Invejo as pessoas ingénuas, como eu já fui. Já não sou, fui corrompido por dóidóis que do ponto de vista cósmico, são pouco mais que anedotas. A rejeição é amiga, faz-nos crescer internamente. Vai matando também, pouco a pouco, a idealidade. E quão ingénuo eu era. Achava que podia fazer um trato com o mundo, e reunir em mim toda a dor do mundo, para que ninguém sofresse, como se eu próprio alguma vez saísse vivo de tamanha tonteira. Sonhava acordado, sobre a natureza dessa dor que imaginava intelectualmente, mas que desconhecia na carne. Até que me começaram a morrer os entes queridos, e a trair os corpos e pessoas que amei. Meu Deus, que crueldade, desejar para mim a dor global, quando um simples arrufo amoroso equivalia ao arrancar de um membro. Não era a dor de perder um filho, ou de ruminar uma vida vivida em vão, por manifesta incapacidade de entendimento. Ela chupava-me a pila com um entusiasmo profissional, de uma comercial numa loja da MEO a registar a devolução de equipamentos. Com unhas demasiado grandes para acertar atempadamente nas teclas do teclado. Por certo impressionada com outras que o fazendo, pareciam seres de outro mundo, sedutoras, excêntricas. As unhas grandes, as tatuagens, as sobrancelhas a toque de viagra, a aparente naturalidade com que lidam com o mundo, o bâton com sabor a rosas de Damasco, os perfumes com cheiro de hortênsia, as folhas de papel perfumadas do Pierrot. Um arsenal de fumaça que visa conferir ao portador, a mística análoga ao artista de circo que usa poses estranhas no final do contorcionismo. Deixava a língua de fora e arrastava-a solenemente em torno do meu prepúcio. Olhava para mim esperando ver uma cara entregue a si, mas só via uns olhos entregues a perceber. Toda uma ficção que nos faz esquecer que o cu grande, as mamas grandes, e o rosto bonito, não são mais que estímulos a prazo, no fim do qual, a monotonia de uma vida demasiado longa, acaba por matar, recordando a glória passada. Caprichava no felatio, para ter um anzol em mim, para eu a perseguir por ser uma fonte de prazer, rara. Não fazia contas de cabeça. Sabia que se agisse de determinada forma, os gajos do tinder, lhe ligavam mais amiúde. Perseguiam, colocando no colo dela, o poder de aceitar ou não os avanços. Não lhe queria dar o prazer que me fazia vir-me com a sua mestria oral. Quando estava quase a ejacular, forçava-me a pensar nos meus ‘problemas’. Não os problemas burguesinhos do Esteves Cardoso. Não. Os problemas do suburbano que sou. Logo à partida, de não ter o dinheiro do MEC para me permitir ser romântico. É fácil acreditar no amor, quando se tem dinheiro para beber vodka caro e ir todos os meses ao sítio das praias aprazíveis. Ter algo mais que um amargor existencial pela leitura dos mesmos livros de Filosofia, regados com psicotrópicos e seiva vaginal de gajas que acreditam que somos o prémio. Se eu tivesse a guita dele ou do Paixão, também acreditava no amor. Porque ELA não me largaria, sabendo que não tenho dinheiro para lhe comprar um Big Mac, quanto mais uma posta barrosã, nas nossas viagens ao Deus dará na metrópole do império, ou algures na Costa dos Esqueletos. Confrontado pelo voluntarismo dela, pergunto-me se estarei a ser honesto, não admitindo que estou cicatrizado para a vida, impossibilitado de acreditar. Mas depois lembro-me que se a felicidade dela, delas, estiver num pacote de açúcar atrás de mim, me passam a ferro para serem felizes. Pois à caralhos, ninguém impede a marcha de uma mulher em direcção ao que acha ser a sua felicidade. De como cospem no prato em que comeram, se isso for a única forma de mudar de prato. Como, se um gajo não vai ter com elas, é porque é mais um na longa rede de provas da sua inadequação, Não temos direito a estar deprimidos e não querer infectar com tristeza, as deusas. Então, mas espera lá. Teres um blogue, onde escreves sobre as tuas macacadas com gajas, não é uma forma de te vingares de uma realidade, uma natureza que te relativiza? É que não tenhas dúvidas. Relativizam-me a mim, relativizo-as a elas. Esfregando-lhes no focinho, a merda de humanos que são, a partir de um ponto de vista de uma vítima que não se quer assumir como tal. Estou farto que me chupe a pila e puxo-a para cima para a beijar, e