Mais um jantar, destes das festas de Natal e celebrações quejandas. Desta vez, uma mesa comprida cheia de gente pelas bordas. Quem combinara a coisa, combinara com tudo incluído e as doses eram de banquete romano, havendo um ou outro que ia de facto ao vomitorium arranjar espaço, no decorrer do repasto. Aliás, desde o sentar-me à mesa, que o ambiente era de banquete, e só me vinha à cabeça Sócrates e as suas palermices bonitas sobre o amor. 20 e tal anos depois de pousar os diálogos, lembrava-me deles, e do quanto eu apreciava comer, beber e discutir os temas, especialmente o amor, que agora me provocava vómitos, da mesma maneira de uma canção que adoramos até descobrirmos que a letra é uma merda muito distante do que pensávamos antes. O arroz de marisco viera com mais arroz que marisco, e eu inclinava-me para trás, apreciando a única coisa boa do repasto, o vinho. Vim de Uber, e portanto, podia beber até cair de cu. À minha frente tinha uns dois ou três miúdos, na casa dos trinta, um meio desconfiado com o mundo à sua volta, um claramente desesperado e um rebarbado que me fazia lembrar a mim há uns anos atrás, sempre à espreita de uma oportunidade sexual, de comer as gajas que se oferecem e não as que realmente quero comer. Reparo que a maior parte dos tipos ficam no mesmo lado da mesa comprida, e eu fiquei no lado das gajas, com mais um ou dois tipos nas pontas da mesma. As conversas à minha volta não me seduzem, e vou degustando o vinho da casa, à espera que o jantar acabe, feita a tarefa de socializar com malta do trabalho, e de me ter forçado a dar socialmente, como forma de meter novas imagens pelos olhos adentro. No grupo há dinâmicas próprias, tensões e tragicomédias, às quais sou estranho, pois evito perceber o húmus humano por detrás das funções da treta de qualquer posto de trabalho. Os postos de trabalho são uma espécie de cosmética que se coloca sobre o rosto do emprego, a macacada vive das emoções das relações humanas que se estabelecem, e invariavelmente, falam os colegas uns com os outros, sobre essas relações, mesmo estando de férias e longe de voltar ao trabalho. É tema comum, como uma ponte sobre o estuário da individualidade, que aproxima indivíduos e ventila frustrações. O tipo que esteja de fora, fica, se quiser, a apanhar do ar, as relações, a organização do trabalho, e as reacções emocionais em torno do exposto. «-Ela veio e nem bom dia me disse, só disse passa aí o relatório de terça-feira, e eu disse, olha bom dia também se usa.» Dito isto, em avaliações de carácter de outras, ou outros, colocados na experiência de laboratório de nome ‘tripalium’. Os romanos outra vez. Ri-me sozinho, à vontade com a natureza da macacada, sempre sob o teatro da informalidade laboral. O chefe deles todos estava algures na mesa, mas eu não conseguia identificar, nem queria. Que sou de outro departamento, e sou convidado porque os desenrasco invariavelmente. O vinho, leva as aparências como rio que limpa o lodo das chuvadas de Inverno, e invariavelmente, fico cada vez mais à vontade, com a desinibição que vem com a Primavera, que é quando a coisa começa a ser interessante. O primeiro exagero no volume de voz, a primeira gargalhada desmesurada, começam a indicar que a coisa se compõe, e olho para os pratos e vejo que a maioria ainda nem a metade vai. Ninguém se quer embriagar com o chefe, ou chefa na mesa. Mas o vinho é demasiado bom. Duas tipas à minha direita, que tinham abusado em jarros de tinto, começam a discutir, por acumulações nervosas prévias, e por momentos, o jantar parece arruinado, com uma delas a fugir a chorar para o wc, com uma terceira a ir no seu encalço, em apoio codependente, que é uma coisa normal no gajedo. Fico orgulhoso de mim, por estar calado e encostado à parede, sem me estar a envolver em discussões, com o mesmo à vontade que um bom pugilista se envolve em refregas, logo eu, que bebo ou discuto, para tornar os outros mais interessantes, à Hemingway. Não porque me ache a última bolacha do pacote, mas porque me aborrece de morte, esta navegação sobre o verniz da formalidade entre as pessoas. Já pensei que é um desejo enorme de intimidade com os outros, que não se compadece com conversas de chacha. Logo eu, cuja energia nervosa só se dissipa com falar muito, sempre e demais. E o falar muito é visto pela macacada como sinal de baixo valor, nada há a fazer. E quanto mais falamos, menos nos respeitam. Mas eu não me importo, porque se fico calado sinto que me estou a anular, e só caio em mim, quando a pessoa do lado receptor do som, é porreira e não parece merecer a minha verborreia incessante. Se for um chico-esperto qualquer, não paro. Mas se é alguém que por lisura no trato, faz por me ouvir por boa educação, porra, é de elementar justiça que eu feche a matraca. Por isso alguns dizem que sou conflituoso. Não sou. Chato, por vezes. Mas desta vez estou a portar-me bem. Já comi e estou a fazer ronha na sobremesa adiada e substituída por tinto. Perco-me calado em memórias do passado que jurara não alimentar. O tempo flui, e quando dou por mim, o jantar ganhou vida própria e as personalidades individuais saem da toca. Os tipos à minha frente discutem bola, e uma tipa à minha direita havia perguntado se eu estava a gostar de trabalhar ‘lá’. Respondi uma coisa qualquer formal e que parece bem, a ver se desistia de puxar por mim, e resultou, calou-se com ar de insatisfação em surdina, pelo conteúdo da resposta. Queria avaliar o meu ‘quilate’ e vira gorada a auscultação, pela minha resposta da treta. Tomara o primeiro passo, e como não surtira o enfeito encantatório pré-imaginado, recolhia-se frustrada, para dar atenção a outra pessoa ou coisa qualquer, como se eu, o enfermo demais para perceber o valor do seu esforço, merecesse continuar condenado a uma solidão qualquer, que ela julgaria imposta, por inadequação minha. Do género, ‘fiz uma simpatia contigo meu cabrão, e nem te esforças? Morre para aí, a ver se me importo.’ O que derrota qualquer intenção de bonomia prévia e revela o carácter egoísta da ‘caridade’. Estou cada vez mais em casa. O tipo mais frustrado à minha frente, e é notória a sua frustração no seu comportamento como que uma revanche de qualquer coisa, dá por si a falar alto, como se desempenhasse uma peça na sua cabeça. Percebo que é para o gajedo presente à volta da mesa, quase todas bonitas e bem arreadas, como é normal nestas jantaradas. Os gajos não, especialmente os mais novos, vão da forma mais casual possível, com sapatilhas em forma de sapato de sola branca, e camisas mal engomadas fora das calças. Elas têm todas tanto brilho nos lábios, por causa da cosmética da moda, que quase dá vontade de usar óculos escuros. Rio-me com orgulho por estar calado, e fazer piadas para me entreter a mim mesmo. O que fala alto, fala alto para alguém, nota-se na voz e nos modos, e apetecia-me chamá-lo à parte e explicar-lhe que se quer comer ou impressionar alguma da mesa, não é esta a melhor forma. Há malta que não sabe calibrar a técnica do pavão. Que a mostrar penas, o tem de fazer de alma inteira e não à coca de captar as reacções. Deixá-lo, tem tempo para aprender. Elas, creio, preferem os dois ou três gajos das vendas, bem vestidos, bem-falantes, circunspectos, e de trato fácil. Os mais inteligentes, socialmente falando. Pelo que me contam no meu departamento, os gajos das vendas, comem as tipas todas, à vez, casadas e tudo. Mas a informação é irrelevante para mim, tento não me envolver num ambiente que conheço de soslaio, é assim, ou foi assim, em todas as empresas onde trabalhei. Nem me dou ao trabalho para analisar a linguagem corporal e descobrir o chefe ou chefa do grupo, que se comporta com uma autoridade assumida, com uma sobriedade de kapo. Nunca falha. Que se lixe, não estou interessado. Mesmo que permita aferir os beijacus e o séquito próximo, todos os que tentam agradar, para retirar algum tipo de vantagem. Lembro-me dos olhares cruzados dos painéis de São Vicente de Fora. Rio-me de novo, por alguma pretensão em achar que sou uma ave rara por ter tão estranhos pensamentos. O tipo que fala alto para que o vejam e ouçam, começa com um encómio parvo em relação às mulheres. Não sei de onde emerge a conversa, mas capta-me a atenção. Creio que na cabeça dele, assinalar a defesa de qualquer dama, equivale a vulva molhada no seio das ouvintes. Calma, tem tempo para aprender. Defende inclusivamente, curiosa palavra, que às mulheres deveriam estar vedados os trabalhos difíceis na fábrica, pois são elas que tratam do lar e invariavelmente, dos escritórios por este país fora. Muito poucas fábricas existem de trabalho industrial pesado para as mulheres, e mesmo essas deviam ser proibidas. Após mais um copo de tinto, e porque não obtivera os olhares de aprovação que almejara, vai mais longe, dizendo que o mulherio nos faz a nós, homens, um favor, por engravidarem de nós. Não consigo evitar sorrir sem mostrar os dentes, e faço por nada dizer. Fico orgulhoso pelo meu silêncio. Como não obtém os olhares de aprovação que almejara, e porque me apanha de raspão, a sorrir com a sua conversa, pergunta-me: «-Não achas?», onde estava implícita uma casca de banana onde eu colocaria o pé, se por acaso a minha resposta fosse contrária, trazendo para mim o foco de atenção do grupo, fazendo esquecer o sapateado palonço dele. A contragosto, disse: «-Gabo-te a coragem, falares destes temas, que nos dias que correm, são tão evitados como outrora o geocentrismo.» Há alguma atenção para o que