I
A determinado ponto da contenda era obrigatório parar para avaliar danos. Lembras-te que em 2006 tinha feito um compromisso para jogar o jogo, em vez de fugir dele? Naquela praia num quente Março a meio da semana, do sentir-me especial e isso tudo? Ceder agora seria admitir ter falhado. Falhar seria admitir que eu não era tão inteligente como achava que era. Sim, porque isto do ser inteligente era um dos pilares do achar-me especial, do único sítio onde podia ir buscar valor para o amor-próprio de forma a poder viver comigo sendo minimamente feliz acerca do que sou e de quem sou. Era portanto um caso de vida ou de morte. Sim, já tinha ouvido aquela lengalenga dos gregos antigos e do controlo das paixões como via da liberdade. Era isso, era isso que eu queria, liberdade, mas na altura achava que ela vinha com a Iluminação e que a Iluminação vinha com o orgasmo, portanto eu queria muita fornicação sem entender o elo entre fornicar e ser livre. Afinal estavas à espera do quê? Num tipo que passou a adolescência a ver as cachopas a darem-lhe para trás, interiorizando a sua inadequação, sem se fazer a muitas nem a perceber que era uma questão de aprender com os erros. Mas um gajo naquela idade tem o ego com papel de arroz, tudo rasga especialmente a rejeição. Na cabeça fazia sentido para mim que livrar-me do desejo era um passo para ser livre. Mas cheirava-me demasiado a resignação e a derrota, fazendo como a raposa e as uvas, admitir por fim a inadequação. Aliás havia fingido a minha vida toda, ressentido para não dar o biscoito às gajas, só o coito. Mas debalde, continuavam a não chegar-se a mim. Fazer cara de grumete embarcado longamente ou de trolha brejeiro e rebarbado como ponta e mola para qualquer fornicação, produzia o mesmo efeito. Fingir não dava, elas tinham um cabrão de um radar que topava a farsa ainda antes de eu a ter iniciado. Fingir que não as via, ou que não estava a olhar para os seios revelados em espartanos decotes por entre camisas brancas e queixos supremos sobre sorrisos primaveris. Ou fingia não ter desejo e surpresa no olhar quando uma bonita mulher torneava a esquina, esquece, não funcionava, olhavam com repúdio e não com (o meu objectivo inicial a obter com o fingimento) perplexidade seguida de tentativa de ganhar a aprovação que eu supostamente não dava. Nunca consegui acertar as doses. A lógica era boa, faltava a persona. E eu não sabia que faltava a persona. Obtinha continuamente umas expressões de repúdio e aquelas caras de indignação que elas mostram, quando alguém subverte as leis de classe e hierarquia do seu mundo adolescente. II Ela jogava sujo. Eu tolo, achava que a inteligência de alguém se manifestava através da demonstração de velhaquice e que as pessoas pacatas e íntegras eram ingénuas. Fazia tudo para manter a cona. Queria a cona a todo o custo, não só ter como manter, como sendo um bem transaccionável e com valor de mercado. Envergava implícita e doentiamente, a convicção interior de que a vulva é um bem, ou um mal, com valor monetário, social, e espiritual no mercado da carne, que é o terreiro cortesão organizado em que os corpos e almas dos indivíduos de determinada comunidade, se trocam entre si. A cona não é a redução da mulher a uma parte sua. A cona não é a reificação da mulher. A cona é muito claramente a palavra que denota o homem apreciador de cona como a braços com a sua dependência. Pela cona. A cona, é o nome que denota a dependência assim reconhecida pelo sujeito. Nada tem que ver com a sua portadora. A cona, que é algo que não pode obter por si próprio, e nem a masturbação se revela placebo à altura para tal. Quando um qualquer apreciador de cona se refere ao elemento feminino como 'cona' ele apenas parece insultar o género feminino. O que ele no fundo faz é revelar a sua redução interna da mulher à pequena e escondida parte, que materializa esta dependência mais ampla pelo sexo oposto. O drogado convencional diz-se preso à droga, não concretamente ao cavalo, liamba, nicotina ou açúcar. O miserável pobre e despojado de vagina, apenas se refere como carente de mulher, se já estiver em estado terminal. Fora disso identifica bem a sua degradação, que nada tem que ver com a mulher ou com o feminino, mas com a sua dependência subsumida sob a pequena e bruta palavra 'cona'. Carrega uma hóstia de ressentimento esta utilização do termo. Na dependência de psicotrópicos o sujeito lida com a sua fraqueza social e espiritual mas a ressaca se bem que o envergonhe por não conseguir sair do poço, nada é comparado com a necessidade de ter uma vagina bem molhada que lhe justifica a vida. Um autorrádio ou uma noite de venda do corpo, rendem para uma dose. Ao vaginodependente o investimento quer-se mais profundo, ou sabe camuflar a sua mentira ou estratégia, ou acreditar de forma tão convincente mesmo que fingida. Se não sabe fingir, tem de morder-se todo até alterar o seu carácter, sob pena de ver o fracasso dos seus métodos. Ou adere ao lugar comum do engate que aprende por osmose com amigos e colegas de trabalho, ou dedica-se a dedilhar bonecas insufláveis. A heroína raramente dá uma má trip ao passo que a vulva pode regularmente