na sofreguidão, chupo-lhe uma merda de piercing que tem no nariz. Engasgo-me, fico vermelho até regurgitar o caralho de um piercing narigal de cor verde-tropa. Tusso várias vezes, e quase escarro como que se engasgado por pelo púbico teimoso. Somos meras etapas no caminho delas para a plenitude que nunca chega, senão numa caixa de vinho tinto e areia de gato. No escopo total da vida, pergunto-me, qual é o papel real da rejeição? Nenhum, a vida esvai-se depressa e as putas esquecem rápido o teu nome. Não há forma maior de rejeição de uma realidade adversa, que rejeitá-la com despeito. E eu só quero que se fodam todas. Cá estaremos para ver, a quem o céu estrelado aprova.
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Entreguei-lhe ‘O estrangeiro’ de Camus para a mão. E disse-lhe que lhe faria bem, ler o livro. Boa parte dos teus problemas se resolvem se tiveres mais introspecção. Ela olhou para mim e fez um olhar indignado. ‘-Quais problemas pá? Mas que problemas achas tu que eu tenho? Rala-te com os teus problemas, mas é.’ Acusara o toque e percebi duas coisas. Primeiro, que as lamúrias dela, de se sentir desligada do mundo, da sua vida, de quem era, eram apenas artifícios de captação de atenção. Segundo, que se achava melhor que eu. E disse-lho. ‘Estás a reagir de forma tão aguda, porque no teu íntimo me tens em tanta desconsideração, que te ofende que um gajo que consideras ‘abaixo’ de ti, te possa querer ajudar. Agudiza o teu sentimento de desamparo, da mesma maneira que alguém a quem um sem-abrigo emprestasse uns trocos para comprar pão.’ A cara de indignação agudizou-se mais. ‘-Abaixo? Melhor? Mas com quem pensas que estás tu a falar?’ Empurrou com o rabo, a cadeira para trás, para ganhar espaço para o ombro e assim atravessar o tampo entre nós com um movimento da omoplata. Antes que chegasse ao fim do trajecto, interrompi-a e disse muito calmamente: ‘-Pensa bem antes de fazeres o que achas que vais fazer.’ Queria dar-me um estalo, habituada a desabafar com agressões, as tensões mimadas que sentia perto de algum homem pretendente. Duas semanas antes, havia dado uma palmada no meu rabo, com uma força que percebi como excessiva e com intenção de testar. Dei-lhe com mais força, e durante umas horas coxeou, não sem antes dizer que eu era bruto, não sabia brincar. Não se foi embora, porque eu sabia que ainda estava na fase de aguentar os meus defeitos, ou de me tentar cativar, que é aquela fase em que podemos, no início da relação, limpar a pila ao cortinado, ou meter o dedo no cu do gato delas, que elas tentam achar graça ou fingir que não estão piursas, para nos manter um pouco mais. Algo lhe disse para não armar o braço. Levantou-se e foi-se embora. Fiquei a pensar, nos meus problemas referidos por ela, e na repetição da minha estupidez de esquecer que tentar ajudar tem sempre castigo, que nos dias que correm, a compaixão pelo outro é tomada como um sentimento de superioridade e não uma comunhão na natureza humana. Assim, erro à cabeça, envolver-me com esta tipa. Tinha-me dito que era bissexual, e perdi demasiado tempo a olhar para ela, metendo cremes na pele, a arranjar-se ao espelho enquanto obra de si mesma, e lembro de perceber como podia ela ter evitado durante alguns anos a invasão dos falos no seu corpo de cor-de-rosa e perfumes adocicados. Sentada sobre mim enquanto a dedilhava por dentro de acordo com a pauta dos seus gemidos, ia dizendo ‘-Fode a tua pretinha maluquinha!’ ao que eu respondia, com voz grossa e rouca ‘-Fodo a minha pretona fodilhona!’ Falávamos ao ouvido um do outro na competição de ver quem excitava mais a contraparte. Estava cheia de tatuagens, e sempre me fez confusão gajas que acham que inserir tinta epidérmica é um sinal de emancipação ou expressão pessoal. Engraçado que quem mais refere a questão da expressão individual, é geralmente quem menos se consegue exprimir em português correcto. Patinhas de gato tatuadas por detrás do tríceps, o guiador de uma mota sobre o sacro, para quem dá uma voltinha comendo-a de costas. Ou uma roda de bicicleta na base do pescoço. Tudo rabiscos para que outros vejam, invalidando a conversa de que se tatuam para si mesmas. Quando eu lhe perguntava porque ninguém se tatua no deserto, ela achava que eu