Olhava para as minhas mãos enquanto a ressaca da adrenalina me deixava naquele fosso de desamparo, duvidando se tinha feito bem, se não seria melhor ter-me calado e esperado uma hora inteira por causa de um papel. Que às vezes temos de desviar o olhar de quem nos olha fixamente no autocarro, ou no comboio ou no metro, porque senão cria-se uma situação de tensão com desafios de parte a parte, e os mitras todos acham que porque a vida foi madrasta com eles, todos os que encontram à frente merecem um correctivo comportamental, pois só assim recebem respeito por parte do gajo a quem se habituaram a espancar. Na esquadra, os polícias passavam à minha frente, de volta e meia olhando para o banco onde estava eu, a morenaça pequenina, e os dois cavaleiros brancos que me agrediram. Um tinha a cabeça envolvida em gaze e o outro tinha tirado duas latas de sumol da máquina de vending, para meter no joelho a ver se aliviava a dor. O agente que presenciara tudo, estava do outro lado do guichet, em amena cavaqueira com os colegas, alguns conhecidos dele, de operações conjuntas. Os insultos e ameaças dos dois estarolas, haviam parado, porque eu não respondia e porque o graduado de serviço lhes havia avisado que não eram toleradas ameaças dentro da esquadra. Ela, virada para mim, com os joelhos encostados um ao outro, olhava-me a ver se eu retribuía o olhar, para poder iniciar uma conversa. Não sei se era para eu não apresentar queixa se para outro tipo de merdas. O agente que testemunhou tudo, vem ao pé de mim e pede-me que o acompanhe. Ao passarmos em frente aos dois agressores secundários, o maior, levanta-se e diz : «-Pensa bem no que vais dizer. Conselho de amigo.» Respondi, chegando-me mais ao pé dele, com o agente incapaz de me impedir a marcha agarrando-me o braço, e olhando-o nos olhos «-Infelizmente só tens uma cabeça e está em mau estado, precisas que te relembre como ficou assim?». Olhou para os seus pés, como que lembrando que para ele também era novidade ter a cabeça enfaixada como islamita no deserto, algumas expressões que lhe adivinhei na cara revelavam que o efeito do analgésico se esfumava, e olhando o seu parceiro, que também desviou o olhar, percebi que a sua coragem era feita de armas brancas, que sem elas era apenas um farrapo humano que amaldiçoava a vida no geral, pelo mau começo da sua própria. Prestadas as declarações e respondendo afirmativamente a se queria ir para a frente com a queixa, deixei a esquadra, sendo chamado novamente para trás por causa de uma formalidade. Aguardar no banco ao lado dos outros 3. O meu ânimo estava prestes a soçobrar quando o Beethoven se faz ouvir, era o meu telefone. Pedro de novo. Devia ser grave. Não gosto de falar para que outros oiçam, mas começando a chover, tinha de ficar dentro da esquadra e falar alto por cima da máscara que me cobria a boca. Diz Pedro, então como estás. «-Ela saiu de casa, não sei o que fazer.» «-Saiu de casa então, que se passou?» «Conheceu um colega no trabalho, já te havia contado.» O Pedro era um tipo porreiro e capaz, cuja falha essencial era o ter tido a sorte ou o azar de ter tido um pai que em certa altura, por ter tido uma falha nos travões do seu Renault 5, atropelou e matou uma adolescente de 13 anos. A família suburbana de 3 elementos, que tinha algum desafogo financeiro, viu-se assim perante uma ruptura do seu tecido de vida, menos grave que a família da miúda que decidira atravessar a estrada antes de uma curva em cotovelo, num sítio sem passadeiras. Testemunhas no local haviam visto e testemunhado que o homem não vinha a mais de 50 quilómetros por hora. Pagou uma indemnização à família da pobre rapariga, mas o remorso e a culpa fizeram o favor de o envenenar, corrompendo-lhe a alma outrora altiva. Começou a beber, e o Pedro ainda novo, começou a ver o pai entrar numa espiral descendente, que culminava com sessões de pancadaria e apagar cigarros na pele do rapaz, como que amaldiçoando o filho próprio como Abraão por esse estar vivo, em contraposição com o espectro da miúda que lhe povoava os sonhos. Pedro começou a ser alvo de todo o negrume paterno, desde gozo, ameaças de expulsão de casa ou de condenação a destinos atávicos. Pálidas agressões incomparáveis com as motivadas pela embriaguez. Pedro não entendia como podia ser de tal forma renegado e até odiado pelo próprio pai, e passou a rejeitar tudo o que fosse masculino e a sobreidentificar-se com o feminino. Eventualmente, uma cirrose hepática forçou o pai a uma cama de hospital, e nos últimos meses não havia visita em que o pai não chorasse pedindo perdão ao miúdo. Morreu no aniversário do incêndio do Chiado, sozinho numa cama de hospital, consumido pelas chamas de uma condenação existencial a que a sua casa moral não conseguira dar a volta. O Pedro, a sós com a mãe, foi seguindo a sua vida, mas com as sequelas invisíveis e eternas no seu espírito. Em conversas com muita gente, permanece sempre numa autovigilância do seu comportamento, para adequar a sanidade das suas acções e palavras, traumatizado com a suposta loucura do pai, não lhe querendo seguir o mesmo caminho. Apesar da arrogância intelectual em tudo o que é concreto e lógico, no cálculo de tensões e na programação de circuitos, em relação ás relações humanas não tem a confiança para perceber que o método não é o mesmo, oscilando entre uma análise demasiado lógica e um completo desespero de não entendimento, especialmente em relação às gajas. «-Eu lembro-me Pedro, eu lembro-me. Mas ela tinha dito que iam tentar fazer com que isso resultasse. Que aconteceu?» Eu já sabia o que tinha acontecido. O borracho lá do trabalho, a pretexto de divulgar um evento de wine tasting a um amigo, ‘por engano’ enviou uma mensagem por whatsapp para ela, abrindo assim o caminho para a escalada de intimidade. Inundava o seu perfil de Facebook com mensagens positivas e de apelo a não desistir e perseguir os seus sonhos. Fingia habilmente ser extremamente bem disposto e positivo, que é isso que as tipas gostam. No fundo era um boçal bem vestido, ora o Pedro, idealista como era, nunca poderia competir. A fêmea, tal como todas as outras do reino animal, olha para a plumagem para aferir a qualidade do macho, a idealidade do Pedro que o forçava a andar de Ford Fiesta de 1994 com um motor dc que ele próprio montara e configurara, não podia competir com o Mercedes híbrido do engenheiro das vendas, colega de trabalho da namorada de Pedro. Havia apostado com colegas que em menos de um mês traçaria a nova gaja do escritório, e ao fim de duas semanas, todas as equações haviam sido resolvidas na cabeça dela, processando-se – de acordo – a concretização do corte psicológico entre ela e ele, sem que ele soubesse. Nos restaurantes e em jantares de amigos, ela pouco mais ficava que calada olhando para ele procurando todos os defeitos que pudesse encontrar, para se convencer a si mesma. Às amigas, fazia cara de infeliz, para que pudessem puxar assunto e desabafar que achava que já não gostava de Pedro. As amigas, que até então tinham de dividir o seu tempo com ele, viram uma oportunidade de a terem só para si em relações de co dependência onde celebravam a sua fútil feminilidade e por vezes, a perniciosidade dos homens. O grupo de amigas era composto por uma que encornava o marido, e chegando a casa envergava cara de enterro dizendo que não era feliz, mas não o largava porque o amante era casado e porque a casa era comum. Então passava o ónus da sua traição para o marido, dizendo que ele tinha de fazer mais para que a relação de ambos resultasse. O sujeito, lá se esforçava, tinha sido educado na ideia de que as mulheres são feitas de veludo e os homens de lixa, e portanto, ela só podia ter razão. Espremida a sua cabeça, nem meia ideia própria saía, tudo o que dizia era de uma indigência e frivolidade incrível, só disfarçadas pela autoridade com que o dizia, era um dínamo de mediocridade, para as restantes, já de si medíocres. Outra, habituada a ter todas as atenções enquanto o seu corpo lho permitira, não se