Não sei como é para ti, mas para mim escrever é uma forma de expressão introspectiva que me torna mais claro a mim mesmo. Escrevo para me entender a partir de uma visão interior ruminada em que a consciência se dobra sobre si própria, ou de outra forma, usamos o nosso ‘olho’ interior para ter acesso à nossa vida espiritual. O risco que se corre quando se usa alguém como ilusão, é que a partir de determinado momento confundimos o conteúdo da cogitação com a própria cogitação, e desta forma o que penso sobre ti não é mais do que como penso, e o que penso sobre mim. A partir de ti.Existe sempre um quid que coincide com o original. Há qualquer coisa de ti, que captei com a minha observação, e nestas coisas a minha eficácia está perto do total. A partir do momento em que soube que existias, cumpriste o teu papel imaculadamente. Por estúpido que pareça não tenho palavras para agradecer o facto de existires. Nada tendo contribuído senão ir soltando uns novelos de corda para enforcados, o habitual nestes casos, foste uma preciosa tábua de salvação. Eu continuo com a crença infantil de que se pensarmos muito em alguém, esse alguém de certa forma corresponde a essa energia pensando algo em nós. No teu caso não podia estar mais enganado. Apesar de agradecer pela tua existência e estares viva, desde a primeira interacção que percebi que eras incapaz de empatia amorosa para comigo. Tens uma relação exclusiva com o teu ex-marido no sentido de que justificas muito da tua vida com a captura de empatia alheia para o mal que sofreste. E manténs uma relação monogâmica com a tua visão do mundo e os homens com cabeça de cão que frequentas fazem parte desse fresco com que te proteges do que jaz fora da tua zona de conforto. Receber atenção e pena é uma forma de captar energia e camaradagem, e isso basta-te tal como basta colocares umas citações avulsas nas fotos de perfil em rede social, para se simular uma vida interior. Não, não estou a dizer que és básica ou pouco dada a debater intelectualidades, apenas que as nossas concepções de importância e profundidade diferem, e isso é uma cruz minha. Toda a impressão, boa, que causaste a início, resvalou na contradição observada entre a pessoa que me contaram que eras, e a que aparentas ser. A tua frontalidade não é frontal, é apenas placebo em forma de falar alto e sem tacto. Não, não és bruta, és emocionalmente obtusa. Não, não és frontal, desempenhas apenas a persona que escolheste. A facilidade com que escalas argumentação inócua revelou desde cedo que tinhas outras opções e estavas no terreiro apenas pelo biscoito. Ninguém parte rapidamente para a histeria se tiver algum interesse no interlocutor. Aprende isto, pode ser útil para a próxima vez que queiras manipular alguém. Não houve uma expressão emocional nas nossas interacções que fosse do teu lado assinalável. Desde cedo ficou patente que a atenção que te era dada não era apreciada de um ponto de vista empático, mas como forma de captar validação. Como costumo dar sempre o benefício da dúvida na melhor natureza de outrém, fui negando, contra as evidências, que és aquele tipo de pessoa insidiosa, insegura e sedenta de séquito, que faz render o peixe sob a maior panóplia de justificações como forma de manter o outro em suspenso e ir recebendo a validação que ocorre através da manifestação de interesse. Nem foi propriamente isso que desiludiu, mas a falta de originalidade do processo. Joana pertence a uma falange de pessoas que também a encoberto de uma consciência, acha que quem não consegue captar o seu respeito, é imbecil. Não me conseguindo ter respeito, quem sabe por ter o luxo da opção, achou que o joguinho desenrolado na sua cabeça seria de todo ignoto para outros. Sarcasticamente, mesmo que acredite nas capacidades intuitivas do 12º signo do Zodíaco. Odeias os sentimentalismos como me disseste, mas enganas-te na razão desse ódio. Não é por seres adulta ou emancipada que não suportas sentimentos agudos noutros, nem por considerares um exagero fútil. Apenas porque és incapaz de te deixar ser arrebatada, tudo em ti é controlado e freudianamente anal apesar do contrário que tentas desesperadamente projectar. Pertences também ao crescente grupo de pessoas que tem o coração petrificado para com seres humanos do sexo oposto, e palpita-me que tem a ver com os altos emocionais que tiveste outrora, o que revela falta de capacidade de encaixe e inteligência, até para com a possibilidade de felicidade na tua própria vida. (Qualquer gajo que te entre pela vida dentro depois de passar os crivos da tua mundividência seca e a priori definida, provavelmente encontrará um deserto de emoções de ti para ele, a partir do momento - célere- em que deixes de regar a palmeira. Provavelmente dirá que Joana Mel é um belo biombo, sem nada por trás contudo...-passo a expressão) Um pouco como quem esteve na Guerra do Ultramar, não se assusta com foguetes de bailarico de bairro. E isto nem tem a ver com o que (não) se passou entre nós. Tem a ver com a observação, limitada, que fiz de ti, nos momentos que tivemos para 'nós'. Tudo o que sai da boca de um Peixe com Ascendente em Caranguejo, devia ser considerado um teste.E toda a minha atitude foi um teste, é sempre um teste porque sou observador dos outros e de mim nas relações que estabeleço com eles. Aliás, bastaria teres tido um pouco mais de vagar e curiosidade na leitura do primeiro texto que te enviei, para perceberes neste espaço o teu papel de cenoura e marioneta, no meio de outras marionetas passadas a escrito. Vivo neste mundo como numa gigantesca peça de teatro, fazendo como Pessoa, que finjo aquilo que na realidade sinto, digo e faço. Não me posso queixar de que ninguém me conhece porque nem sei se há algo a conhecer senão um enorme biombo, muito belo, no entanto sem nada por trás. Para haver algo teria de haver determinação de conteúdo, mas a mim o que dá pica é apreciar os processos e padrões, de pensamento e comportamento dos meus semelhantes, e entender essa força em mim. Talvez eu seja tão inacessível a mim como tu também foste. Não existe opacidade no teu ser, no de ninguém aliás. Existem capacidades de interpretação variáveis de acordo com o observador. A única desilusão em relação ao que vivemos vem das ideias que vejo rapidamente feitas por ti enquanto avaliadora. O teu desprezo por uma declaração de intenções demasiado vespertina e frontal. Gostas do jogo e respeitas quem joga, não apanágio de gente directa e honesta. Quem joga mal cai na tua categoria de ‘palonço’. A única variável que não controlei foi exactamente a de saber da existência de outras opções. O que agora faz muito mais sentido. A minha falta