o mesmo «-Os iguais reconhecem-se.» Sobre um dos meus casos mais interessantes, ele era cristalino. «-Dude, manda-te nudes para te fidelizar e controlar como gatinho. Sabe sem saber que a vista de carne é promessa de carne. As suas descrições do que te vai fazer na cama não passam disso mesmo, promessas de tempo futuro, para te raptar no presente. No fundo ela está a jogar o mesmo jogo que tu, a usar os estratagemas mais básicos do livro, para te esfregar na cara que a tua suposta sofisticação não passa de uma lisonjeadora ideia que queres ter de ti mesmo.» Miguel, a soprar-me realidade desde que o conheço. «-Todas as aproximações e afastamentos são instrumentais, visam retirar-te o poder na relação que só tu achas que existe. De forma a que a persigas, valides, e ao mesmo tempo ela sinta a vitória e o elogio da tua entrega. O ponto bom nisto é que pelo menos ela te vê como adversário digno do esforço de anulação. O ponto mau, é que não deixas de ser adversário. Nem deixarás. Vês, ela também tem o ego investido em ti, como profiláctico para o seu orgulho. O jogo é isto, retirar dos outros o quer que seja que achemos que precisamos para viver. No real ou no psicológico.» E eu a pensar, exactamente como Susana. «-Nesta batalha de egos e orgulhos não há prémio de consolação. É guerra sem quartel. Pensares que ela fica a perder no futuro se não te der a mão, é uma racionalização de bébé chorão, que o teu ego formula para se proteger de ser mais fraco.» O gajo que em surdina se lamentava da aspereza do real, parecia faca quente sobre o monte de banha quente que sou. Nos últimos dois meses, deu autógrafos na Feira do Livro, indicando-me a dedo todas as seitas da burguesia pseudo-intelectual lisboeta, que fazem retiros e meditações e merdas, de forma a comprarem a boa consciência e se convencerem que são adultos e fazem mossa nas injustiças do mundo. Das noitadas regadas e dos papos dos queixos caídos pela idade, disfarçados a base e pó de arroz, da magreza instrumental onde anteriormente a linfa e o tónus muscular moravam. Das fodas mal dadas, por nunca terem aprendido a foder, por causa de feitios de merda que ninguém atura senão os rebarbados, os sem opções, ou os coleccionadores. Das narrações entusiasmadas de sexualidades menos convencionais como que se retractassem a condição humana lida em livros de alfarrabista, das partilhas de experiências sexuais como que se de viagens ou capítulos de um trajecto de vida, sem respeito pela emotividade envolvida, a privacidade e a dura constatação de que ao fazê-lo se mostra aos outros quão damaged good se é. Sentado na banca da Relógio de Água, já quase cadavérico, o encontrei e combinei com ele mais tarde, uma visita. Contou-me que o pior que levava desta vida, e chamei-lhe logo estúpido, não se fala assim pá. Mas nem eu acreditava com convicção na esperança que queria dar ao outro. «-O pior que levo desta vida João, é o contraste, quando ninguém me conhecia, ninguém me convidava para jantar ou palestrar, ou sequer ouviam o que eu tinha para dizer. E sempre disse variações do mesmo. Só porque ganhei uma merda de um prémio, e vendo mais papel, todos os dias tenho gajas a fazerem-se a mim, dondocas da linha e afins, convites para aqui e para ali, a intelligentsia quer-me e procura-me, numa masturbação de reconhecimento mútuo. Quanto mais conheço este gajedo sofisticado mais aspiro às mulheres simples que me atendem nas bombas de gasolina ou no supermercado. Lamento os afectos fingidos sem necessidade nenhuma. Dá-me náuseas a futilidade classista dos que dizem ser anti classes e depois se justificam rodeando de suposta cultura sem debate do que está implicado dessa cultura. Da suposta validade da cultura popular, desprezando o princípio de razão suficiente do porque tanta gente aprecia o Quim Barreiros. Entender não é o objectivo. A burguesia dos boulevards lisboetas é bafienta mesmo com gente relativamente nova. Almejam a boa consciência recorrendo ao pedantismo. O pior que levo desta vida, é perceber que