conseguia desligar da dose. Outrora, convidada para matinés no Dubai, onde executivos de topo lhe pagavam o bilhete de avião, provava agora o amargo sabor do anonimato, quem lhe prestava atenção agora, eram os rebarbados de café, ou os coleccionadores de troféus. Sim, ainda conseguia chegar a uma parede, pontapeá-la e caíam 5 ou 6 pilas, mas a qualidade do que vinha atrás das pilas, começava a decrescer. Nos restaurantes falava alto e cada vez usava roupa mais vistosa, como placebo de uma atenção que se desvanecia como o Sol no horizonte de uma tarde. Quando o corpo não reflectia os Invernos passados, passava de homem em homem como macaco de liana em liana, num alegre borboletar em que a vida é jovem e plena de surpresas. A conta virá no fim, temos de nos entregar ao prazer e à celebração da nossa individualidade que a paixão que provocamos nos gajos nos dá. Saber que este cortaria o coração por nós, que aquele nos escrevia poemas, oh, tantos por onde escolher, mas o melhor será o próximo, sempre adiado porque o meu passado me confirma que sou especial, não tivesse eu provocado tanta atenção e paixão. Não, sou um ser especial na biosfera, e mereço o melhor e o melhor está por vir. O chefe de todos aqueles executivos de topo, o mais hipertrofiado de gajos de ginásio, o mais imbecil bem vestido que mostre que roupa supera ideias. O carrossel de pilas não pára, só vai abrandando, há sempre alguém a notar em nós, quem sabe se mudando não faço um melhor negócio, afinal vim à vida para ser feliz e quero ser considerada por mim, sabendo perfeitamente que só me querem pelo invólucro. Mas eu mereço o melhor, sem qualquer esforço contemplativo pela análise das minhas motivações. Liberal sexualmente em relação à minha sexualidade, mas criticando os namorados das amigas que dormem com outras. Uma outra amiga, gorda, disfarça as banhas com vestidos largos, e compensa a falta de vontade em exercitar-se com desenvolvimento de dotes fotográficos impressionantes, quando bastaria perceber que come como forma de amenizar os complexos que tem em relação aos sucessivos abandonos a que é votada. Custa mais perceber que a largam porque tem um feitio de merda, que passar à próxima ilusão de felicidade que um novo amor promete. É sempre a mesma dinâmica, para a fogueira o que não me serve, para que eu não me possa ver no escuro e verificar que quem sou não tem brilho. Nas redes sociais e na competição que sempre existe no grupo de ‘amigas’ mostra dotes de tudo e mais alguma coisa, competem entre elas para ver quem apresenta os melhores troféus, quem capta mais atenções na discoteca, quem tem a ‘sensibilidade’ feminina mais apurada. Se por acaso um dos namorados cumpre alguns pontos da checklist, defendem-no em relação a tudo, se outro melhor surge nas imediações, desvalorizam-no como objecto a descartar, não merecedor de reciclagem. «- João, estou a sofrer.» «-Já estavas Pedro, quantas vezes não me disseste que pensavas em tirar a tua própria vida. Eu disse-te para largares a gaja, não foste capaz porque estavas apegado a ela emocionalmente ou talvez porque tens tão pouca auto-estima que achavas que não conseguias arranjar melhor. O estares mal agora apenas tem a ver que centraste toda a tua vida, numa codependência com aquela pessoa. Ela indo-se é a tua vida que vai também. Por isso o desespero. Deixa, ela é como um helicóptero desgovernado, vai cair algures, alegra-te por não ser em cima de ti. Pela primeira vez está a contemplar a sua própria mortalidade, e que o tempo dela já passou. Enquanto o aspecto dá, são incapazes de introspecção e de se conhecerem a si mesmas como indivíduos, quando deixa de dar, são incapazes do mea culpa libertador porque o diabo seja cego surdo e mudo se alguma vez se podem dar ao luxo de admitir que cometeram erros. Não, há que projectar culpas para longe de si, saem sempre limpas no fim. Ah meti os cornos ao namorado porque não era feliz. Matei-lhe o peixe de estimação porque limpou a pila ao cortinado. Desapareci sem satisfação da vida de alguém porque era melhor assim. Nunca a culpa é suposta, quanto mais assumida. Tu, Pedro, és um de muitos que se deixa consumir por esta ideia de amor fusional em que o masculino tem como definição agradar e aplacar o feminino. A ideia de amor Disney em que dois cachorros chupam esparguete do mesmo prato. Elas são as verdadeiras pragmáticas. Tu olhas para um problema, para a ponte a fazer sobre o rio, sobre a forma de caçar a gazela, e tens de ser o idealista que imagina ou sonha com a solução. Os homens são idealistas que se gostam de ver como pragmáticos e as mulheres as pragmáticas que se mascaram de idealistas. Nada há de místico na sensibilidade ou intuição feminina. Uma gaja senta-se comigo à mesa e consigo ver os seus olhares em relação à cor dos meus sapatos, se combinam com o casaco, se a sola é demasiado grossa, se os sapatos são de valor. Consigo perceber na conversa se afere quais as minhas opções sexuais, se tenho uma vida sexual de abundância ou se sou um rebarbado condenado a focar a minha atenção apenas numa, porque mais ninguém me deseja.» «-Foda-se João, odeias as mulheres.» «-Não, não odeio ninguém, odeio esta mentalidade Disney, que traz infelicidade a gajos e gajas. Mas a elas dá o valor supremo de decidirem com quem fodem e com quem têm filhos. Afinal é o corpo delas, o útero e o pito. Mas depois exigem que outros, os homens, sejam obrigados a partilhar. Afinal o corpo é delas, mas a carga genética do homem só vê a luz do dia, se ela deixar. Se ela deitar fora o corpo era dela, se ela decidir ter a criança, aí a responsabilidade já é dele também. Odeio é o duplo critério, isso é que odeio, e não é de agora, é desde criança. Nos jogos de futebol no recreio, tínhamos de deixar as meninas jogar connosco, e alterar as regras do jogo. Tínhamos de ser meigos para elas, afinal os rapazes podem e devem tudo, podem sofrer que não morrem, podem ser destroçados emocionalmente porque são descartáveis. Andam aí putas que semeiam o caos e a destruição emocional, destroçando homem após homem, mas só nos ralamos com o bullying em relação às crianças. Um gajo que seja um cabrão é um gajo que não respeita a sociedade, uma mulher de igual têmpera, alguém com carácter vincado. Passam pelos buracos da chuva.» Percebi que o ar de desespero que ouvia na voz de Pedro, me deixava a mim desamparado, não podendo ajudar mais do que com palavras, o meu amigo neste momento. «-Eu não odeio as mulheres Pedro, odeio é as feministas.» «-Por acaso uma amiga dela no trabalho é feminista… E desde que se começaram a dar mais, foi quando ela começou a dar-me mais para trás.» «-Essas putas, para elas a revolução é um trabalho sempre adiado. A partir do dia em que digam que as mulheres têm o mesmo poder, ou influência dos homens, deixam de poder dizer de si mesmas que são as bem intencionadas feministas que lutam pelo bem da sociedade. Deixam de poder inflacionar o valor da mulher, isto não é uma luta pela igualdade, mas pelo anulamento do valor do homem, quanto mais baixo cada homem valer no mercado sexual, mais escolhas tem a gaja na pool de pilas disponível. E como dizem umas às outras que cada uma merece o universo e os arredores, não se contentam com a mentalidade de passo atrás, já que não vem o Jason Momoa, venha o Joaquim Mendes, que é talhante ali no bairro. Preferem morrer sozinhas a copular com um homem que consideram inferior, por criação de espectativas irrealistas. O mercado sexual é mundial, como podes concorrer tu, com o executivo de topo bronze de solário e cuecas de seda genuína, que a convida para o Dubai, a ela como a uma camponesa da Ucrânia que tenha smartphone e Instagram. Não podes concorrer com isto. O teu problema agora vai ser a raiva, eventualmente vais perceber que tens estado a viver uma fantasia condicionada pela sociedade, que faz da mulher – o maior predador de recursos, do planeta – o prémio da existência de um homem. E já agora, deixa-me que te diga, não gosto quando dizem que isto é ódio, é apenas querer