de informação vem justificar a opinião estratégica que tomei. O teu comportamento flaky também aparece justificado a esta luz. Com esta informação teria tomado a opção de continuar a ignorar a tua existência como temos feito mutuamente até aqui. Mas até foi giro ver-te a marcar e desmarcar encontros como mulher que se acha adulta, e a projectar sempre no futuro o prémio da tua presença. Quando te chamam a atenção para o comportamento menos feliz, vitimizas a tua pessoa e fazes ultimatos. Engraçado. Controladora indefectível da própria empatia e espontaneidade, mas tentando manipular as emoções de outros com o batido truque da projecção de culpa. A um acto de preocupação genuína, claro que originado pelo interesse egoísta na tua existência, respondeste com vários ‘obrigado’ como se quer o carácter egoísta do acto, quer a normalidade do mesmo merecessem esse teu distanciamento aparentemente cordial. Assim se jorrou fora o fio de àgua dos nossos acontecimentos, o jantar em tua casa seguido do primeiro beijo e do acordar juntos Sábado de manhã.Da hora passada em silêncio olhando apenas olhos nos olhos. Da noite de cortejamento, ao frio, de mão dada no CCB, da tarde passada em Estremoz no largo, a apanhar Sol de Inverno e a partilhar o caminho da nossa existência. Das conversas a alta noite sem planos de futuro que convencessem, e até dos afagos e das perguntas que nunca deste ou fizeste. A melhor maneira de testar alguém é ceder algo de forma ou muito fácil ou muito difícil.É mais fácil descarrilar com a facilidade, o espírito está mais à vontade, desvaloriza mais profundamente e assim obtemos a mais nítida imagem de como o outro reage nesta charada a que chamamos ‘mundo’. E no entanto Joana é mais doce que o Mel. Num qualquer universo alternativo que não o meu. Disse-te ao ouvido na pastelaria no Rato, «-Nitimur in Vetitum», embrenhando meu nariz entre os teus cabelos até à tua orelha. Obrigado Joana, por estares viva e seres quem és. Nada precisaste fazer senão existir. Foste um dos degraus no reerguer do espírito. Mas ambos sabemos que nada fizeste, apenas na minha cabeça andaste incansavelmente no papel de cenoura. Foste o meu fabrico de moeda falsa, aquilo que segundo Nietzsche distingue os fortes dos fracos. Ou seja mentir. Foste uma das mais úteis mentiras que eu disse até agora. Beijo. Post scriptum em tom de desabafo manifesto: Acerca dos campeonatos sem fundamento. Acerca das invejas e do olho gordo. Acerca de uma pessoa querer morrer e nem para isso ter tempo. Acerca dos dilemas, dos mal entendidos e das ilusões. Acerca dos limites onde começam os espaços de uns e acabam os espaços de outros.... Acerca dos aprioris, das faltas de discernimento, e das aprendizagens úteis. Acerca das interpretações, curiosidades, e telefonemas anónimos, das ameaças veladas perante o desespero de apesar do dinheiro mandar nesta merda toda, não é ele a quem obedecemos. Ou é mas isso chamam-se escolhas. De mim apenas dependem, as minhas. Acerca da capacidade de sermos felizes e gratos e cegos por convicção. Ou de Olhão e da Boavista mas com propósito. Acerca da capacidade de se poder além de ver, reparar. Acerca dos vivos inconvenientes, dos indisponíveis, dos mortos que nos fazem falta e o pequeno espaço fulcral onde existem e estão de pedra e cal os que nos querem. Acerca do número de vezes em que Deus é o nosso melhor amigo e nós conseguimos ser o nosso pior pesadelo. Acerca da consciência, aceitação e compaixão de nos assumirmos na nossa verdade. Acerca de nunca deixar em mãos alheias o projecto de sermos, com tudo, para tudo e em tudo. Acerca do que cada pessoa tiver a coragem de definir e honrar. Acerca de : Não existo para competir com ninguém. Apenas e felizmente, para me, superar. "it's not what I can get, but what I can, and will, by all means, Give" ass.: Joana Outro contributo facultado sem saber pela esquila, alargamento conceptual da ideia de righteousness. Já não só aplicada a outros como forma de ascese para a superioridade moral, mas aplicada a si própria, como forma de exaltação de uma liberdade e superação do fraco ser perante as forças que supostamente o esmagam. Uma espécie de sentimento de sublime, contrafeito, plasmado da Kritik der Urteilskraft. Ou por palavras mais acessíveis, abraçar-se a si mesma e dar palmadinhas nas costas. P.P.S. = quão curioso é quando esta Gémeos, tão flaky previamente, se torna tão próxima por causa de um post num blog ignorado pela esmagadora maioria de internautas, especialmente tendo em conta que é um espaço dedicado a expressão literária.Joana, és uma fofa, mas às vezes tens de ser mais humilde.Beijo grande. (mais uma história para contares às amigas como sofres com o mundo...aposto que vais ter resmas de empatia pena e admiração por conseguires aguentar tudo, menos um café com o je, caso o desejasses, claro.) P.P.P.S. = Análise conceptual da pérola literária acima citada
Portanto a partir do que a palavra denota, existe sempre um fundamento para o ‘campeonato’. Talvez a expressão pretendida fosse «Acerca dos campeonatos de x indesejados ou injustificados.
Ninguém está indeciso entre um Big Mac e um suicídio indolor. Portanto, não ter tempo para morrer significa que querer morrer não representa um fim absoluto, mas algo de relativo, o que portanto conta na expressão é o dramatismo, que visa captar a atenção. E invariavelmente, pois queremos-te cá por muitos e bons anos.
Pobreza de análise de conceitos, pois os limites se coincidentes, por exemplo o direito de respirar, não criam uma fronteira mas uma união. Pensar não é difícil, caso se goste.
Aplicando análise estatística à quantidade de vezes que alguém profere determinado conjunto de palavras, e analisando a sua linguagem corporal, podemos perceber o que constitui um valor para esse alguém, mesmo que tente projectar uma imagem do inverso.
Se os que querem outrém estivessem num pequeno espaço fulcral, de pedra e cal dispostos, nem uns teriam a sorte de ter clube de fãs, nem outros a sorte de sofrer ameaças e insultos electrónicos.
É algo de evidente que não carece de aceitação. Compaixão por nós, por nos assumirmos na nossa verdade? Mas é um factor exaltante, degradante ou neutro?Se corresponde à aceitação de quem se é com todos defeitos e vícios significa a um mesmo tempo a aceitação da nossa humanidade e da nossa incapacidade em melhorar. A não ser que o defeito se torne num indicador daquilo que temos de melhorar. O que, escutando a convicção da personagem analisada, não é o caso. Tem uma cristalização egóica que valoriza, tomando seus defeitos como as virtudes que a permitiram sobreviver neste mundo tão perigoso como a savana africana.
