Eram 4 da manhã, e eu não conseguia dormir. Não sei se por excesso de café, se por consciência pesada. Ambos têm efeitos cumulativos. Olha, vou adiantar trabalho teutónico, pensei para comigo, em vez de ficar a rebolar na cama e a ver vídeos de gatos no Instagram. Sempre que aperta uma dose de concentração maior em mim, o corpo pede a dose de estimulante narcótico que vem com o orgasmo. Já ia na 4ª punheta quando percebi, que duas horas se haviam passado e não havia maneira de baixar a líbido. Olhei para a pila e indaguei se não seria mesmo a aspereza da minha mão que lhe retirava sensibilidade e dificultava a vida das gajas que acham que sabem fazer broches. Que tanto movimento de vaivém sob o prepúcio, cria uma gosma parecida com fungos e que toma nome de esmegma. Que se comer muitos doces para sedar a desilusão, aumento a população de candida albicans, e a minha glande fica a parecer a cabeça de um careca com caspa. Cheiro a suor daquele que entranha os poros do nariz até tocar no botão do nojo, há 4 dias que só leio e só escrevo, e quando vou à rua passear a cadela, dá-me vontade de fugir de novo para casa, não conseguindo reconhecer o mundo lá fora, como meu. Mas o lado positivo, é que fiz mais no mês passado que no ano anterior, que isto das gajas, especialmente as parvas, é um desperdício de tempo. Ainda não consegui interiorizar que a grande maioria das gajas que por aí anda, têm uma má personalidade. Má no sentido de serem estúpidas e inadequadas, e não no sentido bíblico, pobres diabos. Não há qualquer reforço negativo em comportamentos estúpidos. São estúpidas porque não existem consequências para a sua estupidez, que não se diluam por uma garrafa de vinho ou numa noitada com o grupo de apoio de amigas encalhadas que reforçam as crenças umas das outras, em amizades de codependência, que visam apenas e somente, fazer sentir bem, seja qual for a estupidez feita. De um ponto de vista abstracto, não me devia incomodar. E não me incomoda, só o suficiente para escrever sobre tal. ‘-Estou apaixonada por ti.’ Olha para mim séria, e espera que eu diga o mesmo. Como não digo, olha para baixo encenando uma cena de uma qualquer peça onde ela exprime que não devia ter dito o que disse, para me convencer…sem palavras mas por linguagem corporal, que aquilo que afirmou é verdade. São poetas, fingem acreditar nas petas que contam. São armadilhas para ursos fingindo que são ursos incautos num longo trajecto pedonal. Acho graça ao mesmo tempo que tenho pena. Sim, tenho pena, porque sei que a vida dela é um inferno, pois tem de viver com ela. Não, não é por ser ‘má’ pessoa. É por não conseguir fazer introspecção desapegada. Não conseguir deixar de ser a omnipresente heroína dos seus diálogos interiores. Ser uma cabra porque não sabe não o ser. Porque se defende, e essa defesa é o que descrevo sempre como meter o outro a arder na noite fria para nós mesmos nos aquecermos. Defende-se de tudo, dela, de um monstro de Frankenstein composto dos pedaços dos seus amores passados, mas apenas as partes mais grotescas, que ela interpreta que levaram à ruptura. Um monstro feito de pedaços de vários homens, que ela assim interpreta, mas que no fundo são o reflexo dos seus defeitos enquanto pessoa. Xou, que não digo que a cachopa tem todos os defeitos e os gajos do seu passado eram anjos soprando cornetas num mapa barroco. Ela interpreta a razão das desilusões, de acordo com aquilo que ela é. Todos o fazemos. Alguns preferem culpar o outro, para se salvarem a si mesmos, no tribunal da sua consciência. Eu sei que não é fácil, por isso bebo e escrevo. E sinto-me comigo mesmo. E salvo-as no juízo final de qualquer responsabilidade que espero nelas. Mesmo quando se vão embora e desamigam nas redes sociais, seja para não mostrar que andam a chupar a pila a outro, seja para se protegerem da visualização da minha presença algures no limiar da sua percepção online. E se o fazem, bem fodido estaria eu se não tivesse aprendido que dizer ‘-Eu gosto de ti.’ é só mais uma arma branca no arsenal destinado a esfacelar a aorta. Uma armadilha para ursos. Pois são como esta puta de mosca, que pousa no ecrã comigo escrevendo às escuras. Não consegue resistir à luz, no meio da escuridão, nem eu lhe consigo acertar a tempo, sem partir alguma coisa. É assim que está escrito, e Deus escreve na pedra. Na pedra dura que é o coração de algumas gajas que são incapazes de não ser as cabras parvas que são.
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Numa rua pouco movimentada de Arroios, eu já era conhecido. Num dos egrégios prédios que ali persiste, existe um restaurante chinês, cuja cave jaz oculta às autoridades nacionais, e onde eu e outros praticamos a arte do esquecimento e da rememoração por expediente opiáceo. Amiúde deito-me nas poltronas alargadas e logo vem um cachimbo ter-me à boca. Assim que ao segundo bafo, o meu corpo se queda relaxado, sei que o que pretendo, vem a caminho. Lembrar os momentos bonitos com as pessoas que amei, e amo. Tenham sido bestas ou bestiais comigo. Lembro quem já morreu, sem chorar, e lembro as putas que antes de um ponto no tempo, eram o meu amor. Lembro familiares, amigos, cães, e o ópio deixa-me na ilusão de ainda estar de mão dada com todos, feliz por existirmos, pelo menos até passar o efeito. Não é à toa que a morfina vive para nos tirar a dor. Lembro-me de tanta gente. O de bom, é não chorar…isso, não chorar, porque me sinto como que defronte um prenúncio de vida após a morte, pois imagino que as minhas memórias dos meus mortos, fazem ainda parte deles, como manifestações suas para me confortarem e dizerem, ‘-Vá lá, não chores…vai ficar tudo bem.’ Lembro com profunda tristeza e saudade. Vem-me à ideia o Borges. Um tipo extraordinário a todos os níveis. Foi com surpresa que me pediram para ir identificar o cadáver. Morreu em casa, e quando entrei, não reconheci o sítio onde anos antes eu era convidado frequente. O cheiro a suor salgado em lençóis bafientos, montes de pequenos pedaços de papel higiénico amarelecido por algum unguento ignoto, acumulavam-se em torno daquela que fora sua cama, como que se fossem uma tribo de adoradores. Qual o ponto de desistência da vida, para nem apanhar os papeis da punheta, do chão, perguntava-me eu. O colchão com uma mancha castanha a meio, onde o seu corpo nocturno alimentara legiões de ácaros, e um cheiro a chulé que não se podia. Comecei a chorar assim que o vi, ao vivo…ao morto, com a cabeça descaída sobre o seu pescoço, encostado na única poltrona da sala, virada para a janela. A autópsia diria que morrera de ataque cardíaco. Ao que parece, há anos que o único exercício que fazia era ir ao supermercado comprar a pouca comida que ingeria. Eu e outros amigos fartámo-nos de o tentar motivar para a vida, mas algo dentro dele o corroía como ácido. Pouca gente sabe o porquê. Eu sei. Foi a Vanda, que foi namorada dele, certo dia, fartou-se ou foi à procura de algo que achava melhor. Não sem antes destroçar o ego daquele que outrora dissera amar. ‘-Não sabes foder, és uma merda na cama, não tens ambição na vida, és um merdas que não usas água de colónia e vestes-te como se tivesses oitenta anos.’ Foi uma das coisas que ele me contou que ela lhe disse enquanto estava a fazer a mala para sair de casa. Sinto-me um bocado culpado. Há uns anos ele ligou-me e disse-me que ela lhe ligara e mandara mensagens no Messenger. Ele não sabia o que fazer. Eu disse-lhe para a bloquear, que ela nem a atenção dele merecia. Ele disse ‘-Tens razão.’ E desligou. Temo que não tenha dito a ela, a quem tanto amou em algum ponto do tempo, o que tinha acumulado dentro de si, e que isso fosse o ácido que o corroeu. Morreu engasgado com o seu desgosto. Não posso imputar responsabilidades a ela, mesmo que seja uma tipa desprezível. Ele é que optou por saltar fora. Aos que lhe chamaram cobarde, por manifesta dor de sentirem a sua morte, eu dizia que não, ele rejeitou esta merda, mais nada. O agente da PJ, fez-me umas perguntas e eu indaguei porque motivo me haviam chamado, a mim, ir ali. Que eu era o conhecido mais próximo, para identificar se havia algo de estranho na casa. Na altura, ainda não se conhecia a razão da morte. Saí de lá destroçado, e a lembrar-me de Borges, um gajo com boa capacidade física e engajado optimista. O que estava no sofá, era um mero invólucro fodido pela pila grande da entropia. Eu apreciava bastante ir a uma discoteca africana na Artilharia 1, que se chamava ‘Jindungo’. Gostava de música africana e de ambiente relaxado. Gostava de ficar a beber cerveja e a perder-me no ritmo, mas detestava, nas poucas interacções que tive lá dentro, de ser tratado como branco, e não como utente normal. ‘-Ah, é para veres como é o racismo estrutural que há neste país, não gostas, temos pena, é para aprenderes.’ Disse-me certa vez uma tipa com quem andava em conversações. A erupção com que falou, provou-me que era uma ressentida das causas sociais. Que me lembre, nunca tratei um preto como preto, nem uma preta como preta. Sempre os tratei, automaticamente, como trato toda a gente, como homem ou mulher. Sim, trato de forma diferente gajas que quero comer, porque não brinco com a comida. Têm de merecer que as trate como pessoas, enquanto não deixam de me tratar a mim, como engate. Olha, como aquela que após uma noite de fodanga, levei ao trabalho a pé, e a 100 metros do trabalho se afasta altiva e até rude, para não a verem acompanhada. ‘-Tás apresentada, amiga.’ Pensei. Caí numa cogitação perturbadora. Estaria eu tão traumatizado, que padecia do que acontece às mulheres na minha condição? Ou seja, estaria eu impedido de me ligar a alguém, por me ter ligado a tantas no passado? Teria eu queimado os últimos fulminantes? Qual é a diferença entre ter perdido a capacidade de entrega e crença numa nova relação, e entre ter de tal forma automatizada uma análise fria e directa aos pontos que repugnam, ganha pelos anos de análise e experiência? Será que é preciso ser ingénuo para acreditar no ‘amor’? Eu faço o raio x, relativamente rápido. É fácil, é só ver como me trata. E perceber como me vê, com o desconto que vivemos na época do tinder e do bumble. Foder uma virgem é uma treta, peço desculpa pela brutidão. Mas agora percebo porque os gajos no passado faziam tanta questão na virgindade. Não tinha a ver com os metros de pila, passados pela vulva. Não era reificação da gaja, mas uma escolha legítima de um sujeito de escolher uma gaja com quem é possível estabelecer uma relação duradoura. Os biólogos evolucionistas, vivem enganados. Acham que a evolução humana é ditada por um fortíssimo impulso dos gajos para impressionar e comer as gajas. O que eles…biólogos, esquecem, é que o impulso de fazer algo de notável com a vida, decorre de querer recuperar o valor não dado, pelas ninfetas que nos rejeitaram pelo caminho. Mais que comer gajas, atingir algo na vida, é uma forma de recuperar o amor próprio, para os homens. Maldição da mulher média. O seu aspecto atrai homens interessantes, como moscas em torno do mel. À medida em que o aspecto se esvai, os que aparecem também não são nenhum prémio na existência. E mesmo que o fossem, a ideia a que se habituaram, de que há sempre algo melhor do outro lado da esquina, impede-as de alguma vez se contentarem com quem seja. E o pior, nem é que o tempo jogue contra elas…é que o tempo já nem lhes liga nenhuma. Violação e homicídio. Foi isso, repetido ad nauseam. Mortes em 2º grau das partes de mim que se entregaram em cada acto íntimo. Sabes que o toque nos prende um bocadinho um ao outro? Quanto mais a troca de um beijo, ou a visão da tua cara quando me venho. Violação, porque quando te vais embora, é como se tivesse passado um cometa pela minha vida, belo, horroroso, temporário. Um cometa que prometera ser Sol, e afinal era uma mera estrela cadente. Julgas que o lamento tem a ver com o carácter efémero de ter acesso à tua vulva? Que se origina numa mentalidade de carência? Dispenso a tua pena e a tua leitura marreca e limitada à qual estás condenada. A avaliar os outros pelo teu umbigo. Violação e homicídio. Pior, morreu a parte de mim que não espera uma ruptura após estabelecer uma ligação. E de forma desnecessária, foste pura e simplesmente estúpida comigo, sempre pelo mesmo motivo, porque te achas melhor do que eu. Não és capaz de deixar de avaliar os outros a partir do teu umbigo. Mas mesmo assim bato-te palmas. Sempre arranjas um pobre diabo que te carregue, enquanto me esventro depondo montes de papel higiénico em torno da minha cama. I O tempo não espera por ninguém, e vejo a água passar sob a quilha do barco, anónima em milhões de gotas de água que não conhecerei alguma