digo, mais pelo carácter de novidade de quem eu seja, que pelo crédito de rua, uma vez que sou de Letras, e a maior parte dos engenheiros e contabilistas naquela mesa, acalentam a crença de que a malta de Letras escolhe Letras, porque as Exactas é que são difíceis. E que o mundo do trabalho é que é o verdadeiro e o mundo da cultura é um achaque de inaptos. Como a minha resposta é esférica, simpática e sem ângulo de rebate, ele fica ainda mais ressabiado e envolve-se em disputas velhas com os outros que conhece há mais tempo. Alivia-me ter escapado a mais um debate ao qual não saberia escapar, porque também tenho um espírito de missionário, de fazer a malta duvidar das suas crenças, e que duvidar delas é bom. É uma crença minha. Mas da ponta da mesa, alguém pergunta: «- Mas isso significa que achas que o que ele disse em relação às mulheres, não é o correcto, mas é algo análogo a um dogma religioso?» Pronto. Eu tentara evitar, e manter a boca fechada. Toda a população à volta da mesa, ficou em silêncio, o que acentuou a necessidade de eu dar resposta e não poder fingir que não ouvira a pergunta. A interlocutora está vestida com um fato preto, mais um decalque dos fatos fraque masculinos, como outros, como os leggings, ou as malas de tiracolo. Lembrei-me da Simone de Beauvoir e de como sustentava que a identidade feminina ia buscar muito à masculina, sendo cópia com interpretação livre. De como isto tinha tanto a ver com Fanon, o ideólogo da vitimização. De como todos convergiam em Sartre… Mas não interessava, ela continuava a olhar para mim, à espera de uma resposta. Do outro lado da mesa, o que incomodava, quem estava pelo caminho. Respondi, «-Citando Voltaire numa frase que nunca disse, sabemos quem manda em nós, quando sabemos quem não podemos criticar.» E calei-me, encostei-me para trás e bebi mais um pouco de vinho. Claro que a resposta não a satisfez. Cada vez mais autoritária, exigiu: «-Explica, por favor.» «-Como pediste por favor, eu explico.» Olhava para mim com pequenos olhos azuis, cabelo pintado de loiro platina, e dois imensos aros a fazer de brincos, o que no meu livro significa serem brincos de actriz porno. Isso excitou-me e pensei, deixa lá antagonizar esta gaja. «-Existem duas ideias que baseiam a vitimização feminina, e uma multiplicidade de contradições. Primeiro é que as mulheres foram sempre e sistematicamente oprimidas pelos homens, o que não só não é fácil de provar no registo histórico, como é pouco provável que 50% da população tenha de forma duradoura e sem falhas, oprimido outra metade da população. Claro que houve alturas em que o marido tinha direito de vida sobre a esposa, mas isso nem sempre foi a regra, e só aparece como tal hoje, devido a uma multidão de gajas que vão à historiografia tentar provar a sua ideia feminista.Por exemplo, não conheço nenhuma manifestação de esposas de esclavagistas, a tentar acabar com o tráfego que lhes trazia bem-estar material para casa. Quero com isto dizer que, não partilho da ideia de opressão contínua e persistente, mais acreditando que as pessoas do sexo feminino sempre tiveram outro tipo de formas de influenciar a narrativa histórica, o que me leva á segunda ideia feita e contraditória.» «-Qual?» pergunta ela de imediato. «-A de que, face a esta opressão, a mulher é ao mesmo tempo anulada e ao mesmo tempo um sujeito histórico. Significa que a anulação foi feita por incompetentes. Ou que as mulheres são feitas de um barro mágico, diferente. O que implica que não haja igualdade.» Percebi que ela percebeu a minha cilada, com este silogismo. Antes que ela dissesse algo, tirei uma caneta do bolso da camisa, e escrevi algo num guardanapo. Estendi a palma da minha mão para ela, e disse: «-Não digas nada ainda.» o que a fez ficar vermelha de raiva. Entreguei ao gajo que me interpelara antes e disse-lhe «-Não leias ainda, só quando eu disser, se faz favor.» Ele riu-se mas anuiu, mantendo o guardanapo dobrado à sua frente. Virei-me para ela, e disse, «-Desculpa, podes dizer o que ias a dizer.» Todos se olhavam de soslaio, especialmente para o guardanapo, sem perceber o encadeamento das minhas acções. E ela diz: «-A minha mãe nunca teve possibilidade de estudar, para limpar a casa e servir o meu pai e criar-me a mim e às minhas irmãs. Pelos vistos, para ti, isto não é anulação.» Respondi: «-É a forma tradicionalista de constituir família, onde, antigamente, bastava um trabalhar para sustentar a família. Mas não vejo onde está o drama nisso. Eras capaz de ficar com o teu marido em casa, enquanto tu ias ganhar o ordenado para todos? E ias continuar a respeitar o teu marido da mesma maneira? Responde honestamente, se faz favor.» Ela ponderou, e pareceu-me que de forma genuína. «-Não, acho que não. Não o ia respeitar da mesma maneira, tal como o teria em menor respeito, se ganhasse menos que eu. Mas não sou casada, nem isso tem que ver com a anulação do exemplo da minha mãe.» Em frente a ela, outras duas continuaram a falar, sobre a sua total capacidade de viverem uma vida em que o marido estaria em casa a tratar dos filhos. Tentavam cativar-lhe a atenção, mas ela estava à espera da minha resposta. Eu disse: «-Achas que os gajos ligam ao que uma gaja faz, é ou ganha? E tu e a tua irmã, são filhas verdadeiras da vossa mãe?» A cara dela era de estupefacção. As minha perguntas não faziam sentido, mas ela pressentia uma intenção encoberta. Uma armadilha qualquer. Ponderou de novo. Respondeu: «-De facto, pela minha experiência, os gajos querem é saber se a mulher tem bom rabo e bons seios. Não quanto uma tipa ganha. E sim, somos filhas biológicas da minha mãe. Que tem isso a ver?» «-Tem a ver que o teu exemplo é um mau exemplo porque mostra uma situação ideal, quase impossível hoje em dia, em que um dos elementos do casal fica em casa a tratar da prole, sem perda de respeito por parte do parceiro, cuidando do seu legado genético. Parece-te a ti, anulação, que a pessoa feminina trate do seu legado genético, fim último neste mundo nesta natureza? Ou para ti, a realização última do indivíduo é uma carreira, ou um diploma universitário, e não a propagação dos SEUS genes à geração seguinte?» A minha resposta confirmou a sua suspeita, e como era de esperar, começaram as 3 a falar comigo ao mesmo tempo. Deixei que se atropelassem, e quando perceberam que eu nada percebia do que diziam, calaram-se uma a uma, e voltou a amazona loira platinada, a tomar a palavra. «-Mas tu achas que o mundo, e as pessoas assentam apenas nessa lógica determinista? Que não somos mais que máquinas procriadoras? Que dizes da alma, do amor, da empatia?» «-Não, mas também não acho que sejamos muito mais que o código genético que nos define, e a nossa definição é a de macaquinhos sanguinários capazes de poesia. Alma? Quantas vezes pensas na tua alma por dia? Mais ou menos vezes que aquelas que vais à casa-de-banho? Amor? Amor é uma palavra que é um saco onde metemos as definições que queremos e que são mais convenientes. Se o amor é para sempre, porque é que acaba? Os amores são passageiros? Qual é a diferença de amor para capricho passageiro, então? Empatia? Que empatia tiveste tu com os teus ex namorados a quem enxotaste sem consideração pela capacidade empática dos mesmos? És, somos, ou não crápulas egoístas, que gostam de pensar bem de si mesmos, através de palavras bonitas que denotam impossibilidades biológicas?» Ela ficou para lá de vermelha. Algo reverberara nela, e aposto que foi a alusão à forma como eu retratara as potenciais canalhices feitas a outros, em contextos de namoricos. Como se de alguma forma eu soubesse do segredo. Ela deve ter sentido que tinha de tirar o ónus de si, e que o podia fazer, atacando-me com vergonha, desqualificando-me o discurso, retirando-lhe racionalidade e fazendo-o decorrer de uma reacção sentimental amargurada. É melhor desarmar assim, colocando o foco no amargurado, mais que lhe deixar sobressair a evidência lógica do afirmado. «-Tu só podes falar assim porque tiveste algum desgosto amoroso que te fez odiar as mulheres.» Ri-me. Respondi: «Eu não odeio as mulheres, pelo contrário.» Pedi ao rapaz que tinha ficado com o guardanapo, para o virar e mostrar aos restantes convivas, o que lá estava escrito. Ele assim fez, lendo primeiro, desatou a rir-se, e expondo a todos os outros, podia ler-se: «-Argumento continuamente central : Quem te magoou?» As risadas espalharam-se pela mesa, e as três voltaram a falar entre si, para mim e a cavaqueira prosseguiu como normalmente prossegue. Reclinei-me para trás e fiquei estranho comigo, afinal não evitar mais um bate-boca. O tipo do guardanapo, ao perceber que a minha antagonização lograra mais atenção que os seus encómios, a avaliar pelo rubor das cachopas e da discussão entretanto estalada, exclama várias vezes, logrando captar igual reacção emocional para si, longe de uma neutralidade e desprezo costumeiro: «-Pois eu concordo com esses tempos tradicionais, acho que devíamos voltar a eles, as mulheres deviam voltar a ficar em casa a tratar dos filhos.» Olhei para ele e até eu achei que ele se excedera, porque tenho a certeza que não tinha argumentação ou verve para sustentar a bomba. As reacções das outras cachopas foi de espanto exagerado, associado a asco. Antes que fosse totalmente eliminado pela atenção negativa, perguntei: «-Como vais fazer isso sem retirar direitos aos cidadãos femininos? Esses tempos tradicionais não voltam meu caro, a menos que aconteça uma catástrofe apocalíptica. Nem devemos nós