deixar aquele sentimento de degradação interior assim que ambos os sujeitos se confrontam com as pessoas despidas das personagens, depois de todo o esperma expelido e de todo o carinho dado, o que fica é o sentimento de que o escorpião hiberna por algumas horas e que já se sente na volta do correio o desejo a encher de novo a cisterna. Precisar de um outro, de uma vagina, é mais vergonhoso enquanto miséria espiritual que as dores da ressaca heroinómana. O drogado revê-se ainda de certa forma como humano, aflito com um pecado, mas com remissão. O dependente de 4 pregas de carne húmida, quando mete as mãos à consciência e percebe que trocou a sua integridade por tão pouco, e ainda leva o bónus de ter de aturar uma gaja que ele não gosta, e forçar-se a gostar por causa do período de abstinência forçada no caso de uma futura separação, gostaria de ser acordado deste pesadelo. A trip química é bem mais recompensante que a contínua mitigação endorfinada da líbido. Assim que te vens, passa a euforia. Mil vezes viciares-te em vulva, mas não é por isso que passa a ser pera doce. Especialmente se é a única maneira que tens para dar significado à tua existência, como se a procura de parceira fosse a razão de teres vindo ao mundo, talvez biologicamente seja, não sei. Esta suposta superioridade feminina repetida pela propaganda, do belo sexo, da mulher omnisciente a quem basta um silêncio lacónico para ter do seu lado a reverência dos olhares para a sua figura com tons de sapiência de oráculo, é o grande desvio do homem e da sua ligação ao mundo do espiritual. Ela jogava sujo. Já começava eu a dar sinais de perceber a dependência e o vício que me afligiam. Nem era por ser esperto, pois sou teimoso que nem uma porta. Era mais por aumentar, ergo relativizar, o número de paragens de autocarro na viagem pelo feminino. A cada desilusão amorosa, a cada abandono, eis comigo só fechado no carro a olhar o estuário e a chuva a cair. Por alguma razão ignota o coração continuava a bater, mal mas a sucessão dos instantes na consciência continuava fluir. Um grande sentimento de perda, mas perda do quê? De não ter uma fêmea para foder, de não ter uma mulher para mostrar aos outros que tenho um belo objecto animado para provar a minha masculinidade, ou um símbolo de prestígio para mostrar às mulheres que desdenhosas anteriormente viam que afinal eu era digno de atenção e de amor? Ou de perder o receptáculo de tanto sacrifício, carinho e placebo de amor, na personificação do meu destino burguês, a namorada? E a cada separação a angústia de mais uma missão falhada. Vês essa merda nos filmes, especialmente americanos, em que aparece no cúmulo de azar ou caracterização do looser, o não ter emprego, não ter carro, não ter estilo, e por fim, não ter ou perder a namorada/mulher. Convencia-me que afinal não morria a cada novo desgosto amoroso, e como qualquer crença em inadequação implica acreditar num método adequado –tal como a crença em Deus implica a crença no Diabo -, decidi não ficar sujeito, isto é, limitado na minha liberdade, aos infortúnios de nada perceber do que se passava. Que caralho, afinal eu fazia tudo bem. Tratava bem o objecto de amor, acedia à maioria dos caprichos, abdicava de mim para me apresentar nos bons favores da deusa. O cansativo nem era a desilusão, mas um não fazer ideia do que levava à desilusão, e eu não queria sair mais magoado destas merdas. Não ficar em suspenso dos caprichos da quantidade de gajas que apesar do que eu fizera por elas, afinal por mim para manter a sua cona, no final se manifestavam ressentidas, passando para mim o asco da relação, a vergonha oleosa contrastante com o carinho e fascínio alguns meses anterior. Quando nos conhecemos, no bar de frente um para o outro, os mesmos trejeito que eu já identificara, a manipulação das expressões faciais como método de condicionamento, a atenção como arma de arremesso para atar o anzol, o tactear do interlocutor procurando o seu grau de sofisticação e expressão clara através da linguagem corporal do quanto ele estará abaixo dela na escala de sofisticação, mesmo que essa escala se reduza a conhecer as promoções sazonais no armazém de roupa. Descolhoado assim, o interlocutor só tem de correr atrás do prejuízo, isto se quiser a cona. Mesmo que não queira passa a querer, só pelo facto de que ela existe e promete percentagem de possibilidade. Ora eu já me queria solto do resultado, e quando me sentei não estava a contar com nada senão com uma prometida gargalhada em relação a toda a situação. Além do mais porque o que me interessava, era o caso da literatura. Havia levado a resma de folhas dos textos que trocáramos, mais eu, claro, ela ficou logo quase na linha de partida. A certa altura virei-me de lado para olhar o bar e as pessoas à minha volta, também na espectativa de saber qual a sua reacção. Reagiu mal, ofendida se eu estava ali para lhe dar atenção ou não. Percebi que significava um ego para ela. E que apesar de bem-sucedido na minha intenção, ela ainda não me tinha feito mal nenhum, para merecer algum destratamento. O contacto físico seria determinado por mim, primeiro por aconchego de suas mãos no meio das