Viúva Profissional
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Nii(ana)lista

29/8/2019

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A invernia estende-se aos lençóis com os pés que teimam em aquecer esfregando-se pelas minhas pernas, originando um sentimento de repulsa que dentro da alma sinto por saber que não é um frio que corresponda a alguém com partilha de essência comigo, ou então, é alguém que não permiti qualificar-se além dos meus critérios.
 


Aperta-se contra mim, com caracóis louros tapando o rosto, e eu feito parvo olho para a rua a partir da janela do 5º andar, vendo as gotas de chuva em suicídio assistido pelo vento que uiva, uivo que parece mais uma ameaça de um colectivo de tempos passados.
 


Talvez para se justificar a si mesma, agradecia-me a insistência por ter persistido atrás dela.
Que se não fosse o meu jeito heterodoxo que anteriormente a chocara e criticara, não me teria prestado atenção e assim perdido a possibilidade de alguns momentos felizes até o gongo final da morte.
 


Achava-se superior a mim, trabalhava na Bolsa.

Enrolara a minha gravata preta em torno da testa, para prender o cabelo e fazer-se de engraçada.

Facilitaria a felação com que me impressionaria. O contraste do seu cabelo no meu torso bronzeado lembrou-me o contraste entre a minha camisa branca sob a gravata preta no dia anterior quando me convidaram para palestrar numa sala nobre qualquer, na mercearia de capitais, sob a narração da passagem do tempo.


O estímulo da sua boca na minha carne faz-se sentir o suficiente para que fique duro, mas tenho o espírito não sei onde, nem quero saber.
Sei que me lembrei de quando era criança e ouvia os outros falar de sexo, e me achava o mais especial ser do Universo em relação directa e preferencial com este.

Sentia uma espécie de náusea por assuntos tão carnais e o encosto de genitais com áreas escuras de pêlos mal disfarçados e porções de pele com rugosidades e colorações diferentes e esquisitas.


Tudo me parecia um arrepio da pureza de querubim que julgava jazer como morto esquecido em mim.

Puxo-a para mim, com lágrimas de alegria no rosto por saber que cada momento do um por cento de tempo da nossa vida que passamos a copular, estar a ser preenchido naquele momento preciso.

Ela é uma daquelas mulheres que faz parar o trânsito. Classe cultura e corpo. Os 3 c’s.


Habituada a vendedores de barcos, sócios de escritórios e magnatas imobiliários, achou graça que a tivesse envergonhado na sua pergunta sobre que interessava pensar no tempo, se havia que vivê-lo, o melhor possível.


Eu respondi que me devia fazer a mesma pergunta quando não tivesse muito mais tempo para viver, o melhor possível. A assistência do anfiteatro riu-se, mais pela minha expressão, entoação e rapidez de resposta que pelo conteúdo da mesma. Corou. Ficou picada.


Abordou-me no final, pedi para não me dizer mais nada senão ao jantar e virei-lhe as costas.

Esperava que a entretivesse. A  minha recusa e aparente falta de vontade de estar ali sequer, agudizou-lhe a atenção, fazendo questão de confirmar a sua confiança abalada, olhando o meu fato preto casamenteiro, o meu fio dourado a meio peito, os sapatos gastos na ponta, sentia-se chocada pelo contraste entre eu e outros melhores que eu, que a adoravam.


O terceiro copo de vinho revelou-a, além da persona que ensaiava para o público. Aberta assim para mim, como as fotos de mulheres que eu via na adolescência nas minhas tardes de masturbação, redentoras da anterior impressão de repulsa infantil. Pernas abertas, sorriso de convite, disponibilidade total aguardando por mim, sem qualquer homem no fotograma.


A analogia do livro aberto para que eu o leia, e a primeira carícia que de mim partiu em direcção ao seu rosto, fê-la estremecer.
Beber chá em casa dela foi o convite, fomos no seu BMW.


De forma simplista tinha os móveis arrumados e revelava que pouco tempo passava em casa. Quando queria homem, raramente o trazia para o lar, e se o fizesse desrespeitava-lo no dia a seguir, descartando-o pela audácia miserabilista de nem ter feito o convite de a levar para casa dele.
 
O encosto da sua boca soube a romãs de Inverno.


Desejou entreter-me por planos futuros a dois. Eu respondi-lhe que não, não ia esperar que urdisse motivos para me desqualificar, para se convencer a si mesma que não gostava de mim, estou farto dessa merda.


​Comecei a vestir-me, perguntou-me espantada, onde ia.
Fazer o que fazia antes de me conheceres, estudar o tempo e a relatividade da nossa passagem por ele.
Beijei-a na testa, sorri-lhe e saí. 
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Incesto

28/8/2019

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Ele era um daqueles gajos que deambulava sobre a sua própria merda afogado em negrume lisboeta.
Perdia longas noites calcorreando junto ao rio a ver se metia em ordem as ideias.
Analisava tudo o que podia sobre a sua vida para evitar vivê-la.






Era como o rather not de um poema que lera algures. Epá, viver é chato, não quero.
A vida cospe-me na cara exigindo-me que me entregue a ela, eu retribuo o favor e entretanto a ampulheta não cessa.






Sou um daqueles que guardo os cabelos dela dentro dos livros, para quando emergir em tempos futuros olhar para eles e certificar-me que ou a vida me nomeou como Escolhido, ou para me rir dos meus traços de carácter que me tornam único.






Sentado no animatógrafo do Rossio a búlgara que dança para mim olhando recorrentemente para a slot das moedas, consegue criar a ilusão de uma ligação especial comigo no meio dos onanistas que em mesa oval escudada por alumínio a olham trepidando pelo vidro que nos separa.




O tempo parece claustrofóbico e o ar rarefeito. Por onde quer que olhe vejo turistas e ouço línguas diferentes. Lisboa tornou-se um folheto turístico. Asséptico entre os picos de cerveja e cocaína. Permanece o esqueleto, os monumentos erguidos por gente já morta.




Eu como os estrangeiros apenas vivemos nos escombros.
A porta do WC, como Caronte pergunta-me «-Yo jovem, que vais fazer ali dentro?»
«-Pôr pó no nariz.»
«-Deixa-te disso e circula.»


«-Não tenho o dom de usar drogas para ser criativo?»
«-Circula jovem, não te meto duas moedas nos olhos, mas meto ambos com a cor púrpura.»




A querer chegar a algum Rubicão, tenho de o fazer da forma mais difícil, sóbrio.

A minha estrada de Damasco lembra-me a verdadeira razão da minha aflição, sentir-me fita-cola daquelas que se agarram à pele se não temos cuidado, e com dificuldade se arrancam, não sem antes trazer parte de mim atrás.


E então bate-me, os textos do Viúva Profissional não lamentam os amores insuficientes, mas os pedaços de mim que as minhas amadas levaram.



Que espécie de depuração é esta? Será que no fim do arco-íris estarei eu mais próximo do original que saiu do útero de minha mãe?
E elas, onde me guardam, no coração ou num caixote do Esquecimento?

​

E agora, que farei à lembrança dos lábios escarlates de que guardo as lembranças.
Terão outros sempre Paris. Eu tenho Lisboa e os cabelos dela dentro de um livro.  
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