vez. Cada homem a determinada altura, tem de decidir como interpretar o que fez até ao momento presente, e decidir-se… em como encarar a senhora morte, que acena lá ao fundo, com uma das mãos ondulando pelo ar meio que dizendo olá…meio que convidando para mais perto. Vou ficar a olhar para trás, afogar-me em psicotrópicos como cerveja, cocaína ou sexo, ou…em vez de fugir, vou encarar o horror de frente? Que horror? Tantos… Olha, desde logo o horror das promessas de amor não cumprido. Daquele que seria para sempre até que uma das partes mudasse de ideias, e eu nunca mudei. Se mereço alguma medalha por isso? Não, até porque todos sabemos que a nossa fidelidade depende da oferta de opções. Por isso não sou fiel, e fodo em surdina tudo o que me aparece pela frente. Para que não mo façam a mim primeiro, neste mundo com sabor de fast food no relacionamento entre as pessoas. É a publicidade, o marketing, as amigas fúteis, adúlteras e encalhadas, a desencaminhar a mente das cachopas, exortando-as a trair, arrastando as outras para miséria igual para não se sentirem as únicas, todas se debatendo como peixes pendurados pelo beiço à espera de perder para sempre o fôlego…para apaziguar o tal aceno que a morte promete lá ao longe, com a emoção em forma de medicamento genérico, que se renova a cada gajo que também elas, vão fodendo a eito. Convencendo-se a si mesmas, que é este, o próximo, que vai ser o tal. Que as vai redimir de todo o mal e falhanço passado, empurrando com a barriga a desilusão que está traçada a partir do primeiro beijo e do primeiro ‘-Gosto de ti.’ A desilusão está traçada a partir do início. Não é suposto contentarem-se com alguém. Dizem que querem uma espécie de compromisso, mas apenas até que surja alguém que considerem ‘melhor’. Cospem ódio à ideia de que ‘os gajos’ as trocam por uma gaja com mamas maiores e cu mais redondo, como se fosse um arrepio à sua individualidade, ao seu valor intrínseco, ressentindo-se se o outro não o reconhece. Mas fazem o mesmo, reservando sempre o inalienável direito a mudar de opinião. E para não ficarem a pensar mal de si mesmas, ah, deixámos de comunicar, ou o amor acabou. Tinta de choco, ou nuvens cinzentas que impedem o exercício racional de pensar sobre a sua decisão e os critérios que a sustentam. Mas também, excesso de luz, é luz a mais, como sabe alguém que tenta ver o céu estrelado à noite. Não convém pensar demais nas merdas, isso é para mim, e para outros, que escrevem sobre esta merda toda. Largam um gajo, e estão no seu direito, por um gajo não ser ‘divertido’, quando o tédio é uma escolha pessoal. Então, mas olha lá, conta lá aqui para nós, se o gajo não é divertido, que diversão trazes tu para a mesa? Só porque metes pito no prato, achas que essas pregas de carne deviam abrir as portas do mundo? Do desempenho de outro? Que prazer provoca a tua companhia? Por acaso levas o gajo a passear ao fim-de-semana, pressionada o resto da semana a pensar num novo itinerário, para que a passagem do tempo não pareça um fastio? Que trazes tu tão de fantástico ao mundo e à relação, que mereça uma devoção em forma de oferendas a teus pés? Uns broches no carro, umas conversas com as amigas a gabar as virtudes do tipo? Tens noção de que o gajo também te pode achar uma completa seca, e ainda assim ficar contigo…não porque não arranje outro pito ou executantes de broches, mas porque pode ser que goste de quem és e não o consiga ou queira evitar… mesmo que te ache aborrecida, sem sal, inócua? Sim, os gajos são menos esquisitos. Ainda bem que assim é. Se fossem mais selectivos, estavam as mulheres fodidas, tinham de dar mais à canela. E a espécie tinha ficado ali por alturas do Paleolítico. Esta pressão de ter de desempenhar algo para manter os favores da deusa, sempre, sempre me provocou náuseas. Tal como uma gaja que acha que tem de ser apreciada mais do que pelo seu corpo, mas pela sua única individualidade (essa coisa nebulosa e interna), também eu acho que tenho de ser apreciado por mais do que a minha capacidade de facultar algo além da minha estima e apreço…e individualidade (que vai além de meia dúzia de meses e etiquetas feitas de lugares comuns). Mas isto, gajos há ao pontapé. De facto não, está ela por ela. Mas as ‘gajas’ é que têm a impressão de que homens há demais, porque boa parte deles faz uma espécie de carpet bombing, com propostas fingidas, ou não… de adoração. Sabem que é tudo um jogo de números. Os que valem a pena, lançam rede larga, em lago estreito, alguma coisa será pescada. E como todos fazem o mesmo, as deusas acham que há mais homens em terra que peixes no mar. Mas pensar em mar, relembra-me onde estou. Numa paisagem linda, sal na minha boca da água que me borrifa a face, e eu aqui a pensar no demónio, como sempre faço. Em vez de estar no momento, aqui preso nas minhas cogitações sobre os mesmos temas, que a lado nenhum levam. Deixa-me focar em algo mais positivo, se bem que isso do positivo e negativo, não são senão convenções. Que horror? Tantos… Desde logo, o facto de ainda ontem, me sentir exultante de felicidade, por ter cinco anos e estar espojado num enorme tufo de erva, lá para as traseiras da minha casa, e olhar as nuvens inchadas de branco a passar lá no alto dos céus. Completamente intocado por pensamentos que puxam a melancolia e o profundo lamento de preferir que fosse de outra forma. Lidar com o passado assusta mais que o inexplicável do futuro. Mesmo a ideia de morrer. Porque no passado estivemos em acção, e a morte…bem, a morte acontece. E não nos julga, trata-nos de forma indiferenciada, por mais que soframos, a morte é igual para todos. E cada um morre só, por mais gente que tenha a apaparicar a passagem para o quer que seja. Muita gaja só se vai sentir um indivíduo, na altura da morte, descobrindo que teve um quid que não chegou a conhecer. Nem é morrer, é a aparente falta de significado, ou os planos ficarem aquém do esperado. Não sei. Uma voz interrompe-me o solilóquio. ‘-Tu odeias as mulheres?’ Um sorriso apaziguador e desafiante, claramente forçado, mostra a sua curiosidade na minha pessoa. Uns olhos azuis bem grandes e brilhantes, esperavam a minha reacção. Cabelo às madeixas entre o louro e o castanho-claro, com rabo-de-cavalo espartano, e um bocado de ranho verde, no cimo de uma narina, que ninguém lhe havia avisado ser presente, de tão natural quando se sai de dentro de água bem fria perto de Ílhavo. Percebi a pergunta, pois havia-me adicionado no Facebook, e lá tenho os endereços dos meus blogues, e consequentemente, foi-me cheirar o perfil, e com certeza ler algum post. O que significa que a minha figura, meio taciturna e introvertida, lhe havia deixado um anzol na boca, de lábios largos e rosados, que devem ficar a matar com vermelho berrante. Conheci-a em meados do solstício de Verão. Numa saída de barco para Tróia, o primeiro andar do seu regulador vazava como gente grande. Por sorte eu tinha um a mais, e a sua vontade de ir ver o destroço, fez com que aceitasse equipamento de um estranho. Lá em baixo zelei por ela, não queria ser responsável, por um equipamento que está em bom estado, mas o Diabo, esse gajo, escreve torto por linhas direitas. Combinámos ir tomar café. E depois disso, fomo-nos encontrando e combinando mergulhos em comum, cada um, buddy do outro. O mergulho como desculpa para passar tempo com o outro, fazendo algo que ambos apreciam, o mergulho, e o fingimento de que não é tudo um ritual que acaba invariavelmente na cama. Gostou da minha resposta. «-Não odeio. Amo. Mas isso não é simples. Bebes café?’ «-Bebo.» O contra-relógio de saber, que eventualmente todos nos fartamos uns dos outros, e que os homens apenas permanecem mais um pouco, porque sabem que não passarão de algo mais que uma gota de água no oceano masculino que enche os egos femininos no mercado da carne, enquanto estes rasgam a toda a velocidade o mar chão, até que abrandam também assim que o corpinho revela que era tudo pó e sombras e jogos de luz. Deixava-me desconcertado pela sua frontalidade sem manhas, pela naturalidade com que lidava com as pessoas e com o mundo, na exacta medida em que nunca consigo deixar de ser desconfiado, pois todas as que conheço fingem ao início, gostar do que eu gosto, entender o que eu faço, adorar a música que oiço. Como camaleões que tudo fazem para me agradar, para me cativar reflectindo as minhas cores. Por vezes chego a pensar que é para me parasitar, absorvendo através de mim, uma outra personalidade, individualidade, a minha…apenas porque não tendo uma própria, vivem o mundo através dos olhos dos outros, apenas porque incapazes de saírem dos seus. Demasiado condenadas à sua ipseidade, imitam a presa, para escaparem de si. Para quem pensa o mundo exclusivamente a partir do seu umbigo, lambê-lo a partir da imitação da ipseidade de outro, é um acto de liberdade. E portanto, quando a ‘gaja’ te imita, diz o que acha que queres ouvir, age como achas que queres que aja, ela não o entende como pantomina ou fingimento. É para ela ao mesmo tempo, um acto de amor, e de libertação. Porque sente o mundo a partir do seu corpo e não de uma lógica, sente-se liberta vestindo o teu casaco, adoptando os vestidos que acha que queres que vista, que acha que gostas. E porque se sente liberta, sente-se bem, portanto, age bem. Por amor, por liberdade. Se ficas com ela muito tempo, percebes que era fingimento, que ela é impotente para perceber como tal. Mas sempre, sempre seguras da sua limitada capacidade de apreensão, que algumas chamam de ‘intuição feminina’, uma biblioteca de lugares comuns engolidos de forma acrítica. Por isso digo que são predadores. O maior e mais perigoso predador ao cimo da Terra. Porque o predador eficiente, estuda e pensa como a presa. Para levar a água ao moinho, e convence-se que é por amor. O mais ingénuo interpreta a predação como uma aculturação voluntária da parte dela, que ela, ‘está a absorver o meu mundo e a integrar-se nele’. Por isso rio-me agora, de quem procura na mulher uma comunhão de almas, ser entendido por ‘elas’. Aquele que está constantemente a adaptar-se à casa psíquica de outros, não tem casa própria. Foge do seu diálogo interior como diabo foge da cruz. Prefere a dose rápida e opiácea de uma nova relação, que um prolongado olhar sobre si mesma. E portanto, tem alma, mas não personalidade. Não tendo personalidade, enchem-se da de outros, até se fartarem. Até sentirem que o outro é um continente desbravado e totalmente conhecido chamado ‘Enfado’. Como sacos de plástico das compras, continuamente esticados pelo conteúdo a mais, vão alargando a sua capacidade de albergar, mas não desenvolvendo conteúdo próprio. Tornando-se uma recolecção ambulante de várias personalidades passadas por onde pararam algum tempo, imitando. E perdendo capacidade de envolver proximamente esse conteúdo. Quantas gajas não conheces que te fazem sentir como só mais um, numa longa fila numa repartição pública qualquer? Essas desgraçadas são vazias, pois. E fazem-te sentir como um merdas, precisamente porque te exprimem que és só mais um sem brilho especial, que as não conseguiu convencer, numa longa lista de desilusões que supostamente te deveriam desafiar a seres mais esforçado no esforço de adoração. Conscientes de que lhes falta conteúdo que as torne, a elas, memoráveis, desenvolvem trejeitos, hábitos, comportamentos agressivos e amargos, que confundem com força de carácter, para outro ver. Uma outra peça teatral que se forçam a representar, como peixes fora de água, a maior parte, porque querem pensar de si mesmas, que são ‘fortes’. Demasiado assertivas, seguras de si, sem se permitirem ter qualquer dúvida em frente de um homem, não vá ele pensar que ela é tolinha, fraca, manipulável. Sentindo-se sem controlo, sentem-se vulneráveis, inseguras acerca de si mesmas, e então… o único caminho é tornarem-se pessoas execráveis, branqueando para si mesmas a merda a que se forçam a ser, com a ideia feita e estúpida de que os homens detestam mulheres fortes, porque têm uma masculinidade frágil. Ai de quem, de entre elas, se permita acreditar na ideia de que ter um feitio de merda não é atractivo para ninguém, homem ou mulher. Afinal a mulher é perfeita só por ser mulher, e onde o feminismo desindividualiza o sujeito, é onde as matrafonas se sentem à vontade por causa da carte blanche que vem de saberem que basta exigirem aceitação, independentemente do que trazem para a mesa comum. Podes ser a megera que és, sem qualquer esforço de clarividência, o outro, desde que portador de pénis, tem de te aceitar como és. Porque tens uma vulva e isso é fantástico no meio do Universo. Há gajos que fazem o mesmo, que fazem lavagens