era parvo, não percebendo a minha alusão ao facto de que nos ornamos para que outros vejam. Mas dela não esperava muito, é daquelas pessoas pobres de espírito que acha que eu sou um tanso descartável só porque ela, ela, acha que o que é a realidade, o paradigma e o aceitável, é o que é aprovado e expresso pelo maior número de pessoas em determinado tempo. Pobre de espírito, portanto. Cataventos do rebanho que procuram refúgio na conformidade e dela fazem prova de sanidade. O nome do filho tatuado sob um coração. Não havia esse tabu das cores. Desde o início que me dissera, que os pretos são mais racistas que os brancos, que ela, por ser um pouco mais clara, havia sido gozada e enxovalhada por outras, que em Angola, a censuravam por ser memória do tempo colonialista. Em vez de ser vista como uma mistura de pretos e brancos, era vista com o opróbrio de não ter qualquer responsabilidade nos pecados passados da humanidade e ódio por ter uma cor mais clara. A primeira vez que dormimos juntos, notei a cama a tremer, várias vezes durante a noite, era ela dedilhando-se a si mesmo, mesmo dormindo. Lembrei-me imediatamente de Susana, que dá nome ao blogue, que fazia o mesmo. Fiquei feliz, porque tal significava que nenhum avanço meu receberia uma nega, mas ao mesmo tempo lamentando, a perda de interesse pelo sexo. Quando a mulher dá pica, não é preciso fazer força para foder, procurar nela os pontos excitantes, e esquecer a unha torta, os dentes espaçados, as mamas descaídas, os derrames pela pele, os papos dos olhos. ‘Vai, fode-me, vai dá-me com força!’ E o inferno torna-se alguém no meio das nossas pernas, incapaz de nos fazer esquecer que existe um mundo à volta. E atrás. Não sei o que se passou. Só me lembro de isto me ter acontecido pela primeira vez, há 26 anos, quando perdi a virgindade. Por mais que torneasse meu falo com a sua língua, o dito não se levantava, comportando-se como tetraplégico molengão. As pessoas não são o seu aspecto físico, mas eu também não estava a julgar a pessoa, apenas a sua capacidade de me excitar ou não. E algo se perdera pelo caminho. Dos amassos na Expo a altas horas da noite, até à cama palco da penetração rítmica, apenas diferia a ausência de um desejo que conduzisse ao rapto de sangue nos corpos cavernosos do meu falo. De certa forma fiquei aliviado. Prometera-lhe foda infinda, e simplesmente algo em mim me dizia que queria estar em qualquer lado menos ali. Deito-me de costas na cama, com o braço em oblíquo assente na testa, deixando apenas um olho de fora do peso do rádio e do cúbito, espreitando-a. Surpreendo-me, no meu diálogo interior, por não sentir uma vergonha que seria suposto sentir, por negar fogo. Crenças antigas onde a performance da cama equivalia ao valor do homem, por intermédio de uma suposta virilidade que confirma a masculinidade valorosa. Por andar aí pelo menos uma mulher no mundo, a dizer que não tive tesão para ela. Deixo abrir um pouco o olho livre, e vejo-a, sem ela saber que a vejo, olhar para mim, para o meu corpo, para os contornos do meu rosto, e observo as roldanas do seu espírito, a aferir se vai permitir-se a gostar de mim. Pensamentos ocultos de outra alma que não a sua, em suaves lucubrações mediocremente assumidas como calculistas. A sua aferição tem valor, afinal, tem de decidir se vai permitir-se gostar de mim ou não, tomar uma decisão, investir sentimento, entregar-se. Ou não. Ou fazer o oposto, desqualificar-me, isto é, encontrar motivos, ou na ausência deles… inventá-los, para se convencer a si mesma, que ou já não gosta de mim, ou não pode continuar a gostar. Ou que se enganou…ou eu fingi bem. Estava confusa, meio perplexa por eu não me encaixar em nenhuma das suas categorias provincianas de catalogar os homens e os seus comportamentos. Porque era extremamente meigo e meloso com ela, considerava-me carente. Se eu era carente, era porque ninguém me amava, e se ninguém me amava, era porque eu não tinha valor, nada de amável. Ninguém neste mundo quer os despojos escolhidos e descartados. Ninguém se contenta com os restos dos outros, se os souber enquanto tal. Porque não lhe dava troco nos joguinhos de afastamento que visavam pôr-me a persegui-la, ficava na dúvida se tudo o que eu fazia não era um