tentar impor o quer que seja, ao gajedo. Mesmo que convencesses todas as gajas do mundo, ou só as do Ocidente, o mal está feito. O tinder, o bumble, foram cancros que se espalharam rápido e mataram os hospedeiros. A mulher, sabe que há sempre um pretendente, um novo desafio, um outro homem, num arrastar de dedo indicador. As que se contentam contigo ou comigo, fazem isso, acomodam-se, contentam-se, que remédio. Nunca conhecerás desejo genuíno por parte delas, apenas contratual. O mal está feito, e não pode ser desfeito, pelo menos com estas mulheres, que podem fingir, mas eventualmente apanhas quem finge. É cada vez mais difícil que te encarem como prémio, há tantos e sempre perto, mesmo que estejam no Dubai. O excesso de oferta obliterou o mercado.» Na sua cara percebi que ele já sabia o que eu dissera. Queria era continuar com a ilusão. Prossegui: «-Não estou a dizer que as mulheres isto ou aquilo, apenas a dizer que o mundo actual pulverizou qualquer forma de relação desinteressada, quanto baste, porque criou um desequilbrío nos poderes. A mulher, e bem, é a guardiã do sexo. Do seu corpo. O sistema só funciona com alguma carência. Com equilíbrios. Retirados para meter o gajedo a consumir mais.» Parei a narração porque percebi que era o único a falar e falara demais. Na hora de pagar a conta, nenhuma gaja veio ter comigo para prosseguir a noite, não fiz papel de engatatão, e vim de uber para chez moi. Mordendo a língua por não a conseguir controlar. No dia seguinte sou chamado aos recursos humanos e dispensado do meu posto de trabalho, por não perfilar a mentalidade inclusiva da empresa. A chefa afinal, era a gaja que dera o exemplo da mãe. Optei por não encetar um debate sobre o delito de opinião. Ao invés fiz-me de triste e disse, é uma pena, e logo agora. Ela respondeu, do outro lado da secretária:«-Logo agora porquê?» «-Logo agora que andavas a imaginar eu chegar a casa, comer-te de costas no balcão da cozinha enquanto os putos brincam na sala e a panela do jantar apita no fogão.» Como pensei, ficou desarmada, especialmente no local onde se achava rainha e senhora. Pisquei o olho na direcção do seu rosto vermelho vermelho, e fui-me embora assobiando.
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Ela perguntou-me o que achava eu, mais bonito entre as pessoas.
Olhei para ela e demorei o meu tempo a responder. Mas respondi. «-O mais bonito entre as pessoas, aqui visto dos meus sapatos, é a relação entre homem e mulher, sem subterfúgios que não a honestidade do desejo mútuo. A maior parte das vezes é ficção, é contextual, é egoísta, mas eu acredito, porque já conheci, gajas que mudariam a sua religião por mim, que assaltariam um banco comigo sem que lhes pedisse, que fariam amor comigo sem ser em troca de qualquer coisa, que não a minha presença.» Ouviu, reverberou nela, mas manteve-se calada. Talvez por perceber, mas ser incapaz de reciprocar. Chutou para canto. Perguntou, meio fingindo «- Não percebo porque dizes tantas asneiras nos teus textos.» Respondi, «-A minha pátria é a minha língua, e macacos me mordam se me escondo das ruelas e esgotos da minha pátria.» Calou-se de novo. Meio a testá-la, meio a sério, disse-lhe que ia assaltar um banco. Ela riu-se e exclamou «-Não sejas tonto.» Retorqui «-Disseste-me tudo o que preciso de saber sobre ti.» Vesti-me, fechei a porta atrás de mim, e congratulei-me, pela maturidade de finalmente perceber de longe, quem me vê como fim, ou como meio. Palavra do Senhor. Bem, a malta não acredita. Antes, eu pensava que era por causa da mariquice de a realidade suplantar a ficção. Hoje sei que é porque a maralha, acha sem ter muito a dizer ou decidir sobre isso, que o que se queixa de amor ou dos outros, é ele mesmo merecedor do castigo, ou pior, inábil a jogar o jogo que todos jogam mas de que poucos sabem as regras. Um ou outro oscila entre «-Eh, foda-se, isso aconteceu mesmo? Não estás a inventar?» Os demais respondem com silêncio desdenhoso, com uma cara de descrédito pelo que é ouvido ou lido, como se o narrado fosse uma historieta que conto para sair sempre bem na fotografia. Ou uma reacção nervosa às consequências da minha inadequação. Um ou outro, mais batidos, tratam-me como velho guerrilheiro, irmanado em velhas e conhecidas selvas. Olha, foda-se. Já sei que não fui feito para ser entendido, que se foda. Siga a Marinha. Estou encostado ao vão da sua porta do quarto, com a cabeça encostada num antebraço esquecido de si, feito apenas para acolher a minha testa suada. Dou por mim a pensar em todos os que já foram. Todos os corpos e almas que em enriqueceram a vida, me deram a honra de os poder conhecer, mesmo as putas indigentes que nunca conseguiram perceber a profundidade da sua indigência humana. O sentimento que emerge da lembrança deixa-me angustiado. Dava tudo para os ter por cá de novo, não quero que sofram ou morram, mesmo as que mais me fizeram dóidóis. Não é bem tudo, mas quase. Não quero que sofram, apesar de terem sofrido. Não quero que tenham vidas mais ou menos anónimas, apesar de as terem tido. Se algum deus me disser, olha, dás um colhão ou um braço e este ou aquela, voltam da morte. Eu não dava. Quer dizer, se calhar até dava, depende do quanto sinto a falta de outrem. Que se foda, sei que me entendes. O quanto gostava que os ‘meus’ mortos não tivessem sofrido. Que foram amigos ou conhecidos temporários, aos anónimos conhecidos de vista que se lançaram da ponte 25 de Abril, os que morreram de cancro, de acidente de viação, de desgosto. Se eu mandasse, nenhum morto poderia replicar em mim a dolorosa experiência da sua ausência. Sim, talvez seja cobarde. Atrás de mim, da cama, ela grita, «-Podes vir, vem comer esta coninha toda!» Tinha-me pedido 5 minutos, para vestir uma lingerie que me ia ‘deixar louco’. Quando a vi só consegui exclamar:« -Foda-se, isso é de velha!» Epá, umas rendas e uns cetins como se usava nos anos 80, a tipa vestira-se da forma que achara que me ia excitar. E eu, ó que caralho, eu disse a esta gaja que eram rendas de pescador, e o papo de cona bem gordo e convidativo para a minha boca por entre rendilhado análogo a cárcere. Esqueci-me de dizer que também há malta que acha que escrevo uma espécie de porno de cordel dos anos 70. Não tenho sorte nenhuma. Ela diz-me ‘-Desculpa? O que disseste? Não percebi!?’ Porra. Também não a quero magoar e a cavalo dado não se olha o dente. Tenho de fingir que estou excitado. Solto o reportório de gemidos monossilábicos e sei perfeitamente que a gaja sabe que estou a fingir. Soa a falso. Nem quero saber se fez de propósito. Vem com esta merda de vestimenta, que é a imagem reflectida da ideia do que acha excitante. Oh amiga, penso eu, achas que eu me passo com lantejoulas farsolas e batidas… Mordo-lhe o interior das pernas, e do nada recebo uma bofetada com toda a força, que me deixa o nariz a fungar molhado e uma espécie de campainha dolorosa decorrente dos sinais de dor áspera da pele na zona do impacto. Ao recobro, olho para ela para perceber o motivo da agressão totalmente inesperada. Franze os lábios naquela expressão própria dos filmes porno, e diz ‘-Come essa coninha, come!’ Passo a língua por dentro dos lábios, a ver se a dor aplaca, e antes que termine o trajecto, recebo outra lambada, desta vez com os nós das mãos. Alto e pára o baile. Digo-lhe ó amiga, não bato nem recebo, voltas a fazer isso e te garanto que te vai doer. E isto não é para ficar já por aqui. Devia ter ficado por ali, porque ameaçar, e não fazer, é cena de conas. Recuperei facilmente a tesão, com uns afagos que ia fazendo, e de novo, do nada, esmurrou-me, desta vez no sobreolho. Parou tudo, e olho, estranhamente, primeiro para ela, e não para as roupas que indicavam o caminho da rua. A minha curiosidade era ver se tinha partido a mão, que as gajas não sabem esmurrar. Pelos vistos não, e ainda olhava para mim, desafiante, expectante, à espera da minha reacção para aferir se eu era um conas ou não. Detesto violência, mas detesto ainda mais ser testado. Disse «-Eu não te avisei?» Ao que ela respondeu com um menear de anca, e uma cara de desafio, de boca aberta e quase que a dizer para eu dar o meu melhor. A minha bofetada saiu fraca. Pouco alarde, apenas o suficiente para pintar ou esguichar, a parede de vermelho vivo. Ao ver a coisa naquele nível, pensei para comigo, pronto, fodi a minha vida. Esta gaja faz queixa de mim e estou fodido. Sentindo-me querer virar, prende-me com as suas pernas, extraordinariamente fortes, como se estivesse numa guarda. Só que a guarda do Jiujitsu, é defensiva, e ela prende-me para aproximar a minha cara, para me esmurrar de novo, desta vez abrindo-me o lábio. Aqui perdi conta de mim, sei que quando olhei para baixo, a sua cara estava o dobro, e escorria-lhe sangue por todos os lados. Meu Deus. Que caralho fiz eu? Mais que o sentimento de estar fodido, estava em choque pela dimensão do dano provocado, pelos meus punhos. Eu sei o dano que podem causar, mas nunca o tendo causado, estava a ter um lidar difícil com essa constatação. Abano-a e pergunto se estás bem. Inclino-me para o telemóvel e começo a ligar para o 112, e ela estica o braço para mo desligar a tempo. Está consciente e não a reconheço por detrás das lesões, disforme, inchada, amassada. Devo-lhe ter dado uns 3 ou 4 estalos com força, mais que isso, teria morto a pessoa. Coloca, os braços à minha volta, puxa-me para baixo e sussurra-me ao ouvido: «-Nunca fui tão bem comida. Não te preocupes, podes ir.» Foi cobarde da minha