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Crasso

17/7/2021

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O chato deste confinamento é também estar vacinado e ter de andar com um certificado, que para ser exibido no telemóvel, temos de saber o número de utente de saúde.


Sentado no pub, fazia tempo a beber aquelas cervejas pretas pouco frescas, não fosse ter de me levantar e pedir outra cerveja e repetir o ritual de mostrar o visor ao gajo que tira as pints.


 
Na mesa ao lado da minha senta-se um tipo e duas tipas loiras, uma com sobrancelhas castanhas e a outra ou natural ou mais preocupada com pormenores.
A fingidora levanta-se pouco depois de se sentar e grita para ele, oscila entre o bar, entornando cerveja, e a mesa, numa clara intenção de impressionar a amiga com a sua habilidade de humilhar um gajo que não respeita e que dela tudo aguenta.


 
Os 3 juntos não devem ter mais de 90 anos, e como já vi este filme tantas vezes, não consegui deixar de sorrir e voltar a enfiar a cara no meu ‘The hours’ da Virgínia.


O tipo deve ter-me visto a sorrir, e esgrime para me, ‘ -Hoy, got some problem mate?!’


A leitura e a língua estrangeira ajudaram a que eu não percebesse que era para mim. Só me apercebi quando a lus do candeeiro do tecto se viu impedida de chegar a mim, com o corpo dele à frente e junto ao meu pé da perna cruzada em 4. Percebi que era tenrinho nisto das agressões. Facilmente teria luxação no joelho caso eu pretendesse esticar a perna dobrada.


Menos mal, não é portanto um rufião que bate nos outros. Pois bem, avaliemos a razão da sua conduta. É um escravo dos seus desejos, pois ressabiado com a companheira, nada faz em relação a ela, mas não se importa de arriscar a sua vida interpelando um estranho, por causa de uma palhaçada bufa, sua responsabilidade.


 
Repete a pergunta, respondo que não, e ofereço para lhe pagar uma cerveja. Desarmado, recusa, mas antes de se ir embora diz-me que é uma tipa espirituosa e que é normal que lhe bata, que o humilhe e que faça espectáculos em público.


Respondo «-Nah mate, she’s just no good. A spoiled little brat. »
Só depois de ditas as palavras me lembrei que o esforço de apaziguamento se fora pela janela fora, e que não havia maior cliché que andar à bofetada num pub de Glasgow.



Surpreendentemente, ele regressa à sua mesa, e senta-se taciturno, sem qualquer alegria anteriormente expressa.


Ao senti-lo ainda mais vulnerável, a tipa esfrega-se nos gajos do bar, olha para ele a ver se aumenta a reacção, e se o reduz ao mínimo que como homem ele admita ser. Ao ver goradas as tentativas, é ela que se frustra cada vez mais.


A sua amiga olha para mim, percebendo que o que eu dissera é que provocara a tal reacção nele.


Provavelmente era alguém igualmente preso numa relação de igualdade com a ronronante borboleta de manipulação que do balcão passa aos tipos que lançam setas, reticentes em a repelir ou abraçá-la para impressionar os amigos.


Abandonados os dois pelo ponto de referência, pouco ou nada falam. A loira natural levanta-se para ir ao wc e quando volta senta-se ao meu lado sem pedir. Olho com cara de surpresa, enquanto se apresenta, e pergunta que havia dito para o deixar assim, sombrio.



Lá confidenciei a minha ideia de que há carta branca sem qualquer censura à mulher apenas por ter uma vulva no meio das pernas. E que alguns homens têm a vulva no cérebro.


Ela ouve o que digo, como que se relembrando uma música antiga. Inadvertidamente ele senta-se à mesa, farto de estar sozinho, e pede desculpa por antes. Eu respondo que tem de pedir desculpa a ele por se deixar desrespeitar assim, fica incomodado mas não responde. Ambos perguntam de onde venho e quando respondo dizem que conhecem porque já passaram férias no Algarve nos anos 90.


Perguntam-me sobre o que estou a ler, e ele volta a perguntar porque disse o que disse sem os conhecer. Respondo que se ele imaginasse um homem a fazer-lhe o que ela lhe fazia, de certo ele não tolerava. Sem que ele esperasse, dou-lhe um estalo na cara.

Ele fica sem reacção sem saber o que me fazer. Vejo o sangue afluir à cara, e os olhos a ficar com as pupilas retraídas, o que indicia a reacção do mecanismo fight or flight e vou dizendo que estas reacções que está a sentir no seu corpo são por causa de eu ser homem, nem sequer competidor pois nenhum interesse tinha nela.
 
Expliquei que ele anulava parte do auto-respeito para poder continuar com ela sem ameaçar uma relação que apenas existia na cabeça dele.


