Alguém algures disse que no amor e na guerra tudo é permitido. Não vejo necessidade de distinção. O amor é a continuação da guerra por todos os meios. Sim, tu gostas dela, e ela gosta de ti. Mas a que esforços se dedicam para chegar ao fundo do outro, para se arrancarem à mediania da mediocridade onde um mundo consensual e balizado vos fornece os contextos em que se conhecem? É guerra. Nada mais que guerra. Schopenhauer dizia-lo, não sem um amargo de boca. Pura, cristalina, sem remissão, sem quartel, sem qualquer pensamento de derrota. Guerra, total, urbana, civil, fratricida. Guerra. E no entanto só tu és acusado de ser soldado. Para ela é sobrevivência. Ai, os homens são todos iguais, mentem com todos os ossos do corpo, fingem, manipulam, representam. Escutas isto geralmente da boca de quem passa 2 horas por dia a maquilhar-se para ir ao supermercado mais próximo. Ou de alguma mimada a quem a beleza concedeu alguma ponta de arrogância. Tu sabe-lo. No jantar com que a fisgaste, meteste o teu melhor fato, e até a tua barriga era menor porque cuidavas do teu aspecto. Queria-la tanto na ponta da tua boca, que afogaste o sentimento de estares a ser falso, fingido como se fizesse parte da guerra, e como as coisas são assim. Fingias ser porreiro avesso ao ciúme e à posse, sensível e moderado, ou estouvado e imprevisível de acordo com o que manipulador lias que ela procurava. Mentias a ti mesmo, que engraçavas com a miúda e que os teus critérios nada tinham a ver com um apresentável rosto simétrico, um par de mamas e um rabo apalpável e invejável. Fingias ser respeitável e sóbrio, e até ofereceste prendas aos pais dela no Natal, até a emprenhares e garantires tua. Fingias ser o mais útil e ajuizado dos homens caindo no fosso de tentação, de lutar sempre pela aprovação de familiares e amigos dela, de forma a que ela perceba sempre que é uma tonta por te largar, que grande partido és que já nem te reconheces, até porque nunca te conheceste. Depois de a fazeres casar, mas não convencido do anzol de latão no seu beiço, é outra maratona que começa na tua degradação, que pintas com a cor falsa da maturidade que tem de ceder, escondendo o jogo, a guerra. Vestes bem, és extra simpático e atencioso com ela nos jantares de amigos, onde te esforças por impressionar não vá ela perceber que és uma fraude. Extra defensor das mulheres como se precisassem de defesa tua, só para agradares e garantires a tua dose de cona conjugal. Tentavas impressionar na cama, ansiedade de performance levava-te a perguntar se ela se tinha vindo ou se tinha gostado. Perdias minutos que pareciam horas nos preliminares, e depois de te vires davas-lhe beijos e afagos na cabeça, a não ser que nela lesses que tomava isso como sinal de fraqueza tua. Se fodia bem abrias-lhe as portas quando andavam na rua, se não fodia, ainda eras mais servil para continuares a garantir a dose de mau serviço. Passavas horas lambendo aquele clitóris, até te doer o maxilar só porque teimavas que ela tinha de te pensar como o melhor amante que conhecera, e não te querer trocar por outro. Fingias que não querias estar longe dele, e assim que em privado saltavas para aquele jeito teu de não tomar o primeiro passo muito obviamente apenas o suficiente para ele pensar que o desejas. Em loucuras calculadas baixavas-lhe as calças e lambias-lhe o falo com a mestria que tinhas aprendido na tv ou na tua peregrinação amorosa, mais entregue a perceber o mecanismo que em te entregares ao momento, afinal podes ter homem com um estalar de dedos. Ele adorava-te por isso. Assim que te abria as portas, e te colocava gentilmente a mão nos rins quando te tratava como princesa, sabias que as outras por aí não estavam a fazer um melhor serviço que tu. Fodiam como coelhos, até que te começaste a fartar de meter a sua pila na boca, com cabelos e cotão das cuecas de algodão que usa. Nojo, é por ali que ele mija, e assim que queres ele dá-te a água para apagar o fogo do teu desejo, para que não lucrar com isso obrigando-o a tratar-te bem? Não sejas parva. Só o impressionas até garantires o anzol de aço bem cravado nas suas guelras. Sabes que ele não vai a lado nenhum. Ele sabe que tu não vais a lado nenhum. És boa para mulher dele e ele para te criar os filhos. A reificação anula-se bidireccionalmente. Ele fode por fora, outras que lhe dão o que lhe deste ao início. Ela fala de outros com as amigas quando saem e tu pensas que falam de crochet. Não há dia que um colega de trabalho não a assedie, e ela não responda com um sorriso de quem sabe talvez um dia, ou de que finge que é só simpatia por parte do aspirante que manda o barro à parede. Por vezes até ele fica tão desleixado que começas a puxar por ele contrastando com o moreno de colarinho imaculado e bronze windsurf que todos os dias te diz que tens um sorriso cremoso. E tu estás presa a um voto, que é apenas um voto. A corda ensebada perdeu o brilho e tu o ascendente. Tatuas estrelas na mão ou piercings no umbigo, ele na perna da bola e faz penteados tomahawk. Ele imerso em novas actividades que o façam dinâmico a teus olhos, ela cada vez mais adulta e entregue aos filhos, fazendo-o sentir um poucochinho culpado por não conseguir igualar em amplitude o sacrifício. Ao fim de uns anos, se ainda continuam juntos e os filhos não de pais separados, amoleces as mãos ao calor da lareira e perguntas-te que caralho é aquela pessoa que cintila por detrás de uns olhos apagados.