fingimento, um acto teatral. Ficava meio insegura quando as suas avaliações que, (ilusoriamente como promessas que se auto cumprem), sempre funcionaram previamente, pareciam não resultar comigo. Ficam ressabiadas, se sofrem na pele o tratamento que geralmente dão aos gajos. E eu sou exímio nisso, mesmo sabendo que me chamam, ou ficam a pensar de mim, que sou velhaquito, amaricado. Como um magarefe que se horroriza com um cirurgião trapalhão em amputação. Mas eu sabia que era apenas uma questão de tempo. Na era do tinder, não se perde tempo com enigmas, quando existem outros homens à espera. Além de que, dando-lhes tempo suficiente, encaixam cada homem pelo buraco dos seus juízos, como criança acéfala que enfia numa caixa com entradas geométricas, a esfera pelo buraco do triângulo, e o quadrado no buraco da esfera. À força da escolha, escolhendo ver o homem como lhe parece que seja, e assim se tornam os homens todos iguais, não porque o sejam, mas porque ela tem total certeza no viés e nos juízos que faz e sempre fez, sobre eles. A escolha e a rejeição de uma mulher, nunca são algo mais senão um reflexo dos seus preconceitos e da redução do múltiplo a uns chavões mentais. Uma espécie de lentes de contacto, coloridas, tomadas como a visão apodíctica da coisa-em-si. Topo que ela achava poder capitalizar sobre a minha falta de tesão. Que me desfizesse em opróbrio e vergonha. Fiquei fodido, sim, porque imaginara uma noite a foder. Mas os meus próprios juízos e avaliações me haviam levado para longe dali, reparando nas plantas dos pés secas, numa imperfeição do seu nariz, nos cabelos brancos que ficam mal na sua cabeça africana, na extrema magreza que mantém religiosamente, e no seu constante dedilhar o telemóvel, com a desculpa que são amigos e colegas. E não pretendentes, como sei que são. Não gosto destes filmes, mas já havia pago o quarto de hotel. Não fiquei com vergonha, nem com a falta de erecção, nem com a minha barriga dilatada pela cerveja, pela falta de tónus muscular, pelo cabelo mortiço e fino como fios de palha de aço microscópica. Fiquei de braços abertos e aliviado depois de lhe dizer que nada tinha a ver com ela, mas comigo. «-Desculpa bébé, tou numa fase estranha da minha vida.»…aliás, a minha vida é uma fase estranha. Respondeu fingindo indignação, que não tenho de pedir desculpa, que acontece, e mais não sei o quê. Dou por mim a pensar que afinal a mariquice da compatibilidade, que eu julgava poder subsumir ao facto de a gaja ter uma vulva e simetria facial, afinal é mais importante. Ela tenta compensar a frustração do nosso encontro horizontal, com uma felação que se revela de facto, uma das melhores dos últimos anos. Há mestria, mas também alguma ingenuidade, nos movimentos exagerados, decerto retirados da sua imaginação, e não propriamente de algum homem que lhe confidenciou preferências. Percebo que é daquele novo tipo de pessoas, pós tinder e bumble, com abastecimento constante de homens, que cria um avatar sobre a sua verdadeira personalidade, a pessoa fast food. Polida q.b., mas um completo fingimento que visa uma mostra constante ao público, dos traços superficiais de quem realmente se é. Continuo com a minha cogitação, para evitar vir-me. Que quanto mais compatível a gaja, menos ressentimento no final da relação, por termos negado ou suprimido tanto de nós para podermos conviver com ‘ela’. Foda-se. Que no fim, apenas sobra ressentimento por termos feito tanto esforço. O maior erro da minha vida foi exactamente esse, essa mentalidade de carência onde, a arrepio da mentalidade do outro, apenas ligo à compatibilidade na cama e não nos feitios. Mas a culpa não é só minha, penso, enquanto ela usa habilmente a promessa de dentes para me excitar a glande. Elas mesmas são camaleões que reflectem a nossa própria personalidade, para que gostemos delas. Na sua cabeça justificam, dizendo que nos imitam porque estão a começar a gostar de nós. Não se sentem predadoras e fingidas, afinal, fazem o que fazem, por ‘amor’. E por amor tudo é permitido, incluindo uma lâmina na jugular. Só conta o fim, não o meio. E o fim, é a felicidade de ambos, portanto é legítimo para elas, fingir que gostam de heavy metal quando sempre ouviram kuduro, fingir que lêem muito, ou que adoram