minhas, depois pela troca de línguas que passavam metade da minha última pastilha para a sua boca. III A cona, é o nome que denota a dependência assim reconhecida pelo sujeito. Nada tem que ver com a sua portadora. Queria manter a cona. Se bem que somos o inferno uns dos outros, há uma dimensão além-foda de companheirismo e apreço mútuo que convém explorar do outro lado da equação. Ora como o sexo sempre esteve tão longe nos anos de acne, e tão manipulado nos anos de jovem maturação, como toda a gente age como se existisse um serôdio esquema para o sucesso, que é a cona ou o ascendente, não posso criticar-me por ter assumido essa ideologia. Portanto estava de certa forma impossibilitado de apreciar essa dimensão, não só por mim, nota. Mas também pela potencial ‘ela’, há uma percentagem de ilusão e desilusão, de ganho e de perda que determina a lucidez com que mergulhamos nas relações. A testosterona apenas faz focar o sistema reticular na percentagem de orgasmos a atingir. Eu dava isso de barato desde que mantivesse o dedo na sopa, neste caso a pila no pito. Achava piamente que era o método que todos usavam com mais capacidade que eu, vistas bem as coisas eu não seria bom juiz em causa própria tendo em conta a percentagem mirrada de sucesso nas experiências passadas. Opá, com o foco exclusivamente mantido no «prémio» a mulher bibelot os defeitos morais de cada sujeito feminino são completamente relativizados. É chata, castradora, caprichosa ou fútil? Não interessa, o que interessa é mantê-la pois é o prémio. Via os defeitos, urdia relativizá-los afinal o absoluto era a vulva. Com menos clareza sentia os meus. Ela também o sabia. Tinha feito o trabalho de casa. Sabia que coisas fazer para excitar a cópula. Cheirava como perdigueira as minhas falhas de carácter. Ela tinha tudo, eu nada. Perante a separação, os números dão a vantagem ao elemento feminino. Durante as relações, de forma mais tímida ou menos tímida, qualquer mulher tem sempre outros pretendentes, ou aspirantes à sua companhia. O abutre, que paira com a fome de ler sinais de fraqueza emocional no alvo para se insinuar furtivamente como ‘amigo’, confidente. O chacal, que lança isco a todas as que povoam o seu território de vivência, com mais ou menos charme ou verve, viciado pela caça, sedento na procura de sinais promissores. Cada tipo recém-solteiro tem mais dificuldade estatística em reencontrar companheira para afogar mágoas, por comparação com a sua contraparte. Ela consegue, em geral, manter um séquito de amigos presentes amantes latentes, que lhe oferecem atenção, compreensão, e validação. Também estes desgraçados recolectores, desconhecem a inexistência de espinal medula na sua anatomia. Acham ser parte do jogo. A minha viúva era assim. Quantas vezes não atendia na cama chamadas destes ‘amigos’ a qualquer hora do dia e da noite. Ia-se queixar para as amigas mais próximas, que eu era mau, e básico, e que não aguentava, e sei lá mais eu o que. Mas não contava que certa vez a fazer amor, saltou de cima de mim para atender uma destas chamadas. Comecei-me a vestir. Debati-me com o tal pensamento ‘ Ah, caga, estás aqui pela cona.’ Mas decidi que não valia a pena, até para provar a mim, que algo existia em mim, que eu valorizava mais que a satisfação do meu desejo. Não deixou, chorou, pediu para ficar, que eram hábitos passados. Agarrado à fivela do cinto dei-lhe o benefício da dúvida. Continuava a receber imagens e vídeos de necrófagos destes que te falo, colecionando e manipulando estes bonecos amarionetados e domesticados, com os quais, nos cafés e bares de Lisboa, ela e as amigas trocavam medalhas de valor sobre a sua emancipação e poder sexual. Eu lia-lhe todas as manhas. Não porque seja particularmente perspicaz. Apenas porque passas muito tempo a urdir manhas na cabeça, reconheces todas as lógicas dos outros manhosos. Desde apresentar-me à família, e sair com amigos, gabando-me e dizendo-se feliz quando eu ia aos lavabos mudar a água das azeitonas. Havia que fingir todas as fases de enamoramento, esta correspondia à fase de contentamento, que depois tem a fase de desencanto, na qual se justifica aos amigos e amigas que afinal ele não era o que ela pensava, e pura estava apaixonada, não tem afinal sorte ao amor, e assim coleciona mais um gajo, que não só fica mal visto, como marcado, a ferro em brasa, possivelmente capaz de se relacionar decentemente nas situações futuras, tal se sente desconfiado de toda a gente, anjinho que foi a ser manipulado. Quando voltava do mictório a amiga que sendo amiga não a suportava, agarrou-me várias vezes as mãos. Nitidamente tentando fazer ciúmes à outra. Por entre os sorrisos de circunstância a barraca armada duas horas depois. Que eu muito amigo da sua amiga, que se quisesse podia ficar com ela, e essas merdas que se dizem. A cada recriminação, percebiam-se dois objectivos, real insegurança e testar-me. Apelar à emoção e indo contra toda a lógica. Assumir a figura de mulher arrebatada pela emoção de ter sido preterida, traída na sua pureza e atraiçoada no seu amor. Como tinha decidido não deixar as minhas emoções tomar alguma vez mais controlo de mim, tinha a frieza de