podia ter comido mais cona se não fosse tão canibal.» Ria-se no final destas palavras. Trinta e cinco anos depois de ter nascido, recebia gomos de terra num dia de Setembro, no Alto de São João. Eu, o editor e alguns membros da família. Nenhuma conquista anterior se dignou aparecer. Nem aquela a quem ele dissera três vezes por dia amar. O ritmo, a paragem silenciosa e o arranque fulminante de uma procissão de notas irreverentes numa espécie de stacatto com música só para si, dentro da melodia principal. Vodka tónico após vodka tónico, abano o pézinho e deixo a cabeça bailar sozinha, até concluir que por agora tenho de fazer render a bebida, mais uma e passo a meta em direcção à falta de controlo. Gosto de vir aqui, gosto de bebop num dos poucos espaços de Lisboa em que encontro malta que como eu gosta de todo o tipo de música, com um jeito especial para a ingenuidade do jazz. O jazz mais ritmado relaxa-me, o mais melódico torna-me melancólico e dá-me vontade de chorar. Nenhuma do grande Duke me deixa bem-disposto ou com esperança. Até com o mestre dos mestres, Beethoven, nas mais tristes encontro sémen de esperança. Fatalidade não fatalista. Não com Duke. A sua leveza e filigrana espetam-me com os cornos numa depressão. Depois tenho de encher-me de força de novo, com heavy metal industrial, quanto mais pesado melhor. Quanto mais violentos os riffs, mais me sinto encher como pneumático encostado ao solo, até à pressão em que funciono melhor. Dou por mim, a meio de um solo de bateria, a pensar na peculiaridade da minha individualidade, podemos fingir muita coisa, mas não as preferências musicais. Danço a cabeça a cada percussão no timbalão e dou com os olhos a querer fechar para obras como que se o vodka quisesse orgia com o meu fígado e desejasse apagar todas as minhas luzes para fornicar à vontade. O toque que sinto no ombro, demora por isso mais tempo que o normal, e quando abro os olhos demoro algum tempo a enquadrar uma cara que me olha divertida e submissa pela abordagem. Os lábios vermelhos e os dentes brancos, o cabelo louro muito claro ajudam a identificar, Petra. «-Como estás. Lembras-te de mim?» diz. «-De saída.», respondo. Estendo-lhe a mão para a cumprimentar, ela olha-me surpresa e como que indignada. Vem atrás de mim até ao balcão, a perguntar-me se estava zangado com ela. Respondo, claro que não, estou mal disposto preciso de ar, bebi demais parece-me. Saio cá para fora, sento-me num degrau e finjo que fumo um cigarro que nunca fumarei e dou assim mais solenidade ao acto de pensar na vida. O fresco da noite força-me a ficar mais claro no pensamento e a arrepiar os pêlos dos meus braços sob a camisa que pede o casaco por cima, e não ao meu colo enrolado como chouriço. Levanto-me e encosto-me no parapeito onde posso ver parte da minha querida Lisboa, namorados visitam bocas uns dos outros lá além a um canto, trocando energia amorosa entre eles. «-João, porque estás zangado comigo?» Olhei para trás e não era a minha companhia. Lembrei-me agora que a tinha deixado lá dentro, lembro que me estava a tentar fazer ciúmes, com um colega de escola qualquer, fingindo-se divertida ao mesmo tempo que me olhava para ver a reacção. Geralmente funciona porque tenho um semblante sério, e o meu estado normal parece portanto zangado, quando estou perdido em pensamentos, no caso presente a pensar nos meus gostos musicais. Mais por descargo com a minha consciência, envio uma mensagem por Whatsapp, a dizer que estou mal disposto e saí, se quiser sair cá para fora, para não se preocupar. Petra continua a olhar-me, exigindo atenção. «-Petra, não estou zangado contigo, senta-te aqui comigo.» «-Não, meu vestido não deixa.» - apanho-lhe a primeira pista de sotaque eslavo nesta frase. Dói-me o rabo, levanto-me de novo. Ela oferece-me uma garrafa de água. Gracejo, «-Petra, és muito magnânima com o inimigo.» «-Tu não és o inimigo, não digas disparates.» «-Estou a brincar.» O fresco da água que escorre pela traqueia irmanado pela brisa fresca da noite às 4 da