entender. Detesto que se possa criticar os homens, que são isto e aquilo, mas quando se diz algo menos agradável em relação ao sexo oposto, tal só pode ser expressão de sentimentos negativos ou trauma emocional, parafraseando alguém que não Voltaire, sabemos quem nos controla quando sabemos quem não podemos criticar. Se defendo que as mulheres se condenem a ficar com homens que não desejam? Não, de todo. Devem fazer e acontecer de acordo com a sua liberdade, o seu corpo, isso não me diz nada nem me interessa. Quero é que deixem de criar os rapazes como raparigas defeituosas e deixem de condicionar toda uma cultura a sobrevalorizar a relação amorosa. Ensinem os gajos a ser menos dependentes das gajas. Uma gaja largou-te, bom para ti. Só estás assim, porque achas que não existem outros 3 biliões de portadores de vulva, com quem te possas envolver. Tu próprio te queixavas que ela não tinha vida própria, não tinha passatempos ou aspirações que não receber o ordenado ao fim do mês para comprar roupa e cosmética com os quais aguça as suas armas, mostrando às outras que tem ascendente sobre os homens e assim subindo nas hierarquias cor de rosa. Se só trazia para a mesa o sexo que te rala a ti?» «-Foi a forma como me tratou João, não pensei que merecesse e que ela fosse capaz.» «-Pedro, ela perdeu-te completamente o respeito a partir do momento em que se considerou melhor que tu. Só nos filmes é que elas se apaixonam por gajos abaixo do seu nível, percebido. No fundo revelou a sua personalidade, porque lamentas perder uma pessoa assim. Manteve-se contigo até perceber que podia dar o salto. Elas não são más, do ponto de vista natural é assim mesmo, querem o melhor macho, portador da melhor carga genética, que conseguem encontrar. Isto é que tem de ser espalhado, os gajos têm de interiorizar isto. Não existe espiritualidade além desta dinâmica, meios e afluência, a forma como as fazes sentir, nada mais. Almas gémeas e merdas semelhantes são apenas fantasias para desequilibrar o jogo. Tudo é sobre sexo, menos o sexo, que é sobre o poder. Achas mesmo que se um gajo não ficasse parvo e paneleiro dos olhos, na savana, se metia à frente do tigre dentes de sabre, por causa de uma gaja? Ó ala que se faz tarde. Criar os homens a acalentar a ideia de ligação amorosa como expressão fusional, romantizada, é o mesmo que os meter num duelo, armados de fisga, onde do outro lado a mulher está armada de bombarda com baioneta. Além da relatividade de ser injusto, é patético. Assim a Natureza solta-lhe um cocktail cerebral de neurotransmissores a que ele chamou enfatuação, mais tarde chamaram-lhe amor cortês e a Disney transformou-o em amor fusional. Quantas vezes não fui apanhado a chupar uma mama de gaja, feliz por estar ali, e dou com ela a olhar para mim, como que a analisar-me e às forças em jogo dentro de mim? Elas próprias sabem que o mito do amor fusional são úteis para os objectivos delas. A partir do momento em que copulas com uma, só o toque das peles, criam o ambiente químico no teu corpo para te ligares a uma, vê lá se a turca que me quis traçar, não insistiu assim do nada para irmos para um quarto de hotel?! Ela sabia perfeitamente, que após a primeira cópula, a minha nega enfraqueceria, porque ganharia sentimentos, e aqui tens a resposta, o homem tem de ir contra a sua própria biologia se não quer ser trucidado pelas cabras bípedes que por aí andam, e não pode esperar delas que o amem como ele ama a elas, idealmente. Claro que nem todas as mulheres são más, isto nem se trata de bem ou de mal, mas de equilíbrio. A minha filha, a minha mãe, as minhas primas e tias, as minhas amigas, amo-as a todas. E elas a mim, mas não há confronto de interesses entre nós, que ocorre quando existem interesses sexuais, entre mim e outra mulher. Ela quer o meu compromisso e saber que sou o melhor que ela consegue arranjar com o que a genética lhe deu, e eu só quero uma gaja que não seja tosca para os olhos, e que me dê garantias mínimas de que a procriar é a minha carga genética com que ela se compromete e não a de outro.» O silêncio dele fez-me ver que eu estava a falar de mais. «-Não consigo falar assim, nem concordo, se queres que te diga.» «-Claro que não concordas Pedro, passaste uma vida inteira a acreditar e a investir a tua auto imagem e energia nervosa, em crenças que reforçam a sacralidade da mulher, da mulher que também caga, mija, vomita, cospe, tem falhas de carácter, tal como nós. A aparência ora frágil ora empoderada, a cosmética, as roupas de vários formatos e cores, a imposição de uma crença sobre a suposta intuição feminina, o aparelho educativo povoado de mulheres condicionou os homens a procurarem sempre a aprovação feminina. Tudo o que eu te esteja agora a dizer, tu vês como grotescto e quase um ataque a ti mesmo, porque às tuas crenças. Eu percebo. Eu via-te com a tua namorada nos jantares de amigos, tinhas aquela confiança indisfarçável de que tinhas acertado na fórmula de captar e manter uma gaja, tinhas resolvido o problema reprodutivo, que é afinal o não ter útero, e dependeres de outro para procriar. Olhavas para os solteiros como se tivessem algo de menor em si, o ter uma mulher bonita ao lado traz um conforto existencial, que emana dessa resolução ilusória do problema da mortalidade. Eras um cagão mitigado, e agora, é como se caísses no grupo de falhados, como tu próprio os avaliavas, para te sentires melhor contigo mesmo. Esquece-a. Vai andar de mão em mão, e nunca deves receber quem te vê como acessório. Não te vingues, caga para ela, resolve a tua cabeça.» O silêncio à minha volta fez-me olhar para trás. Oito olhos me olhavam fixamente. Podes ir para casa, disse-me um orifício debaixo de um par desses olhos. Ouviram tudo o que eu estava a dizer. Quero lá saber. Saio dali rapidamente, e digo ao Pedro, para não fazer nada permanente para algo temporário, e que mais logo vou ter com ele para bebermos umas cervejas. Ele concorda. Desligo o telefone e um número desconhecido fá-lo tocar de novo. Quem será, pergunto-me ao atender. «-Olá, boa tarde, sou eu, a Anabela.» «-Qual Anabela?» «- A Anabela Gouveia, saiu agora aqui da esquadra, e eu fiquei com um cartão que ficou esquecido perto do guichet onde foi agredido, estava no meio dos cacos e como era branco, não o deve ter visto e deixou-o lá…» «-Está a ligar-me para quê?» «-Eu gostava de pedir descul…» «-Fale com a polícia, isto vai para tribunal, por causa de si parti a cabeça a um e devo ter deslocado o joelho a outro. Além do mais você agrediu-me, não me volte a ligar.» «-Desculpe, a sério, estou arrependida, eu não procedi bem, peço desculpa!» «-Está desculpada, não me importune mais.» «-Espere, eu gostava de falar consigo, para pedir desculpas pessoalmente.» «-Agora não posso falar, falamos depois.» Gosto sempre de adiar a cisão, prometendo união futura, como fazem algumas gajas. Acalma o que solicita o imediato. Numa espécie de choque ia cogitando, que lata, que é que esta gaja quer, foda-se. Enquanto me deixava engolir pela boca subterrânea que me levava ao metro que estava perto do meu carro, ia lembrando o quão jeitosa e bonita era afinal a pequena morenaça que me esbofeteara.
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I
