-«Eu sempre fui muito amada João.»
Dizia-me ela , quando depois de me contar os seus desencontros amorosos, eu sentia pena dela. Dizia-lho. Ia aos arames. Não queria que tivessem pena dela. Que ter pena têm as galinhas, e que ela não precisava que eu tivesse pena dela, ela não era nenhuma coitada. Debalde me esforçava para explicar que a pena é um dos sentimentos mais nobres e extraordinários do ser humano, que é um partilhar da dor do outro, uma com – paixão. Hipnotizado pelo cheiro da sua boca e pelo esperma quente no rosto interior de minha coxa perdia-me em pensamentos. «Então porque te comportas assim com os homens? …» perguntava a mim mesmo… Como boçal trolha magoado, as suas palavras nestas alturas, na sua alma não eram doces carrosséis. Espécie inferior masculina que só serve para foder e usar como fulminante para a pena dos outros. Várias vezes lhe apanhei as tragédias por sms, para a irmã, para as amigas, para a mãe, onde era de mim que falava, mas onde eu não me reconhecia a mim próprio remotamente sequer como personagem participante, tal não era a sua imaginação para o drama, especialmente para o papel da vitima, que só assim a turba lhe dava o biscoito e a salvação através da pena que troca o aplauso, eu que pela pena lhe abanei a vaidade. Verdadeiras urdiduras filigrânicas de modo a aparecer aos olhos das amigas, irmã e mãe como uma parcela da equação cósmica, ela e o Universo, ela e o destino Susana Pascoal, só luta contra a Providência. Nada mais, nada menos. A luta é agreste, fá-la penar. Andei umas semanas ruminando na coisa. Ocupado com este pormenor, na minha tarefa geral e doentia de lhe mapear a forma psicológica de existir. A determinada altura ocorreu-me…os homens que deixava chegar mais perto eram as promessas de Redenção, por palavras outras, eu, os outros somos o algodão com água oxigenada na sua vida. O Baptismo a Confissão limpam a lama dos pecados passados também os homens passados e presentes são para a minha pequena ginasta, a catarse da sua imagem a seus olhos, da mãe, das amigas. É tão mais fácil dizer que os homens são uns cabrões, nenhum se aproveita, que dizer que ‘destroço’ é o nome do nosso espírito e coração. Que repetitivo, pensava eu…vulgar a forma de operar. Sem deixar de ser terrivelmente interessante. Outrora em tempos idos, outra havia conhecido, Dora de nome. Seu pai também a havia abandonado e havia feito gato e sapato da mãe. Dizia alto e em bom som, como trolha magoado, que os homens haviam magoado e feito sofrer a mãe, agora fazia ela sofrer os homens. Modus operandi recorrente, cama e carácter. Na cama desenvolvem o que mais acham que agrada aos homens que na alcova dominam e no Inferno desejam, e uma dramatis personnae construída para povoar a imaginação admirada e deslumbrada de tão fáceis e pobres mancebos. Por isso o apetite pelos mais novos… Vi este cocktail tanta vez em andamento, funcionando á minha frente. Com a Dora um mancebo da Força Aérea que representava dramas e paradas nupciais, para nós aspirando a que Dora visse, na residência ao pé da Imprensa Nacional, e num pardieiro qualquer em Viseu. Com a Susana, era só olhar a trela que ela dava e o feedback que recebia, do seu séquito, de onde vinham os biscoitos, de todos aqueles que serviam para enfeitar a sua tiara, do mesmo telemóvel com que mandava á irmã as mensagens queixando-se que não conseguia confiar em mim, que a luta era titânica, entre o amor e as traições cometidas pelo objecto de amor (eu), que o próprio desconhecia…lado a lado com mensagens de imagem de mancebos se masturbando para ela, e imberbes surfistas que lhe queriam fazer ‘malinhos’ depois de noites passadas num carro junto á praia. Tive e tenho uma sorte que agradeço todos os dias, tenho privado com pessoas interessantes assim. Dir-me-ás caro leitor, que lido com bipolaridade, loucura, mas não. Não, lido com o sal da Terra, a loucura não é tão coerente, e nem tu percebes nada disto. Como necrófago vou-me alimentando destes vestígios de extraordinário putrefacto tentando retirar de algures o algo que me faça entender o que quero entender e por vezes