0 Comments
Após o primeiro orgasmo a satisfação do alívio escorreu pelo meu rosto sob os auspícios de um terno sorriso, olhando para ela com um coração aberto de carinho, no qual me pareceu ver uma alma da outra margem que vinha ao meu encontro, em vez de me tornear para perceber o meu perímetro.
Essa ilusão trouxe-me alegria, parecia ser humana. Mais tarde confrontada com esse raro momento apelidou-o como um acto de cumplicidade entre duas pessoas. Fiquei a pensar nisso. O cuidado em não dizer manifestação de amor, mas sim, um acto de cumplicidade. Não poderia sentir amor, coisa vaga e sem contexto definido. A mulher hodierna que trata a vida por tu, vai além da foda e do envolvimento emocional. Não se entrega, especialmente a merdas que a podem magoar, e às quais no fundo já não dá uma migalha de crédito. Estas mulheres adoram-se sentir emancipadas através da frigidez emocional. Maturidade para algumas delas, não é a consciência do abismo que faz borrar os pneus, maturidade é a recompensa de se terem condicionado a não sentir, a procurar as estradas menos sinuosas onde a serpentina da paisagem passa por caleidoscópio da rotina do entulho. Exultam nos seus vestidos negros voluptuosos pela capacidade em controlar o sentimento ou nada sentir, por claro contraponto ao estrogénio da puberdade. Confundem o estar-se vivo com fígado de boi cru em mar de tubarões, o frenesim da fome passa por celebração de vida. Ao vir-se reservam-se ao sentimento do seu corpo, e ao fazer vir, enaltecem com a perfeição técnica a vaidade da sua alma. Dois celebrando a vida através de esporra e ofegantes espasmos, faz parte de um quadro asséptico e calculado, normal como um mundo sem deuses. Dois celebrando a vida através da missa que o corpo em Agnus Dei derrama, religados após extenuação celular até às mitocôndrias que arrebanham os lençóis, de mão dada e felizes por juntos, é ideia estranha e tomada por ficcional e digna da pena do leproso condenado ao ostracismo de rarefeito contacto humano. A tudo o que lhes confirme a lógica e a fantasia dão valor. Á criança que sentia outrora, contrapõem a madona pétrea e calculista como forma de sentirem uma evolução naquilo que chamam de vida. Cumplicidade implica mais um acto consciente e adulto que se pratica a encoberto de uma noite social em uníssono com outra pessoa cada um fechado na sua individualidade, pois é isso que significa ser adulto. O auto controlo, a noção da nossa falência por cada pecado que inevitavelmente cometemos…cumplicidade…é tão seco ser adulto e pode até deslumbrar como videoclip de uma radicalmente nova música, mesmo que use as mesmas notas, cumplicidade do mesmo coração desgastado pela repetição aborrecida dos amores e desamores, onde a entrega já não é possível senão enterrada na mesma imaginação fácil e em solitude, que a arrasta para a acção, mas depois a faz escarrar para cima daquilo que acha que já controla e domina. Assim o cúmplice é aquele que pactua com a sua própria relativização enquanto ser humano que endoidece pela foda e pelo toque da carne, pela carta aberta e cheque em branco em devassar o corpo do outro com língua luxúria saliva e suor, para o caralho com a cumplicidade. Apenas o frio e a seca, os despojados de sentimento falam em felicidade adequada. Vivemos num viveiro de gente desapaixonada dedicada a celebrar a sua fantasia de verniz, incapaz de acometimentos e loucuras descontroladas, cada vez mais ficções de si mesmos, e tal como So, com as raízes secas como planta defunta em vaso de terra desidratada. I
