I Os alquimistas achavam-se os maiores por supostamente tornar chumbo em ouro. Pouco impressionante, as mulheres conseguem tornar qualquer homem numa desculpa. E por ‘desculpa’, entenda-se um qualquer placebo de justificação que permita alijar qualquer responsabilidade ou falha da portadora. É sempre uma situação win-win para a cachopa. Se a coisa corre bem, é porque estava escrito nas estrelas, se corre mal, o amor, esse belo nada de costas largas, dita as condições, que são invariavelmente as mesmas, a culpa é do homem. A mãe da filha do Sousa. Acenou-lhe com sorrisos, fingimento de desejo, e cenas de sexo cumpridas por dever, por entre carros estacionados ali para os lados de Alcântara. Aguentou-se tempo suficiente no namoro até conseguir descolhoar e levar ao ponto de colapso nervoso, o outrora orgulhoso de si, Sousa. Íamos surfar e ele contava-me que a relação não estava bem, mas via-se nele, lado a lado com o desespero, uma vontade de fazer que tudo corresse bem. Havíamos ganho, ambos, um triste e infantil hábito desde a Faculdade de Letras, de enviar uma foto explícita dos genitais de cada nova conquista. Sem mostrar cara ou traços identificativos. Por mais de uma vez suportáramos o destroço que um ou outro éramos depois das ‘gajas’ passarem pela nossa dignidade, como a raposa de Torga passava pela vinha olhando os cachos demasiado altos. E a única forma de catarse era enviar uma foto de rabo, mamas ou vulva, para celebrar uma espécie de superação desses momentos em que o desespero e a dor agoniante ficavam para trás. Numa dessas fotos que lhe mandei, despoletei sem querer, um episódio que só tomei conhecimento depois. Fomos os 4 surfar, os do costume, ali para uma praia da Ericeira, da moda, onde estrangeiros e gajas do cenário gostam de parar. Lá juntaram-se mais dois e íamos portanto, 6 para a água. Calhou que estivesse naquele momento, eu a contar uma historieta qualquer que metia os restantes a rir, e com a atenção centrada em mim. De repente dou de caras com Susana, que se dirigia para o chuveiro comunitário, passar-se por água. Baqueei pela surpresa, olhei-a nos olhos e fez que não me viu, arrogante passando ao lado, mas eu, protegido pelos meus óculos escuros, também nada disse pois nada havia a dizer. Calei-me de súbito, e os outros a picarem-me para eu terminar a história, que terminei rapidamente. Ali, em Ribeira d’Ilhas, fiquei a anotar o processo dela, que adorava surfistas, pela boa condição física e pela geral boa disposição que os torna alvos quase sem defesa para o seu estilo de terrorismo psicológico. Como o pai havia feito gato e sapato dela, e da mãe e da irmã, qualquer portador de falo era uma nova catarse, se e somente se, fosse desfeito como batel de balsa nos baixios de uma praia qualquer. As energias positivas e os sentimentos nobres de boa parte dos surfistas que fruem a ligação com o mar, torna-os madeira seca para este tipo de catarse de terra queimada. Deste ponto de vista, Susanas, são sérios e terríveis predadores, lixiviados pelo facto de terem vulva, e saberem a algodão cor-de-rosa. Deitava a toalha no areal, e ficava a mirar as ondas, sem molhar o corpinho mais que o ter pé permitia, pois não tinha grandes dotes de nadadora, o suficiente no entanto, para parecer bem num mergulho numa qualquer piscina de vivenda geminada. Quando passava um dos vários alvos que antes havia registado mnemonicamente, aferia se olhava na sua direcção, e largava um sorriso enigmático, que por vezes era correspondido e até iniciava uma curta conversação, na qual ela aferia se o interlocutor era digno ou quadrado. Eu não precisava de ver mais, até porque me estava a apetecer ir para dentro de água, que sem ondas, prendia