manhã, recompõe-me e começo a pensar se não foi o café que bebi horas antes, que me tenha feito mal. Esta malta que vende café não faz manutenção às máquinas e sabe-me sempre a queimado. Queimado. Queimado estou eu. «-Petra, vou andar um pouco, e vou comer alguma coisa, depois vemo-nos e falamos melhor, espero que esteja tudo bem contigo.» «-Eu vou contigo, também não me apetece ficar mais aqui, especialmente agora que saí.» «-Ok, vamos, conheço ali um paquistanês que está refundido dentro da loja mas que me conhece e abre a porta.» apontando o caminho convidando com o meu braço esquerdo. Bato à porta e abre o Khalid. Falamos em inglês, pergunto-lhe se quer comer uma bifana que pago eu, e o muçulmano pergunta-me qual foi o resultado com o Porto, num bate boca bem-humorado com que os homens testam o bem estar mental uns aos outros. Não tem permissão para ter estaminé aberto a esta hora, e portanto, quem conhece sabe que ali, como que traficando psicotrópicos, há sempre um vendedor pronto a fazer mais uns trocos. Uma garrafa de água para mim, e um rissol vegetariano para forrar o estômago. Para Petra uma mini, e um pão com chouriço. Levei-a para um miradouro perto, pouco frequentado e que conheço desde os tempos em que trabalhei a montar computadores, quando a actividade ainda era lucrativa. Chegava com a minha mala de mão, carregado com livros de Kant e Heidegger, das aulas, e trabalhava até às tantas da noite, fumando mais erva pela actividade dos meus colegas de trabalho que pelo cigarrinho que me calhava. E que não sendo fumador nunca me faltou. Não sei porquê, nos vícios que não tenho, sempre quem me rodeia, faz questão de partilhar comigo, que eu participe. As luzes cintilavam como grilos cantando na noite, e começo mesmo a ficar como gosto de estar, afiado, bem-disposto e presente. Ela com os joelhos juntos e virados um para o outro ia degustando a sua refeição, e a garrafa de Super Bock no chão apartada uns 50 centímetros do seu corpo, o comprimento do seu braço, ostensivamente para ter liberdade de mexer as pernas sem a derrubar, se assim precisasse. «-Petra, como está a tua filha?» «-Está bem, está em casa com o pai. E está muito bem.» Aquele «está muito bem» soou-me a desnecessário. «-Que idade tem ela?» Demorou mais algum tempo a responder, a braços com um pedaço de mão menos bem mastigado que demorava mais tempo a descer pelo esófago. Vermelha pela aflição passada, responde «-4 anos daqui a um mês.» Tens foto dela? Mostrou-me no visor do telemóvel e abanei a cabeça como que dizendo que sim. «-É bonita, mas de cara sai pouco a ti.» Ela riu-se. «-Cala-te, ela é toda eu, só os olhos são do pai.» Brinco com um gole de água na boca. Olho para a obra pombalina. «-João, ficaste zangado com aquela noite, o jantar?» «-Não. Acho que foi desleal, mas não fiquei. Pelo contrário, permitiu-me dizer coisas, irrelevantes, mas coisas, que queria dizer a algumas das pessoas presentes. Mas depois, além do alívio, dei comigo a pensar no patético da situação. De nada adianta argumentar com quem te desqualificou sem saber porquê. Ainda ficam a pensar que é dor de corno, ou de cotovelo. Pouca gente vê além disso.» «-Sei exactamente o que referes. Deixaste-me sem respostas e obrigaste-me a rever algumas crenças que eu tinha. Gosto de pessoas como tu, que me obrigam a enrijar mais as minhas convicções.» diz ela acabando com a côdea. «-Se a única função do meu discurso é ajudar a defender as ideias que já tens, tu não estás de boa fé num debate, apenas numa refrega em que instrumentalizas o outro.» «-Vês, são esse tipo de coisas que dizes, que me deixam a pensar.» «-E de nada adianta porque vais continuar a encarar-me como oponente.» «-E como não, não podes negar a opressão patriarcal desde sempre às mulheres.» «-Não nego, pura e simplesmente porque acho que é uma fantasia útil, para projectar um artefacto político. Diz-me os documentos históricos que comprovem isso, que amanhã às 9 da manhã estarei na Torre do Tombo e posso consultar.» «-É um facto!» responde