parte, mas fui. Tapei-a, deixei faze na mesa de cabeceira, e água oxigenada. Dormia serena e descansadamente. Fui-me embora e a minha vida só voltou a ter paz quando a vi na rua, totalmente recuperada, de uns 2 meses a esta parte. É tão fácil mandar os princípios às malvas quando é o nosso rabo na jogada. Felizmente, mesmo que conte a alguém, ninguém acreditaria em mim. Pediu-me para ir ter com ela ao Sol Poente, na sua casa ali na Lapa. Eu não tinha muito que me apetecesse fazer, e queria começar as operações lúbricas assim que ela chegasse, tendo por garantido, na minha imaginação, que me chamara para repetir os últimos 20 dias e tal, de sangue, suor e saliva em torno de quem mais se distraía do existir através do corpo do outro. Toquei à porta, mas ainda não havia chegado. Resolvi ir para o café em frente e controlar a sua entrada. Imaginei uma hora no máximo, distraído entre uma cerveja e o meu Dostoievski. Mas ao entrar, estava a dar a bola, e o ruído parecia-me gorar os planos. Mas sentei-me a um canto, ia vendo a bola, e roendo uns tremoços e ‘minuins’. A bola é uma merda que agrega quase toda a gente que se junte no mesmo espaço, um bypass racional que como a cerveja ou o tinto, aproxima os entes, pelo sacrifício ritualizado dos neurónios. Cometi o erro de dar a minha opinião, contra a opinião de dois ou três, que comentavam mais alto, o jogo. Estala o debate, de opiniões contrárias, onde eu tinha algum crédito de reserva, por ser desconhecido de todos no local. Lá me devem ter achado graça, e ao mesmo tempo um qualquer desafio, pois o meu linguajar e capacidade argumentativa, era novidade e convidava a novas vagas de rebate, por parte do interlocutor. Consta até, que certa tarde, num comício e bebício entre comunistas, defendi as virtudes do Estado Novo, de forma polida e correcta, por estar meio bêbedo, claro. Por alguma estima, e pelo tal carácter de desafio, deixaram-me falar o tempo suficiente, deste meu capricho, para desencaminhar um ou outro, para a minha via argumentativa. «-Camarada como crias unidade numa mole populacional, se não criando ficções nacionalistas? Portugal sempre foi um país de filhos da puta que só pensam no seu umbigo, pelo que o Salazar deve ter lançado a mão ao que podia, para criar uma qualquer identidade nesta malta, gerações após gerações exploradas por capitalistas transfamiliares.» Custava-lhes, também por estarem meio ébrios, ouvir qualquer encómio ao senhor de Comba Dão, mas, saiba-se lá porquê, o meu ‘argumento’ fazia-los pensar, até porque me socorria de Marcuse e da traição do proletariado de hambúrguer na mão, aos ideais marxistas. Às vezes dá-me para estas merdas. Certa vez quando saí com dois amigos meus, pretos, passei a noite a tentar convencê-los que eu também era preto, apesar de ser tão branco como parede caiada, só pelo facto da minha avó ser originária de uma terra na foz do Sado, para onde fugiam muitos escravos. Gosto da refrega verbal, gosto do jogo de ganhar a discussão. Foi sem esforço que me vi envolvido numa discussão alargada sobre o maior jogador de bola de todos os tempos, e eu claro, defendia o Eusébio e logo a seguir o Chalana. Uns defendiam o ido Gomes, e outros o Cristiano Ronaldo. Conversas da treta, que ajudam a fazer passar o tempo, e que fazem invariavelmente que as imperiais pagas por outros se empilhem à minha frente, à espera que as sorva com goela de pato. Nenhuma conversa fica muito tempo no mesmo sítio, e às tantas o assunto, por causa de um exemplo dado, sobre a fidelidade clubística, descamba para o campo de relações entre homens e mulheres. Calei-me. O tema puxa por mim, e não me quero deixar arrastar para o centro do que debatem. O ambiente escurece com a passagem de mais um dia de Sol, e o fumo do tabaco torna este cabaré em algo com mais estilo que a luz do dia normalmente permite. Estou no meu ambiente, o debate e o putedo. Atrás de mim cínicos, à minha direita, platónicos, à minha esquerda, aristotélicos, à minha frente, idealistas, uma sinfonia desgarrada que versa todos os assuntos. Vejo-a entrar em casa e congratulo-me por ter mais afecto pelo debate, que pela vulva. É sinal de liberdade, penso. Liberdade de vozes prenhes de paixão no debate, no envolvimento de cada participante que chama a si a sua experiência e observação, para completar ou reformular as perspectivas dos interlocutores. O fumo de tabaco, a cacofonia e o cheiro a carne assada e suor, fazem que o ar seja denso, ocupado, atarefado. Por cada mesa,um ou outro amargurado com o quer que seja, fala de amor e de desilusão amorosa, facilmente dispersa com a artificial atribuição de um monopólio dos defeitos, ao grupo de pessoas que caracterizam os amantes. Elas maldizem deles e eles maldizem a elas. Que as mulheres são criaturas instáveis e caprichosas, com particular pendor para a maldade gratuita. Tresloucadas pela sobrevalorização de bens materiais e validação emocional, como forma de conseguirem viver consigo mesmas. Eles, retratados por elas como brutos, que não percebem as nuances sentimentais, o complexo edifício emocional e simbólico da mulher, esse bicho acima de deus, que parece não lograr alguma vez, ser entendido pelo mundo. Que são manipuladores e mentirosos, e que andam com esta e com aquela, num lamento pestilento, não da traição de uma alma irmanada, mas da escolha de uma tipa qualquer que assume o lugar de rival. Riem-se deles, que não sabem como lamber o clitóris, e são retratados quase de forma subhumana, pela falta de sofisticação em saber o que é um sommier. Observo calado, e escuto os argumentos, de lado a lado, iniciada a contenda, que por vezes se agudiza por um encontrar de testas de um ou outro mais exaltado, uns sorrisos de escárnio desta ou daquela que assim desvaloriza o interlocutor que a visa. Creio que estão no espaço, uns 2 ou 3 idealistas românticos, eu incluído, e perante a vergonha para com a sua forma de ver, estão calados, evitando denunciar a sua crença por via de sons para que outros oiçam. Cada um afoga como recém-nascido não desejado no alguidar do parto, as suas ideias sobre o poder transformativo do amor, o vínculo profundo e significante entre duas almas, que passam a não poder viver suportavelmente sem a companhia uma da outra. Afoga-se a ideia do homem tradicional como protector, apaixonado, e das mulheres como femininas, sensíveis, com ética e princípios, que não tratam os tipos como objectos animados desprovidos de alma e de sensibilidade nula para com as suas acções. Os pragmáticos estão no meio do recinto, de costas para o balcão. Para eles, as relações são um mal necessário, uma condenação a la Sartre, um meio para o fim da reprodução humana e da sociedade que reduz o eterno homem lobo do homem. Os mais conas encaram as relações como uma forma de crescimento pessoal e iluminação acerca do que seja a ‘vida’, deixando completamente de lado, a guerra civil que opõe os vários lados das barricadas, pelas quais os indivíduos se dividem, consoante o que querem, o que têm no meio das pernas, o baralho genético recebido, a idade, etc. Há os sofisticados que acham que tudo se resolve com relações abertas e poliamor, e que se opõem aos que sonham pelo regresso a uma vida tradicional, mais propagada pela Disney, que pela realidade objectiva passada. Fora uma ou outra erupção emocional, característica de velhas rixas entre os transeuntes, os debates que geram a cacofonia, são extraordinariamente bem-educados, com polidez, e com respeito uns pelos outros, na hora de falar. Não se ouvem muitos atropelos e levantar de voz. Os magoados não conseguem mudar de opinião. A que defendem está ligada às feridas fatais a que não conseguem escapar. Elas como eles, suspiram pelos prémios que já foram, eles lembrando mais a traição ou o abandono, e elas lembrando mais a memória da sua culpa assumida de não ter conseguido fixar o gajo considerado como prémio. No fundo dois grupos, ordenados de acordo com a profundidade do sofrido, que decorre também, da importância dada ao amor, às relações, entre pessoas. Se para um gajo ou gaja qualquer, há uma significação do namorico como algo de tão trivial como de ir a uma reunião de trabalho, o dano é menor que na cabeça daquele ou daquela, espíritos sérios e envolvidos, que quando se apaixonam, apaixonam a sério e, portanto, a traição ou mágoa, são mais difíceis de ultrapassar. A divisão entre borboletas e elefantes. Mas os grupos são heterógenos, pois alguns de ambos os lados, consideram que o amor é um interessante tema de pensamento, outros consideram que é uma coisa muito pessoal, pessoal demais para qualquer tipo de leveza. Quando me farto do ruído que entretanto amaina, escuto as ressacas, aquela malta que acha que descobriu o segredo, que o suposto sucesso reflecte um valor próprio qualquer, completamente alheios aos motivos reais desse sucesso. Um fogueiro reformado, com dedos rebentados e feios, de décadas de trabalho, diz que a coisa nada tem de segredo, que basta falar, falar muito com a outra pessoa. Um polícia de folga, diz que basta chegar sempre com o bacon em casa. E vestir bem, e ter um bom carro. Um grupo de 4 mulheres diz que basta serem levadas regularmente a jantar e a passear. Que sejam românticos com elas. Que é meio caminho andado. O polícia pergunta se alguma vez andaram com gajos que são o contrário do que defendem querer. Dizem que sim, mas quando eram novas e não sabiam o que queriam. Ele ri-se, e elas ficam irritadas, fechando-se sobre si em codependência. O dono