lhe perguntar, que agarrar umas mãos, não era pior que guardar vídeos no telemóvel com cenas de masturbação. Ela havia recebido um recentemente e mostrava às amigas para se rirem todas do viril patego que achava assim excitar a destinatária da MMS. Nestes momentos era visível um curto-circuito na sua cogitação. Chegou a lamentar-se que eu tinha sempre uma cartada em standby. Tentava usar isso comigo dizendo-me que eu não era puro, era manipulador, cheio de segundas intenções. À noite levantava-se, julgando que não me acordava, como raposa em riste para o galinheiro, para me ir espiar as mensagens no meu telemóvel. IV Ressentia-me aleivosamente para com as ‘mulheres’, por causa da injustiça do jogo. Por usarem os homens como fontes indirectas de validação e aprovação. Eu fazia hipocritamente o mesmo. Olhando-as como conas bípedes, deusas traficantes e produtoras da minha droga, seres acima de mim, com a posse de algo que me fazia narcoticamente falta. Deusas anexas à conaça, esse monstro telúrico fotocopiado em estatuetas neolíticas. Havia que aplacar a deusa, a todo o custo para continuar a ter acesso à minha miséria, a única condição mediante a qual conseguia mitigar o sofrimento interior, e dar um sentido para a vida, validar-me e fugir da minha própria interioridade. Tudo através de uma simples cona. Crente e clérigo da religião que professa que ‘os rapazes são feitos de pedras e ervas daninhas e as raparigas de algodão doce e rosas’, todo o autossacrifício me parecia saudável e não conseguia perceber que era bem pior que as gajas que generalizava como boas, e dando o corpo a todos que não a mim. Suspeitava-o, pressentia-o, mas de forma muito nublada, demais para se materializar em pensamento. Sem clareza e noção da fatalidade, não tinha força para chocar e forçar uma mudança. Continuava a arrastar-me como lesma sobre fio de navalha. Admirava e detestava simultaneamente aqueles conhecidos e amigos que me diziam livres, a golpes de vontade, da perseguição e do desejo, e assim da perseguição do desejo. Como não conseguia definir a minha identidade além do ente em busca do infinito desejo pelo belo corpo de uma mulher, e do orgasmo final para lá do horizonte, olhava para estes abstencionistas como pessoas derrotadas, arrenegadores da cona admitindo o seu fracasso nessa luta fratricida para a obter, submetidos na guerra de impacto. Nunca me passou pela cabeça como hoje, que haviam vencido a luta contra o seu desejo, e quebradas as cadeias da servitude finalmente. Deixava-me perplexo terem desistido de ser chacais. Mais ainda quando desistiam de ser raposas, ou seja, quando os mais bem sucedidos numericamente, abdicavam do jogo, pela miséria que lhes causava. A cona aparecia-me como um dos mais fortes motivos de glorificação da existência. Que putos novos como eu, só estariam a fazer o que é devido, num esquema metafísico das cenas, a viver a vida, perseguindo a exaustão através do orgasmo, do excesso de boa comida e bebida, erguendo nossos cálices ao Céu agradecendo a vida no nosso espaço-tempo. Celebrar a puta da vida caralho, através da ingestão do suor e dos gemidos daquele corpo que seguramos com os braços enquanto o esfaqueamos com a pélvis, a embriaguez da massa de carne bem formada pelos anos, lambendo todo o lúbrico orifício que cumpre aparecer, num claro desafio à luxúria, cerrando os dentes e fazendo o beicinho do prazer com que se olha uma bela anca, um belo quadril de matrona bem torneada. Agarrar sofregamente dois bons nacos de nádega e estocar rumo à contracção, olhando-as e olhando-me comendo-as, ver a reacção directa que o meu corpo lhes provoca traduzindo gemidos e expressões de prazer, elas no seu corpo perdidas no rumo portulano que se avizinha, foder até à união mais perfeita esquecendo-me de mim, matar por fim o demónio da insaciabilidade com forma de escorpião que durante duas décadas me havia espicaçado sem dó ou remorso. Apreciava sobretudo o deixar de pensar. Quem passou uma vida inteira a fingir vem a acreditar que a sua mais pura expressão, daquilo que é, é tudo o que flui saindo sem ser pensado. Foder era para mim uma expressão de verdade. Contando que conseguisse libertar-me da validação de dar orgasmos, e ser confundido com um bom amante. Ou se me conseguisse libertar da insegurança de divagar receoso sobre a autenticidade dos sentimento s de amor delas. O tal demónio com forma de escorpião, que me levava a masturbar 7 ou 8 vezes ao dia, impedindo-me de estudar, de ler, de fazer alguma coisa que não acumular pornografia e escrever cartas de amor que fossem tiros certeiros na arte do engate. Isso e ir comprar creme paliativo para meter na gaita por causa de tanto abrasão esfolador. Cada corpo bonito e rosto a condizer, conduzia toda a minha força de imaginação. Como elas precisavam de uma atenção ou de um olhar de desejo para se sentirem ‘mulheres’ eu só precisava de um corpo que se abrisse incondicionalmente nesta estrada de Damasco em busca de parceira. Eu para aplacar o cavalo de guerra de três pernas, ela para me validar fazendo sentir-me desejado. Para ambos o outro como meio, no meio da guerra dos eus contra o mundo. V Quando nos