O meu mais genuíno sorriso é fingido automaticamente, e na mesa ao lado um homem apresentável, mas desleixado na barriga saliente e na moda das calças, toca-me no ombro e pede-me para lhe tirar uma foto e aos amigos que comem e bebem e se fotografam para colocar no facebook. Sou bonita e já saltei a porta dos trinta e saio com as minhas amigas para estarmos lindas juntas e desanuviar as semanas de trabalho. Não ando à procura de ninguém, mas gosto de me sentir bem comigo própria, e consigo isso através dos olhares marotos que arranco da rapaziada, ergo, visto-me em cada ocasião como se fosse para derradeira gala, que pode ser um restaurante do centro comercial. Não me fecho ao amor mas uma calma desesperante poisa lentamente em mim e na linha da minha vida. Assim como vou percebendo os pouco amistosos augúrios que o espelho me murmureja. Não estou mais nova, e torna-se cada vez mais difícil provocar o mesmo efeito e fazer os homens virar a cabeça de repente e as mulheres olharem-me com inveja e apreensão, segurando com mais força a mão dos namorados. Desde os catorze que se tornou tão fácil…bastava sorrir e não precisava de dizer nada, a não ser se me perguntavam o nome…surgiram por magia piropos e elogios, sumos e rajás de borla, o mundo apresentava-me o sorriso caloroso de um raio de Sol em aurora, com a liberdade que decorre da exuberância das possibilidades de escolha em números incontáveis e em portas abertas. Tinha o mundo na mão. Era jovem e bonita e cada elogio era a constatação do óbvio, do meu merecimento genético ou bênção da fortuna estética…afinal se outras não têm a mesma sorte de ter um corpo bonito como eu, parva seria eu de não aproveitar o melhor da vida só porque outros têm de comer o joio. Não, o mundo abria-me todas as portas, eu era a minha beleza, eu sou bela, e o mundo não me reconhecia o suficiente, eu mereço sempre muito mais. Só havia que ser cautelosa e controlada. O mundo a meus pés em idade de caminhar. Como celebração em tina de mosto rotundo olhar para mim e deixar-me enfeitiçar pelo monumento à espécie humana que o corpo de uma bela mulher pode proporcionar. Com platónico propósito aprendi desde cedo a deixar resvalar como gotas de chuva indesejada os feios que se me prostravam aos pés, beleza requer beleza e um corpo bonito procura outro semelhante para contemplação da beleza intemporal. Corpo bonito em sintonia de sucesso neste mundo…pesa-se na balança o equilíbrio de uma libra de carne, não menos, mas se possível mais, o caminho sideral é para cima. O meu aspecto reflectia o meu valor intrínseco e com a minha opinião de mim. Eu era desejada por muito logo só podia ser algo de valor. Eu era tão bonita e segura que as energias negativas dos outros só podiam ser inveja ou de ressabiamento por não me terem. Tão especial como borboleta por auto-estrada de flores, um profundo comprazimento interior brotava sempre que me sentia eu, e me bastava, numa luta só contra os perigos do mundo, pejado de escolhos contra um ser belo, e assim comecei a construir as bases da minha torre de marfim que me aprisionaria até mais tarde. Como temos de potenciar o que temos de melhor, como flor que em breve dará nectarina, e como consigo perceber a concorrência, não sou a única bonita da freguesia, invejo como sapateiro as que usam as mesmas armas que eu, refinei os meus suaves meneares de cabeça os tangos de cabelo e pescoço, os largos e visíveis sorrisos, que tanta amargura traziam a tantos que por mim haviam partido o coração e medravam na sombra. A forma feminina e sensual de dosear os olhares, de apanhar o cabelo, os tons quando nos pintamos e abonecamos e tornamos a nós mesmas as obras de arte de uma sedução desesperante para o espectador. Arte que desvaria até à loucura do sublime quem me quer, esses sacos de esperma e testosterona ambulante agrilhoados ao seu desejo, e à missão de aprisionarem uma bela alma livre como eu no presídio da sua posse. É isso que quero. Que me queiram, sem que me tenham. Alturas houve em que não vivia longe do desejo. A mãe Natureza começou também a pregar em mim, chamei-lhe amor, desejar um homem em mim, realizando-me e ao meu corpo levando-nos para paragens com peso escatológico sempre dele tendo a certeza de ser deusa em pedestal para ser adorada, sob sua volúpia sacrificada. Solicitada pelos pretendentes que me acompanhavam até casa, os discretos bilhetinhos nas carteiras da escola, na caixa do correio, nos bancos de universidade, em redes sociais listas infindas de oferta terna e meiga, amores