do café, diz que é o quererem levar a rumo, um destino comum. Que é a comunidade de interesses que tem com a mulher, que faz manter o casamento decano. A conversa continua lá dentro, eu venho cá fora apanhar um pouco de Sol, sentado em cima das grades do móvel das bilhas do gás. Dirijo-me à porta da rua do prédio, plenamente convencido de que se aproxima mais uma sessão do acto menos original conhecido pela Humanidade. Paro a meio caminho e pergunto-me se quero realmente repetir esta parvoíce sem sentido, mas lá está, a coisa só não tem sentido porque a contrasto com o sentido que eu acho que as coisas devem fazer, e eu sou um romântico idealista. Dou dois passos e pergunto-me se não estou demasiado cheio de passado. Tingido com o negrume de memórias do menos positivo, que somos programados pela Natureza, a lembrar com mais clareza e intensidade. Toco à campainha e subo ao primeiro andar. Ela recebe-me com uma cara sombria. Não nos beijamos e percebo que está nervosa e constantemente agarrada ao smartphone. Pergunto que me queria, uma vez que me convidou a ir a casa dela. Ela responde que é para falar directamente na minha cara, que as coisas não estão a dar para ela, e que temos de deixar de nos ver durante uns meses. Eu ri-me, e disse meio zangado meio a brincar que não tínhamos relação para isso, e que escusava de me ter conduzido ali, que ia perder meia hora a voltar para trás. Ela responde que então para ti eu valia pouco mais que o tempo que perdes a vir para aqui. Ficou fodida por eu não ter o choque do afastamento que solicita. O que é mau para o seu amor próprio. O descartado ainda assim tem valor utilitário, de degrau para o seu amor próprio. Eu digo que não diz nada com sentido. Que fui ter com ela, sem saber que queria deixar de me ver. Afinal é só durante umas semanas e para meter a cabeça em ordem, segundo me diz. Chega até a agarrar-me na mão e a metê-la no meio do seu peito, e suspeito que é apenas para me comprometer o suficiente, para me poder descartar totalmente e assim salvar a sua face para consigo mesma. Tiro a mão e digo que deve ter feito alguma má interpretação acerca da pessoa que sou. Viro-lhe as costas e desejo-lhe felicidades, de certa forma aliviado, e creio que ela também. Demoro mais uns minutos no café, indo ao WC libertar a cerveja previamente ingerida, e vejo que pára um Alfa Romeo em frente ao prédio de onde recentemente saí. Ela vem à porta receber o tipo que dele sai. Rei morto rei posto penso eu. É assim, no mundo, na vida. Bolos em vitrinas rotativas, que são substituídos à medida em que são comidos pela voragem do tempo. E as pessoas, como cacos velhos, acabam os seus dias agarradas às suas memórias e à surda interrogação, sobre o porque não conseguiram resolver a equação do que é manter outro no acto de amor mútuo. Andava há semanas a fingir que não aceitaria o seu convite para ir beber uma cerveja preta à Expo. Não costumo, por incrível que pareça, dar muito crédito a gajas que se metem comigo por causa do blogue. É malta que sente, como coelhos nocturnos, um apelo irresistível por faróis que encadeiam, numa aparente noite escura, , que após a proximidade, são cuspidos como se nunca tivessem passado de meros fósforos de bolso que pretendiam enganar toda a gente aproveitando o fulgor do momento de deflagração…e pouco mais. Nem se apercebem de andarem atrás da sua fantasia ou ilusão, transpondo para o eterno, a elaboração de mente infantilizada que tomam como desejável. Há anos, eu era ingénuo e estúpido o suficiente para fazer o disclaimer, ou aviso à navegação, olha lá, há uma diferença entre as 3 pessoas! Que três pessoas, perguntava o gajedo invariavelmente. Eu, o escritor, e o caralho que seja, que tens na tua cabeça acerca de ambos. Dizer isto, apesar de bem-intencionado, fazia com que me olhassem de soslaio como que pensando acerca do erro da sua intuição fatal, mais mito que outra coisa qualquer. Então mas queres ver que o gajo é um poser? Como se um gajo, para ser autêntico, tivesse de estar balizado no Aut-Aut de Kierkegaard. Ou és um gajo concreto, ou um rockstar qualquer, que escreve em vez de cantar ou tocar guitarra. Não é as palavras o que procuram, mas o sentimento de captar um prémio, um gajo diferente dos demais, com penas de pavão que disfarcem o ser-se mero galo de aviário. Anda quase tudo à procura do mesmo, de totem’s oferecidos pelo mundo, que nos façam sentir que Deus nos pisca o olho lá do alto. Dizendo, «-Toma lá cabrão, toma lá puta, Vou dar-te algo de especial, para que esqueças todos os teus tormentos.» Invariavelmente é tudo tiro de salva, porque a fome do mundo esconde a incapacidade de se ser feliz, e nada há de mais detestado pelas gajas, que o sentimento que têm de se contentar com algo que não corresponda às suas aspirações, por mais fantasiosas e infantis que sejam. Até porque vivemos num tempo em que as ensinamos desde tenra idade, que o mundo lhes deve algo, e que…o homem ideal para elas, está além do planeta Terra. Tu mereces muito mais princesa, qualquer homem concreto que não traga mais para a mesa que a sua pila e personalidade, não é digno dos teus pergaminhos…que são… trazeres a vulva como hipoteca do teu valor pessoal. Deixa lá testar mais um pouco. A fantasia acerca de mim, o gajo por detrás das letras, carregava um peso prestes a guilhotinar-me o pescoço da sua aprovação. Já não me bastava o feitio plácido que a Natureza fez acompanhar o meu falo insaciável, que ainda tinha de me esforçar por estar à altura do mito paralelo ao trabalho das minhas mãos e da minha cabeça. Foda-se, e eu que não aprendi a tempo que a malta gosta de falsa moeda, props ao Nietzsche. A deferência para com o criador, leia-se, o gajo que parece ter umas penas de pavão diferentes, durava umas 3 semanas no máximo, até descobrirem que sou um tipo feito do mesmo barro que a restante malta homo sapiens que paira por aí. É um autêntico contra-relógio, até que a espada de Dâmocles caia, e é por isso que vemos gajos tontos nas estradas a passear as matronas enfadadas pelas paisagens aborrecidas. É por isso que vemos gajos a endividar-se em créditos de prestações a 8 anos para comprar carros que impressionem. Que vemos gajos que facilmente esventram um outro qualquer por lhe ter levado o tesouro, a gaja, essa deusa implacável difícil de agradar e manter. Matam-se uns aos outros, matam a elas, em cornucópias estúpidas de desespero e vistas curtas, pura e simplesmente porque adoptam uma mentalidade de carência. «-Eu quero é que a gaja se foda.» Dizia eu, acompanhando o meu amigo, que foi à Junta de Freguesia ali à beira do Tejo, entregar uns papeis por causa da filha. Fui a foder-lhe o juízo o caminho todo, gozando com a sua sujeição à dona, a sua mulher. Quando se chateia com ela, sou o primeiro a dizer para pensar melhor quando diz que a vai mandar comer no cu, e está farto dela. Eu sei que gosta dela, e que apenas está a ventilar. Fora disso fodo-lhe o juízo, porque sei que a única forma de a manter, é tendo uma mentalidade de não ser expropriável para obra pública. A filha de ambos é a cola do casal, remediado com a presença mútua. «-Vai lá tratar disso ó boi.» digo eu enquanto observo os quadros e as fotografias nas paredes do espaço público. «-Dá-me 5 minutos rabeta.» responde ele. O espaço tem algumas janelas, um gabinete escondido à direita da porta de entrada, uma sala imensa de frente à esquerda, lavabos à direita e um hall espaçoso. Foi uma antiga escola primária, que morreu à míngua das crianças que deixaram dela precisar. Pelo lado Este, fui ver a paisagem, uma pequena rua de moradias velhas, algumas com o musgo seco como se de cuspo acintoso expelido nas paredes que raramente são beijadas pelo Sol. Sol que se começa a despedir ao meio dia, entretido no seu mergulho decadente, pelas costas mediocramente aquecidas, do espaço onde me encontro. A visão baixa-me o nível energético e aumenta-me o reflexivo. O meu Portugal está a desaparecer. Sinto que a imagem que me passa pelos olhos, faria sentido à 20 anos atrás, agora sinto-me como uma página de livro, prestes a ser virada, sem que se saiba que letras virão de seguida. Portugal está a desaparecer. Não há malta nova suficiente, apenas subsistem os velhos teimosos. Olhar para a paisagem apenas me conduz a um estado depressivo e, portanto, viro-me para dentro do espaço, reparo na secretária de alguém que deve atender o público em geral, mas está agora num gabinete recôndito a atender o meu amigo. Na parede, uma miríade de cartazes colados com fita-cola de dois lados, no estuque, visam a sensibilização. Campanha contra a violência doméstica, com uma boazona não pintada encostada ao peito de um GNR sem cabeça, campanhas de protecção dos gatos de rua, de contribuir para a malta que não consegue pagar a electricidade ao fim do mês, um coro de apelo ao sentimento e à emoção que faz acreditar ainda mais que Portugal está controlado pelas mulheres. Uma moda emocional, de bons sentimentos e woke, onde o wokismo é a definição do sentimento correcto. Longe vão os tempos, onde qualquer repartição pública era o exemplo de espaço espartano, exclusivamente dedicado à função que o justifica. Talvez numa oficina ou estaleiro, este tipo de cartazes fosse substituído por fotos de gajas peitudas, aceitáveis ainda assim, excepto no Estado. E sem querer reparei, que havia apenas um velho naquele espaço, o resto eram só gajas a trabalhar na Junta de Freguesia. Passavam por mim dizendo as boas tardes, e eu respondia