separámos, (se é que alguma vez estivemos juntos) pela primeira vez, foi um rude golpe para a minha esperteza. Pensava que finalmente tinha afinado o método, mas aqui estava a realidade a dizer que não. Aqui estava eu de novo a enganar-me a mim próprio, pois era mesmo dor de amor, que eu recusava sentir, por ter decidido não mais sofrer dessa merda. O ressabiamento do abandono, aliado ao vexame da minha congénita estupidez nestes assuntos faziam fermentar em bolhas de muito mau fígado, os vapores de mau ambiente crónico e totalitário do meu humor. Em certa viagem para ajudar um amigo a mover mobília para 300 quilómetros a Norte, um amigo desse amigo farto de me ouvir lamuriar mandou-me calar pois tinha de aguentar as coisas como um homem, forte, ser homenzinho. Retorqui ao Filipe, era seu nome, a minha surpresa por causa da total desconsideração da minha ex em relação à minha individualidade sem que eu tivesse feito nada para merecer isso. Mas fiz, tolerei e foi suficiente. Ele respondeu que todos passamos por isso e que eu não me devia considerar particularmente afectado, apenas estava a fazer demasiado espectáculo numa mariquice comum. Podia ser que ele tivesse razão. Outra dimensão que me escapava. A da redução das minhas premissas antropológicas e psicológicas em relação à minha experiência subjectiva. Ainda não tinha conseguido implementar a fria objectividade do método científico a este tema. Passava essa insuficiência no vício de amar, na dependência daqueles químicos que se soltam dentro da cabeçorra e que nos fazem sentir e interpretar de forma diferente. Mais tarde vim a saber que o mesmo Filipe teve um problema mais burguês de trocar a mulher por uma mais nova e sofisticada, e que durante uns tempos descobriu a Filodoxia, que é o que acontece à maior parte das gentes quando defronta uma situação-limite. Parece que andou a bater mal, e que a sua certeza inamovível balbuciou alguns choros, e foi quando descobri a expressão sobre a pimenta ser refresco no rabo dos outros. Afinal esta merda é uma guerra de mundividências, não na complexidade das mesmas, mas na convicção com que se vive acreditando nelas. Foda-se estou fodido, desde que me lembro que sou vergastado pela dúvida sistemática. É óbvio que não sou respeitado pela minha viúva porque não represento o arquétipo que lhe merece o respeito, e mesmo que fosse tinha de acreditar sem reservas…na minha experiência particular. Arrogante e convicto da minha capacidade de formular leis e princípios de acordo com a minha experiência caí no mais profundo relativismo. O mundo tem esta forma de te mostrar um ritmo ou harmonia que convida a uma generalização só para depois se entreter a destruir todas as tuas crenças sobre ele, ora as comprovando ora as desmentindo. Afinal a narcose susanina advinha do sentimento de maioridade emocional que eu julgava ter. Completamente negado pela escolha de ter jogado o jogo. Lembro-me perfeitamente dessa escolha, dentro do meu Fiesta de 1994. Ela havia chegado tarde num Sábado a um exame que fiz, que havia convidado a que assistisse. E a explicação foi que passou a noite num carro com outro a falar. O digno em mim esboçou uma postura de ok, foi bom conhecer-te até sempre. Ela insistiu, confidenciando semanas mais tarde que trair era um método para conseguir amar, indo buscar força ao remorso. Insistiu no perdão e que nada tinha acontecido. Lembro-me do meu espírito aventureiro me ter dito: «Caga, nada vais ter de sério, dá umas fodas, e não te rales muito com isso. Vais ter tempo para a tua vingança.» A cona, qualquer cona, era lucro. Perdoar a esta pessoa que me magoara assim tão sem motivo, só me apetecia tirar de esforço, como aqueles jogadores da bola que mal conseguem esconder a vontade e o plano de dar uma trancada na perna do outro que antes lhes deu a eles. Completamente inusitado. Pensava na altura que ela me tinha ensinado um grande segredo da vida dos adultos. Que a violência é um facto, que a completa acção de fazer tábua rasa dos sentimentos dos outros é uma constante e que o homem adulto sabe lidar com isso sem tremer. Foda-se devia ser mesmo inadequado. Embora em algumas ocasiões fraquejasse assim, e quisesse admitir :«Foda-se, admito que sou inadequado e inapto a fazer uma mulher apaixonar-se por mim, desisto foda-se.», acabava sempre por rejeitar a confissão porque sempre consegui olhar-me como alguém amável. Com lado sombrio e magoado, certo, mas no geral digno de amor. Mas foda-se, neste ponto de vista até o carrasco é digno de amor. A cona era o meu único problema. Não a cona per si, mas a cona para mim. A cona como eixo de validação para a crença interna da minha indigência de valor. A cona como instrumento para mim, e para elas. Se ainda não te apercebeste, elas cheiram dependência a léguas. Se fosse um toxicodependente, ainda assim seria passível de despoletar sentimentos de atracção, quem sabe até ser irresistível, para boa parte das mulheres. A coisa do não conhecer limites ou ter uma sofisticação muito à frente, mete a macacada aos saltos. Tudo dependeria do meu grau de corrupção. Mas ser dependente da única droga em que a deusa controla totalmente o circuito de