adivinhados na penumbra, nos pára-brisas do carro, innuendos de colegas do trabalho diariamente e diariamente ignorados por mim, e até abordagens em colisão frontal com faces intensamente ruborizadas, extra simpatia para onde quer que me vire, sempre gente pronta a me ajudar, a tornar este mundo cada vez mais de sonho para mim. Muitos amigos nada me diziam abertamente (insisto em chamar estes pobres diabos que me desejam, de ‘amigos’) dedicando-se ao invés a encobrir com lisonja as suas intenções. Eu mantinha-os na corda bamba, zangada com a sua falta de honestidade, com a aparência de um plano para me conseguirem, como se não fosse eu o prémio, mas algo de mim. Ao mesmo tempo deliciada com a disponibilidade barata dos seus ouvidos e corpos para me ouvirem e passearem e para me animarem quando às vezes a vida se zangava também comigo…Uma tour de force, em que alguns se cansavam de me amar sem retorno, calculistas, e outros me brindavam com aspirações cíclicas, às que eu me fingia ofendida por quererem estragar uma amizade da qual eu levava a melhor parte, e fingindo não saber que a mesma era um fingimento da parte deles sempre esperançosos que uma conjugação astral me fizesse um dia entender que a sua dedicação e prontidão, o seu sacrifício de vida é afinal aquilo que procuro, em coros uníssonos de senhas que me abram as pernas e o coração. Fingem não sentir o que sentem, e eu finjo também, dá-me jeito. Degradam-se para me ter como adereço na sua vida, e eu não me intrometo na relação deles com eles próprios. Aos que se propunham, eu negava o acesso. A amizade é o banco para os que recebem o prémio de consolação, culpa-se o destino por não se lhes poder corresponder. Sentimo-nos bem, humanas e solidárias com a nossa franqueza, oferecemos amizade a quem é vergastado pelo desejo, confirmando a aprazível fantasia que temos sobre nós, ao mesmo tempo adultas por perceber a injustiça de um mundo cruel que mete emoções perigosas como o amor em equações de improvável resolução. Os primeiros namoros levaram-me o hímen e as ilusões. Os homens vão e vêm como as estações, eu apenas existo e sou bonita, a fonte nunca seca, e as desilusões apenas confirmam a especialidade do meu ser, que parece passar em branco aos olhos de todos os que vão e do próprio mundo que me diz que sou única e profundamente especial, linda no corpo, complexa no espírito. Estas certezas colocam um semblante fatal no meu olhar que vislumbrou, ao que parece, o terrível segredo sob os negrumes do véu de Maya. Onda após onda que me deita ao chão, e eu nem notava o sabor da espuma salgada, ocupada com a vista a partir da minha torre de marfim, e com os convites para café e a dialéctica das sms, ramos de rosa ocasionais, serenatas declarações em eflúvios de rosa que são afinal o terreiro da vida onde danço meneando o meu carnudo dorso e a estonteante curva do meu regaço. Por vezes cheguei a pensar que os homens são todos iguais e eu só queria os que não me queriam, nunca me lembrando daqueles que haviam perdido o sono por mim, algum provavelmente gostaria mesmo de mim, não no fundo sei que era apenas o meu corpo que era desejado. A sucessão das fracturas convenceu-me que o aspecto pode ser uma maldição, e o meu corpo foi matéria para sonho de muito homem, completamente alheado do que sou, tal como eu, que o usei para uma vida de facilidade e ilusão lisonjeira. Quantas vezes me senti adereço com o qual me mostravam aos amigos e aos outros, objecto de qualificação deles para outros, ou para as mães. Quando em cima de mim parecem só existir eles, absortos num transe rumo ao orgasmo e numa ansiedade que é aflitiva, através de mim como se eu fosse objecto ou porteira da sua maldição testosterónica, e chego a ter pena deles quando me penetram e os despeço com um lacónico ‘Adeus’ lá pela manhã. Sou mais que uma imagem ou artefacto. Vingo-me deles. Doseio e doseio bem. Refinei a capacidade de os enlouquecer. Entendo-os, apanho-lhes os truques, as estratégias, as manhas, os trejeitos e os hábitos, as desculpas, e