ela indignada. «-Em ciência não existem factos, apenas hipóteses de trabalho. Partilha comigo as tuas fontes, que não tenham sido veiculadas por feministas. Eu conheço alguma parte da história do esclavagismo, e não conheço uma única marcha exclusivamente de mulheres para terminar com o tráfico. Nos registos que consultei.» «-Mas claro, seriam obliteradas se saíssem para a rua!» diz Petra. «-Queres-me dizer, que apesar de afirmar a superioridade da mulher sobre o homem, o feminismo actual admite a profunda incompetência feminina em milénios de opressão por uma espécie humana inferior, que só suplanta o terno sexo por via da força? Poupa-me. O mais simples de acreditar além desse dogma que papagueias, é que as mulheres dos esclavagistas lucravam com o tráfego. Ponto. Não há cá superioridade moral por via de ter vagina.» «-Mas tu não és capaz de admitir a violência que todos os anos ocorre contra mulheres?» «-Sou e não a diferencio senão por via da maior agressividade e força, e mentalidade atávica, dos outros crimes contra pessoas. Dizer que por ano morrem 24 pessoas mulheres às mãos de homens, relativiza as 66 mortes que por serem entre homens parecem não ter relevância, como que se matar uma mulher por ciúmes ou sentimento de posse fosse mais grave que matar um outro homem por uma discussão sobre terras.» «-Eu não consigo falar contigo.» diz ela visivelmente agastada. «-Consegues, estás é tão habituada a ver o teu querido dogma reforçado e adulado por onde quer que ouças e vejas, que me vês como chauvinista se não dou para o peditório.» «-Eu não te vejo como chauvinista.» diz ela baixando gradualmente o tom de voz, como que envergonhada por dizer o que está a dizer. «-Não sei. Por vezes sinto que sou eu que estou no centro de uma brutal manobra de gaslighting ou doutrinação. Por vezes sinto-me impelido a ter de enunciar o não ódio a um qualquer argumento em particular, para me distanciar do juízo que daí possa vir. Não porque tenha medo do que pensem, mas porque quero levar a argumentação até ao fim, sem ser interrompido com adjectivos. «-Eu percebo isso, percebi isso no jantar. Não vi mágoa da tua parte pelo desfecho mas pela natureza da interacção com as pessoas. A ti não te custa seres rejeitado, custa apegares-te e seres separado de quem te apegaste.» diz-me olhando-me no rosto.» «-Porra Petra, agora foste tu que me deixaste sem palavras. Acho que tens razão.» «-Consegui ver nos teus olhos as ruínas de amor pelas que estavam em torno da mesa. Até pela Célia. Não um amor revivalista ou de oportunismo, mas de suplantação da existência normal, pessoas que partilharam momentos de carinho contigo deixaram marca. Por isso não insisti muito contigo, tinham-me contado coisas de ti que não confirmei na tua presença.» «-Claro Petra, quem te disse o quer que seja de mim, tem a sua compreensão e as suas formas de arrumar os outros em categorias e juízos. Para proteger o ego, ou para sair bem na autofotografia, criam-se discursos de redução do outro, eu. Alguma vez Anabela iria admitir a sua natureza falsa, insegura e hipergâmica, quando é mais fácil dizer que tenho este ou aquele defeito? Ou Cristiana admitir que eu presto atenção e me interesso pelas actividades dela, mas que é a sua estrutura judicativa que me reduz, porque acha que arranja melhor que eu, mais conveniente para a sua mundividência ou todas as patranhas que se arranjam para ‘racionalmente’ reduzir ou mascarar o outro?», digo eu, fazendo com as mãos os gestos das aspas quando disse ‘racionalmente’. «-Racionalmente? Como assim?» «-Um pouco como umas lentes que se usam e ao fim de algum tempo esquecemo-nos que as usamos. Uma razão só de tempos a tempos examinada, passa por razão, sem o ser. Sem análise constante não passa de um conjunto de lugares comuns que visa dar-nos alguma segurança no mundo, passando a ideia ilusória de que o conhecemos. E muita gente vai além, afirmando a pés juntos de que isto é liberdade, a liberdade de optar de acordo com as nossas ideias feitas. Eu por mim