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Acto 2 – Tu
A porta fechara-se atrás de nós assim que entrámos no elevador. Como não possuis pinga de espontaneidade fui eu que aproximei a minha cara da tua e analisei o semblante. Olhavas meus lábios. Encostei-os aos teus. Felizmente não exprimiste nenhuma postura de ‘sou difícil’ ou ‘é complicado’ o que facilitou a integridade do meu beijo como expressão do sentimento de comunhão contigo que naquele momento senti. Foste tão natural a tomar a minha boca na tua como se o tivesses feito desde sempre. As minhas mãos entraram pelo teu casaco dentro tacteando a tua carne e seus contornos em redor das costelas flutuantes e aquele vale logo acima do limite das calças e da coluna desguarnecida de vértebras logo depois do teu rabo. Abri as palmas das mãos para ter mais área de pressão e puxei-te para mim. Ambos a receio tacteando a reacção um do outro, para perceber quem largaria a boca primeiro, para evitar sinais de sobre arrebatamento. Agarrei as tuas duas mãos, olhei-te nos olhos e ri-me. Olhaste-me expectante sobre o motivo do meu sorriso. Perguntei-te «-Tens de ir já para casa?» Respondeste «-Não me posso demorar muito, amanhã trabalho cedo.» Farto de mendigar por bóias e pontos de fuga, lembrei que a única coisa que um beijo concede é uma troca de saliva, e que todo o controlo é uma ilusão. Uma onda de indignação morreu na praia em mim, afinal não me posso esquecer que estou de castigo pelo mundo. Então confessei:« - Tenho uma fantasia contigo desde que te vi e que gostava de concretizar.Gostava de fazer algo único que te faça lembrar de mim quando eu cá já não estiver, pois tudo o que fizermos até eu partir nunca mudará a tua decisão já tomada de não te envolveres com quem só amiúde poderias ver trimestralmente.E sei que o impacto da minha presença não foi suficiente para alterares o padrão de estabilidade que tens agora, garantido, confortável conhecido e medíocre como uma tépida manhã de Domingo.» O teu olhar tinha alguma coisa de triunfante, parecias adivinhar o que se seguiria na minha boca, afinal as tuas presunções acerca do mundo não existem, são apenas certezas empíricas e apodícticas, e um pequeno esgar de desconfiança parecia indiciar que achavas que a fantasia tinha a ver com sexo, colocando-me no longo rol de paisanos que te cantaram a canção do bandido. Parecias contente porque afinal a bruma que eu parecia emanar se dissipava sem notoriedade garantindo um biscoito ao teu ego, por ser tão inteligente a decifrar segundas intenções. Afinal o gajo que parecia interessante era só mais um pavão com penas emprestadas. Respondeste: «-Fantasia?Já? Que fantasia é essa?» Olhando para a porta do elevador que entretanto parara no piso 0, escondi a minha cara do teu olhar e respondi: «-Gostava de fazer toda a marginal até Cascais de mão dada contigo.» Olhaste-me com o mesmo olhar gasto com que se olha a repetição das desilusões, mas algo em ti lembrou-te que de facto era inédito, por tão imbecil que era tal enfadonha aventura no teu currículo de cortejamentos, que são sempre mel nos primeiros meses. «-Acho inapropriado e a esta hora e com este frio não vou andar no calçadão no escuro.É frio, perigoso e tenho de trabalhar amanhã.» Respondi:«-Não, vamos de carro.Até Cascais e voltamos logo. É num instante.Tens alguma graça mas nem tu me metias a andar de mão dada na Linha.» O «não» que se afogou na tua boca foi mais afogado pelos 4 copos de vinho tinto que beberas previamente que por uma genuína vontade de partilhar um cliché que não respeitavas. A negação não saiu, como eu estava à espera que saísse, porque a desilusão entre as primeiras impressões e o provincianismo da fantasia a concretizar criaram um fosso de frustração em ti, como em todas as mulheres nestas situações, que já não é aplacado com negações mas com rituais de imolação sacrificial em lume brando de humilhação. De forma a que o tipo que desiludiu perceba bem fundo a mensagem da sua inadequação. Disseste a rir: «-Ok.» Aproveitei a deixa e puxei-te de novo para mim, abocanhando-te os lábios como se fossem máscara de desfibrilador, esmerando-me no bailado da língua de forma a garantir-te como horizonte de fuga, como praia caraíbenha para este náufrago prestes a ser colocado no meio do deserto que atravessa. Um claro pensamento masculino, toda a manobra pode terminar de imediato por vontade do corpo que sorvemos portanto cada momento pode ser o último. Por isso te agarrei gentil e vigorosamente pelo pescoço trazendo teu rosto para perto do meu, fazendo pairar o meu nariz sobre a tua pele sentindo o calor aromatizado que a derme liberta, um calor com o teu cheiro. Passando a mão do pescoço para os cabelos que os meus dedos percorreram lavrando como charruas a floresta negra acima do teu escalpe. Ainda sem colar os meus lábios nos teus lábios carnudos, colei a boca pairante nas imediações das tuas maçãs do rosto, onde concentras boa parte da tua sapiência cosmética. Não, não era uma falha na tua armadura, mas uma verdadeira ponte para o autêntico ser que deves ser (aquele que és quando ninguém te observa). Mas também uma canalhice minha de forma a manipular-te a pensar que o prazer que retiro do teu rosto tem noção das imperfeições que ignora. Que se lixe, perdido por 8 perdido por 80.Na tua longa galeria de idiotas que já esqueceste, há sempre lugar para mais um para meter em conversas onde é preciso rir mais as amigas. Tinha a barba desfeita e portanto deu-me prazer roçar meus lábios, e rosto em redor, de olhos fechados nas mesmas áreas da tua cara raptando para dentro de mim sempre que possível a tua expiração que avidamente capturava, porque era o cheiro do teu interior expelido pelo teu pequeno nariz. Nada mais se pode comparar ao sopro de dióxido de carbono e vapor de àgua que saindo procura libertar-se na atmosfera para se ver aprisionado de novo nos brônquios de outrém desta feita despojado da essência aromática que foi razão da captura. 