cerebrais a si mesmos, tornando-se nas personagens que idealizaram ser, para mascarar o que são. Mas o que somos nós, senão o que achamos ser? Eu conheço gajos, das imobiliárias por exemplo, que operam uma autolavagem cerebral, reinventado a linguagem que usam, a roupa que vestem, a postura de como andam. Decidiram algures, vencer no mundo, adaptando para si, o que acham que é a ideia corrente. Desindividualizam-se. Tornam-se personagens, autómatos, cada vez menos o que são, cada vez mais ficção. Por isso sou incapaz de acreditar em qualquer uma delas. Se calhar estou traumatizado, se calhar espero demais, da coisa. Não sei. Ser mais nova tinha algo mais de reconfortante, em relação às traumatizadas de guerra que a antecederam. Apreciava genuinamente a minha companhia, assim o parecia. Lá está, nunca sabemos, ou viremos a saber. Não me bombardeava com regras e innuendos sobre como queria ser tratada, para se validar a si mesma por via do meu comportamento para com ela. Se calhar porque não queria estragar a festa antes de comer o bolo. Lá está, nunca sabemos, ou viremos a saber. As amarguradas do tinder, bumble e quejandos, ao lado dela pareciam tristes farrapos humanos, à solta com a sua dança ilusória, consigo mesmas, marcando o ritmo da música agarrando os pulsos de outro para o forçar a bater palmas. Não tinha aquela arrogância autista do ‘-Eu sei o que quero, e se não obtiver o que quero, então estou melhor sozinha.’ Não tinha a falta de humildade de olhar ao espelho e perceber que a carne apodrece, e que com ela as ideias de merecer, só por ser (e não por se ser quem é), tudo e um par de sapatos. O mundo não te deve nada, e os fôlegos que encheram o balão do teu ego, nada têm que ver contigo, per se, é que quase todos os corpos jovens são alvos de desejo e dignos de atenção. Não és tu que és especial, ao ponto de te achares melhor que os demais. Não. És, somos, fomos, só mais uma peça no jogo. Que mania destas solas gastas, viver no passado, no melhor passado, e transporem do passado para o presente, o limiar mínimo daquilo que querem para a vida. Escolhendo, sempre, do bolo-rei, a fatia sem fava e apenas a que tem o brinde. Porque «merecem». Outros que comam a ‘fava’. ‘-Não posso ter o George Clooney, não quero ninguém! Pronto.’ É uma sua decisão, preferem viver nos escombros da sua ilusão passada, pois sim, a vida é puta para elas. Sem dúvida. ‘-Claro fofinha. Ninguém tem de se contentar com algo que não aprecia. Mas repara, de acordo com os teus critérios, ninguém te parecerá agradável, se não for nada mais nada menos, que uma projecção da tua ilusão. Foste enganada, amor. Disseram-te que eras especial, mais que a soma da tua maquilhagem, mais que a projecção de uma arrogância não baseada em qualidades intrínsecas, que não parecer bem ao espelho e com uns panos por cima. Deixaste-te reduzir a um conjunto de orifícios, gordura geometricamente localizada e imagem. Pó e sombras…apenas. Esqueceste-te de conhecer quem és, ser quem és, de te tornares quem és, e de te tornares mais humana para quem queira passar tempo contigo. Projectas a tua estupidez nos outros, convencida que não te topam, o perfil e o carácter, por detrás da tua peça teatral, e ressentes-te por não quererem participar nela. Como se o ‘outro’, mais não tivesse que existir, senão para confirmar as tuas crenças simpáticas para ti mesmo, feitas à medida…para as consequências das tuas escolhas. Para ti o mundo é uma vitrina de pastelaria onde o bolo doce da tua pessoa gira em torno do seu eixo, rodeado de bocas gulosas e encomiastas. A cara ardia-me do Sol. Reflectido na água, queimava-me a pele coberta com fino sal. Fiquei satisfeito com o meu à vontade na resposta a uma mulher tão bonita e bem feita como ela. A beleza feminina perturba-nos, a quem gosta do corpo das mulheres. Lembrei-me da segurança do olhar, daquele parente, que me dava lições sobre a vida, as mulheres e o amor. Estávamos no ‘Inda a noite é uma criança’, na Praça das Flores, ele tinha lá uma garrafa de whisky com o nome dele, e apreciava, quer-se dizer… derretia-se com música ao vivo. A mulher não alinhava naquilo, estava em casa. Eu tinha 18 anos e uma carta no bolso das calças, para me apresentar em Alcântara dali a uma semana. Ia para a tropa, aprender a ser homem. Ele assumira como responsabilidade própria, orientar-me (palavra bonita desde quando íamos buscar pimenta ao outro lado da esfera, para vender)…pois todo o homem sabe o quão é importante para um jovem rapaz, absorver essência e indicações de um homem mais experiente, especialmente se o pai deu à sola para fundar outra família. Todos os adolescentes andam algures, à deriva. E não seria uma mulher a partilhar comigo o que seria a condição de ser homem. Nem mesmo a minha mãe. Sabe lá uma mulher o que é ser homem. Apenas sabem o que acham que querem dos mesmos. Nos mesmos. Ele tinha 2 filhos para educar, mas não podia lidar com eles, com o mesmo à vontade com que lidava comigo, a meio caminho entre filho e amigo de copos. Era e é, um gajo à maneira, sólido. E ensinou-me os valores que lhe estavam no âmago da sua integridade. Mas era tremendamente ingénuo, porque acredita na vida familiar e no amor. Sei-o hoje. Tem motivos para isso. Quando o negócio foi à falência, a mulher não o largou. A responsabilidade de alimentar os filhos fez com que se reerguesse q.b., e por isso nunca se tornou no farrapo que traz a rejeição pelo braço. E por isso, ele é um firme devoto do seu método, ou do que considera o seu método. Como qualquer gajo que logra trazer uma mulher pelo braço, sente valor pelo sentimento de ter descoberto o segredo, o mecanismo, o tesouro. Não teve alguma vez motivos para duvidar do mesmo, do método, nem é daquelas pessoas que pensa em termos de saber se gostam de si autenticamente, ou não. Se gostam de si pelo que é, ou pelo que traz para a mesa. Talvez o saiba num nível muito recôndito da sua consciência, tal como todos os restantes. Não sei. Claro que sabe o que é uma pessoa interesseira, e os sinais para reconhecer. Raios, exercem-no na tasca, sempre a não perder de vista quantas rodadas de minis e carapaus de bigode, este ou aquele pagou, para ninguém comer e beber à conta. Conhecem os jogos de deve e haver, convidam um gajo para pintar a sala de manhã e à tarde pagam-lhe o almoço, por cortesia e