toda a gente no areal. Tinha levado os óculos de mergulho e passei horas a observar pedras a duzentos metros da praia, a uns 5 metros de profundidade. Quando todas as más energias saíram de mim, voltei para a areia e descobri que já tinham posto as pranchas nos carros e que iam dar um passeio pela linha de praia só para não perdermos a viagem. Foi quando Sousa me contou a razão do seu estado taciturno, eh pá nem sabes, acabei às 3 da manhã com as mãos no pescoço dela, e depois fui para a esquadra. À medida que a sua vida se tornara num inferno, cada vez contava menos da mesma, para não ser censurado ou para carregar sozinho a cruz da escolha que fizera. E eu perguntei: «- A sério?! Mas que raio se passou?» Tinha sido a foto que eu mandara de um par de mamas chafurdado entretanto. «-Se imaginasse que ela tivesse acesso ao teu telefone ou que estivesses com ela, nunca te teria mandado nada do género. Mas ela tem acesso ao teu telemóvel?» «-Ela está a morar lá em casa, não tem, mas recebeu a mensagem e por ciúmes foi ver, e fez uma fita. Ainda tentei tirar-lho da mão, mas ela mesmo sabendo que a mensagem era tua…» Censurei-o por ter tocado nela, que sabia bem demais que se lhe apertou o pescoço, mesmo em colapso nervoso, era violência conjugal. Ele sabia. Mas não era isso a razão do seu desespero. Era mais o fim à vista desta relação, de onde saíra uma filha que não veria os pais em harmonia. E não pude deixar de adivinhar também, que era uma dura chapada de realidade a este amigo que sempre se vangloriava nos momentos bons da vida, ainda que precisasse dos outros como eu, nos momentos maus. Era daquele tipo de pessoas que acreditava que se alguém não tinha namorada ou era encornado, a culpa era sua, que «não soubera fazer as coisas», que mulher satisfeita não procura fora do penico. Embora ele fosse o maior exemplo do que criticava, com paixões menos ardentes que as rupturas que sofrera. Certa vez, até seus doces pais me vieram contactar à porta para ir ter com ele que não comia ou bebia. Eu fui, embora pouco melhor estivesse, peguei nele e levei-o a passear à beira do rio e fiz-lhe ver que devia ver as coisas de outra forma, ninguém pode forçar os outros, e de certa forma ele havia retirado algo da experiência, era pai, e isto de ser pai relativiza qualquer gaja do mundo. Enquanto tentava dar cor alegre à minha entoação, porque eu próprio estava destroçado, vi que ele se alegrou com algo tão óbvio, ao mesmo tempo que afundou logo como jipe em mar de lama. Olhando para mim, sei o que ele pensou. Ela usou o esperma dele, e a ruptura, para dar o sentido à vida que a janela de juventude lhe fechava gradualmente. Ela sabia quanto ele ganhava, onde trabalhava, não era algo de feio para trazer na ponta do braço, e sabia que facilmente o manipularia com simulacros de afecto. Emprenhou, fez um esforço que corresponde a um certo período de vida em comum, para depois encontrar um pretexto para o fazer o mau da fita. E assim justificava à sociedade, que era mãe solteira, porque não tivera sorte no amor, havia escolhido um que parecia meigo e trabalhador, mas que a enganara e mesmo havia tentado estrangular. No caso da mensagem, o que deitou o caso a perder foi o afã com que Sousa tentou evitar que ela a visse. Por decalque, serviu como desculpa, não por causa do simplório par de mamas, mas pela importância que ele lhe dera, e por isso servira como aríete emocional, com que o despedaçou. Ainda fui eu e outro, a uma sessão de cervejada e bola, na casa dele, mais como concessão dela a alguma reivindicação dele, e conforme eu previra, o ambiente pesado polvilhado com solicitude fingida da parte dela, descambou numa discussão à frente dos