o individuo é apenas o veículo da minha compreensão. São jogos meu senhor são jogos. Jogos jogados connosco para nós. Jogos dentro da nossa cabeça com a cabeça dos outros.. Algodão com água oxigenada lava as feridas e os plásticos, branqueia e desinfecta , e as amigas: «Coitada, pois é tens razão, são todos iguais, que azar amiga…» Amigas de data longa, habituadas a posarem para as outras através de sonhos embasbacados de mancebos de pila fácil e coração tenro, e aí Susaninha era rainha. Mais longe, mais alto, morais como foder com os ex é mais asseado e seguro, ou fodi fazendo o serviço público de ajudar a sentir homem um tipo fraldoso, admite que me lês…são tiros certos para que te apaixones. Eficaz heroína lendária na hipnose sedutora, dos homens que são todos iguais, de novo luta de Susana contra o Universo, ela conhece e controla o Mecanismo… Tão terrivelmente fácil que até dá pena. Assisti em surdina, a eles caírem que nem patos, com os meus olhos onde ela jogou os seus, na Covilhã por exemplo. Bastava sentar-se numa mesa, e sorrir ocasionalmente, não era preciso sequer falar. Um, dois, três, ficam magneticamente hipnotizados, encadeados com aquela luz que é uma violeta perdição para as moscas num varandil. 1º teste. No fundo do baú encontrei a personagem indicada a representar, corno. Fiz-lhe uma anatomia, vesti o traje com ultraje ostensivo, e levei-a dali, de forma a chumbar propositadamente o teste de tão esmerada princesa. Sabia que o segundo teste estava destinado a ser ainda mais humilhante e rebaixante, e não me enganei, depois de percorrer ostensivamente sem ultraje bocas de mulheres e homens numa discoteca, tomei-a para casa, representando o papel de corno bravo, mas no fundo deliciado com este pedaço de ser humano que se revelava a mim. Agradeci a Deus, ou à personagem encarnada pelo Universo contra qual Susana luta. Estas amigas juntam-se no ambiente onde mais á vontade se sentem discos e Lux’s, quem consegue o maior número de mancebos, recebe o prémio da noite, o biscoito do valor, numa representação de série B de uma qualquer ‘O sexo e a cidade’ em versão parola com jovens actrizes porno na fase descendente. O algodão com água oxigenada lava as feridas e os plásticos quando a paciência de irmãos pais e mães está perto da lâmina do suportável, ou quando a imagem que as acossa é demasiado pesada de suportar, mulheres livres porque fodemos quem queremos quando e como queremos foder. Qualquer tipo apresentável e minimamente inteligente serve, tem de se subir a parada. Mana, não aguento mais, não consigo confiar nele, foi a conclusão a que cheguei depois de ter pensado até ás cinco da manhã no carro de outro. Mãe, eu mereço ser feliz, o azar que eu tenho, depois de me esfregar como gata lânguida por meia discoteca e balcões. São seres abjectos que é preciso esmagar debaixo de poses de ginasta enquanto os fodo. Merda de raça, exemplares a que ofereço revelações como a de que o meu namorado me fazia vir oito vezes, e ainda me quer foder e de vez em quando fodo com ele, e manda-me mensagens ainda, e já não fodo ao som da banda sonora da cidade dos anjos, nem saio de cima de ti quando o telefone toca. A pena que não queria sentida em mim, queria-la despertada nos outros julga-se superior a mim o cabrão que não é cavalheiro. Vives na imagem que julgas ver nos olhos de quem odeias, odeias-te a ti própria afinal, é este o cliché em que me esfreguei á tua frente. Quantas vezes não posso ver as borboletas que fazes com a mão nem sentir apesar de tudo o que fazes com a miséria do teu choro, perdido entre nenhures e lugar algum, deitados na cama atraiçoámo-nos a nós próprios, perdidos em todo o lado e no fundo a pena que sentimos te cobre o dorso todo, e em segredo revelámos que és um anjo de hoje, vives e levas ao extremo de ti a pena da tua sorte escrevendo com a pena do teu sangue, és o sal da Terra e vais mais longe mesmo que no fim do Ocaso, é com o teu coração que pagas. Os mortos também dançam Susana.
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Outubro 2024
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