produção e distribuição, era azar demais. A cada nova relação havia sempre um ponto neutro como na caixa de velocidades dos carros. Havia sempre um ponto nítido entre ela pedalar para te ganhar a atenção e te ter, e o saber-te fisgado como peixe que acompanha a corrente que o leva para a morte, só para aliviar a dor no beiço onde repousa o anzol. Podes sempre ver uma espécie de satisfação revivida nos seus rostos, satisfação por mais uma vez terem provado a si mesmas a validade e eficácia do seu método de manipulação, provado por mais um que havia ficado aprisionado na teia, qual marioneta que tem de esbracejar correctamente para não se dar à morte, à aranha silenciosa que aguarda escondida as vibrações da próxima refeição. Elas sabiam. Elas sabem. Não por A+B, mas ainda assim de forma clara, qual é o seu poder. A salvação só veio quando percebi finalmente (outra machadada na crença sobre a minha esperteza) que é tudo, tudo, um jogo de números. Não é um jogo de tudo ou de nada. Á minha miséria somavam-se dimensões, ou então começava tal e qual Alice, a descobrir a profundidade da toca do coelho. Percebi que havia um buraco algures, que jorrava mulheres bonitas. Cada uma não era a ‘única’, ou pelo menos não mais que cada uma das anteriores, ou cada um de nós. Afinal somos grãos de areia no espaço-tempo, tão únicos e iguais, como qualquer paradoxo pode garantir. E poeira de estrelas passadas também. Sabes, temos a tendência de colocar a deusa acima de nós. Aquela hipnose que ferve o transe da legião masculina quando olha as ancas flutuantes de uma jovem mulher convicta da sua feminilidade e do seu poder sexual. Ou a mistificamos com poderes inexistentes, que contudo ela não nega que os tenha, ou a tratamos como receptáculo de esperma degradando-a e a nós no processo. Isto porque vivemos sem lidar bem com o cinismo. O jogo é cínico, velhaco. O método mais fácil de aplacar o desejo é jogar o jogo assim. Torna-se cada homem em joguete da sua fraqueza. Repara, ninguém quer sublimar o desejo, mas aplacá-lo. A maior parte como eu, não queria chegar aos 50 e dizer que fodeu uma, duas ou três gajas na sua vida inteira. É manifestamente pouco, tal como é igual no caso de uma mulher nas mesmas circunstâncias. Não é preciso foder meio planeta para se saber o que se quer. Mas é preciso foder o suficiente para saber que a cona afinal é um estigma nosso. Alguns são mais clarividentes, ostentam aquela energia masculina de Zeus, masculina e dominante o suficiente para não cederem ao capricho infantil do seu desejo. Era estes que eu hostilizava. Desde sempre. Havia também outros bem-sucedidos, cheios de mel, atenciosos, melosos, sorridentes e bem aprumados. Que geralmente se revelavam diferentes quando nas confidências masculinas. Foi esses que tentei emular, pois achava que o jogo era cínico. Eu sabia. Eu sabia. Mas não queria acreditar. Perdia-me no processo. Prendia-me no processo. Mas achava que no final valeria a pena. Toda a humilhação teria valido a pena se conseguisse miseravelmente manter a cona e agradar à deusa. VI Havia-me tornado um cemitério de mulheres bonitas. Fazia questão de não lhes dar qualquer biscoito. Perceber que a beleza pode ser uma maldição, e que em certos casos eu só fazia parte daquilo a que chamo as injustiças deste mundo, sendo algumas vezes arrogante para com pessoas decentes, que sendo bonitas eram tratadas como estereótipos de gente que se fez em torno de um ego alienado. Não deixava que nenhuma me apanhasse a olhar-lhe o rabo ou em posturas submissas e engraxadoras. Segundo elas, ficavam a achar que eu ou não gostava de mulheres ou que era antipático. Uma antipatia que disfarçava um ressabiamento, de não as saber levar, não ter desenvoltura social, ser um chato, inadequado, uma pessoa demasiado pesada com a vida. Logo eu que achava que as impressionava com a minha visão trágica da existência. Ui que elas ficavam logo molhadas de me ver falar de Schopenhauer. Eu morria de medo de falar com elas. Nas experiências passadas tantas vezes havia tentado que havia ficado traumatizado com as caras de aversão à minha desenvoltura. Para evitar reviver esses pequenos desgostos, ou só falava de metafísica ou só dizia os olás e bons dias. E eis que um tipo se veste desmazelado ganga e t-shirts dá por si a desprezar todas aquelas ninfetas que acham que o centro de massa do Universo se materializa no seu umbigo. Eu confirmava a minha fantasia de ser excêntrico por não entrar nesta dialéctica, mas tão mortinho para encostar a minha pele à delas. Ser assim por outrem validado. Era coisa de números, to digo a ti. Não dá, passa à frente. Lentamente comecei a projectar imagem de prestidigitador. Pouco habituado sabia contudo que a imagem e o onírico são bilhetes para a cama. Perante o desafio, a viúva profissional, caiu que nem o rato na minha armadilha. Ia finalmente jogar o seu jogo, mas melhor que ela. Ia vingar todos aqueles que como eu, se achavam aos caídos na vida, por causa de mulheres que lhes pegaram na autoestima, limparam o rabo com ela e a deitaram fora. Não, esta ia ser a minha vingança contra o mundo. Contra todas as outras que imbecilmente haviam feito pouco