11 da noite e eu armado em Grenouille, procurando traduzir em impulsos eléctricos no cérebro, as sensações de prazer que a análise do teu cheiro interior me traziam da massa recôndita daquilo que és. A tua pele era suave como toda a pele que é tratada com cremes diurnos e nocturnos. A merda dos brincos circulares que trazias impediam-me de aceder às tuas orelhas e além, onde geralmente o cheiro do perfume não chega. Subitamente, como acontece a qualquer nascido sob o signo de Marte, olhei o terreno sagrado do teu corpo e em especial da tua cara, como campo de batalha lavrado pelos olhos, boca pele e dedos de outros homens que te agraciaram com o seu amor. A lógica nega isto, naquele momento, naquele contexto espácio-temporal, dizia-me ela eu ser único. Não gosto de misturas ou de multidões acima de 2. Ego inseguro este, e possessivo, que nem levantava o rabo do sofá. Um ser humano real, como pareces ser, tem história e abençoa essa história, pois foi ela a razão da chegada a cada momento presente. Cada momento coevo de felicidade é resultado de um caminho que não pode e deve ser amaldiçoado. Ri-me de novo. Como mudei ao longo dos anos. O pensamento de outros já não me irrita e assombra pela comparação insegura, antes me tranquilizando de que a pessoa que está à minha frente, sendo psicologicamente equilibrada, trilhou um caminho. Antes olho agora, para a sucessão de amores idos como para ruínas deixadas por civilizações antigas.Gloriosos amores passados que o devir lavou nas àguas do tempo, ou que se repetirão em eterno-retorno pela eternidade. Isso é prova de que sentes, porque sentiste, é prova que amaste porque foste amada, significaste algo para outros. Isso não pode ser mau. Por um momento pareceste estar realmente comigo.Algo dentro de ti parecia estar em conflicto, e eu nunca te roubaria de outro, nem mesmo dos outros nas tuas memórias. Uma palpitação em mim assinalou o gozo extremo de ver a tua cara séria e concentrada que prenuncia o arrastamento de todo o teu ser, da desconfiança e da jocosa distância para mais perto de mim, espelhando no teu rosto a necessidade de reviver em mais um ciclo, um amor que resgatasse todos os anteriores e desse ainda que por momentos, a ilusão de que a individuação vale a pena quando alguém está prestes a amar-te incondicionalmente. O triângulo formado na base pelos teus lábios e cujas arestas rectas como mãos levadas ao céu terminam pouco acima das tuas narinas estava nitidamente vincado, não sendo um gesto pensado mas puro sem máscara de persona. Eu havia provocado alteração na tua indiferença. Mas todo o controlo é ilusão, e o que corre dentro de ti é-me totalmente inacessível. E no entanto havia mais verdade naquele teu olhar triste que nas erupções de programação neurolinguística de positividade forçada. A glorificação da alegria pela alegria é como escolher um filho entre dois. É que a tristeza é a única coisa que dá profundidade ao que somos e carácter épico à nossa existência. As crianças que cresçam à sombra dizia Saramago. E na sombra desses olhos castanhos penetrei com o olhar e vi uma verdadeira faceta de quem és, naquele lamento existencial de quem não esquece a falha tectónica entre uma dor acerca do mundo e a sua própria vida. Finalmente havia encontrado uma aresta deste ser. Joana era humana e não uma ficção validada por outras ficções. Eu ainda não lograra uma erecção. Geralmente o toque ou a troca de expirações quentes faz o truque. Mas ainda hoje não sabendo porquê, aquele momento retinha um capital de significado que não consigo explicar. Seriam as expectativas em relação ao ser ignoto, novidade, que defronte mim se apresentava anónimo? Seria a novidade e a promessa em surdina de uma noite de orgasmos que traziam carácter distintivo à coisa? Não. A clarividência como alvorada havia trazido para a minha consciênciaa urgência de significado acima de todos os critérios. Especialmente em relação ao orgasmo que morre logo ao nascer, desaparecendo mumificado para sempre e de forma anónima na memória. Quantos orgasmos dos que já tivemos, podemos distinguir na sua unicidade irredutível? Sob certo ponto de vista apenas recordamos um único orgasmo e desejamos o próximo que se assemelhe no melhor possível. Hipnotizado pelo sinal na ponta do seu nariz, procurei auscultar as suas vibrações, perceber se a galeria de homens que tinha em si sepultados, representavam degraus para um frágil ego ou uma forma de dar sentido a Cronos...ou se de facto eram expressão de arrebatamentos sazonais. Meteu a mão no meu queixo elevando-me o rosto e perguntou:«-O que foi?» Eu disse: «-Nada, estou a fazer-te o perfil.» Qualquer conquistador passado ornado de genocídios olhou para territórios desconhecidos com a mesma insegurança com que eu olhava agora. Mas sou um homem ou um rato? É o meu espírito assim tão fraco que uma rejeição ou um jogo de donzela de corte me joguem pelo chão como palhaço circense? Claro que não, mas há sempre um período de refracção após um uppercut que quase te deixa K.O. A consciência deambula zonza enquanto a massa encefálica se recompõe do choque contra as paredes do crânio que a delimitam. Mas passo a passo, lentamente vai recuperando e ganhando controlo que é uma ilusão, sobre o seu pretérito e actual reino. Que se foda.Sou mais forte que o que gosto de pensar. Tudo o que preciso está em mim e a minha integridade supera os joguinhos palacianos que aprendi a reconhecer. Tomo-te como a todos, como geradora de acções honestas e bem intencionadas, até prova em contrário. Fiquei sem saber se de facto sentia o que pensava ou se era o cabrão do macaco a manipular-me no sentido de justificar sob qualquer luz, o esperado salto para a cueca, ou para o abismo, o que vai dar ao mesmo. Mas lembrei-me de um texto teu Joana, em que dizias: «-Jamais voltarei ao que fui antes de ti.Só por isso (exactamente por isso), obrigada pela lição de vida.» Lembrei-me que ao ler pensei que quem pode ser assim tão ingénuo, não tem capacidade ou inclinação