Acalmando-se pela racionalidade com que eu explicara, calou-se e olhando para mim com olhar trágico, conformou-se por saber que a farsa que vivia não estava oculta, era visível de fora e portanto não podia ou valia a pena continuar a fingir.


Levantou-se, pagou e foi-se embora enquanto a sua companhia estava sentada na mesa de bilhar a mostrar a mini saia a um dos jogadores.
A outra, perguntou-me porque fui tão áspero com ele.


E eu disse que não havia sido. Ela reverte para o mesmo registo, dizendo que a amiga era wild, e eu respondi que não. Era doente, e que provavelmente interiorizara desde criança, que cada mulher é feita de um barro diferente, superior ao de qualquer homem. «-She’s just spoiled».


Disse que se calhar eu tinha razão. Compreendi que ficara sentada para não alinhar nos jogos de sedução da amiga, e foi possível perder-me nos seus olhos azuis, animando uma conversa agradável na qual só pensava tirar-lhe a roupa e comê-la até ter de parar até beber água ou ter cãibras. Parece que adivinhou, e perguntou-me no que estava a pensar. Respondi que me censurar por ser áspero e que não ia ser de novo acusado de tal, por apenas dizer a verdade. Insistiu, revelando que a primeira acusação era apenas para estabelecer se eu era alguém que pedia desculpa por existir.

Disse-lhe a verdade.




Ficou corada e disse que morava a 10 minutos a pé desde o pub.
De manhã, a luz do Sol entrava pelo vidro duplo adentro, era tudo branco, a cama, o quarto, as guarnições de alumínio das janelas e das portas.

​
A sua pele branca era visível por causa da visibilidade do sangue por baixo. Fui lambendo e soprando, pelas coxas acima, à procura da sua boca, na ansiedade de a ver de novo ofegante.
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Qual chorar, estou feliz

11/7/2021

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O som dos graves sentido no fulcro do peito fazia confundir as arritmias por amores passados, com o ritmo da música.
O gin tónico que eu levava na mão sobreviveu por metade por entre os encontrões do balcão até à pista de dança.
Arregimentei uma coreografia na paisagem nórdica para poder exorcisar os demónios que me impediam de fruir uma aspiração antiga agora concretizada.
Assim que o sabor amargo etílico se intrometeu entre as minhas sinapses, soltei-me e enfeitiçado por uma anacrónica bola de espelhos movi-me como se sozinho num estabelecimento de entertenimento público.
O rodopio de luzes fugidías fazia desfilar os rostos de amores passados, e a cada nova face era como se eu recebesse um soco, um empurrão, um pontapé.
A princípio indiferente, a acumulação começou a deixar-me dorido.
Sempre que tentava ordenar à minha consciência que se submetesse a um operar sóbrio, as luzes vibravam mais rápido pelas paredes do tecto, e quando um sentimento de dignidade calhou em emergir, resolvi ripostar na direcção da dor que se assinalava na minha pele.
Reagindo, parece que aumentava a quantidade de dores que o mundo me dava.
Ri-me e por momentos senti-me lúcido o suficiente para me rir desta relação directa entre mim e o mundo, e eu nele, a ele reagindo, como que lhe chamando filho da puta, tens de me respeitar porque não tenho medo de ti.
Ri, e acabei por sorrir e a dor tornou-se mais suportável, por me sentir capaz de aguentar aquilo e muito mais, a natureza das pessoas, a indigência moral a que me conformei para poder viver com as minhas amantes, tudo relativizado pela experiência espiritual da minha relação comigo e das diversas formas como posso olhar para as coisas.
Foi como uma viagem no tempo, digo-te, eu era assim quando puto, ainda isento de desilusões com outros e comigo.
E os gritos em surdina acalmaram, e o silêncio tornou-me consciente da minha dança solitária. 
Ao abrir os olhos, vidros partidos por todos os lados, 4 tipos prostrados no chão e duas tipas agarradas à cara a chorar encostadas a um pilar.
Senti a boca dorida e não conseguia por algum motivo abrir o olho esquerdo, e tinha o braço direito a jorrar sangue por alturas do antebraço.
Os dois seguranças pediram ajuda ao porteiro, e agarrando-me por trás, levaram-me para a porta das traseiras da discoteca e empurraram-me com força para o chão molhado da estrada matinal.
A minha companhia vociferava bem alto, um dialecto alienígena, suponho que ou censurando ou perguntando se eu estava bem.
Levantei-me, enrolei o lenço de peito em torno da ferida no braço, e continuei os passos de dança, estrada fora em direcção ao Sol nascente. A dança só acaba quando eu não me conseguir reerguer de novo. Não tenho medo de ti.
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