amigos, nós, só como cartada final na anulação do indivíduo. Despedimo-nos apressadamente com desculpas esfarrapadas, quando a gritaria dela já não se aplacava apenas com o silêncio dele. Pouco mais durou, e ela foi, como havia planeado desde o momento em que o conheceu, de armas e bagagem para a casa da mãe, no centro do país, onde pode fazer a vida que quer, e se lhe perguntarem por uma vida em comum, diz que não teve sorte com os homens, e tentou mas não deu. A família valida esse discurso, claro, e as amigas nos jantares de mesa redonda onde falam sepulcralmente sobre a vida e os homens, onde as emoções pesam mais que os factos, as amigas abraçam-na e reforçam esse sentimento de injustiça em que ela acredita totalmente. E eu lembro-me que a vi dividida, quando me despedia dela nesse dia de jogo de bola, entre uma nesga de remorso pela merda que estava a fazer, e os princípios de acreditar na fantasia que encena. Ele pouco tempo depois cortou com toda a gente que conhecia desde a primária, incluindo eu. Nas suas lucubrações deve ter concluído que a razão do abandono das gajas, era ter amigos saloios como eu e outros. Ou então a vergonha de ter sido usado e deitado fora, não mais que um cavalo de cobrição que divide o tempo a criar a meias uma filha que também serve para ele próprio não cair no vazio e transparecer como falhado da vida para a sua família. II Como quem colecciona cromos, a galeria de tipos deixados pelo caminho, é mais útil que cemitério, num caso os cadáveres mantém a utilidade. Falando com uma amiga, ela achou que eu sou daqueles que acredita que uma sucessão de azares é outra coisa que um padrão. E que existem pessoas que só têm azar nas escolhas que fazem em relação a parceiros. Sabes lá, não tive sorte com nenhum, um só me queria para sexo, outro tinha mulher e só me comia em cima do balcão da padaria onde eu trabalhava e ele era patrão. Os exemplos não paravam. Tudo histórias onde a emoção deixava de lado as perguntas mais simples. Mas então não tiveste um tipo de gajo assim, assado e cozido? Epá tive, mas não lhe achava graça. Então só achavas graça a todos aqueles que contas agora que te fizeram essas travessuras? Sim, é complicado. É nada, mas diz-me, quem os escolheu? Vendo-se encurralada, tentou esgrimir emocionalmente, como a tinta do choco, para tapar o buraco que a sua argumentação deixara destapado. Eu não me esqueço, quem os escolheu? Existiram ou não outros, mas por opção tua não os quiseste, e foste atrás dos altos emocionais, da aventura e do exótico? Fui, então, não tenho direito ao melhor da vida? Tens, mas também tens de ter a responsabilidade pelas tuas escolhas, escolheste bad boys, e agora não te podes queixar que não tiveste sorte com os homens, talvez tenhas deixado escapar algum de jeito, que infelizmente não podia competir com a vanguarda saloia que os rapazes de casacos de cabedal tinham. Depois saca a mesma carta de sempre…ah é o amor, também tenho de gostar deles não?!... O amor e a vitimização para evitar a reacção alérgica a qualquer tipo de responsabilidade pela infelicidade que cometeu o erro de confidenciar. Admitir que são enganadas com os seus sentimentos equivale a morte, pois estão tão identificadas com eles, que se falham, é o próprio indivíduo que se vê desmoronar. Imagina um homem que coloca toda a sua dignidade como ser humano em ser homem, e que ser homem consiste em dar prazer a uma mulher. Morde uma bala caso tenha disfunção eréctil, mata-se por ideologia. Assim a mulher, se algum dia duvidar da sua mítica e fantasiosa intuição, ou dos seus sentimentos. O que é certo é que é guiada pelo instinto, e relega a racionalidade para servir o instinto e não ao contrário. A lógica