A semana passada, digamos que era uma vez, numa repartição pública onde queimei mais algum tempo da minha vida, que afinal se faz nestes entretantos, tentando renovar um documento, cujo emolumento desnecessário, reverte para o bolso estatal, e de bancos falidos. À hora de abertura, a fila já contava com cerca de trinta pessoas, alinhadas com distância segura. Era quase meio dia, quando estava eu finalmente em frente ao guichet, por detrás do qual uma fêmea de cerca de quarenta Invernos atendia o cidadão que se apresentasse diante dela, contemplando tudo em volta com o mais completo ar de desdém pela sua e alheia vida, que amaldiçoava os planos juvenis, e que apenas devido à relativa segurança laboral e prestígio social, não abortava por completo uma vida aquém do prometido e esperado. Ainda o cidadão à minha frente não havia terminado o mar de assinaturas, e já a funcionária se preparava para o almoço, a quinze minutos de fechar a loja, isto é, legalmente. Acontece que o documento que renovo, tem de o ser anualmente, e lembro-me dela em anos anteriores. A garrafinha de água do Luso fica sempre vazia, por esta altura, para ter o pretexto de a ir encher àquela máquina em que os garrafões invertidos deixam escapar água fresca. Entre as assinaturas, o levantar-se e o encher a garrafa, queima quase todo o tempo restante, e o desgraçado ou desgraçada que tem o azar de estar na sua vez, tem de ir almoçar e voltar depois do almoço, sem atraso, pois perde a sua vez. Chegada a minha vez fiz-lhe ver que ainda demoravam quinze minutos a terminar o sacrílego esforço, e que o meu assunto apenas demoraria cinco minutos. Não demora não, as coisas não são assim. Garanto-lhe, tem aí o selo branco, é só imprimir, tenho a quantia certa, nem cinco minutos são. Você não manda no meu expediente, ninguém disse que mandava, apenas contestei que demoram apenas cinco minutos a resolver um problema, pelo qual espero desde a abertura, sem responsabilidade de ser a caríssima a única a atender este tipo de burocracia. Desculpe, não quer que eu me desidrate, faltava só esta, eu não poder ir beber água. Minha senhora, de todo, vá beber água descansada, desde que me garanta que concede os cinco minutos para os quais o Estado português lhe paga para resolver coisas deste tipo. A chantagem emocional que tentara, não surtira efeito, os presentes estavam lentamente a perceber que teriam todos de voltar depois. Calhou bem esse lag. Ela não se comprometeu, pois, percebeu que eu lhe cortara a saída para a habilidade cronológica que era já hábito. Como forma de lavar a face, tentou outro estratagema que foi explicar como funciona o sistema informático, com problemas desde manhã. Claramente para queimar tempo. Minha senhora, o tempo que está a explicar, é mais bem empregue se tentar o que sugiro, pode ser que dê! Vamos ser positivos. Agora a teimosia e renitência em fazer qualquer tipo de vontade à minha pessoa, via-se encurralado ante o gozo e calma que via que eu tinha na situação. Faltam dez minutos. Desculpe, vou ter de ir beber água, não me estou a sentir bem. Não me surpreendeu a falta de originalidade, falando alto como que querendo colar a sua indisposição ao meu requerimento, isto é, tornando-me um dos ‘outros’, os maus, os insensíveis, os egoístas, de modo a mobilizar lanças contra mim e amanteigar resistências. Levantou-se virou-me as costas e olhou para a cidadã que lhe pareceu mais conivente com a situação, e fez uma careta de desagrado e censura na minha direcção, num célebre e batido ataque de vergonha, que muitos confundem como conflito na visão das coisas, mas que a frio, é apenas uma fricção de vontades. A dela, de levar a vida na maior economia de energia possível, e da melhor forma possível, na minha, idem. Vá, mas não se demore, que os quinze minutos são devidos, e pode teoricamente atender mais três pessoas, comigo incluído, para poder ir almoçar descansada. Foi esta frase a que tirou do sério. Foi aqui que a merda bateu na ventoinha. A indisposta e quase anémica de dois minutos atrás, transmuta-se na colérica sanguínea que a passo rápido e com a garrafa um quarto cheia, se dirige para o guichet para o fechar, com uma sobranceria e autoridade que envergonhariam um velho senador romano. Para mim, três quartos vazia. Ao fechar o guichet como que me castigando e me fazendo frente, indiquei, beba a água, estava com sede, noto que nem lhe tocou, olhe que a cólera pode ser efeito da desidratação. O volume da sua raiva subiu de novo, mas não se manifestou. Indiquei que escusava de fechar a loja, pois se o fizesse eu apresentaria reclamação no livro para o efeito. Pois faça, que me ralo eu, desabafou ela, só depois pesando as palavras. Mas veja, que se eu apresentar a reclamação, é obrigada por lei a facultar-me o livro, e vamos atrasar o seu almoço à espera que eu escreva uma reclamação, e olhe que escrevo muito e rápido. Gosto de notar muitos pormenores. Ela não tinha pensado nisso. Olhava-me fixamente fazendo de novo uma apreciação da minha pessoa, que contrastava com a sua primeira avaliação. Levantei um joelho ao peito e depois outro. Que está a fazer? Estou a mostrar-lhe partes de mim que não consegue ver daí, na apreciação que está a fazer. Cinco minutos são o que lhe peço, que se mos tivesse dado há quinze minutos atrás, eu já estaria longe daqui e a senhora a almoçar. II Sentou-se. Quando se sentiu forçada a encarar derrota, foi quando uma trintona, bem arreada mas baixa, se intromete entre o balcão e eu, e começa a falar alto sobre a falta de respeito que as pessoas têm por quem trabalha. A intenção era clara, capitalizar da minha pseudo vitória contra o sistema, lendo o ódio que a funcionária me tinha, e tentando tirar partido disso, ou seja, com ‘empatia’ incinerar-me a mim, para ela poder – como paga- entregar o documento que a levara ali, antes de a outra ir almoçar. Calmamente indiquei que apesar de gostar deste tipo de ménages, sou eu que convido e não acedo a quem por força se intromete, e que portanto ela quanto muito devia segurar a vela da burocracia. A senhora funcionária pública lá manda imprimir na impressora wifi, o documento que ali me levara, entretanto a fêmea estratega, levantou-se de novo, e um dos quatro homens presentes na sala, senta-se no pequeno sofá minimalista que estava encostado a um canto, por certo planeando passar a hora de almoço garantindo o lugar na fila, jogando Candy Crush no telemóvel. Ao ver a parceira aproximar-se os seus níveis de coragem voltaram a valores altos e tenta incitar nova discussão com um apelo emocional, «-Sabe Deus como eu ando, e nem me deixam ir almoçar.» dizendo com um menear de cabeça para a outra, como se ambas, porque detentoras de vulva, tivessem um entendimento da supra realidade, apenas acessível às detentoras de tal aparelho reprodutivo. Apoiando-se uma à outra em subcomunicações pouco subtis, escuto nas minhas costas a utente dizendo para as minhas costas «-Pois é, há gente sem classe nenhuma, fazem parte dos problemas deste mundo, deviam ficar em casa e aproveitar para pensarem na forma como são.». Respondi automaticamente e sem querer «-Ao invés vêm para um local público exercitar esperteza que não possuem e fazer barracadas a que se habituaram.». «-Bruto!»- responde ela «-Vou dizer ao meu namorado para vir clarificar isto, ele trata de ti ó imbecil.» «-Acredito que sejas capaz de o meter ao barulho, de o lançar para uma situação que desconhece, porque o manipulas, mas avisa para eu trazer o meu taco de boisebol.» «-Boisebol? Nem falar sabes, ignorante. Baseball.Baseball!» - retorque ela jocosamente. «-Não, é boisebol, para dar nos cornos do boi.» Não sei se foi a forma como disse, se foi uma catarse da plateia em relação ao j ene sais quoi de irritante que a tipa tinha, que uma risada geral emerge pelo silêncio, vexando a interlocutora. Acredito que o comeback tocou nalgum nervo dela, mas senti logo que estava a ser desagradável para um gajo que só provaria ser menor, se se deixasse manipular e viesse de facto tirar satisfações de mim, por causa de uma namorada histriónica. Ciente disso, completo de dobrar o papel e coloco-o no bolso, até que ela, que está nas minhas costas diz «-Olhe lá…» ao que me viro e ao virar-me sou presenteado com uma bofetada com o máximo de força que aquele indivíduo conseguiu dispensar ao braço. III Entre sentir o ardor na minha cara e controlar a indignação que me irrompe bem de dentro, olho bem nos olhos dela, e nem um sinal de arrependimento, ou de consciência do mal feito, o que aumentou a minha raiva, aparentemente era mais uma das pessoas que achava que por ter pito é inimputável perante os outros em relação às suas acções. Pensava comigo, «-Arrefoda-se, outra?! Mas devo ter algo na cara que convida a que me batam. Lembrei-me logo de Susana e da mesma linha de acção que