sorridente dizendo olá boa tarde, também. Uma mais gordinha e simpática perguntou-me se estava atendido, e eu respondi que sim, que estava com aquele senhor ali dentro. Fiquei a pensar se não interpretaria como se eu e o gajo fôssemos um dos novos casais da moda, mas a bem dizer, não me afecta mais que o grau de exactidão da ideia. Olho para o chão e para as botas mal engraxadas, e começo a marchar para sentir que estou em movimento enquanto o tempo passa, e numa das minhas travessias do espaço, umas leggings pretas atravessam o meu campo de visão, e sigo-as em direcção quase ao umbigo, onde um rabo perfeito me anuncia a sua existência à qual não consigo evitar um esgar de aprovação. A dona do rabo e das leggings, diz-me um olá boa tarde e quando vejo os seus olhos, percebo que se está a rir, agradada com a minha aprovação involuntária. Foda-se, penso, dei-lhe o biscoito. Que se lixe. Vejo-a afastar-se, e na dobra da porta olha de repente para trás e vê a minha cara de maníaco, embrenhada num filme que minha cabeça realiza acerca de todas as maldades operadas em dois pedaços de glúteo adiposo. Não é de todo bonita. Tem um nariz bergeraquiano, no peito sai ao pai, e onde o seu corpo se destaca é de facto da magra cintura para baixo. As costelas flutuantes marcam a fronteira de onde começa a bênção da lotaria genética, e é clara conhecedora de tal, pois é onde investe o ónus do seu guarda-roupa, a sua pièce de resistánce. Lembro-me da cruel anedota de faculdade, em relação às gajas que não eram bonitas de cara, as camarões tigres, come-se tudo menos a cabeça. É a arma que Deus lhes deu, a forma de levarem o seu navio à India. Passou, e volto a estar sozinho com o espaço e dedico-me a analisar as fotos dos presidentes de junta, idos. Depois as fases de construção e ‘evolução’ da freguesia. Perdido na análise de ruas que reconheço de passar nelas, uma voz por trás de mim, exclama, «-Isso foi em 1999.» De facto era a data da foto. Respondo «-Você mora aqui?» «-Não, vim de fora, mais ou menos nessa altura, vim para a primeira fase desses prédios.» Apontou com o dedo na foto na moldura. Era a tipa do bom rabo com nariz grande. «-Curioso.» disse eu, «-Acho que nesta altura andava aqui a trabalhar com o meu tio, a colocar soalho nestes prédios.» Por acaso é mentira, andei por alturas de 93, mas queria manter a conversa a desenvolver. «-Eu vim nessa altura, mas é agora a casa dos meus pais, agora moro aqui.» e aponta no quadro, esticando o braço esquerdo em oblíquo, estando eu à sua direita, cheirando o aroma do volume de carne doce que me passou à frente do nariz. Olhou séria para mim, como uma criança que tenta ver o efeito de afogar uma multidão de moscas a quem se retirou as asas. Vê-las debatendo-se com água imune às suas desesperadas patas finas demais para as empurrar para a vida na margem. A sua cara estava a menos de 20 centímetros da minha, o que no meu livro, deu ordem de soltura ao meu ritmo cardíaco, e uma excitação imediata e crescente, forçava a romper todas as aparências e a comê-la logo ali. O incómodo olhar, por detrás do desejo, é sempre subjugado pelas aparências, e ela saiu primeiro do feitiço, com um sorriso e um cartão que me coloca na mão, onde com um marcador, cuja tampa fica presa na sua boca, esmagada pelos lábios, deixa um número de telefone a letras gordas e à prova de água. Vira-me as costas e vai-se embora, olhando de novo para trás, para me apanhar de novo a mirar o rabo. Foda-se duas vezes. O meu amigo sai, e eu com ele, a tentar disfarçar uma cena, que ele só vira a última parte. «-Cabrão, que ela te passou para a mão?» «-Nada, um prospecto de uma merda de Arqueologia que vão fazer por aqui.» «-Mostra lá.» Para desviar a conversa, digo-lhe que não sou funcionário público como ele, que tenho mais que fazer. Sei que o irrito com isso, porque ele é militar e isso irrita-lo, a comparação. Ligo para ela, dois dias depois, e ela convida-me para café na casa dela. Estranho, não querer fingir que é séria, e que precisa de me conhecer primeiro num lugar público. Entro na sua casa, onde me aguarda com uns leggings de cor diferente dos primeiros, todas as paredes são brancas com uma risca azul, o que me deixa imediatamente a vontade. Após o café bebido na cozinha, e a conversa de circunstância que a sossegou em relação ao perigo que eu representaria potencialmente, perguntou-me: «-Vieste aqui convencido que me ias foder, não vieste?» Confesso que fiquei desarmado por uma espécie de frontalidade que não conseguia identificar com brejeirice. «-Se queres que te diga, nem pensei muito nisso. Pensei mais nisso quando te vi na Junta, ali sim, tinha-te comido contra a parede. Agora vim mais naquela de saber quem és.» «-Ok, boa resposta.» Parece que lhe agradou a velocidade do meu encavacamento com a sua ‘frontalidade’. Após o café traz-me um moscatel, doce como tudo, ao qual, fiz render o suficiente até sentir que ela ia dar sinais para eu me ir embora. Falei sobre a minha experiência naqueles espaços, onde morava, ali perto, e ela da zona de Lisboa de onde tinha vindo, dos pais emigrantes em França e do emprego decano ali na Junta. Levanta-se e diz «-Venho já.» Penso que vai mijar, ou regar um cacto, sei lá, e observo da sua janela, o estuário, plácido, calmo, com alguns veleiros de fim-de-semana atrapalhados com as correntes do meio-dia. Deixo pairar o olhar pelos utensílios da sua casa, a tentar perceber que tipo de pessoa é. Por acaso parece ser asseada e com bastante interesse em arquitectura, a avaliar pela abundância de livros desse tema, na estante de vime que ladeia a grande janela lá para fora. Ouço um bater na madeira, como alguém que bate à porta, mas sem o ressoar de um espaço vazio para lá das tábuas. Som oco, que me faz olhar para o hall, e o quarto por trás, onde a vejo nua da cintura para baixo, com uma perna flectida do lado onde a vejo, assente a planta do pé sobre o seu outro joelho, numa espécie de auto afago. Com a mão que não está agarrada à ombreira da porta, vai massajando o cabelo, volumoso, e eu levanto-me e dirijo-me na sua direcção. Chegado a ela vejo que também ela está com aquela ansiedade miudinha, que eu demonstrei quando encostou a sua cara à minha, no seu local de trabalho. Em jeito de brincadeira, dispo-me mais rápido da cintura para baixo, que ela me desapertando os botões da camisa de linho salmão. O que faz que a determinado ponto, de dispa com uma mão e me agarre a pila hirta, com a outra, como se lhe desse um passoubem um «-Olá, tu por aqui?!» O céu estava cor-de-rosa por causa da poluição dos aviões. Entro em casa e a minha mãe está na costura, e eu tenho estudo para meter em dia. Recebo outra mensagem por whatsapp, convidando para uma cerveja preta na Expo. Como não respondo, recebo outra, onde diz que está com uma amiga. Bem, duas, já dá mais luta, pois sei que pelo menos uma, está lá como observadora, e é sempre giro perceber as dinâmicas entre ‘amigas’. Fui. Ao sair a habitual censura da minha mãe, que não aprova a minha vida de solteiro: «-Andas numa rica vida...» e eu respondo «-É melhor que andar agarrado à droga.» que sei que a cala. Chego ao local combinado. Qual delas a melhor. Apesar do vento frio estávamos numa esplanada. E a amiga, diz: «-Tens a certeza? Ele parece tão desesperado…nota-se que há anos não faz amor!» Tenho de confessar novamente, não estava preparado para responder a isto, e não respondi de imediato. Eu estava habituado a gajas recatadas, se calhar é isto que elas chamam emancipação. Mas lá arranhei: «-Eu fico sempre deslumbrado com a exactidão da intuição feminina.» As duas sorriram com satisfação pelo facto de serem mulheres e eu as gabar. Porque para elas, ser mulher, é uma definição da sua individualidade. «-O café aqui é queimado. Tenho Nespresso em casa e daquele que tu gostas, Lavazza. Queres subir?» Louvo aos Céus, não estar por perto nenhuma feminista que possa impedir o abuso que eu, o monstro patriarcal, salivo por fazer acontecer a estas pobres donzelas sem agência. Para meter nojo, podia ter dito que não posso abusar da cafeína, mas a minha fraca resistência à tentação já me fazia estar levantado empurrando ambas com uma mão gentil no seu dorso, e uma língua ávida pelo elevador lento. Vendo ambas, que moravam no prédio da esplanada, imagine-se, beijando-se só de cuecas, fez-me misturar a língua no meio da língua de ambas, numa troca em forma de triunvirato de suspiros. Satisfeitos e esgotados, dormíamos até serem horas do último cacilheiro rasgar o rio. Levantei-me, vesti-me, tapei ambas. Beijei cada uma na boca, sabendo que o meu carinho selaria o fim da nossa aventura, para lá de um brilho incompatível com faróis que encadeiam. Cá fora, envolto pela noite escura, arrebanho os tomates e gaita com a mão, olho para cima e agradeço a Deus pela prenda de Natal, que ficará de memória, para o ocaso decadente do Sol, e para nunca me queixar que Ele nunca pensou em mim. Foda-se, um gajo anda por aqui revoltado, por não ser entendido, quando é tão claro porque o é. A fábula do Hans Christian Andersen., do patinho feio, é disso exemplo. Aquele ‘eterno’ sentimento que temos, de falta de valorização e incompreensão por parte dos outros. Por isso Nietzsche falava das ‘gélidas alturas’, isolados em montanhas, por sermos quem somos, ou descermos ao sopé em direcção ao que os outros esperam que sejamos, com pulso de ferro cor-de-rosa. Ser quem se é, é um trabalho solitário, demasiado solitário. Resistir a ser o que os outros esperam