para representar peças. A ingenuidade não é defeito mas depuração de espírito. Como que se a erosão provocada pelas dores e desilusão fosse comparável à acção do escultor de bloco de mármore. Apanhar pancada não nos torna melhores, apenas mais cautelosos até que já velhos não dançamos à chuva por cautela pela pneumonia. O medo venceu finalmente a natureza revolucionária e irreverente, jovem, do mundo pujante que cada um de nós é ou foi. Não, o rio torna-se largo e descuidado, tendendo a ser no fim, planície.Porque todo o poder abrasivo das rochas que o percorrem, o deformam. A pancada não nos ensina nada, apenas no deforma. Não sai nenhuma estátua, apenas a autoaniquilação do rio das nossas vidas. Foi nesse momento, que te abracei com força, contigo exclamando :«-Oh!» Apertando-te forte contra mim corria o risco judicativo de acentuar a tua opinião sobre mim de inadequado. Mas, estava a leste disso. A epifania que me proporcionaste naquele momento foi como a abertura de um portal de cristal entre mim e o númeno do mundo. A urgência da ameaça de teres de acordar cedo lembrou-me que faltava caminho. «-Vamos?É rápido a esta hora.»- perguntei. Apreensivo porque um beijo nada representa, o controlo é uma ilusão e a partir de certo grau de experiência facilmente desenvolvemos limitadores de velocidade dos sentimentos, há quem lhe chame responsabilidade, outros maturidade. Humano que não possaser arrebatado pela promessa da tua presença não te deseja como eu te desejei. Surpreendeste-me dizendo: «-Vamos.». Às vezes ir contra nós é a única forma de exprimirmos quem somos. Assim o interpretei, consciente de que cada hora mais sem dormir seria um prego maior no caixão do teu dia de trabalho seguinte. Nada em mim se alegrou pela aparência de bom encaminhamento no acesso à vulva.Fiquei até irritado com esta ideia que emergiu por si, oriunda do macaco. Naquele momento bastava-me prolongar a tua presença para compreender o real efeito dela em mim. E estava preparado para mais um corte habitual da tua parte. E senti que o prémio era eu, e não tu. Finalmente a minha espiritualidade sobrepunha-se ao hipotálamo. Sentia-me uma pessoa melhor, só por estar perto de ti. Já na A5 acelerando quebrei o silêncio de significado e perguntei-te se a tua indiferença era resultado da minha interpretação ou uma estratégia de sobrevivência tua, pobre coração massacrado pela Existência. Pareço estar condenado a achar que a empatia pela presença de outro pode surgir por mera acção da minha vontade, ou através de uma qualquer espécie de osmose da minha vontade para o outro. Mentalidade de náufrago. Disseste que não era estratégia nenhuma. O cabrão do macaco não se calava.Tornou lógica a ideia de entrar na marginal que bordeja o mar escuro e insondável lá à frente, a fazer mais perguntas que trouxessem certeza a algo indefinido como é sempre tudo o que ocorre no período de enamoramento. Perdido nesta luta para calar o dito, senti um toque largo pousar sobre a minha mão que engrenava as mudanças. Era a tua mão que colocavas em cima da minha com o delicioso e simbólico entrelaçar de dedos. O que qualquer gajo quer porque se sente desejado. A tal tipa ingénua não falhara, deixara mais uma vez arrebatar-se pelo seu coração, havia autenticidade nela, as ficções não lhe haviam determinado a identidade. Mais uma vez disposta q.b. a tentar a sorte na roleta russa da paixão. Levámos as mãos tão apertadas que o suór escorria por elas devido ao calor gerado. Foste a primeira a manifestar pudor em relação aos fluídos gerados, retirando a mão para a limpar. No rádio tocava o cd de singles dos Future Islands. A lua cheia fazia espelho na baía e parei o carro. O vento lá fora limpara as ruas de gente. Travei o carro, baixei a música e olhei para ti. Aquele sorriso característico teu, branco pelos dentes certos e boca franca, brindou-me como recepção. Nada de exasperação, enfado ou agastamento pela repetição de clichés. Ter-me-ia enganado? Teria interpretado mal a leitura a frio que fizera de ti? Seria algo de quase inédito. Estendi a mão em direcção à tua cara e afaguei-te a cara olhando para as passagens das costas da minha mão pelas tuas bochechas, de forma lenta e intencional como faria ao tactear todos os limites do teu corpo. Meneaste a cabeça inclinando-a de encontro à minha mão, e com a tua mão vieste tocar nos meus lábios com a ponta dos dedos. Voltei a ver o triângulo da seriedade na tua face, cuja soma dos ângulos internos sempre determina fingimento ou não. Não fingias, nem representavas, sentia a tua presença ali, no espaço e no momento. Peguei na tua mão e beijando-a trouxe-a para o meu colo, observando-lhe os pequenos e decididos polegares, bem como os outros dedos, grossos e proporcionais em relação à mão de onde partiam. Um abraço seguiu-se e depois dele a reedição mais ofegante do beijo.Desta vez os meus lábios e língua não se contentaram só com a tua boca, vagueando como bêbedos vadios as irregularidades da tua cara que lhe dão a graça que tem. O corpo que preenchia o interstício entre meus braços contorcia-se em direcção a mi e retribuía a exploração que eu próprio fazia, conhecendo a fisionomia dos teus lábios vistos pelos olhos dos meus, ao mesmo tempo que apertava os braços com as mãos confirmando a firmeza da massa que se lhes opunha. Finalmente uma erecção, a primeira do ano que ali se iniciara. O calor e cheiro do teu ponto supraesternal finalmente colocou a funcionar o velho e infalível motor de combustão interna que só precisa das velas incandescentes certas para funcionar ad aeternum. Deixaste de ser ponto de fuga e passaste a avenida. Toda a incerteza, desilusão, vitimização ficavam para trás enquanto ao apertar-te as nádegas te puxava para mim, bebendo a tua saliva como se fosse a maçã de eva em estado líquido. Desgrenhada a tua figura e cada vez me parecias mais humana, nada de poses, exercícios de estilo, para que os outros vejam. O teu rosto humanizara-se através de amassos com alguém a