usou comigo. Mas há alguma lei escrita em que se diga que a mulher pode bater no homem, e eu não li o memorando?» Aparentemente não tinha na sua experiência de vida, uma situação que desaconselhasse este tipo de acção, nem um sistema moral que proibisse a utilização de violência contra outro, neste tipo de situações. Pois bem, se eram essas as regras deduzi que se aplicariam a mim também. Ninguém na sala disse nada, apenas olharam, nem um comentário, apenas o silêncio interrompido pela chapada que devolvi, mas que infelizmente o meu braço sendo um pouco mais pesado, provocou o arremesso do sujeito, a uns bons dois metros no sentido do movimento semicircular que o meu braço iniciou, primeiro com dois passos que se engalfinharam um no outro, depois com uma queda ao solo, já perto do vaso com uma planta língua-de-sogra que estava perto da entrada. A violência do estalo acelerara a cara num sentido e os cabelos no sentido contrário, portanto a cara estava agora coberta pelos cabelos e ela despenteada. A sua cara olhava incrédula para as suas mãos e depois para mim, parecia estar em choque pois na sua imagem do mundo uma agressão sua nunca motivara uma agressão de outro. Perante o meu rosto impassível, onde não havia a fraqueza do remorso por onde pudesse pegar, onde percebera que sozinha não me iria castigar, passou ao plano B, começando a chorar com o ar mais desconsolado que lhe era possível. A mesma plateia que assistira em silêncio à agressão de que eu fora alvo, virava-se agora contra mim com epítetos como monstro, e bruto, e alguém chame a polícia. Pego no telefone e ligo para a esquadra mais próxima para comunicar a ocorrência, e o choro dela reúne à sua volta umas 3 mulheres e dois homens, um deles abanando a cabeça e dizendo, ó amigo seja homem e não bata nas mulheres, se quiser posso ensinar-lhe umas coisas. Enquanto me atendem da esquadra ela capricha no ar de desconsolo e vulnerabilidade, e um dos que a socorria ao escutar dela que ela apenas se descontrolara e que não me tinha feito nada, enfunado pela esperança da atenção que um mulherão daqueles lhe dava, achou que podia provar à dama que tinha valor de potencial alvo de favores, sexuais ou outros, espancando o alvo que com os deditos ela apontava. Assim que do outro lado o agente atende o telefone, sou meio surpreendido com um soco na orelha que escutava o altifalante, partindo o telefone e rasgando-me um bocado do lóbulo do courato. Olho para encarar o agressor e recuo um passo, que me permite desviar do segundo soco com a mão esquerda, dado com demasiada força e desequilibrando o pugilista, que do canto do olho vê a minha cabeça aproximar-se demasiado rápido, chocando com a sua arcada supraciliar abrindo a pele pelo choque de ambas as massas ósseas. Jorrando sangue vem de novo na minha direcção recebendo um pontapé baixo assente na rótula, que o faz baixar o torso, e estando um cinzeiro no balcão, daqueles de loiça, não contou que o mesmo fosse desfeito no lado oposto do crânio abrindo outra ferida do outro lado, fazendo-o aterrar com os seus cerca de 130 quilogramas de carne impregnada de proteína de ginásio, com mais violência que a dama a quem tentava mostrar valor. Um seu amigo que estava fora do recinto vendo que o companheiro, habituado a espancar outros, não dava conta do recado, entra e apanhando-me de costas, pontapeia-me com violência, fazendo sair carteira, o papel que ali me levara, cartões de visita, tudo, pelo casaco fora. As costas começaram a doer-me de imediato, e virando-me de repente para enfrentar o novo agressor, verifico que tem uma perna à frente, que varro com um pontapé baixo, fazendo-o desequilibrar e cair e por sorte não cai com a vista em cima de um caco do cinzeiro, apenas raspando com a cabeça que mesmo assim não evita um corte e corrimento copioso de sangue. O outro tentava-se levantar e aqui a raiva tomou conta de mim, meti-lhe as mãos no colarinho e gritei-lhe bem alto que tipo de pessoa era para não se ralar de espancar um homem para agradar a uma mulher. Se se deixava ser joguete e que a maior virtude de um homem é o estoicismo de não ceder o seu poder a quem o pode manobrar, com o seu próprio desejo. O seu amigo levanta-se enquanto eu disserto sobre a vida com o primeiro, e retirando uma navalha com cerca de 15 centímetros, do bolso avança na minha direcção, eu com ambas as mãos ocupadas, bastando um movimento rápido dele para touché e eu ver a luz ao fundo do túnel. A meio de caminho de chegar a mim, uma Glock é encostada à sua têmpora. O tipo que se sentara no sofá era afinal um polícia fora de serviço, que assistira a tudo. Sentindo o metal na testa, a navalha cai automaticamente, e eu largo também o primeiro bailarino. A dor nas costas tornara-se insuportável, como se me tivessem quebrado ao meio, tal não foi a violência da guinada. A situação de desconsolo da esbofeteadora passara milagrosamente e levantara-se de novo, vendo a situação que provocara, sangue no chão, cacos por todo o lado, arguia que eu provocara tudo começando com ofensas. Subitamente os restantes alinhavam pelo discurso do agente da autoridade, defendendo que nem eu ofendera nem iniciara as agressões. Ligam para a esquadra de novo. Apanho a custo as minhas coisas, incrivelmente o telefone funciona, e assim que reencaixo o ecrã, recebo uma chamada, era Fernanda. A Fernanda é um dos meus mais antigos onofes, um onofe é um caso ‘amoroso’ que decorre de forma intermitente, ora está on, ora está off. Ora decorre, ora se suspende. O que faz dele onofe, é a certeza de que eventualmente voltará como uma espécie de Eterno-Retorno para a cueca. Ao ver o nome dela no visor exclamo «-Arrefoda-se, hoje não é o meu dia.» Fernanda agora não posso falar, falamos depois. Pela voz e pela submissão do início de ritual de reaproximação, anuiu rapidamente. O carro patrulha havia chegado, e a malta ia toda para a esquadra para identificações e averiguações. Reparei no meio do burburinho geral, que a agressora me olhava de forma diferente, com olhar mais terno e receptivo, admiração até. Não me espantava, pois havia infligido violência física em outros dois à sua frente e aposto que se a sua vulva fosse da EDP, estaria nesse momento a produzir energia hidroeléctrica. Chamam-lhe hibristofilia. É bastante comum nas mulheres. Ao sair pela porta, ligam-me de novo, era o Pedro Salgado. O Pedro é um amigo meu dos tempos do call center da antiga Netcabo. Um gajo porreiro, a todos os níveis genial, mas com uma mentalidade em relação às mulheres, pior que a minha. Engenheiro de Electrónica do Técnico, onde por vezes dá aulas, é dos poucos gajos que conheço que alia a arrogância intelectual dos engenheiros com uma curiosidade e amor à ciência que lhe permite abertura de espírito para debater com outros, mesmo que de áreas que geralmente desconsideram por achar que Letras são tretas. A nossa primeira discussão foi sobre a minha afirmação de que a Informática não é uma ciência exacta, e conseguindo modificar a temática para o campo metafísico, passou a ter-me mais respeito, o suficiente para me ligar várias vezes por mês para discutir vários assuntos. «-João, ela saiu de casa!» Pedro, não posso falar agora, tenho de resolver umas coisas depois ligo-te sem falta. Olhava a nesga de Tejo que do alto do Príncipe Real que a custo da escuridão se deixava apanhar pelos meus olhos tristes.