faz o mundo parecer um lugar seco e pouco auspicioso, nada como a sua ostra aos 20 anos de idade. Encarar as coisas de frente, especialmente a si mesma, quebra essa fantasia que lhe permite viver consigo própria. Especialmente sacrificando outros, os homens não desejados. Qualquer gajo que a queira convencer a gostar dele, por algum tipo de lógica, é desprezado. E ela nem sabe que o faz. O Veiga, casou com uma calmeirona, boazona, da vila. Os óculos do amor vedavam-lhe a visão. Ele achava que havia de cumprir com tudo o que ela dizia querer, para a manter feliz. Lógica simples né? Até a mulher te diz o mesmo. Faz o que eu quero que te amarei. Infelizmente não funciona assim. Numa viagem que teve de fazer a Ceuta, ao voltar descobriu que ela deu umas voltas com o gestor do banco da terra. Queria o divórcio. Ia refazer a vida. Contou à família dela o que Maomé não diz do toucinho, sobre ele. Tentando, e conseguindo, manipular a percepção daquele que até há pouco fazia parte da família alargada. Era agora alvo de todos os defeitos. Faziam-lhe cara de enjoo, quando ele ia à casa onde ambos moravam e que confinava com a de familiares. Ontem apreciado, hoje descartado como fralda usada. Só soube o que ela andou a dizer dele, quando discutiu num café com o irmão dela e conseguiu mostrar que o que ela dissera era mentira. O irmão dela ficou em choque e pela primeira vez conseguiu perceber que a irmã fingia bem, ser alguém diferente do que era. Entretanto o gestor de banco fartou-se e ela ficou encalhada, toca de tentar voltar ao burro de carga. De onde vinha nele, esta vontade de aplacar a deusa, para continuar a adoração? Baixa auto-estima? Achar que não arranjaria melhor que ela? Um lar destroçado onde esta mulher o ajudaria a superar a disfuncionalidade que sofreu em criança? III Teceu loas à toa, pelas redes sociais, sobre o fim de uma relação tóxica. Contou aos pais e a amigos que eu era um cabrão, pior que o toucinho para Maomé. Tinha-me dito que tinha pena não manter um único amigo, das anteriores relações. Estava disposto a ser essa excepção, até porque não me dou mal com as minhas defuntas. Mas ela precisava de uma ruptura vistosa, daquelas em que nenhum dos dois tem vontade de voltar a falar com o outro. Esse tipo de ruptura dá carácter de excepção ao nosso carácter ou falta dele. Queria também provocar-me uma reacção que me tirasse do sério. Por exemplo, fazendo algo que sabe que detesto, determinar regras para o meu comportamento. Disse que queria que eu morresse e foi até vernacular, sem provocação para tal. Achava sinceramente que por ser mulher as mulheres podem dizer tudo sem consequências. Ah são as hormonas, ou os sentimentos. Decidi que não. Não seria a excepção pois sei o que é alguém fazer-nos arder, para se aproveitarem do calor. Se é isso que tens de fazer para viver contigo mesma, força. Não chegou que a tivesse escolhido a ela, sobre outra. Que nunca negasse ajuda ou conversa quando solicitava. Que falasse com ela mesmo quando achava idiotas as suas oscilações. Nenhuma boa acção está isenta de castigo. Contou para o mundo que eu sou tóxico. IV Há vinte e tal anos atrás, 3 farrapos humanos fizeram um pacto, numa residência universitária, de maltratar os homens que com elas se cruzassem. Que haviam sofrido muito às mãos de outros homens, havia que abrir os olhos ou vingar essa dor. Uma procissão de gajos amputados pelo caminho. A exumação de tais cadáveres revela uma simples realidade, apenas valiam por ter útero. Porque de resto são pedras.
0 Comments
|
Viúvas:Arquivos:
Outubro 2024
Tori Amos - Professional Widow (Remix) (Official Music Video) from the album 'Boys For Pele' (1996) - todos os direitos reservados:
|