quem não eras indiferente. Ambos sabíamos o guião a partir dali. E no entanto disseste «-Pára.» cortando o cordão umbilical que nossas línguas haviam criado. E parei. Não foi preciso nenhum duche frio, já estava preparado porque estava a correr demasiado bem. Mas dois completos estranhos sem a argamassa das conversas de avaliação mútua, dificilmente são mais que dois corpos na mesma tesão. O meu Graal é o significado por isso não custou. Não é a vulva, essa coisa vulgar e às paletes por aí. Significado e significante porque só isso individua. Deste-me a mão e ficámos apenas a olhar um para o outro. Disse-te que já estava ansioso pela felicidade dos momentos por vir que nunca se concretizariam. Enquanto se saboreia cada momento da novidade, a ilusão da outra pessoa como algo diferente de tudo o resto experienciado até então. O castanho dos teus olhos pressagiou a promessa da aurora que assobiava através do canto cada vez mais frequente de pássaros, estar a caminho. O tempo passou demasiado rápido. E disseste que podias não ir trabalhar, afinal era fim-de-semana. Fiquei sem saber o que responder, mas vi que sorrias. Perguntei onde querias ir tomar o pequeno-almoço. «-A um lado qualquer.», disseste. «Deixemos passar mais algum tempo, que é coisa que não temos, a ver se abre algum café pelas redondezas.», pensava eu. Começámos o jogo de encarar o outro de olhos nos olhos, agora que a luz inundava tudo, e já se começavam a reconhecer de parte a parte as expressões faciais como consequências do que cada um ia sentindo. Sou muito mau neste jogo, demasiado expressivo, facilmente passando de cara em cara, a maior parte das vezes revelando o que sinto antes ainda de o pensar. Muito mais pétrea ou controlada oscilavas de sorriso em sorriso para uma cara de ‘surpreende-me com a palhaçada seguinte’ que reconheci como insegurança. Tentar controlar a ideia que o outro faz é e só pode ser insegurança, a não ser que seja método estudado para fins de manipulação, o que pela impossibilidade da coisa me parecia muito rebuscado. Desafiei-te: «-Se adivinhares o que estou a pensar vendo a minha próxima expressão, pago-te o pequeno-almoço. Se não adivinhares, pagas tu o pequeno-almoço onde eu escolher.Alinhas?» Disseste que sim, com um movimento de cabeça. Imaginei então que te despia e começando pelo casaco que facilmente saltaria fora, já passara pela camisola, pela camisa com demasiados botões e quando me aproximava da carne e sentia aquela ansiedade semelhante à que em miúdo sentia sempre que começava a ver o mar quando ia à praia, comecei a ver os contornos dos teus seios e imaginei as minhas mãos neles, e o som da tua respiração aumentar, isto para exagerar a fisionomia lúbrica do meu rosto para te pagar o pequeno-almoço. Estranhamente não reconheceste a cara de tarado que amiúde é a minha. Disseste não ter percebido em que estava a pensar ao pensei que te estavas a fazer de desentendida. Até o pescador lá fora que entretanto chegara conseguia ver a 200 metros que a donzela estava em perigo nas imediações deste predador. «-Ok.» - disse eu: «-Não ganhaste portanto eu escolho onde pagas.Certo?» «-Certo.» respondeste. «-Tens alguma coisa que se coma em casa?»-retorqui com um esgar de lábios manhoso que facilmente identificaste pelo que se via na expressão da tua cara. «-Tenho.Uns croissants fora do prazo e café.» «-Dá para barrar chocolate neles?», perguntei a fazer-me de difícil. «-Dá.» «-Então é melhor metermo-nos ao caminho, para se chegar a tempo decente, desta importante refeição.», gracejei. «-Vamos, eu dou-te as indicações.» «Buga.», disse eu. Desta feita não entrelaçaste a tua mão na minha até ao destino. Mas foi já da tua porta para dentro que te vi sorrir francamente de novo. Tirei o casaco e coloquei-o nas costas de uma cadeira da tua cozinha.Sentei-me e fiquei a mirar o novo habitat. Foste fazer o quer que fazes quando chegas a casa para ficares mais confortável e quando chegaste à cozinha meteste Gnutella e croissants do ano passado em cima da mesa.E foste fazer o café. E perguntas:«-Porquê croissants?» «-Porque isto faz parte de uma cena de um dos meus filmes preferidos, o ‘Bitter Moon’ ou ‘Lune de fiel’ no caso do romance.» Com cara inquisitiva perguntaste:«-Que tem de especial?» «-É a história de um amor demasiado forte, entre um escritor de 40 anos e uma mulher mais nova.O primeiro encontro carnal entre os dois ocorre frente à lareira pelo meio de café com leite e croissants.» «-Aqui não há lareira.» disseste com algum sarcasmo. «-Calculei, mas contento-me com croissants duros e se pensar no filme sinto-me mais em território conhecido.» «-Que estavas a pensar quando estavas a fazer a careta?» Respondi: «-Porque é que isso te interessa?» «-Porque sim.» «-Estava a pensar em todas as formas de te despir e de ter-te deitada com as tuas pernas passando em frente à minha boca e morder-te o tornozelo tatuado antes de suares em cima de mim.» Pousaste a caneca e com uma cara séria e desiludida olhaste para mim. Continuei:«-O teu pescoço seria por onde começaria, lambendo-o como se fosse o pé do profeta, traria todo o teu corpo nu de encontro ao meu como se fosses um edredom para tudo o que está fora de nós. Fechados neste pequeno e concêntrico mundo, aquecendo-nos apenas de nós e olhando apenas para nós.Esquece isso de que todos os corpos não variam o suficiente para que sejam tomados como diferentes entre si.A tua cara torna-o diferente e isso basta-me.Portanto as coxas que apalpo, as nádegas que mordo, os gémeos que lambuzo não são massas anónimas de carne tendão e nervo, mas braços abertos que irradiam a partir de ti.Tu, o quer que sejas és a fonte da minha tesão.» «-Tens de facto o melhor latim a Sul do Reno», disseste. «-Eu sei, e eu avisei.» Entregaste tua mão na minha, entrelaçaste os dedos e disseste: «-Bebe o café antes que fique frio.» Então disseste «-Conheces muito pouco acerca de mim, para fazeres esse tipo de análise, mas de presunções e pressupostos está o mundo cheio.»