Encharcado em suor, que secando se cola ao corpo como camada de celofane que ao mínimo movimento se rompe como sonhos de adolescente, sentia na pele o desagregar de H2O emanado do esforço e da sofreguidão de uma noite em claro. Ao meu lado a Jenny dormia profundamente, com ar exausto e desolado, que o meu ego se comprazia pensar dever-se à minha performance horizontal. As luzes de um navio graneleiro avançavam lentamente no sentido de Vila Franca de Xira, e eu reflectia porque é que após tantas horas de cogitação, ainda me sentia orgulhoso por achar bom na cama, como se a endurance e estamina, dos dialectos modernos, fosse algo merecedor de orgulho. Como se fosse um cartão de visita que se mostra aos outros para que nos validem ou pensem bem de nós. Como se fosse parte da essência de um homem, agradar, cativar, dar prazer a uma mulher. Ser o que entretém, persegue, gaba, satisfaz, outro ser humano, só porque ele (mulher) tem uma vagina no meio das pernas. Lembrei-me então da subcultura dos adolescentes dos subúrbios de Lisboa, que difere da de agora, como esta vai diferir das vindouras, numa sucessão de reinvenções, reaquecimentos da mesma sopa, de modo a dar a ilusão às pessoas, de que o tempo que passam vivas, é único e irrepetível, e novo e inaugural. Cultura em que os rapazes espalhavam entre si, ideias feitas acerca da sua insegurança, que as miúdas largam quem as não satisfaz sexualmente e que as pilas grandes são condição sine qua non para manter a furtiva mente feminina. Ri-me brevemente, mas depois percebi o quão sombrio é o entranhado na minha alma, à custa destas ideias parvas, mas que tanto sentido faziam na cabeça da rapaziada suburbana, de há umas décadas. A crença de que tenho de ser x ou y, ou fazer y ou x, para que gostem de mim e permaneçam, exprime-se aqui com toda a força. Como se a mulher fosse o prémio, o deus a quem temos de agradar. Mas vale para homens também. Remontei aos tempos de infância onde cada expressão da minha individualidade era obliterada pela aprovação de um adulto que via em mim o ressentimento contrastado, entre aquilo que nunca tivera, e eu, que tudo tinha – a que ele não tivera direito- sem nada haver feito para isso. Parecia-lhe injusto que ele tivesse tido tal sorte e eu diferente. Havia, portanto, que me quebrar mentalmente, e conseguiu-o, mas não como queria. Queria que eu finalmente me vergasse e entregasse a oferenda da minha submissão a seus pés. Não o fiz. A Jenny virou-se na cama, e encostou-se a mim, o que sabe bem, pois as noites já se tornam frias, e eu abraço-a querendo-lhe dar o carinho que a proximidade inexistente entre nós não permite. Podia fazer-lhe festas no rosto, mas não sei se é uma cabra com as outras pessoas, intratável porque os seus 28 anos ainda lhe granjeiam algum favor preferencial pelo mundo fora. Ainda que condicional à promessa de sexo que os homens, consciente ou inconscientemente sempre obedecem. Prefiro afagá-la pelo humano que suponho que seja, até porque, por mais cabras e velhacas que algumas gajas sejam, não lhes desejo a morte. Só a distância. E aos gajos também. E de mim também, que nem sempre sou bom de assoar. Afasto-lhe o cabelinho louro, dos olhos, muito ao de leve, para não a acordar, e vinco com os dedos a direcção das sobrancelhas. É imperioso que não acorde, porque as cachopas nos dias que correm, acham sinal de fraqueza e até sinistro, um gajo capaz de facultar carinho, sem a proximidade de convivência que o justifique. Ou o encaram como doente ou rebarbado, o que vai dar ao mesmo. A americana que tracei há uns meses, olhou-me pasma, num piano-bar quando lhe dei ternos beijos no rosto. Como que se fosse estranho, do género, será que este cabrão não consegue engatar mais ninguém e eu calhei com um encalhado? Será um stalker, que me perseguirá após o descartar, oh maigode, que vida perigosa. Em abono da verdade, sou carinhoso porque é a única forma que tenho de não chorar, pelo lamento existencial de saber que tudo é transitório, e circunstancial. Que entendo os queixumes de uma natureza a que as mulheres obedecem, sem disso terem noção. Estudassem Arqueologia ou Biologia Evolutiva. Assim, como com Jenny, passava as costas da mão pelas maçãs do rosto, soltando o que imagino serem as boas energias, de apreciar a existência do outro por ele mesmo, como que se a minha aura apreciadora das suas se misturasse por osmose, reconfortando como porto de abrigo, a violência e injustiça desta Terra. Mariquices estranhas deste género, e ala que as gajas saltam fora, e tenho de alinhar a próxima, até que ela se farte, e lance nos braços do próximo boçal que lhe pareça mais brilhante para levar para o ninho, como pega-rabuda. Passo a expressão. Sei agora, que já sabia sem querer. A minha viagem de descobrimento, só articulou o que já sabia de antemão, mas não queria acreditar. Via-las como deusas, são marionetas, manobradas por um titereiro implacável. O erro sempre esteve na minha projecção delas, como iguais. Não pensam da mesma maneira, porque os géneros não são iguais, complementam-se, em prol da procriação. Abençoada sociedade actual que permite mil e uma sexualidades, mas no chamado tempo das cavernas, em que o código foi fixado, era assim. E elas tão sujeitas a ele, como nós. A minha história com Jenny havia começado no dia anterior, eu sentado numa esplanada no Príncipe Real, a beber uma imperial, no sítio exacto onde em 2006 a célebre Susana, introduzira minha mão dentro das suas cuecas, para eu ver que estava molhada, numa manobra de impressionismo maneirista, de molde a capturar-me o desejo e o fascínio. Sim, também elas se querem sentir apreciadas, e controlar a percepção dos outros. Na altura, os meus pensamentos rodeavam a fauna que hoje em dia estiva por Lisboa, na sua maior parte turistas, que se esticam de manhã quando acordam, nas varandas dos hostels ou nos apartamentos hiperinflacionados. Quando passeiam de manhã com sandálias e meias brancas, e os poucos portugueses que os imitam no seu cosmopolitismo, de turistas que passam pelas ruas admirando os azulejos, mas desconhecendo a história profunda das ruas do país mais velho do Velho Mundo europeu. A capital completamente despida de personalidade, para mais uma vez, como é normal ao longo dos séculos, pelo açúcar, escravos, ouro do Brasil, especiarias, ou agora os vistos com que se troca cidadania por erário. O português é de facto racista. Detesta portugueses. Trocamos a nossa identidade por um prato de lentilhas. «-Hey, can i borrow this chair? » - interrompe-me o solilóquio. Era Jenny. Filha de um magnata qualquer da restauração nos Alpes, e a mãe era do País de Gales, de ascendência real. Pela mão vinha com a namorada, que tal como ela viajara num paquete qualquer, e não falavam ponta de português. «-Sure.» - respondi eu. Empurrei a cadeira com o pé para se poderem sentar. Pedi outra cerveja e voltei a pegar no ‘Crime e castigo’, que é a par do ‘Do androids dream of electric sheep?’ e do ‘ O Nascimento da Tragédia’ o monte de papel que mais me passa pelas mãos a seguir aos rolos de papel higiénico mais barato do Aldi. Era difícil imaginar o jovem estudante assassino, na Rússia, a partir de 36 graus à sombra. Valia pelas loiraças à minha frente, se bem que a namorada de Jenny tinha o cabelo roxo, só as sobrancelhas eram aloiradas envolvendo os olhos azuis. Não, não estava o ambiente para ler Dostoievski, e voltei a fechar o livro, pousando-o. O meu olhar cruzou casualmente o delas, e ambas olhavam para mim directa e ostensivamente, como que julgando ou emanando ódio. 