que sejamos, um trabalho amargo. E por ambos os trabalhos mencionados, amiúde recebemos a aceitação de muito poucos, ou poucas. Podemos fingir, podemos ser uma parte superficial e amena de quem somos, polida, com savoir social, mas arriscando sempre o abandono, a desvalorização. À noite amaldiçoamos os deuses, envergonhados, por termos de fingir ser aquilo que sabemos não ser. Pior, amaldiçoamos a necessidade a que não conseguimos resistir, de ser algo de diferente, para poder ter algum vislumbre de amor. E depois, no final de tudo isso, revoltamo-nos com a nossa auto condenação a uma frustração que decorre de não conseguirmos evitar perder tempo e energia nervosa em torno das avaliações dos outros sobre nós. Por isso, de não sermos livres. Amaldiçoamos a nossa traição. Traímo-nos a nós próprios, para que nos amem, aqueles que nos abandonarão, inevitavelmente, quando o brilho passar, e a utilidade se esvair. Penso, comendo-a por trás e encostada na parede molhada do chuveiro de sua casa, que posso perfeitamente mudar esta perspectiva amarga e depressiva, optar por uma vida de exultação. É melhor, pois sinto a pila murchar. Porra, concentro-me no seu rabo cebola de comer e chorar por mais. Mas concentração não é suficiente, tenho de me forçar a acreditar, e a acreditar que aquilo faz algum sentido, comer esta locutora da Rádio Renascença, que calhou deixar-se seduzir num dos nossos treinos. «-Que foi? Já não gostas de mim?» diz ela quando me sente fora do ambiente. «-Não tola. Estou aqui vai fazer quase uma hora e não me consigo vir. Se não gostasse de ti, estava a fazer um frete. E eu fretes, não faço.» «-Eu estava a gostar.» diz ela acompanhando as palavras com o fechar da torneira. «-Não te preocupes, sexo comigo, não é problema, mesmo que eu seja daqueles que pensa demais.» Quer dizer, foi duas vezes, e uma ainda recentemente, mas isso é informação que não deve sair do nosso peito. O mundo não tem de saber o quão a foda é uma métrica da e na nossa vida. Com os corpos secos por toalhas felpudas, e desidratados por acção recente da água, reparo na belíssima cara dela à contraluz de umas velas do Ikea que acendeu no seu quarto, e quando a beijo, a puta faz de propósito para ter uma boca encharcada em fresca e hidratante saliva, como que saída de uma fonte glaciar. Como se transmitisse sem palavras que não só saliva por mim, como saliva arfando, e assim arrefecendo o mosto da sua boca com a passagem forçada do ar. Todo o meu corpo exigia tal nutrição e assim que a pila ressuscitou como pescador judeu farto de caverna, encontrou uma outra mais abaixo do umbigo, onde entrou como se nunca tivesse conhecido o lugar. Agora sim, o velho motor a gasóleo, de dois tempos, lograra arrancar, e estivemos naquilo tempo indeterminado, que só terminou pela manhã, com as bocas secas, a pele encharcada, e a oração pedindo repetição ad aeternum de uma felicidade possível. Liga-me o Fonseca, acordando-me de um sonho agradável, que tínhamos combinado ir buscar o sofá para a casa de recém solteiro. Foda-se, esquecera-me completamente. Assim que me vê vestir, indaga porque me vou embora, e digo que me esquecera completamente. «-Olha lá, pensas que sou alguma puta que comes, e bazas assim que queres?» «Oi?» perguntei eu, no meu melhor brasileiro. «-Achas bem, saíres agora? Sabes como me vou sentir a seguir a fechares a porta da rua?» «-Peço desculpa, mas antes de ter entrado pela porta da rua, tinha dado a palavra a um amigo que me pedira ajuda. Esqueci-me de te avisar com antecedência, mas o broche que me fizeste à entrada foi tão bom, que faria esquecer qualquer diabo de atormentar o Céu.» Tentei fazer-lhe um afago no rosto, mas deu-me uma bofetada no antebraço. E eu disse, «-Eu volto daqui a nada, tenho de o ajudar.» «-Tu pensas mesmo que sou uma puta, e que voltas a minha casa quando quiseres.» Não tínhamos de perto ou de longe, intimidade um com o outro para este tipo de conversa. Calei-me, pois senti que estava ali a mais. A máscara caíra. Também ela não conseguira manter a farsa por muito tempo. Ou os testes anteriores, lhe revelaram, que por lhe retorquir de forma sensível, eu era um conas. Pois bem, o conas calçava as botas. «-Se sais por aquela porta, não temos mais nada a dizer.» O conas saiu pela porta, fechando-a calmamente. Encontrei-me com o Fonseca em frente à casa da tia dele, que doara o móvel. Era daquelas pessoas que não vincando rasto na memória dos restantes, não provocando impressão durável, era no entanto, o sal da Terra. É uma daquelas personagens que parece condenada a não granjear qualquer estima ou valorização por parte dos demais. Podia ter sido engenheiro aeroespacial, entrou para o curso no Técnico, mas uma mudança de alma, um arrufo de namoro, fez inverter a marcha espiritual. Há gajos que são engraçados e gajos que caem em graça. Essa alteração fez com que se dedicasse à Antropologia e o condenasse a trabalhar numa loja de peças auto. Conhecemo-nos numa escavação, e a minha verve impressionou-o, por eu conseguir articular por palavras, significados que só ele achava pensar e sentir. Na ocasião, foi uma directora de obra que achava que quem escavava numa intervenção era bicho que estava sujeito a uma hierarquia sob o seu dedo indicador. «-Quem diz a que horas se almoça sou eu!» Eram 2 da tarde, e estava tudo esganado de fome, e eu, acartara vários carros de mão com terra lá dentro, e ela respondia a um dos miúdos que se queixara de ter fome. Eu ouvi a conversa, e como sempre não consegui manter a boca fechada, ao contrário do resto da miudagem que ainda acredita que a sujeição é uma estratégia de progressão laboral. Ouvindo-a, sacudi-me, tirei o boné e dirigi-me ao pavilhão criado para o efeito de nos dar almoço a todos, por parte da autarquia, que ali éramos todos alunos ou de Arqueologia ou Antropologia a fazer a parte de estágio. O motivo pelo qual alguns 'multidirectores'torcem o nariz a t er malta com mais algumas voltas em torno do Sol, é esta, há certas merdas que não passam. A malta vendo-me das trincheiras, imitou a minha postura, e a directora sentindo-se desautorizada orientou o seu discurso para mim, perguntando «-Onde pensa que vai?» «-Almoçar!» respondi eu. «-Mas eu não dei ordem para tal.» Achei graça à expressão, voltei-me para ela e rindo exclamei «-Quando eu comecei a trabalhar foi quando saíste da escola primária, e estágio não é trabalho.» Eu sei que foi um bocado ao lado, mas ela percebeu a ideia, tanto que me retorquiu de novo «-Vou fazer queixa de si, e não vai terminar o estágio.» Com a ameaça a minha veia vernacular já não podia evitar dar um ar de sua graça. «-Por mim podes ir fazer queixa do caralho que ta foda.» Ficou vermelha e desarmada pela linguagem e pela minha indiferença aos seus joguinhos de poder, especialmente em frente a uma multidão de alunos, pessoas que iniciavam a sua vida profissional naquele meio. Daquele dia em diante, passei a ser o herói de Fonseca, por quem nunca passara pela ideia, a possibilidade de fazer frente a quem quer que fosse, que nos injustiçasse de alguma forma. Primeiro desconfiei quando se sentou à minha frente na mesa debaixo da tenda. «-Como conseguiste fazer aquilo?» «-Aquilo o quê?» «-Aquilo, desafiar a responsável que te vai avaliar no fim do estágio.» «-Espera aí.» Levantei-me e fui falar com as cozinheiras que me mandaram sentar e aguardar pela comida, que entretanto haviam recebido ordens da directora, para que não servissem ninguém. Farto da estupidez, disse «-Minhas senhoras, isto nada tem a ver com o vosso trabalho. Se não me servem a comida eu vou atrás do balcão e sirvo-me. Se insistirem em meterem-se à frente por um motivo que não vos diz respeito, eu vou-me embora daqui e não volto mais.» Por não se perceberem o que se passava, e por acharem que o meu à vontade emergia de uma suposta autoridade que eu teria, afastaram-se para trás e eu próprio enchi o meu prato, o dobro do habitual. A outra ainda ficou pior. Calculei que me puxassem as orelhas no dia seguinte, mas foi logo após o almoço, fui convidado a ir aos Paços da autarquia falar com o director dos arqueólogos. Que entrou a pés juntos, dizendo que eu me arriscava a punições. «-Que punições? Oh amigo, faltam-me 5 dias para atingir o que me é pedido em estágio, se não fizer até ao fim do Verão, faço para o ano, não tenho pressa. O trabalho que fiz até agora vai ser avaliado de forma objectiva, e a senhora que está a dirigir os trabalhos, cometeu vários erros processuais, para não falar de prepotência e falta de profissionalismo. O tipo verificou que assustar não era a melhor proposta, e tratou de aliciar com a dispensa de 5 dias, que me podia ir embora, que me seria contabilizado todo o tempo, avaliado objectivamente, desde que eu não metesse os pés perto da escavação. Concordei, pelo seguro falei com malta conhecida e fui fazer os 5 dias ali para os lados do Tojal, numa daquelas escavações que não é para fazer mas ir fazendo. O Fonseca procurou-me no facebook, pediu amizade e depois disse que me queria pagar uma cerveja. Que a tipa levou uma piçada e foi arredada da direcção, e passou a fazer apenas os desenhos. Respondi «-Que se foda. É mais uma frustrada, coitada.» Todo o causo provocara impacto nele. Não é para me gabar que o partilho. Até porque lhe disse, «-Eu já fui um bocado enconado, como tu. Até que perdi a paciência, que nunca foi muita.» Ás vezes basta um pardal fugir da gaiola para os canários perceberem que não tem porta. Quando se sentiu à vontade