dou-me em doses doseadas, condicionando-lhes o comportamento, ora generosa ora mitigada, meto-os a correr, deixo-os enrolar o pescoço na sua corda, sou bonita e sorrio. O meu maior bem guardo-o entre as pernas, com ele fidelizo o freguês, de consumidor ocasional a irremediável carocho. Não quero mudar, dá muito trabalho, afasta-me da minha zona de conforto e obriga-me a reconhecer alguma réstia de engano na minha lógica, na minha fantasia lisonjeira, não acredito que possuo uma frivolidade que não sei ter. Desenvolvi o isco, faço-lhes carinho, manipulo, digo asneiras quando os fodo, chupo-lhes a verga de forma lasciva como vi nos filmes sobre o tema, até que se comprometam e se decidam a pertencer à maior raça de gado domesticado, os casados. Comprometem-se, e tratam-me como a princesa que sou ou esperava ser, criam-me os filhos, apaziguam-me os caprichos do estrogénio, e servem para completar uma versão alterada da torre de marfim que ruiu. Aquecem-me à noite quando suspiro antes de dormir, pesada pelo fantasma das relações passadas, tótemes a mundos que desejei e por capricho do estrogénio da fortuna não resultou, deixando a mossa de ter perdido o prémio principal e ter de me contentar com este que me aquece na cama e me faz as compras no supermercado. Longe vai o tempo pré marital onde o fiz acreditar que estava sempre disposta, que me ria do que dizia, em que abria as pupilas para mostrar o interesse que me esforçava para ter, onde a repetição de suor e saliva da paixão até altas horas da madrugada torna-se repetitiva e acaba por enfadar, e deixa de ser necessária, o boi afeiçoou-se à carga. No trabalho sonho com as amigas em estrelas de cinema ou chefes afrodisíacos, e dou conversa aos colegas de trabalho, falamos de sexo, conas e caralho, e com o meu marido não admito que fale em pénis ou em noites mais condimentadas, afinal quem pensa ele que sou? Talvez nunca me apetecesse, e só represento esta peça porque é o que todos esperam de mim, eu já sei como eles são e na minha sapiência fatal dos encontros que tive com o mundo, sinto que sou eu que tenho de manobrar as coisas, eles são uns tontos. Ou este é. Ele andaria feliz se fosse tudo como no início, mas acaba por fartar não é? Queria uma mulher que lhe correspondesse na cama, mas acabou por comprar um logro igual a tantos outros por quem se afeiçoou, gosta de mim, mas por receio e preguiça contenta-se com o que dou, com o que o manipulo. Antes um jumento que me carregue, que um cavalo que me derrube, já dizia Gil Vicente, e eu dou-lhe compensação mais que suficiente, poder viver com uma pessoa tão especial e que tão bonita foi. Vejo as outras sofrer e naufragar em escolhos de manipulação que eles armam, eu não. Ocupo uma posição no mercado da carne que me permite aspirar acima disso. A minha alta imagem de mim mesma, tão justificada como castelo de areia assente em pele que se decompõe pelo tempo na praia do esquecimento dos séculos por vir. II Toquei-lhe no braço. Simpática. Riu-se. Trocámos sorrisos e olhares, empurrei-lhe um bilhete com meu número de telemóvel por debaixo do cotovelo, fez cara de asco e depois de que eu era tolo, mas guardou o papel para gáudio das amigas que a viram reconfirmada como alma abençoada pelo fascínio dos homens e por isso como voz de autoridade no assunto. Recebi um sms e fomos tomar café. Tudo no sítio, ao subir as escadas que cu torneado, senti um arrepio igual a todos os que sinto na espinha assim que vejo cus e ancas portentosas. Se fosse só mais uma pobre diaba para desenrascar o que a punheta só agudiza, não estaria tão nervoso. Não, esta é bonita, e boa, é um prémio. Tenho de a tratar bem. No mercado da carne, este corpo é bom, é para ser tratado nas palminhas, o que não devem faltar é outros sabujos a rondar este quintal. Mas eu também sou bom, apresentável, ando no ginásio, tenho um bom carro, arranjo-me bem, tenho amigas, os porteiros das discos conhecem-me e sou um ás a lidar sociavelmente em cada ambiente. Quantas vezes teremos de sair até foder? As boas