A chapada.Não por castigo mas pela violência clara e unívoca de mostrar que por eu existir não se segue que aprecies a minha existência o suficiente para que tenha surgido algum esforço mais curioso. Mas és uma mulher que trata a vida por tu, subiu a pulso e com esforço e tás batida nestas mariquices, afinal os homens querem todos o mesmo e correm grandes distâncias para urdir sempre novos ardis. Outrora tentaria impressionar-te com a minha prosa testada pelos anos e pelas noites de pestanas queimadas. Agora só quero que assistas com a mesma distância e indiferença ao relato que surge para que me entenda e exprima. És a cenoura perfumada à porta de minha boca, que supostamente fará levantar o meu rabo e obrigar-me a escrever, comporta-te como tal. Escrever é o que faço, a única vocação que escolhi e assumi. Não és daquele tipo de pessoas gajas que perde muito tempo de volta de um texto analisando-o de fio a pavio, concedendo-lhe a boa vontade de ser deixado à solta dentro de ti para fazer estrago. Não, tu já decidiste a tua mundividência e só citas pedaços de textos de gente muito conhecida ou muito vanguardista elevada a ícone. Para ti as letras são para ensinar gramática.Algo de palpável no mundo duro da gente séria em que te moves. Nada de mal nisto.Há quem goste de soutiens, eu prefiro seios. É compreensível agarrares com tanta força a mundividência que escolheste e ornaste para ti. Vives na tua casinha de bonecas onde sopra vento,para lhe dar realidade intersubjectiva e validação ontológica.A forma como olhas para o mundo não visa abalar os teus alicerces. Fica-te bem dizer isso a admiradores e amigas, mas não, não te podes dar ao luxo de navegar à deriva no deserto.Não tens estrutura para isso, és insegura e gente depende de ti, e lutaste desalmadamente para fazer este presente do qual te orgulhas. Foste-me proposta como um desafio. E como náufrago desesperado procuro gente com personalidade como bóia de sobrevivência. Eu não acredito em desafios. Mas falaram tão bem de ti que decidi que seria bom ter-te como ponto de fuga para calar o macaco. Estava a contar contigo para me ocupares o pensamento. Mas cheiras sofreguidão a milhas. Fazes bem.Não conspurcar o teu mundo positivo e de alegria intermitente com gente que só te sorveria energia emocional, desinteressante e que nada coloca na mesa a não ser frases obscuras e de difícil compreensão. É verdade andam todos ao mesmo por mais variada que seja a conversa ou as armadilhas, ou as máscaras que colocam. E já decidiste faz muito tempo os limites em que se ordenam os homens que permites que estimulem o teu interesse. Quem tresanda fome não será alimentado.Ninguém me lançou bóia. A Providência parece fazer questão em ensinar-me sem atalhos, a lição que me está a ensinar. Há quem lhe chame dores de crescimento.Não o náufrago.Interpreta como se todo o mundo lhe virasse as costas num planeado intento de o castigar e fazer sofrer. Quando te abordei, o meu inimigo não era externo. Não, não era o mundo que me espezinhava embora assim parecesse. Era o meu sistema de suporte de vida psíquica. Como aparece no ‘Oldboy’, quando ris o mundo ri contigo, quando choras, choras sozinho. E eu só precisava de um bocadinho de engano, de me enganar com alguém disposto a ser ponto de fuga. E já reparei que gostas de dar corda ao futuro enforcado. Pior, sabes dar corda. A generalidade dos cachopos que compõem a tua experiência assim to providenciaram. Felizmente não és a única habilidosa no cordame. Eu já enrolei muitas vezes o pescoço em fibras de cânhamo. Sou extremamente orgulhoso e bem lá do fundo dos meus subterrâneos emerge esta força de auto protecção impossível de controlar, apenas se pode aprender a viver com ela. É ela que me tira as noites consecutivas de sono, que me aperta os mamilos do sofrimento só para ver se não adormeço. Credo, que dramático. Opera em torno de ficções, e bem analisada apenas pretende fazer subsistir o Ego. Mas claro que o mundo não ia colaborar comigo ou com as minhas necessidades, afinal, ansiedade destinada é destinada a ser cumprida. As tuas resistências, comportamento flaky, e indiferença geral foram no fundo a voz do professor da lição que aprendo, dizendo, caminha no deserto e sem atalhos ou paliativos. Por outro lado, espernear contra o destino é apanágio de estar vivo, e eu não sou cobarde em muitas coisas. Decidido a escalar o paredão onde se esmagam as ondas da tua indiferença salivante, coloquei-me a jeito de ser esmagado. Velha táctica, carregar de frente com a brigada de cavalaria napoleónica contra o teu desprezo ou desinteresse, e correr o risco de ser flanqueado pela superlativa demonstração de atenção não solicitada, o que me baixaria, como baixou, o valor que tenho defronte teus olhos.Para valores negativos e por isso obliteras a minha individualidade única e irrepetível com a tua presunção e pressupostos oriundos do juízo feito a priori, com as ideias feitas que deambulam dentro dessa bonita e torneada cabecinha. Por vezes tudo parece conspirar contra os nossos intentos.Que lição de humildade. Retirando a obra do macaco, o que fica é a mais profunda mágoa que é concebível. Mas também a certeza de que quem consegue sentir nesta ordem de magnitude e não sucumbir, é porque está destinado a ser imortal. Acto 0 – Intro
Aquele que tem fome não será alimentado. Este poderia ser um aforismo em um qualquer livro sagrado de uma qualquer religião. É de rir como louco, se pensar que a fria e ponderada razão é determinada por um cortex de mamífero. Por mais que percebas o processo, entendas a sua razão e tenhas a disciplina, quando o desespero te toma com toda a força do seu abraço, vais cometer exactamente os mesmos erros que sabes, conheces e cometeste no passado. Nós sapiens sapiens reconhecemo-nos uns aos outros a partir da expressão de um espectro relativamente determinado de emoções. A individuação é que fode a pintura toda. Joana, neste momento está a perguntar-se que raio é isto e como veio aqui parar. Presente nesta galeria de ninfas de Natais passados, quando nem sequer um momento de cumplicidade na mesma divisão, partilhámos. Joana é moça batida, não pela quilometragem, mas pela familiaridade com a dolorosa tarefa de ter que lidar com as suas dores e desilusões. Optou, algures pelo trajecto, adoptar a religião do +, coisa curiosa numa materialista dialéctica. Mas é o Zeitgeist e passar pela galeria de recuerdos dela, mostra uma afinidade com o seu tempo, sob a capa de que só se vive o tempo em que estamos vivos e que a alma e a eternidade são caprichos de quem não sabe viver. É assim que vemos os Converse da moda, o cabedal ostensivo, a cosmética sem defeito, as poses que revelam sensibilidade artística, os textos que parecem indiciar uma alma surpresa de existir em ameaços de introspecção. Pese embora os laikes dos friends para quem se destinam as confissões medianamente ornadas com corrente linguagem. Precisei de Joana como um náufrago precisa de uma bóia e como uma montra precisa de um manequim.O meu cerebrelo onde reside o macaquinho interior que não cessa de tagarelar e conspirar para proteger o Ego frágil, não se cala por um momento, girando como parafuso sem fim lacerando sem tréguas este terreno de carne já desfeito por bombas mal cicatrizadas. A presença de Joana por estes lados advém da impressão que exerceu na minha mente fragilizada e na minha necessidade de a