comigo, começou a confidenciar mais da sua vida mental. Ao que eu lhe dizia, que apesar de ter cursado Antropologia, fazia perguntas de Filosofia. Em várias merdas que me contou, pelo que descreveu, revi-me nalguma e respondia-lhe «-Olha, temos algo parecido, somos daquelas pessoas não abençoadas com a capacidade de impressionar os outros, não por falta de atributos, mas por falta desse encanto específico. Ninguém nos parece dar o valor que achamos ter ou merecer. é uma maldição mas temos de aprender eventualmente, a saber viver com ela, e a não deixar que nos mate a espontaneidade.» Ele ficou de olhos tristes, mas eu disse-lhe «-Não fiques triste. Se te cagares para a opinião da maior parte dos outros, não te afecta tanto. Isto está cheio de malta que avalia outros a partir do diâmetro do seu próprio umbigo e da cor dos seus próprios olhos, que a valorização por parte de outros, é como encontrar agulha em palheiro.» Os neurotípicos, os com energia estável, e pouco espampanantes, são os que geralmente parecem invisíveis aos mais próximos. Mais vale cair em graça que ser engraçado, era o que eu não parava de repetir. E o momento em que ele o entendeu foi quando eu narrei um lanche com uma ida namorada e um amigo dela e das outras 3 que à mesa partilhavam croissants de chocolate. E quando esse amigo foi verter águas, todas gabavam a sua verve sedutora, a sua classe a tocar na mão da empregada e na reacção da mesma, 'engatada', evidenciando sinais de conquista que eu não vislumbrara minimamente. O que mais me chocou foi a minha namorada da altura embarcar no encómio. Logo eu, com fêmeas q.b. no CV. Até rima. Pensei para comigo, se reconheces carácter sedutor a outros, e não a mim, tenho de melhorar, e no mês seguinte andei com outras duas e com ela, claro, que para a impressionar...mas depois não lhe contei porque que ganharia eu em destroçar-lhe o ego? Depois contaria aos 4 ventos que eu era adúltero, e não que ela me desvalorizara e relativizara. Deixá-las morrer na ignorância. Pelo que a invisibilidade é uma moléstia de patos para com cisnes. Parece self help, mas não é. Ele ouvia estas merdas e aquilo parecia fazer sentido para ele. Eu citava constantemente Camus. Não há destino que não se transcenda com desprezo. E eu desprezo a maldição. E nem me vou esforçar para impressionar patos. Vê lá tu, cito Camus e Confúcio, e esta ou aquela gaja prefere um gajo com um carro bom que acha que Nietzsche é uma marca de Vodka, se ri com piadas boçais e básicas que faz. O seu a seu semelhante. O que ele me contava da sua vida, parecia comparável à minha, e quero crer que fui e sou uma presença frutuosa na sua existência. Quando chegámos à casa da sua tia, agradeceu-me a amizade e a ajuda. «-Deixa-te dessas rabolhices e anda lá buscar o sofá, que ainda vais pagar o almoço.» Beijou-a na cozinha, perguntou como estavam os netos, ela disse que bem, e retorquiu, quando ele pensava voltar a namorar ou voltar a casar. O tipo ficou encavacado, e disse que acabara de romper com a namorada, que não tinha cabeça para isso. E ela insiste, por detrás do avental de cozinha e das felpudas botas de velho, lamentando, tu nunca consegues manter uma mulher. Ele fica sem palavras, e diz, por fim, ó tia, eu não as consigo ou quero forçar. Se querem ir embora vão, é lá com elas. Ela dá o exemplo do filho, que tem um casamento ‘forte’ e que não aparenta ter prazo. O tipo encolhe-se cada vez mais, interiorizando o seu pouco valor enquanto pessoa. Por estar mal fodido ou por ser sei lá, um revoltado da vida, exclamei: «-Ó minha cara senhora, mas a senhora acha que nos tempos de igualdade de género, a mulher tem de ser cortejada e apaparicada para ser mantida? Que merda de igualdade é essa? Então o seu sobrinho foi encornado, teve a dignidade de se afastar pela quebra do vínculo voluntário mais sagrado entre duas pessoas, e a senhora ainda o menoriza com recriminações? Mas vocês mulheres agem e protegem-se em grupo? Não admira que mandem nesta merda toda!» Ela fica lívida olhando para mim, incrédula por alguém lhe dar resposta, e recrimina-me pelo desplante de falar alto na casa dela. Apesar de eu ter falado tão alto como alguém que sussurra uma cena de filme a outro num cinema. Havia jogado a carta da propriedade, de lhe dever respeito no espaço que considera seu, como se nesse espaço as suas opiniões também estivessem imunes a crítica alheia. «-Não se preocupe, estou de saída.» Cruzei os dedos à espera que dissesse que se saísse pela porta, nunca mais nos falaríamos. Recorreu à brejeirice de tal forma, que o Fonseca teve de dizer para sairmos rápido com o sofá em peso pela porta da rua. «-Obrigado tia!» Na rua, pediu-me desculpa, e agradeceu-me por o ter defendido. Revoltado pelo que a tia lhe dissera, diz que concorda comigo, quando defendo a pergunta, que acha o gajedo ser…algum prémio na Existência? «-Mano, andam todas iludidas, mas é como os pássaros, é deixá-los pousar. O karma é fordido e vai ser fordido quando caírem ‘nelas’.» A forma como desabafo a coisa soa peculiar e de alguma forma, começamos a rir. Quando deposito o sofá na sala dele, recebo uma mensagem de whatsapp. «-Desculpa, não estava em mim, se calhar disse coisas que não devia ter dito, podes passar por cá?» Na rua, a tarde saudava os estorninhos em torno da sua cama em forma de freixo alto, e as sirenes das fábricas anunciavam a pausa do canastro proletário de outrora. No meu telemóvel a tecla do bloqueio de número havia sido premida e na segunda-feira seguinte, iria frequentar outro ginásio. O conas voltara a sair pela porta. https://www.pablogenoves.com É professora de educação especial. Como me sentisse roendo a corda, mandou-me por whatsapp, umas fotos dela em Benidorm, que pela conversa prévia, havia sido local de aventuras com um maduro qualquer antes de mim. A pose dela era orgulhosa, como que dizendo que tinha corpo para mim e muito mais. Estava à espera de me sacar elogios para se sentir bem por uns momentos. Mas eu não os dou. Nunca os dou. Até porque a pintura começa a esborratar-se, como eu, na tela do tempo. Elas passam anos a estudar-nos, estes mamíferos peludos e previsíveis, e habituam-se a uma quota de variabilidade das personalidades, que na cabeça delas, permite a ideia de que um, pouco difere do outro. Faz dietas malucas para permanecer magra, e arranja-se mais para ir trabalhar do que para ir ao supermercado. Goza com a minha altura, apesar de em saltos altos, a sua cabeça não me chegar ao ombro. É uma provocaçãozinha que ainda assim anoto, nas contas de deve e haver na actividade de a deixar chupar-me a pila mais do que uma vez. E acaba por fazê-lo, sem que eu peça, acho que é uma forma de se convencer a si mesma que é uma pessoa espontânea. Primeiro finge que nunca viu uma pila. Depois olha para ela com olhar científico. De seguida goza com ela dizendo que é pequena. Olha para mim, a ver a minha reacção. Rio-me e respondo que para mim chega. A casa dela fede a tempo parado. Mora lá com a irmã, ambas trabalham nos serviços, que ser professor, é ser um proletário da Educação nos tempos que correm. Apesar de limpa, a casa tem uma estranha forma de limpeza, só o necessário. Parece que ambas disputam entre si, o prémio de quem menos faz, para não ficar uma a perder para a outra. Nem a sujidade é assumida. É envelhecida, pátina ganha com o passar dos raios de Sol por cima dos móveis de madeira rangente. Ao entrar na casa, um hall de entrada anoréctico, que se divide em duas divisões para cada lado, com a casa-de-banho ao fundo. Logo à esquerda, o quarto dela, onde sem coragem ou vontade de me dizer para a foder, colocou um preservativo e lubrificante, em cima da box da tv, motivo pelo qual me convidara, que estava sem televisão e eu parecia perceber de electrónica. Fingi que não vi, e já em cima dela na cama, deu em sair, vestir o pijama, e meter-se debaixo das mantas. Sem paciência para coisas que a minha lógica não abarca, disse-lhe que me doía a cabeça e fui-me embora. Ficou a olhar para mim, fazendo contas intracranianas, onde lhe adivinhei qualquer pensamento de fatalismo leve, pois que isto de aventuras de tinder e bumble, é mais fácil que peixe num barril. Encostado na ombreira da porta do seu quarto, lancei-lhe um último olhar em silêncio, indagando comigo mesmo se seria ela que me iria ensinar a arte da guerra do desprezo. Aquela guerra que fazemos uns contra os outros neste mercado da carne, onde ganha quem mais rápida e totalmente esquecer ou desprezar a lembrança do outro com quem partilhou pelo menos um momento de afecto. Como se a memória de uma carícia, fosse nos dias de hoje, a lembrança de um momento de fraqueza, sujeição, ou até de perda de tempo. Mas eu já sabia de antemão a resposta. Eu não sou assim, e não me posso queixar de o ser, pois sei que não o devia ser, mas…que carácter teria eu, se a minha identidade fosse feita em relação a estes andrajos humanos infectados com uma ideologia imberbe e imbecil? Que se fodam. Apenas tenho de me preocupar em não me lancinar muito. Se calhar é o que pensam de mim, que eu me foda. Se não faço ou sou tudo o que acham que querem, é porque não as mereço. E por cá, no mundo, a ideia é de que o tempo urge. Que as emoções mandam. Mas que emoções? As do consumo, onde cada um se torna no produto do outro. Leasings intermitentes em contínuos test drives, numa sinfonia de solidão e pobreza de espírito. Sujo, mas sujo de uma pátina da passagem do tempo |
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