geralmente fazem-se vender caro. É na cama que se sabe se dá ou não. Mas pelo aspecto, dá de certeza, só para poder mostrar a outros e a mim que arranjei uma mulher decente, e com bom aspecto. Três encontros sem falar de foda, nem penses que me metes na gaveta dos amigos. Disse-lhe as minhas intenções e ela agradeceu a frontalidade, mas que me estava a conhecer. Bem jogado, vê-se que sabe lidar, afinal é bonita e não deve ser virgem, mas a sua honestidade ou resposta pensada não me permitem ajuizar se é muito batida ou se é o seu jeito ingénuo. Foda-se, quantos terá tido? Isto não vai dar em nada. Três meses a sair e trocámos um beijo, ela não cede. Ainda não fodemos, já não consigo fingir. Se me beijou é porque há hipóteses. Vou dar mais uma chance após todas aquelas que eu disse que eram as últimas. Vou levar na descontra. A miúda até parece ser fixe, vejo-o no soutien e nos leggings que leva que tem boa índole. Outras mais fixes mas menos bonitas, não eram tão fixes. Cada um renitente em convidar o outro para não baixar o valor, ou para mostrar desespero, numa relação que se pressagia por ainda haver dois emissores que se falam…foda-se vou perder. Quero que ela saiba que não ando desesperado, porque me preocupo tanto com o que ela pensa? Só pode ser amor, será esta? Porque é bonita gostava de a apresentar aos meus amigos, e aos homens que nos olham na rua e quero que saibam sim, é minha sou eu que a como, invejosos. Com uma mulher bonita no braço mostro-vos que não sou um qualquer, sei o que sou e quero da vida, não sou como vocês, cuja mulher lá em casa é um calendário de oficina de mecânico, com belos seios desnudos à mesa de jantar. Fodemos. Num hotel com spa onde fomos passar o Carnaval. É boa, não se mexe muito, parece confiar na beleza que tem, mas eu fico a pensar que não gosta da minha coreografia, ensaiada tantas vezes no passado. As mulheres bonitas são assim presumo. Para olharem e serem olhadas. Para mim basta, faço a festa toda antes que acabe. Ela parece por vezes cumprir calendário. Lambo-lhe a derme toda, sorvo-a de todos os ângulos, venho-me até à exaustão, ela não se nega, chupa-me os genitais, fala das saudades que tem quando de mim ausente, sorve-me até me ver satisfeito. Estou apaixonado, é isto mesmo que quero, que sorte tive. Luxúria na foda, faço um vistão na rua, vou ter juízo, ela tem pouco uso e fica bem nas fotos. Há sempre um timbre de gasteza no seu olhar, tenho de pedalar para a fazer feliz, para não me deixar e eu poder continuar a foder com aquele belo corpo. Não parece ter muita rodagem, pode ser a mãe dos meus filhos, apresento-a à família. Tratam-me como homenzinho, é desta que ganho juízo, já estava na altura, tem pouco uso e fica bem na foto, e eu em cima dela. Casamos e engordamos, fodo de vez em quando e digo para mim mesmo que ela se dedica à família, e ela manda em tudo. Acostumo-me ao feitio, e se escolhi o compromisso, não me posso dizer enganado porque ninguém me enganou, eu devia saber, é assim para todos. Tiranetes em castelo de marfim, e eu sabujo em troca de sexo e afeição, que surge quando ela quer e me porto bem, foda-se acho que mereço ser feliz. Com o meu cronógrafo aliança robusta e smartphone em bolsa de pele vou engatando as colegas de trabalho, as caixas de supermercado ou da bomba de combustível onde abasteço a station wagon. Ela suspeita de x em x anos temos uma crise, mas eu avanço mais um lance de escadas na minha degradação, e a coisa fica saneada mas volto sempre ao local do crime até que cedo à inutilidade desta merda de vida e celebro as alegrias do matrimónio. Também mereci ser feliz. Suados deitados, ouvindo a banda sonora da 'Cidade dos Anjos' em modo 'repeat' ecoando pelas horas, combinávamos os nomes dos nossos filhos por nascer. A fantasia construída com cara séria servia de afiada rapier numa luta ritualizada no silêncio de veludo em terno e falso corpo a corpo em busca da submissão do adversário. Submeter fazendo-o apaixonar-se, afeiçoar-se ficar em suspenso de nós. Afeiçoar-se a uma ideia