gratidão, mesmo que não seja necessário, senão por um imperativo ético. Mas só aplica os critérios do interessismo às historietas e anedotas em que as gajas aparecem a dar atenção, quando este ou aquele sobe na vida, ganha a lotaria, ou a interesseira vem a descobrir que ele é alguém no mundo, apenas com gostos humildes na vestimenta. O interessismo da vida comum, é-lhe opaco, ou remetido para a esfera da individualidade de todos os primatas bípedes, com uns…particularmente fracos e falsos. No fundo, ele sabe que há um critério de avaliação baseado na sua performance, em que trazer dinheiro para casa, é o que aparece logo à cabeça. Sabe por exemplo, o prazer que vem de levar toda a gente a jantar num bom restaurante, e dos sentimentos de apreço implícitos, no olhar da mulher que ama, de cujos olhos emanam raios de aprovação que o fazem sentir desejado, ele mesmo um prémio. Justificamos este critério, esta exigência velada de concretização, com a ideia de que é responsabilidade de cada um puxar o seu peso na vida, e que a mulher coitada, já passou 9 meses, meio marreca a trazer o nosso filho. Como se fosse um favor que ela nos faz, como se o filho não fosse a meias. Nos tempos que correm, têm de trazer, os dois, o bacon para casa. Mas ai dele, que traga menos. Passa por inútil, de baixo valor, ou melhor, com alforria para ser desconsiderado. Olha a merda que me calhou, que não traz nada acima do ordenado mínimo. Não o dizem, raramente o admitem. Está espelhado nas suas caras, a insatisfação, o enfado por escolha própria, por uma suposta mão de cartas, que não possui qualquer trunfo. Não admitem que valorizam o carácter prático da coisa, digamos assim, preferindo projectar para o ‘amor’, ou a falta dele, qualquer justificação de insatisfação. Qualquer desqualificação do outro, por motivos de A+B. Daria cabo das duas ideias contraditórias preferidas acerca de si mesmas, que são seres emocionais que peidam aromas rosáceos de pureza de carácter, e de que são mulheres empoderadas cuja apuradíssima capacidade de apreender o mundo exactamente como é, é total. Mais que total, por isso têm espanta espíritos e acreditam em astrologia. Parece o complexo da puta e da virgem, em que cada mulher se considera ambas, de acordo com o contexto. Diz a lógica fria, que ou se é uma, ou a outra. A ambiguidade é por elas vista, como uma prova cabal do seu carácter especial de ser mulher. É uma situação win-win, e por isso detestam a lógica e a ética. Colocam limites a este pensamento cor-de-rosa. A este wishful thinking, e às self fulfilling prophecies…para utilizar jargão da treta análogo ao dos gajos das imobiliárias. Se calhar porque isso desfaz a ideia que gostam de ter de si mesmas, que são umas fofinhas, uns seres alados como libélulas em charcos cor-de-rosa, inapreensíveis pelo Universo que as elegeu como zénite da Criação. Fica mal dizer ‘-Foda-se, detesto o meu marido, porque traz pouco dinheiro para casa.’ Fica bem dizer ‘-Nós já não comunicamos, parecemos estranhos na mesma casa.’ Mas isto do mundo, é uma fantochada onde nos mentimos a nós mesmos para continuarmos a ser fantoches. De modo que ele, o da garrafa de whisky, teve sorte, casou com uma mulher à antiga, nunca lhe tocou, nem a tratou mal. Pagou-lhe a carta e leva-la todos os anos para um hotel no Algarve, para passar férias. Dá passeios com ela aos Domingos, para limpar as vistas e introduzir um elemento neoténico na rotina. Para cumprir a exigência de performance, neste caso, de entertainer. Provedor de recursos e entertainer. Calma, há mais, mas são estas as funções essenciais do objecto homem, que quer continuar a ter validação feminina, especialmente o desabrochar de pernas. Recentemente encontrei-o no café, cabisbaixo, andava desconfiado que ela o traía. Ela é sexagenária, e para o confortar, arranjei uma história para ele, quer a desvalorizar o adultério, quer a explicar as várias fases do desejo nas estações da vida. Bem mascarada para ele não perceber que era ficção. Como tenho mais graus académicos que ele, e verve apurada, é fácil acreditar em mim. Pareceu animá-lo, isso ou a cerveja onde afogámos a mágoa. Mas o contraste nele, assustou-me e senti pena pela situação. Na semana a seguir, descobriu que fora um mal-entendido, que fizeram as pazes, e o olhar confiante, e a jactante certeza de saber alguma coisa, voltou. Os conselhos dele e de outros, são dados com a melhor das intenções. Mas ninguém revê o método (de adoração à deusa) se o método funciona. O método é tomado como algo inerente ao próprio carácter do sujeito, pelo que o sucesso do método é o sucesso do sujeito, nem mais…nem menos. Nada até hoje me mostra melhor, a tensão da ideia de que, demasiada lucidez impossibilita a felicidade. Deixa-lo ser feliz. De modo que te aconselham, da forma que acham que resulta para eles. Pelos motivos que consideram ser válidos. E como eu, por vezes, ficas a olhar para o pobre prisioneiro, convencido de que é livre e não vive na prisão da aprovação por ela, que sem ela, estar vivo deixa de fazer sentido. Da mesma maneira que um gajo que pesca no Cais das Colunas, e acha que o cardume de bogas, se deve a ele saber escolher o lugar, e não ao esgoto submarino e invisível que passa debaixo, submerso. ‘-Tás a ver, sentas-te aqui virado para o Barreiro, e a cana apontada para o pórtico da Lisnave, não há que falhar.’ Nessa noite dos meus dezoito anos, ele explicou-me que as mulheres eram para ser tratadas com amor e respeito. Teimoso como sou, passei vários anos a ser engolido pela rejeição, antes de perceber que nada tinha a ver com a cana ou com a direcção para onde estava virado. Há algo de redentor, em andar com uma tipa na ponta do braço. Assinala-se ao mundo que nos olha, que temos um quid de amabilidade, que somos importantes social e laboralmente (pois toda a gente no íntimo sabe que elas não se apaixonam por um sem-abrigo…apenas os usam para fazer caridade), que somos bons na cama. A mulher é uma espécie de mistura entre uma medalha de feitos militares e um painel publicitário. É mais difícil para o gajo médio, ‘seduzir’ alguma que entre nesse programa, que para a gaja média, que só não tem, se optar ou tiver os critérios de selecção escritos na Lua. Por isso a mulher sem gajo, é menos encalhada que feroz independente. Já o gajo repetente na solidão, só pode ter um