dos sentimentos que sem me compreender por elas nutrira, sem qualquer outra reacção que não a de repulsa. Minto, conheci pelo menos uma ou duas excepções, o que confirma a ideia de que é uma coisa de carácter pessoal, ou que também elas são vítimas da sua biologia e psicologia. Quando percebeu que o estava a perder tentava fazer-me convencer de que era pura e sincera, fosse qual fosse o chorrilho de mentiras que eu lhe apanhasse. Nisso tinha já aprendido que quem se diz algo, é porque não o é. Usando a mentira de forma funcional para passar por verdade. E com ela obter mais credulidade, ergo fraqueza, do outro lado. À viúva também não ajudava o seu carácter. Tinha as suas falhas bem visíveis. Mas a um rabo de saias tudo se perdoa. Tinha um medo tremendo de se ver presa à estagnação numa relação estável e monótona como são todas as relações, o que a fazia, mais tarde ou mais cedo, partir em busca de novas efabulações acerca dos homens que escolhia foder como desafio, criando fantasias impossíveis de cumprir por parte dos desgraçados, a quem ela manipulava precisamente com a arma do desejo, tal e qual Mefistófeles mais conhecedor da natureza humana que o próprio Criador. O seu objectivo era só que eles sentissem que a haviam desiludido, para ter um duplo retorno. Ficava ela a sentir-se com a superioridade moral da vítima, na boa luz e atraiçoada pela sorte, e ele sentindo-se como tendo falhado, em falta moral para com ela, sentia que a tinha de compensar, mexendo-se para inadvertidamente apenas reduzir a folga ao estrangulamento que já estava no sítio. De vítima em vítima, a vitimizada ficava sempre por cima da história, com uma capacidade mitómana assinalável para justificar a bom-tom as suas acções. Eram parte desses que eu apanhava a ligar às tantas da manhã, ou a mandar mensagens com confidências ternas. Esses e os outros a quem ela brincava com a promessa de sexo se aceitassem pertencer ao seu séquito. Plantava assim no seu vaso e nas cabeças dos contendentes a sua semente revigorada, a sua autoimagem limpa e renascida, confirmada com os seus sentimentos de pureza e vitimização por causa da desconsideração dos homens, e confirmava externamente esta crença falaciosa com o comportamento que todo e qualquer homem tem nestas situações, de complacência e correr atrás do prejuízo. Qualquer desgraçado que caísse na teia de tocar harpa nas notas certas para cumprir expectativas era descartado como fralda mil e uma vezes reutilizada, levando a mais fria e certeira estocada no âmago do seu sentimento de individualidade, quando esta era pura e simplesmente abandonada à estiagem e à cacimba por esta alma sem paz, vítima de carregar o infinito em si. Muitos queixando-se aos astros no firmamento com algumas lágrimas telegrafadas à mistura, da guerra que o mundo lhes fizera. Da completa relatividade da sua existência assim desconsiderada. Como uma boa bofetada, que acima de tudo e de surpresa, para qualquer reacção. Estas mulheres jogam bem, e jogam sujo. Não frequentaram nenhum curso de Psicologia. Aprenderam de acordo com o que lhes fizeram e declararam guerra ao mundo, decidindo-lhe pagar na mesma moeda. Não te podes dar ao luxo de ser ingénuo. Se escolhes jogar sujo também, podes dizer adeus a quem és. Quando o fiz, acenei-me com um lenço branco, de mim partindo como paquete emigrado. Eu também estava em guerra com o mundo. Havia de jogar com as mesmas armas do oponente, vencer a deusa que sempre me havia descolhoado, fazendo-me sentir submisso e impotente. O ódio suplantava o amor. Em relação a isso sentia que afinal, não me perdia por causa da cona, pois era exactamente o recalcado sentimento de mim que valorizava acima de todas as vaginas que pudessem pernoitar na minha imaginação. Dela, sentia sempre por trás de cada beijo que dávamos, uma reserva como que se em relação a um parente desconhecido e distante a que se tenta convencer pelo toque de uma improvável familiaridade. Sentia sempre uma reserva baseada em deve e haver, como que se estivesse sempre numa lógica de receber algo para si e para o seu ego, de todo o nosso relacionamento. São estas pequenas coisas que os chico-espertos da vida desconhecem ou esquecem. Ninguém é parvo. Pode ficar a dúvida, mas não se consegue enganar ninguém sem o seu consentimento. Dela se podia dizer que tinha um riso de escárnio e forçado, e uma total incapacidade em gerar sentimento de cumplicidade. VII Infantilmente eu havia decidido que pura e simplesmente não ficaria com a pior mão neste jogo. Não, bastava. Era por fim, o meu grito de Ipiranga. A cona ia deixar de mandar em mim. Mas sem desejo que me caracterizasse, quem era afinal eu? Se deixava de ser o desejante, o que era a minha identidade? A cavaleira viu que eu não estava desesperado por sexo. E usou todos os truques da sua cartilha. Após noite de copos no Bairro Alto, em quente noite de Outono, ao sairmos para a rua tira uma mama para fora e olhando-me começa a lamber o mamilo. Esperava ver em mim uma cara surpresa. Pensei, deve ser a dica para eu chupar. Ok, agarro-a, beijando-a e quando dobro o pescoço para brincar com o assumido mailo em torno da minha língua, ela tapa-se