que dá sentido à vida e significado cósmico, enquanto o génio enganador em nossos lábios esconde que o outro está para nós como pardal em poiso temporário, passando a miragem de que afinal o nosso destino de amor é afinal ave determinada a voar connosco até ao fim até seu ninho. Eu a ela, ela a mim. Dançamos naquele tempo uma espécie de vale-tudo nos lençóis usando todos os truques sujos no livro e fora dele. Tudo valia para provar ao outro a nossa submissão e boa índole, afinal a paixão apenas ensaiada, o nosso apego, a nossa dependência e fascínio. Como solitários imberbes estúpidos ensaiávamos punhetas no chuveiro tomando-as como refinados actos de amor. Fazer acreditar ao outro que as fodas dadas eram mais que gotas caídas em poças de chuva sazonal, iguais a planos imaginados em parcas linhas de sonhos da puberdade. Ela não tinha qualquer respeito por mim. Habituada a lidar com rapagões da noite nos bares onde trabalhava, morenos do solário gotejando o suor anabolizante adocicado por eflúvios de batidos de proteína e bíceps de Megamass que a abraçavam em leitos onde trocavam murmúrios pelo dia após a correcta enunciação de palavras mágicas. Transportavam-se em BMWs pretos com assentos de cabedal, em atmosferas promissoras, do sexo porvir e por ter cessado mais uma noite e de seguida nascer calmamente novo dia. Começavam os olhares no bar, no seu afã de dar vazão aos pedidos e levar muito a sério o seu trabalho, eles a espreitavam por detrás dos gins tónicos e dos vodka laranjas, e ela por entre as torneiras de cerveja a que se agarrava, e entre garrafas que na sua mão faziam o pino, esvaziando-se dos néctares inebriantes que escorriam a conta gotas. Eles se divertiam em espaços escuros ao ritmo dos strobes, projectando a encarnação do sucesso e da programação básica e infalível, bamboleando ao som das melodias da moda. Habituada a tratar por tu esta gente tão mais adaptada à real realidade, obviamente não se deixaria impressionar por um miúdo de faculdade, facilmente iludivel e aparentemente fácil a levar a compromisso e fascínio. Foi por isso mais intrigante quando a conquista durou dois meses, por causa da sua necessidade de provar que também a este conseguia dar a volta à cabeça...provar que o bicho homem era terreno lavrado sempre que quisesse, como vingança a seu pai, e aproveitando o entretanto para mostrar a mãe e a irmã que tinha azar com os homens, eu era apresentável, embora belicoso, mas ficava bem na ponta do braço, era o aríete que faltava para conquistar os outros para a sua vida, não sem antes distorcer a imagem do alvo e mesmo mentir sobre ele de forma a que a pobre coitada se visse sob a constelação de uma conspiração cósmica contra sua felicidade. A charada não foi tão rápida e em certas voltas na pista ficava surpresa por não ser tão completa como imaginava, e o caçado começava a não compensar o esforço por ela dispendido, Ambos o sabíamos. O despeito com que me tratava o género era evidente, e a luta prolongava-se. Mentíamos um ao outro.Eu para ela se entregar ainda mais na foda, e fechar os olhos caída finalmente em acto de amor e não de vendetta para com o mundo. Ela, para que eu acreditasse, baixasse as defesas, e só isso me faria perder. Isso ela queria que eu perdesse. O jogo era fisgar com a vulva, e depois retirá-la. Nossa ficção construída a dois de forma solitária teve apenas dois interregnos, ambos na minha cama sofá desdobrada. Uma sessão de carinho onde ternamente me disse que se sentira amada, e quando após discussão logrou pedir ser tratada como pessoa, sem que lhe escondesse palavras com medo da sua reacção exuberante, recorrente apanágio. Por momentos ambos conseguimos sair das peles andrajosas, da tarefa bélica e como em olho de tempestade, ela sente-se amada e eu um amante normal. O latejar de duas subjectividades só podia viver no corpo de uma mentira. |
Viúvas:Arquivos:
Outubro 2024
Tori Amos - Professional Widow (Remix) (Official Music Video) from the album 'Boys For Pele' (1996) - todos os direitos reservados:
|