quid de horrível, que convém afastar antes de descobrir qual é. Para a mulher, a solidão tornou-se sinal de carácter memorável e personalidade vincada, para o homem, o solteirão tornou-se o amaldiçoado existencial. Under the skin, 2013 II Agora dá-me para suar também atrás das orelhas. Ficámos ambos exaustos a olhar para o tecto, que nenhum fuma. Pedi-lhe para abrir a janela, senão morro sufocado. As crianças brincam na rua e transeuntes levam os cães a cagar, por vezes fingindo que estão a dedilhar o telemóvel, para não apanhar os presentes que abundam pelo bairro onde está a casa dela. Estou completamente encharcado e ela levanta-se de propósito para ir buscar um pano fofo para me limpar o suor. Começámos há uma semana, após um período de cafés e jantares, ela ficou impaciente e perguntou-me o que queria eu fazer com ela. Como sabia que iria dizer que sim, não lhe respondi que a queria comer toda sem apelo ou agravo. Em vez disso respondi que queria fazer uma espécie de animação histórica. E ela perguntou: ‘ – Que significa isso em concreto?’ Quero recuperar os idos costumes lisboetas, do passado, almoçar no Monumental depois de ver um filme, passear no Parque Mayer e ir beber cerveja para a Portugália…disse eu. De facto, tinha este desejo de reviver a personalidade das gentes que fizeram Lisboa num passado recente, e escapar de vez ao travestimento que o turismo de merda trouxe. Juntou freneticamente as mãos como que em prece e debaixo do queixo, e exultou um «-Claro que sim!» meneando de alto a baixo a sua cabeça, numa expressão incontida de entusiasmo. Não me lembro de alguma vez ter visto uma tão clara expressão de apreço e de vontade de outra pessoa em passar tempo comigo. Confesso que me senti desarmado. Eventualmente acabámos na sua cama. Aninhada contra mim, apertando-me em decúbito, dou por mim a divagar pelo putedo, ou melhor, pelas memórias do putedo que me passou pelas mãos. Como que pairando pelos tempos passados. Enfiar a minha cabeça entre os braços, de barriga para o chão e ficar a ouvir a cacofonia de vozes anónimas tal como num dia de praia de um qualquer tórrido Verão, onde alterno a direcção para onde o nariz aponta a areia, para a impedir de se espalhar no caminho inverso. Como aqueloutra que a uma hesitação minha, havia ido com as amigas para Marbella, engodada por 3 manos que uma delas conhecera na disco da moda. Eles tinham pinta e BMW’s pretos com estofos de cabedal, portanto deviam ser boa gente. Como a coisa não correra como planeara, liga-me confessando casualmente que vinha de uma viagem com um amigo colorido. O mesmo travo a ficção, quando ela se deixa levar por ele numas viagens pelo Estio, como amigos que também fodem, sem promessas ou compromissos. Deixa-lo pensar que há a possibilidade de fechar negócio, se tudo o que fizer recair no goto da avaliadora. Joga as tuas cartas bem, pode ser que tenhas sorte, a sorte de me fazer apaixonar. É esta tinta de choco que tentam espalhar pelos olhos e ouvidos do tipo que pensa que tem essa possibilidade. Na realidade nunca teve. Ela estava enfadada, oprimida pela passagem inexorável do tempo, e de uma capacidade de atrair tipos mais…interessantes na escala das coisas dos primatas. Estas pequenas viagens pelo Estio, um castelo aqui, uma praia fluvial ali, visam enganar toda a gente, como se a absorção de imagens diferentes fosse paliativo contra a urgência de viver uma vida bem vivida. Ela tira fotos, ele paga o almoço o que melhora a disposição dela, o que lhe confere…a ele, mais esperança de um desenlace horizontal, ou melhor, num contracto de exclusividade no uso e abuso das gónadas. Se ninguém é enganado contra sua vontade, o enganado permite-se a si, acreditar na mentira. Não é verdade que ele seja apreciado enquanto indivíduo que é, na sua espontaneidade, na sua especificidade. Ele é apenas só mais alguém cuja deusa de nome Coincidência, fez cruzar caminhos com ela. No fundo, os mais carenciados de vincar a sua individualidade, pelo apreço de outro por si mesmos, por exemplo, são os mais prováveis de cair nestas dinâmicas. E a ela, basta gerir a peça de teatro que refinou ao longo dos anos, usufruindo da imagem que quer passar de ser autónoma e independente, e forte, sem abdicar do privilégio de exigir ser cortejada, perseguida, solicitada, convencida. Dou-te permissão para me apaparicares, para me arrancares da monotonia, para me entreteres, para te refastelares no teu desespero de ter a quem amar. De sentires que tens uma companheira, que te valide aos olhos dos demais. É agradável saber que outro nos deseja, que nos trata com solicitude e devoção. É divertido vê-lo mexer de acordo com as feições do nosso rosto, e olhar para a sua boca sempre na espectativa de ouvir algo de novo ou uma repetição de bocas passadas, que se finge nunca terem existido. Assim vamos nós, no Portugal de 2023, invólucros de nós mesmos cheios de desespero, fodendo-nos uns aos outros, nas pensões do degredo. Pobre diabo, aquele que acredita, penso eu, e ela responde, como se adivinhasse: ‘-Porque é que dizes o disparate de que as mulheres acima dos 40 são incapazes de amar?’ E eu respondo: ‘-Sim, é um disparate, porque se calhar, quase nenhumas, alguma vez o foram. Pelo menos fora desta lógica de deve e haver, que vivemos hoje’. ‘-Que lógica é essa?’ ‘-Esquece.’ O insondável abismo do que prende uma mulher a um homem. Bem, antes de mais, tem de o ver como tal. Geralmente, o homem é visto como mero objecto, de acordo com a necessidade da selectora. E enquanto objecto, há que lidar minimamente com a sua ilusão de ser um indivíduo, único, irrepetível. É essa a zona de perigo, que não pode pisar mal, sob pena de quebrar o encanto nele. Isto se ele tiver alguma pinga de amor próprio. Há que ler bem o golem, para retirar dele o necessário, sem quebrar o feitiço. Ao gajo que aparece como oportunidade única, um gajo musculado, bom, rico, influente, quebram-se regras. Já ao gajo que não aparece como prémio, apenas como mero pretendente, colocam-se regras, ele tem afinal de provar o seu valor, o quanto está disposto a abdicar de si, para lamber o sapato de saltos altos da deusa. Quase todas fazem isto agora. Não encontras nenhuma humilde. E como olham umas para as outras para saber como agir, a estupidez espalha-se como um vírus ou como uma doença venérea qualquer. Se