e afasta-se como qualquer campónia faria imitando os filmes dos anos 50 em Hollywood. Ok, certo, deve ser para eu a seguir. Pela ruela ladeada de gente feliz bebendo e dançando ela avançava olhando para trás, espreitando-me por cima do ombro, avançando em direcção ao jardim no Príncipe Real. Caminhava para trás virada para mim assumindo poses outrora ensaiadas. Não via o anzol, mas sentia em toda a sua glória a presença da deusa, convidando-me para o abismo, como faz a todos os homens que convida para a morte, sorrindo-lhes. Resolvi devolver à morte um sorriso. Não tenho medo do abismo. O abismo testava-me. Procurava fazer um juízo rápido e que me executasse sumariamente para o ostracismo. Percebi e ri-me de forma terna, ela sentiu que era de forma paternalista. Inquiriu-se sobre a minha invulnerabilidade às manhas antigas. Apoiando uma perna calçada por botas de cano alto num banco de jardim, cria espaço entre as suas apertadas calças de ganga e o fio dental tocando-se querendo-me levar ao ponto de ebulição do seu rebuçado engodo. Trazendo a mão para cima lambe o caramelo dos dedos olhando-me directamente com expressão provocadora de olhos semi abertos. Imito-lhe o gesto agarrando com a minha mão inteira aquela conaça cujo clitóris me fazia cócegas na palma da mão, e olhando-a com a naturalidade do meu olhar lhe dizia, «-É uma vulva, e então?» É boa, mas a deusa não manda aqui. O cérebro límbico contudo calcula que havia a promessa real de sexo, urge portanto fazer um acto de compromisso. Quando vou a lamber o sabor do caramelo ela agarra-me o braço chamando-me maternalmente de parvo. Testa-me. Passa a vergonha para mim, usa a acusação de inadequação sobre a desculpa de me ter em estima suficiente para não repetir o acto que ela própria tinha feito. A minha indiferença e ar de juiz curioso fizeram curto-circuito nela. A minha imagem, de alguém feliz só por olhar, tanto me dando se estava a foder ou a ver a vida passar, fazia tremer-lhe as pernas por causa da dúvida do seu ascendente. Desde o início que eu não era alguém. Era apenas um meio para provar a si, e às outras o quão é fácil arrancar alguém do sério a puro golpe de capricho. Torna-se a desgraça do outro, o meio de sobrevivência psicológica dos mais capazes politraumatizados. Quando o côncavo do ângulo recto de minha mão lhe tapou o convexo da sua vulva, como boca que se tapas a alguém para que não conte um segredo, olhou-me para aferir qual o grau de experiência que eu tinha com gónadas, até que ponto eu me transfiguraria perante a vista da peça de caça. Certa vez a soldo de uma fingida espontaneidade decidiu foder dentro do meu carro, no meio da mais movimentada gare de transportes públicos da capital, em hora de ponta, só para assistir com satisfação a uma ejaculação precoce provocada por vários olhares inquiridores. Satisfeita por ter conhecido um dos cantos da casa do alvo de estudo. Era assim, testes e testes. E acham que os homens são tão estúpidos que não sabem quando estão a ser testados. Tão facilmente prometida como retirada se mal tocadas as notas da teia. VIII Sim fodas boas, muito boas até. Companhia quase sempre agradável, se bem que um risco por causa das erupções do seu magoado ego. Só no amor não jogava pelas regras. Argumentava que não havia regras no amor. A não ser para os outros. Em tudo o resto era monotonamente convencional, cumprindo entusiasticamente todas as regras e convenções sociais. Exigia comportamento semelhante para com os outros. Achava que a sua missão no mundo também passava por evangelizar os outros para isso mesmo. É uma guerra pelo espírito, tornada mito por Ulisses e pelas sereias. As forças de atracção e repulsão em acção no indivíduo. A engrenagem não cessa. Já tarde demais aprende o cicatrizado a não acreditar numa palavra que lhe dizem sem o ar paternalista com que elas conseguem olhar para o amante prévio aliviado da sua carga de esperma, como que se perguntando «-Ecce homo?». Como que batendo em cada azulejo para descobrir onde está a parede oca, a sereia tenta os ouvidos dos varões cantando tudo o que acha que estes querem ouvir. Ao amotinado resta ouvir o canto não passível de resposta, e perdoar-se a si mesmo, foda-se como podias conhecer o engodo de antemão? Além de que a vitória só é total se te deixares, mesmo perder. Não pode pois senão, o conhecedor do mecanismo, rir do maravilhoso sentido de ironia, por ver que aquilo que achava ser o seu carrasco, não passa de mais um autómato ou marioneta ex machina num palco onde forças impessoais se confrontam em completo arrepio da sua individuação. Todo o ascendente que a deusa tinha sobre si parecia dissipar-se. Só próximo do ocaso da cona se transforma o indivíduo naquilo que é, evaporando-se o sentimento de mágoa recebida, que permanece como lembrança dos bons sentimentos pr cada mulher que connosco viveu. Sob certo ponto de vista são amores eternos, exilados em alguma caverna ignota guardada cá dentro onde os gritos encurralados ecoam. Assim elas jogam sujo, mas eu fiz as minhas pazes, perdoando, e perdoando-me com a bonomia de quem entende a posição do outro.
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