'Estranho...', foi o que pensei. Depois percebi, como eram amantes e o mostravam publicamente, olhavam para mim procurando o meu olhar de suposta censura, para poderem reforçar o seu amor, a sua idealidade de amor contra o mundo, ou pura e simplesmente a sua dose de oxitocina, de gajas de causas. E eu que só estava a pensar no cuidado com que Raskolnikov arruma a machada. Já vi isto tantas vezes, especialmente no part time de vigilante. Lésbicas, homossexuais e casais mistos (mulher branca com homem negro, pois ao contrário nunca me aconteceu), entram pelas lojas olhando directamente nos olhos quem quer que possa olhar para aquilo que sentem ser a sua ‘situação’, prontos a disparar invectivas contra a discriminação anacrónica que imaginam ver nos olhares dos outros. O gajo da farda, por mais baixo na hierarquia social que esteja, é sempre o alvo privilegiado, nestas buscas por indignação, oxitocina. Existem pobres diabos que censuram com o olhar de facto, mas a maioria quer lá bem saber, deduzo. Julgo até que a maior parte das pessoas olha, porque os 'visados' olham primeiro e mais intensamente, para capturar essa atenção dos outros, que procuram. É como dar um traque no Metro em hora de ponta. Ninguém quer saber se tens problemas de intestinos, apenas que não soltes o gás. Ninguém quer saber da vida dos outros, desde que não incomode a sua. Os visados, aqueles que procuram a reprovação alheia, apenas o fazem para acentuar o carácter de excepção que gostam de pensar que têm. Quando julgam os outros, imolam-nos no altar da sua própria subjectividade, usam-nos tal como Don Giovanni usava as incautas donzelas, para experienciar um pouco mais de amor. Identificado com o status quo atrasado e provinciano, tem-se a ideia feita de que é retrógado (como se a crença positivista de um avanço civilizacional inexorável não fosse uma fantasia de gente rica) e que portanto é o primeiro local onde se procura no olhar de outro, a reprovação que se quer reprovar. Invariavelmente estou a galar a nalga de uma tipa qualquer, me sinto observado, e procuro para descobrir a origem do olhar que pressinto, invariavelmente uma gaja que me olha com olhar perfurante como que interpretando que estou a censurar ter casado com um homem negro, quando eu só estava a olhar para o rabo de outra. Um ou outro casal de homossexuais, também já veio beijar-se ostensivamente à minha frente, ficando-se a minha perplexidade a meio caminho de pensar que devo ter cara de juiz, ou que fazem isto a todos os vigilantes de loja de roupa. Mas os gajos também, aqueles que passeiam na rua com a mulher vestindo curtas mini saias, sempre alerta para quem desafia o seu direito de propriedade, pois sentem que o olhar de desejo de possíveis competidores, é bypass a um respeito que eles merecem enquanto homens. Chama-se hoje, 'mate guarding'. Mas é mais comum serem mulheres a iniciar esta ‘guerra do nós contra todos’, porque será? Penso que é por serem mais dependentes das emoções, que o sistema reticular providencia, pois se forem à realidade procurar o que querem encontrar, encontram o que procuram. Se eu decidir reparar em todos os carros vermelhos, vou começar a notar existirem mais carros vermelhos. Se eu achar que Portugal é um país estruturalmente racista, vou encontrar exemplos na realidade que o mostram, provam e demonstram. Mesmo que o branco não se dê com o preto e vice-versa em casos particulares, o que procuramos, são confirmações externas que validem as crenças onde investimos muito do nosso ego, generalizações. Se a gaja acha que é inclusiva por ter casado com um homem negro, ela é de facto uma racista, porque casou mais com o negro, menos que com o homem. É o que pode ditar o apego e desejo de determinada auto-imagem, ou por outras palavras, a força de individuação. A auto-imagem que alguém tem de si mesmo, é um paliativo para a dignidade que dá à sua existência, ao carácter de excepcionalidade, tão presa ou preso, como eu, à crença de que partir camas de ferro a copular, é a melhor maneira de garantir amor e companheirismo. Raios, conheço gajas que vão para São Tomé ou Cabo Verde, fazer turismo sexual, mascarado de solidariedade ONG, juntando orgasmos a caridade e boa vontade. Claro que não foram para fornicar pretos, mas esses mesmos homens de tom escuro de pele, seriam invisíveis para elas, se fossem exactamente iguais, mas brancos. Estou a generalizar, vale o que vale. Aquelas duas, a Jenny e a namorada, estavam a olhar-me à procura de indícios de censura, para poderem despejar a mesma rotina de azedume para cima de mim. Não gosto de desviar o olhar, ri-me e olhei-as fixamente. «-Got a problem buddy?» - respondeu a do cabelo artificialmente colorido e das tatuagens no braço, claramente a mais belicosa. «-Yep, i have.» - respondi a contragosto, só para mostrar que não me deixava intimidar por duas cachopas que se achavam melhores que eu, mais sofisticadas e mundanas. «-You do? Tell me.» - a sua linguagem corporal era agora nitidamente confrontacional, e se tivesse camisa, estaria a arregaçar as mangas. «-Well, big dicks don’t bring money, so that makes me poor.» A piada fez-me rir comigo próprio, e por isso valeu a pena. Quando voltei a olhar para elas, olhavam-me com uma cara como se eu tivesse dito a coisa mais estranha do mundo. Valeu também pelo facto de as deixar caladas e isso prometer-me sossego, aquele que eu tinha antes da sua chegada. A cabeça roxa levantou-se e veio tirar satisfações, encostando-se a mim prendendo com a sua coxa a minha mão que estava na borda da mesa. Tirei-a com algum esforço e olhei placidamente para ela. Meti a mão à cara a perguntar-me se nem aqui, fora do Facebook, consigo afastar-me desta estirpe de zombies judicativos, que lida mal, sei lá com quê. O gajo do quiosque que servia as cervejas, olhava para a cena, por certo testemunharia se eu fosse agredido primeiro, o tipo era de Minas Gerais, e trabalhava ali há dois meses. Começou a falar em voz alta, e eu repeti três vezes, «-Please go away.» Interpretando isso com fraqueza, como é habitual, aumentou o volume da voz, e percebi instintivamente, que estava a tentar impressionar a outra com o seu fundamentalismo de causa. Olhei para cima, sorri, e convidei-a a sentar, que lhe pagava uma cerveja. Antes que pudesse interpretar isso como medo da minha parte, a Jenny, sentara-se ao meu lado, deixando a outra silenciosa e forçando-a a ir buscar as suas coisas para se poder sentar também. Yepikaiêi, pensei eu. «-You are so rude!» - diz a Jenny, com uma voz bem mais doce, que a da outra. Sou? Porquê? A falar logo de pilas sem nos conheceres. E assim começou a conversa. A outra sentou-se em frente a mim, e pressenti que havia ali mais em jogo do que aquilo que eu via. Mandei vir 3 cervejas. A cabeça roxa disse que eram lovers, e que eu era retrógado por estar a olhar assim para elas, e perguntei o que lhe provava a ela que eu a olhava da maneira que ela achava que eu olhava. Respondeu que é o que geralmente acontece, e que eu estava a mentir para não parecer mal. Olhei para a Jenny e disse-lhe que elas é que eram rudes. «-Why?» - ambas em uníssono. Porque estão no meu país e eu tenho de falar inglês, e porque uma me acabara de chamar mentiroso. Que é bem pior que falar da minha pila. A Jenny solta uma gargalhada e até a outra esboçou um sorriso que matou logo no parto. «He’s got a point here. » Depois das apresentações pós gelo partido, a pergunta da praxe. O que é que fazes Jóuão, que é o melhor que conseguem dizer o meu nome. Línguas de certa forma amaricadas, ‘thunder’, trovão! Boca cheia, som grandioso e assustador. Jóuão… Nem Lisboa é para os conas, nem o português para mariquices. «-I stay in tables drinking beer all day and pick up lesbian couples, so that I can bang them until kingdom come. » Silêncio, depois as gargalhadas. «-You are a funny chauvinistic pig.» «-Am i? I don’t think so, im Pisces.» Gargalhadas. Bem, cada graçola encaixava bem. Percebi que a Jenny era o prémio a conquistar, na relação das duas, e que a outra era mais dependente dela que o contrário. Nem me interessava muito. A mentalidade de carência, tornava a cabeça roxa, alguém cuja presença era menos agradável, e a braços com os seus próprios demónios. Chauvinista porquê? Porque da maneira como falas, pareces que odeias as mulheres e o feminismo. Não, eu amo as mulheres, mas odeio o feminismo. A cara delas era a de quem me vira mijar no tacho da sopa. Como é possível odiar o feminismo? Porque odeio quase todos os ismos. Mas o feminismo promove a igualdade entre os sexos. Nunca existirá igualdade entre os sexos enquanto só um for detentor dos meios de produção da espécie humana, e for capaz de controlar o nascimento. Estás a falar de quê? Estou a falar de que a mulher é monopolista do útero, e controla a natalidade com a pílula e o aborto. Isso com a sociedade do conforto, tornou o homem ainda mais dispensável, e portanto, cada homem, criado para ser uma rapariga defeituosa, nos dias que correm, tem de humilhar-se e até rejeitar-se, se quer dar vazão às 17 vezes mais testosterona que possui. Mas Jóuão, nós temos direito ao nosso corpo. Claro, todo, mas