pensassem pela própria cabeça, com capacidade introspectiva para avaliar as próprias acções, não olhariam para tudo de forma tão frívola, leviana, desapegada, fútil. Quase todas pensam da mesma maneira, o que me aumenta a ansiedade em saber que há gente entre esta multidão de autómatos. E tem tudo a ver com valor percebido. Por amor próprio, pelo pecado de Ícaro, que voando tão próximo do Sol, arrogante, como se avida não tivesse ocaso e fosse um Verão interminável…Ícaro que nos dias de hoje é mulher e se estatela no chão por entre garrafas de vinho, areia de gato e lençóis amarelecidos em pensões de merda, de mão em mão para sentir que ainda está no jogo. Quanto mais se humilha uma parte do binómio humano, mais fácil é para a maioria dos indivíduos da outra parte, encontrar parceiro. Eu não sou cá de defender dependências e humilhações, ou de concordar com os comportamentos emanados do corpo teórico da sãotodasumasputaslogia. Mas também percebo que os egos das gajas andam completamente desfasados da realidade terrena. E os gajos encolhem-se, em silêncio, incorporando a culpa herdada de uma suposta opressão passada, ao gajedo. Como se um camponês oprimido fosse mais livre que uma condessa qualquer. Não, os gajos encolhem-se, e alimentamos legiões de ninfetas que facilmente swapam left as nossas existências. Conheci muitos gajos que lhes baixavam as cristas com a mesma manipulação psicológica. ‘-Tens os pés feios.’ Faziam-nas sentir estúpidas. Humilhavam-nas. Não defendo essa merda. Entendo porque funciona, mas não defendo. Mas são elas, e este ‘elas’ tem muito que se lhe diga, que fazem isso. Completamente às claras e como se fosse normal. Não só não têm qualquer introspecção naturalmente, como muitas possuem a pobreza de espírito suficiente para não perceber o errado da coisa, onde o certo reside exclusivamente no que lhes convém. Agora percebe-se porque não houve uma revolução de mulheres pelas ruas de Lisboa, aquando do período de comércio esclavagista. Nada tinham a ganhar, tal como nenhuma superioridade moral lhes acorre pelo mero facto de terem um clitóris. Ambos os sexos são igualmente capazes de crueldade para os outros em redor. Mas há um mais apto a avaliar as suas acções e valores, pelo simples facto de ser menos solipcista. Define predação. O consumo de um outro enquanto fonte de subsistência, até que dele nada mais sobre que um invólucro do que já foi. Até que a comida não tenha sabor para ele, que não oiça o som dos pássaros, que não acredite no futuro, que recorra à cerveja para roçar os beiços por um placebo de felicidade. Olho para ela e um sentimento avassalador afoga-me de vontade de a proteger e limpar todos os pecados passados que o mundo lhe causou. Mas depois penso friamente…e quem me redime a mim? Não gastaria melhor as minhas intenções num acto de amor por mim, em vez de me lançar de novo a perseguir uma quimera? Percebi-o extremamente solícito, prestável, agradável. As velas do seu ego, enfunadas pelo vento da aprovação. Ia conseguindo a sua validação enquanto indivíduo, por via dos sorrisos e da presença da dona. Em equipa que se ganha não se mexe. Incapaz de perceber o carácter contextual da sua sorte, olhava para os solteiros, como se filhos de um deus menor. Afinal, se ‘nem’ uma mulher não são capazes de cativar, seduzir, nada percebem de como funciona o mundo, há algo avariado neles. Pode ser, serem demasiado idealistas. E porque há algo de avariado neles, pouco valor têm como homens, excepto, se conseguirem engatar gajas, mas aí são defeituosos na mesma, porque não se ‘comprometem’ a constituir família e a participar no Inferno do sexo mensal contratual. Sente-se à vontade para argumentar comigo, velas enfunadas por essa ilusória confiança. Por estima, evito fazer-lhe as provocações e questões que rasgariam o pano. A promessa não era de foda. A promessa era de algo mais raro e precioso. Amor. Amor de olhos nos olhos até ao pôr-do-sol, amor de pequenas epifanias involuntárias onde damos por nós surpreendidos porque o curso dos eventos, as nossas emoções, serem independentes da nossa vontade. Amor, que não dependendo de nós, nos prova com a sua existência, que uma mão desceu do céu, e nos abençoou pessoalmente, como se Deus nos tratasse por ‘tu’. Amor, que não sendo lógico, não sendo fingido por nós para nós, alheio à nossa vontade, nos mostra o quão sério é esta coisa do sermos manipulados por algo que já não conseguíamos acreditar, que existisse. Não, a promessa não era de fornicação e ejaculação precoce, num deserto de tudo menos de desespero e angústia. A promessa era de significado na existência, de dois cometas que chocam no espaço, esporrando em faíscas todas as estatísticas probabilidades de um encontro de inseminação mútua. E então damos por nós a segurar um filho ao colo, exultando com um qualquer fogo-de-artifício nocturno, e damos por nós a fazer força para acreditar no maravilhoso de algumas luzes no céu, e abafando a ideia de que a vida é uma via-sacra de ilusões, que depende de um esquecimento hereditário. Que uma porção de nós no corpo de outro se arrasta como ranho de caracol nas ervas do tempo. Repito-me, eu sei. Tenho medo de que Nietzsche tenha razão. Se que se olhamos o abismo, o abismo olha para nós. Serem que me tornei incapaz de amar, de me entregar, de acreditar? Beijo-a na têmpora e digo-lhe que tenho de me ausentar, que falamos depois. Fica triste. Eu arroto o bife que comemos na Portugália, e escondo o telemóvel no bolso das calças, depois de responder à outra que me desafiara meia hora antes, que estava a caminho. Beijo-a de novo, à pressa, e pego no carro excitado por comer mais do que uma no mesmo dia, coisa que não faço há uns bons anos. Estaciono perto do Vává, e sentamo-nos os dois na esplanada, aos beijos, comigo a contar o tempo do ritual que leva à foda. A meio da minha consciência sinto um golpe de clarividência como que se observado por um mais alto e censor eu. Do outro lado da estrada, dentro de um Fiat branco, uns olhos azuis molhados olham para mim e para o invólucro em que me tornei. Under the skin, 2013
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Tori Amos - Professional Widow (Remix) (Official Music Video) from the album 'Boys For Pele' (1996) - todos os direitos reservados:
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