Fodes que nem um macaco.
Ela não disse bem assim, foi mais «Quando estás em cima de mim, no acto, és animalesco, pareces um macaco, um gorilão.» Fiquei sem saber se era elogio ou reparo. Era reparo. Em dois anos de namoro eu com 25 e ela com 24, eu havia sido o seu sonho e o seu primeiro. E ela era o meu amor. Sentia-me bem com ela, agia como achava que era esperado que agisse, oscilando entre aquilo que achamos que no nosso comportamento prende o outro a nós e entre aquilo que nos garante sempre ilusoriamente uma opção na possibilidade do abandono. O que vai dar ao mesmo, ao medo. ~ Não o sentia como medo, antes como exorcizar demónios anteriores. Algo que tinha de esconder para esta pessoa tão especial não me abandonar e provar de novo que eu não valia nada, era uma fraude. E ela era especial não porque gostava muito dela mas porque era apresentável para os outros verem, boa, fazia boa impressão, confirmava como adereço o meu sucesso em algo de palpável. Tudo parecia bem no país das maravilhas, ensinaram-me que a igualdade no casal passava por mimar até ao limite a mulher, esse ser caprichoso e intemporalmente sapiente, que merece todo o apoio que um homem pode dar, nem que seja a sujeição, se ela disso for merecedora, isto é se aparentar gostar de ti. Havia que mimá-la, para continuar a dar a vagina e talvez eu a conseguisse enganar a casar comigo. Ou talvez não. Que caralho, foder que nem um macaco? Mas não é assim a paixão? Uma sofreguidão pelo outro, roçando os limites da vertigem, que não termina como sede saciada por água fresca? Foder era mesmo o meu medicamento. A minha cura, xarope adocicado e procrastinador que impele a ires em frente não porque tens destino mas porque queres fugir de onde estás, onde quer que seja. O demónio interior só era aplacado com a exaustão do orgasmo, para dele como fénix voltar a renascer, primeiro dormente e relaxado, com o espírito a sós no corpo, depois como música em surdina e crescendo, por fim já como cacofonia aflitiva que urge cessar. Os espasmos do clímax eram o paliativo para todas as minhas dores e vergonhas, e ao orgasmo me entregava com obstinação de missionário, esperando como caminhante atingir o destino nirvânico por detrás da montanha que de frente se apresenta ao caminhar. Usava-a para validação e como receptáculo de esperma, objecto para me esquecer de mim, e era natural que me usasse a mim como ouvido bípede e bengala de apoio aos seus caprichos, e também alguma validação por fazer o que era normal. Eu pensava que o desejo era por si só testemunha de uma afeição exacerbada, ou mesmo amor. Eu estava contente, aparentemente. Pressentia já algo que destoava do silêncio. Pelo menos enquanto obtinha a dose tudo estava bem. Nunca estranhei a impossibilidade dela ter um orgasmo. Molhava-se cada vez menos, e dizia que tudo mudaria se eu limpasse os dentes e perdesse a barriga de cerveja. Era passiva, terrivelmente passiva, descobria-se na experiência, mas não na foda, à qual passava ao lado. Olhava-me como espectadora chocada com espectáculo suburbano. Deixei de ser uma fuga da vida dela, a partir do momento em que a promessa de licenciatura completa vinha atestar a ela o seu próprio valor. Abrir as pernas, tornava-se cada vez mais um preço alto a pagar. Foder que nem um macaco? Mas eu até sou meigo… Foda-se. A cena bateu-me como sussurro de baixio em ouvido de marinheiro nocturno. Magoou-me acordando para a realidade, para fora da narcolepsia da felicidade aparente. Se o comprimento de onda não era o mesmo, logo não nos amávamos de igual forma, logo ela amava-me menos, portanto, eu estava fodido. Não, apenas se e somente se não apaparicasse todo o capricho e a convencesse com esquemas passivo-agressivos de que eu era afinal o que ela procurava. Estava fodido. Tanto esforço para evitar a rejeição para o ser assim. O condenado acaba por acreditar que tem algo de essencialmente mal, que é ele e não algo que faz, ou que é o outro. Que mal há em foder, quando os corpos borbulham de juventude e desejo? Que mal há em foder até esquecer o mundo quando o mundo não se interessa de nós para nada, e nós apenas queremos o quem em quem nos afogamos? Fodes que nem um macaco…e não se ficou por aqui. Disse que o sexo era para ela algo de sujo e poluto, sem graça e nada higiénico, naquela fricção animalesca de mucosas escondidas pela parra do Génesis. Mais tarde vim a saber que isso não a impediu de gritar às paredes a um trainer do Holmes Place escolhido pelo corpo musculado e bronzeado, a quem abriu a intimidade não retribuída, que a fodesse como se ele fosse o Colombo e ela as Américas. Injustamente caralho, pois já eu tinha há muito percorrido toda a Terra Nova. Afinal não era o sexo nem a animalidade do mesmo, era eu. Causava-lhe tal secura na vagina que até ver-me lhe era penoso. Ninguém vem de fora calar-nos a dor, nem nenhuma mão do céu dar-nos uma ajuda ou afago. Nem sempre uma lógica irrepreensível é a melhor conselheira quando temos as premissas todas baralhadas. Eu pensava que era esperto, afinal era apenas marioneta do meu prazer e da minha dor. Do prazer como forma de enganar a dor. Os dois anos seguintes pedinchei sevícias sexuais, para foder até que comecei a foder por fora, em vingança passivo agressiva. Um broche aqui, umas mamas ali, a promessa de cona acolá. Se, me aprumasse no vestir. Afinal os afectos nada tinham que ver comigo. Como desde o primeiro dia continuámos encerrados apenas nas nossas cabeças, orientados pelo medo e calculismo, até um perder respeito e fascínio pelo outro de forma a poder desclassificá-lo por gostar de nós mais do que gostamos dele. A partir de ficções que elaboramos em conjunto no terreno acidentado da única comunicação possível. E quando pedes, tratam-te mais baixo que o baixo que te sentes por pedir. Como o baixio que sussurra a desgraça do marinheiro nocturno que se vende por detrás de duas pregas de carne.
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Junho 2024
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