que aconteceria se Espanha dissesse que o Tejo era deles e fechavam a torneira da água cá para este lado? Se bem que aqueles cabrões nunca respeitam os caudais mínimos acordados em tratados. «-I dont get it.» Uma mulher hoje em dia não precisa de um homem para nada. E o homem, se quer ter sexo e filhos, precisa da mulher. Nós, os homens criámos este mundo controlado e confortável, onde somos agora obsoletos. «-Yes, the future is female!» - disse a cabeça roxa entusiasticamente. Não, não há futuro. Ainda, ainda vão sendo precisas duas pessoas de género diferente para procriar. E se o mundo continuar a consumir, como as mulheres consomem tecido nas lojas de roupa ocidentais, não há planeta no futuro. Toda a gente sabe que as mulheres são mais pacificas e melhor carácter que os homens, que são tóxicos, disse a Jenny. A cabeça roxa tinha os olhos a brilhar ao ouvir isto. Uma devia estar na fase de descoberta e outra na fase de vendedora. Não, as mulheres são também cabras, e sem carácter. É engraçado como tão pouco é permitido criticar o gajedo no geral, mas frases feitas sobre a suposta toxicidade masculina, são dogmas. Antes de mais, as mulheres detestam códigos morais. São limitadores. «What?» - a cabeça roxa, de nome Eve, mostrou-se ofendida. Sim, o valor de um homem para uma mulher, é meramente instrumental. Quer dizer, vocês olham para o corpo da mulher como um objecto, e as mulheres é que instrumentalizam? Sim. Na minha experiência, a facilidade com que uma tipa corta com quem passou meses, anos, ou até uma simples noite, é desconcertante. O que se chama ‘ghosting’ hoje em dia, é método. Se uma mulher perde o respeito por um homem, corta contacto independentemente dos efeitos que isso provocará nele. É quase sempre unilateral, e bastaria uma explicação mínima, mas nem isso fazem, pois detestam passar pelas cabras que são. É mais fácil então sumir. Negar ao outro sequer uma satisfação, como se ele fosse um monte de merda que se deixa a secar à solidão do Sol. A justificação pode ser dupla, a) que é assim que o mundo funciona, que se ele não sabe, devia saber, abra os olhos e b)que é melhor assim, causa menos sofrimento o corte abrupto. Na realidade, quando lhes fazem o mesmo, choram por todos os cantos, o quão cabrões são os homens. Mas a forma implacável como descartam é-lhes vedada a análise. A mulher é, a mulher não erra. Até os Doors repetem «women are wicked when you are unwanted.» Que pecado pode um tipo cometer que justifique tal tratamento? Apenas um, ela perder o interesse por ele, ou achar, evolutivamente, que consegue arranjar melhor. Portanto o interesse é sempre instrumental e condicional. Isso até se compreende, mas o que custa a aceitar é que a mulher, em quem projectamos o mesmo nível de inteligibilidade que achamos ter, não tem qualquer argúcia moral para análise rigorosa do seu comportamento. Não precisa de introspecção profunda, existe sempre um conas a dizer que ela é o melhor do mundo e arredores. Só aqueles que era após era são obliterados pelo normal correr dos abandonos, são forçados a analisar-se profundamente. Sei de uma que matou o filho de outro, como se fosse a solução mais lógica e sem dar cavaco ao detentor de 50% do código genético que ela não impediu de entrar nos seus gâmetas. Os homens para as cabras, não contam para nada. O corpo é meu, dizem, mas o esperma que cai lá dentro passa a ser delas também. O homem fica reduzido a depósito dador de cromossomas mediante estimulação adequada. Elas decidem a cópula, o nascimento, e até o compromisso, pois o estado força, supostamente pelo bem-estar da criança, que o homem pague pela decisão da mulher em dar à luz. Cada mulher é uma pequena imperatiz que controla o seu poço de petróleo, e regula o preço do combustível, a seu belo prazer. Conheço outra que não perde uma manif, contra a exploração ocidental, gravando sempre com o seu iphone. Nas alturas em que mais precisei de mulheres, só as da minha família me valeram. Após uma ruptura dolorosa, em que precisava de filosofar com alguém acerca do sentido da vida, a Lena achou que o convite para café era para possível tentativa de engate da minha parte. Não se importou de me imolar na sua hierarquia de prioridades, sob o preconceito – que entendo – de que qualquer homem está sempre à procura do mesmo, negando a humanidade ao género oposto, se nele não tiver algum interesse. Dos meus colegas de Filosofia, não tinha confiança com a Marta (que deduzo que reagiria da mesma maneira) e o Gonçalo andava lá nas cenas dele, e para ele é tudo muito certo e dado. Boa parte deles aderiu a uma ideologia burguesa, longe da agónica que assumo. Assuntos que me interessam, enojam a maioria, tão convencidos de que usam espírito crítico, sem alguma vez questionar o símio evolutivo que vive cá dentro, ou aquilo que o homo faber deixou ao longo do tempo. Melhor discurso que as polidas narrativas da historiografia de arquivo. Restou-me engolir. Claro que tinha outras pessoas com quem debater estes tópicos, mas não com a mesma profundidade. Por ser portador de pénis, sou reduzido a ente que o quer enfiar em todo o lado. Porque sou homem, posso ser fodido num fim-de-semana e descartado na segunda-feira, afinal um homem a sério não sofre e é forte e não chora e só pensa numa coisa. Paga-se então o dolo com meia dúzia de dvd’s e livros que já não se quer. Imola-se de novo o alvo, com justificações a posteriori, encontrando nele, os defeitos que se procuram e encontram, para lixiviar o comportamento de partida. Pessoas que passaram anos connosco, na nossa vida e que nem um 'olá tás vivo' merecem. Arrumados a um canto do esquecimento, como animais de estimação que outrora eram o centro consecutivo das atenções. Não Jenny, o desequilíbrio no mercado sexual, trouxe irresponsabilidade total às consequências das acções femininas, no que concerne aos sentimentos das suas conquistas. 80% dos divórcios são iniciados por mulheres, o que mostra que os homens preferem cozer a sua felicidade em lume brando, a largar relações infelizes. O mulherio aproveita-se da Biologia feminina, a capacidade de cortar emocionalmente com o parceiro prévio, sob auspícios de um melhor no futuro, capacidade essa desenvolvida por causa das guerras entre tribos em que homens e rapazes eram mortos pela tribo vitoriosa e as mulheres mantidas vivas para que servissem de incubadoras da próxima geração vitoriosa. Mas negam e tentam anular a Biologia masculina, dizendo que é tóxica. Tóxico é violar o outro com a imposição da ausência. Da sua instrumentalização, seja por ter um corpo bonito, ou dar jeito em determinadas alturas, ter alguém que mostre ao mundo que a coisa está encaminhada. Essa ideia que se passa do homem bruto e das cavernas que oprimia meio mundo, é só mais um exercício de poder que visa anular a responsabilidade que é devida. Quando começo a falar assim, algo toma conta de mim, e observações esquecidas voltam com clareza. Jenny e Eve olhavam-me, como quem olha macacos no zoológico. Eu já sabia o que viria de seguida…quem me magoou…como se a única expressão de inteligibilidade que um homem pode ter, é emanada de trauma emotivo e não de fria observação da sua própria experiência. «-Who hurt you?» disse Jenny. «-You, with your tongue out of my mouth.» Sem demora, beijou-me sofregamente. Ao fechar os olhos, ouvi a Eve pegar nas coisas e ir-se embora, tropeçando num daqueles pinos que com correntes impedem estacionamento. Jenny levou-me para um 3º andar defronte do Pavilhão Chinês onde eu e Susana partilhámos uma pastilha. O pai da Jenny havia-lhe oferecido. O chão com soalho flutuante, rangia antes de se chegar à cozinha exígua passagem entre sala e um dos quartos. Imitava carvalho velho, tom de pele bronzeada, diferente daquele que eu festejava, cobrindo com um lençol, antes de me esgueirar pela porta, com as chaves do carro na mão, recebendo o orvalho cacimba da madrugada. |
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Outubro 2024
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