dou sempre, o benefício da dúvida. E em abono da verdade, sinto-me às vezes uma beca superior, por perceber isso no outro e saber que eu não sou assim. Perceber a insegurança do outro e imaturidade, preso nos seus lugares comuns mais escondidos, que se revelam a mim, se atento à sua argumentação e escolha de palavras, como é meu costume. Penso conseguir ver que no fundo o que o outro está a fazer, é a convencer-se a si mesmo, de uma decisão já tomada, e que a posteriori encontra a ‘razão’ ou a desculpa para uma decisão que tomou emocionalmente.» «-E qual é o problema?» insiste Petra. «-Nenhum, acho. A liberdade do outro está aí, penso. Em enganar-se como quer. Tenho de acatar e até me divertir um pouco. Como que se conhecesse a Terra a partir de órbita e ouvisse o discurso de patos sobre o que é voar.» «-Isso soa-me um bocado a desculpa de mau perdedor.» diz Petra sorrindo. «-Não sei.» rio-me também para ela. «-Se calhar. Mas não me vejo assim. Pelo contrário, considero-me bastante ‘vencedor’ em todos os aspectos da minha vida. Olha, o maior é agora só me querer envolver com quem tenha envolvimento emocional profundo, que não dependa de mim.» «-Mas não eras assim?» «-Não, era um verdadeiro marchista. Marchava tudo, o que vinha depois era o sentimento, urdido á maneira que te falei, tomar a decisão antes e justificá-la depois, a posteriori. E não é que acabo sempre por gostar, de facto, de quem escolhi gostar?...» «-Como farias comigo.» pergunta, com um semblante anormalmente sério. «-Não faria. Não me envolvo com quem não sinta que tenha significado, além da minha decisão. Ou há química, ou não há. Entre mim e tu não há.» «-Mas ainda assim, como farias?» Permaneço a olhar para ela. «-Eu não tenho método Petra. Talvez seja esse o meu método. Dependeria da tua personalidade. Do que eu apreendesse dela. Não sou bom em checklists, sinto-me preso. Exponho o melhor que consigo o que sou e espero que o outro seja inteligente o suficiente para ir fazendo o meu raio x de forma a que goste do que vê e não que seja para preencher algum plano secreto seu. Sou o que sou, e tento lutar contra ser o que acho que o outro quer que eu seja, quando fico demasiado em suspenso do seu afecto. Regra geral sou dialógico quando sei que jajão não molha cuecas. Enfim, um não método, mas que te interessa isto.» «-Nada.» a resposta soa a desilusão, mas não comigo. «-Petra, dá-me ideia que escolheste o teu marido de acordo com a ‘razão’» «-Porque dizes isso?» «-Vi alguma esperança numa espécie de aspiração a validação minha, nos teus olhos. E quase que juraria que me respeitas mais a mim, que discordo de ti e não vou nas tuas merdas, que ao teu marido. Se bem, que caso eu gostasse de ti, estava tramado. Não conseguiria agir facilmente de outra forma, e assim sendo, ganharia o menos apegado.» «-Suponho que tens razão, mas que pessoa, que esposa sou eu, se o admitir?» «-Uma pessoa que tem carácter, pelo menos de testar as suas ideias. E que não usa a moda de projectar culpa na outra metade da população, para justificar os seus insucessos.» «-Sim, mas em relação ao meu marido…» «-Tal como deixo nas mãos do destino ditar-me quem me rouba o coração, e esperar que o que é meu a mim venha, também tens de interiorizar que se calhar aquilo que achas que queres não é o que te faz mais feliz.» «-Por isso gosto de falar contigo. Gosto de ouvir essas patranhas que dão que pensar.» iluminou-se o seu rosto eslavo, aliviado pela descarga da culpa pessoal por contraposição a linhas de vida escritas estelarmente. «-Os géneros, foram feitos para cooperar, não para competir. Mas enfim, posso dar-te um abraço?» «-Podes.» Abracei-a, e olhando as luzes lisboetas com Parkinson à distância, dei-lhe um beijo na testa e disse-lhe para ir abraçar o marido e a filha. |
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Tori Amos - Professional Widow (Remix) (Official Music Video) from the album 'Boys For Pele' (1996) - todos os direitos reservados:
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