reificar de forma a distrair a filha da puta da voz interior que não se cala por um cabrão de um momento. O Inferno não arde com demónios em pés de bode.O Inferno é a presença do dâimone dentro da caixa craniana não se calando revendo todos os ângulos, conspirando acções de vingança e epopeias de desprezo. Desde cedo que o meu melhor factor de motivação, ergo de distracção, é a vulva e o que a rodeia.Sou um gajo telúrico, admito e orgulho-me. Os que me chamam básico chafurdam no pó de arroz social. Não há nada de básico em querer ir sempre ao coração das coisas, e queria eu descobrir que coração esta Joana tinha. Joana, eu precisava de usar-te para me distrair.Tomei-te como manequim opaco pintado de esmalte branco, sem expressão, a quem visto com as roupas que vou inventando. Tive mesmo de me entregar a falsificar moeda falsa sob pena de sucumbir à depressão que decorre de ter sido assassinado por fogo amigo. Mas como tu, que vezes sem conta e outrora, renasceste das cinzas eu sempre sei que sou indestrutível.Vergo e vergo bem, mas nunca quebro. Não foi apenas o teu rosto bonito e a minha necessidade de ponto de fuga que me chamou a atenção. A quantidade de aparentes contradições que se podem testemunhar numa leitura a frio são interessantes. Até porque como missionária do + e de tudo o que o neurolinguismo tem para oferecer junto com aspirinas, o teu perfil de Facebook é altamente trollável. Logo aí revelaste inteligência ou resguardo. Desconhecendo o artista só podias ser cautelosa tendo em conta os olhos e dedos que fazem do teu perfil de rede social uma casa de família e amigos. E como eu consigo borrar essa pintura de positividade, esse fresco de optimismo abnegado que elaboraste a partir do zero absoluto, como catedral da sedução para a vida. Alguma vez permitirias que um tipo cáustico, ácido até fosse mijar na tua parada?Jamais. Essa cautela granjeou-te respeito da minha parte ao mesmo tempo que ressentimento.Não contribuiste em nada para que eu fosse o deus do teu culto. Ainda bem que o fizeste pois pariste este texto apenas por provocar despeito. Sabes, é que a tua vontade não é tida nem achada no mundo que é meu, e no qual és apenas uma personagem que fui buscar para nele entrar.A tua vontade só controla a tua realidade física, e a tua interpretação do mundo. O aparente desprendimento que tens quando pensas que o que os outros pensam de ti é irrelevante, mais a mais quando como anónimos, parece não fazer-te aquecer ou arrefecer. Ora como qualquer actriz de lupanário sabe, a iconaclastia pornográfica cria esta dicotomia entre uma imagem que faz parte de nós mas não nos diz respeito. Eu troco por miúdos. Joana=A Λ Joana=nA, ou Joana=A,B,C,D,∞. És a soma de um grupo indeterminado de atributos, bem como de todos aqueles que não pertencem a esse grupo. Joana é Joana porque é alentejana.Eis um atributo.Joana é Joana porque não é uma cenoura.Eis outro atributo negado que faz parte da tua individuação de forma tão válida como um atributo que seja afirmado. Portanto a minha versão daquilo que és, é mais um atributo na tua definição, que coincide em alguns pontos e diverge noutros.Felizmente costumo ter bom olho para a coisa. Bem sei que é para o lado que dormes melhor. Lancei uma espécie de Cassini para sondar a tua existência, sou a parte activa, inclinada, movente, viva. És a natureza morta expressa na tela, apática, desinteressada, passiva, acomodada na corrosão da conformidade que escolheste para ti. E o que se tornará um dia insondável para ti, é que um estranho um dia versou sobre ti, as tais ‘presunções e pressupostos’ que falaste e nada podes fazer sobre isso a não ser projectar do teu lado, presunções e pressupostos acerca da fonte, eu, interpretante. Ah ele é maluco, ou é um tolinho, são normalmente as mais usadas nestes casos. Se a realidade é uma interpretação, qualquer perspectiva é válida e portanto todas são presunções e pressupostos. Esta fineza de análise de conceitos é uma das poucas belezas que não te assiste. Vales mais pelo âmago intencional, o Gemüt, que pela potência de análise que requer mais crucificações e força. Mas estás bem tonificada para iniciada. Conseguiste comover-me em alguns trechos de textos teus que li. E apesar de serem tão intencionais como os Converse. E de serem tão dificeis de encontrar no meio de tanta citação avulsa. Precisas tanto de autoridade externa para dar credibilidade à tua vida interior? Não corras a contar às amigas que és tão boa que um estranho escreveu um longo texto sobre os teus encantos, como te disse, estou a usar-te. És a cenoura, agora de facto, que coloco à frente da boca enquanto trago à luz este lastro afogado em 10 anos de mediania suicida. Não me vais poder citar para mostrar aos amigos que tens uma alma culta e sofisticada.Podes parar por aqui portanto. Não moas a tua leve paciência em missões sem interesse. O teu mundo em nada coincide com o meu. As nossas intenções divergem, e o planeta em que vivemos orbita com dois movimentos contrários de rotação, um na metade em que existo, outro na metade em que tu existes. Vai ser feliz e ocupada.Independentemente do que já aprendeste, foste de novo usada. Precisamente por um underdog alvo do teu desprezo sistemático. Nenhuma sonda tua recebi, apenas a certeza de que nem estava no mesmo sistema solar que tu. O silogismo por detrás da transmutação do sofrimento em arte, aplica-se aqui, aquele que desqualificaste com uma total falta de empatia e alma venturosa, pegou na tua vulgaridade (de presunções e pressupostos) e usou-a como inspiração para trazer do Nada um texto. O texto não é sobre ti.É sobre mim. Como quando numa cópula eu me olho no espelho do guarda-fatos do teu quarto. Torno-me actor neste teatro do mundo, e observo-me nele, já que nunca poderia contar com a tua presença. Mas, escrever faz lembrar-me de ti com mais força.Pergunto-me se esta catarse não visa continuar o que nunca acabámos.Como quem dá um beijo a outrém que vira a cara com o nojo do enfado e a falta de coragem da frontalidade. Mas é esse o teu papel de manequim, apalpado e manipulado por mim.Vestido e despido como quero. Mas lembras quando estivemos juntos.Agora. Nem que só tenhas lido a menor parte, eu estive dentro de ti. Tão válido como um falo que penetra ou uma ideia que te viola.Eu estive em ti contra a tua vontade, usando-te à minha. Através de riscos e segmentos de recta, rasguei todas as fronteiras que presumiste erguer.Nem que só tenhas lido o título, algo oriundo de mim foi directo ao teu centro de existência. A tua consciência. Para quem é tão anal no controlo de limites, na ordenação do que é aceitável, batido ou desejável, deve ser chato admitir o poder de umas linhas que nos entram pelos olhos, não sem umas malandrices literárias pelo caminho. Mas esse é o meu papel e a minha estratégia, fazer-te apaixonar por linhas negras como os teus cabelos. Sem ponto de fuga para nós, afinal estou de partida para outra latitude. De forma totalmente desinteressada fui direito ao centro do que és como indivíduo numa opereta patética escondida num recanto escondido na galáxia da Internet, e que daqui a alguns anos será apenas visível numa data marginal num blogue. E no entanto nunca estivemos ou estarás tão junta a uma pergunta pelo real que és. E isso foi eu o único que perguntei. Já podes ir contar às tuas amigas. |
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