tudo o resto que nós adoramos. A falsificação do seu íntimo reverte a partir do momento em que nos sentem presos no anzol, e justificam a incongruência de comportamento, com uma espécie de relativização da ilusão prévia que criaram sobre nós mesmos. No solipcismo feminino, a boa consciência nunca perde. Continuo a vê-la através do meu olho semifechado. Não lhe vejo qualquer interesse pela minha ipseidade, mas pela minha figura, pela minha ideia. Um bloco de pedra que pode esculpir de acordo com as suas ideias. Um apartamento que pode habitar e mobilar a gosto. Não porque tenha estima por mim. Mas porque faço parte da sua check list na vida. Até como paliativo para o seu maior medo. Morrer sozinha. Tem um filho que é aviador, algures aí pela Europa. O seu plano B falhara. Na juventude, o A, foi bem-sucedido. O marido fora temporário até ao divórcio como plano de vida. Despachou o filho como exigência desse plano. Só depois do filho criado e marido despachado, é que percebeu que faltavam anos para morrer. Precisava de um gajo qualquer que gravitasse em torno dela, que gravitar aparece a esta luz, como prova de que a amam. Sem mais nada para retribuir que um bom broche e um feitio que lhe esvazia a vida das pessoas que caem no erro de lhe terem apreço. Sem vulva, não passa do pesadelo de si mesma. Despedimo-nos de manhã, com um beijo falso que me dá por congruência com a sua personagem e não por desejo dos meus lábios. Bloqueio-a nas redes sociais e meto o seu número na lista de números bloqueados. Assim é o amor entre condenados desesperados. Uma diz ‘-Ai tão bom porra!’ Outra diz ‘-Ai que delícia!’ com sotaque tropicalista enquanto amontoo preservativos esganados com um nó apressado, ao lado de sua cama. Outra olha para mim, faz uma cara de má e séria e diz ‘-Ai que bom caralhão que me fode toda.’, agarra-me os pêlos do peito enquanto se esfrega com força, de encontro à minha púbis, perseguindo o orgasmo que o seu clitóris promete. Egoísta, retirando-me o prazer da penetração profunda, mecânica, de impacto. Outra apenas se vem quando lhe belisco os mamilos com força, e se contorce sobre mim exausta, adiando a hora de retribuir a gentileza, fazendo o frete da penetração até que eu me satisfaça. Em comum, entre nós todos, apenas os ais, e o brio com que cada um persegue o coelho pela toca abaixo. Diferentes expressões do mesmo, dos trejeitos de cada pessoa, da vivência própria, da relação com o mundo e os outros. Felizmente nenhuma exagerando no auto-sacrifício de me satisfazerem, inertes e submissas. Não, procuram o que querem, e eu observo por baixo. As intermitências da tesão, não vêm por falta de desejo, mas por algum tédio, o tédio de perceber que me tentam manipular, obrigar a ceder parte da minha intimidade, apenas para ser melhor amante. Garantir, enquanto não se fartam, que permaneço por perto, gabando-me aspectos ou acções, tentando fazer o meu ego dependente delas, para que não me vá, e acima de tudo, dê aquele extra que sempre damos, quando acreditamos que a coisa entre ambos tem sentido. Embora para elas, seja um constante exame final ou vestibular, como parece que dizem no Brasil. Avaliação em progresso, sempre com a liberdade sine qua non, de mudar de ideias. ‘-Ah, acho que não vai dar.’ «-Mas disseste que me amavas e tinhas a certeza de que fomos feitos um para o outro?!» A cara dela estagna e fica em curto-circuito sem saber o que dizer, porque, bem, não sabe. Meia hora antes, agarrara no seu cu, e empurrava-o ritmicamente em direcção da minha pélvis, com ela sentada sobre mim e de cócoras no sofá. Olho para a sua cara enquanto se vem, como se a pila não fosse minha. Beijo-a, acompanhando-a na sofreguidão por ar fresco, como se ajudasse alguém de mão dada, a passar o portão da Morte. Quando abre os olhos de novo, vê que a observo, imutável, e sente-se observada e insegura. Percebe que há ternura no meu olhar, mas aquela ternura despojada de ilusão, da ilusão provocada pelo desejo. «-Tu és estranho, não te consigo decifrar.» Eu sei o que ela quer dizer. E percebemos os dois, que a minha utilidade cessa a partir do momento em que é solicitada por outro, e sabe que não me tem pelo beiço, como justificará a ruptura para si, é algo que já não me interessa, é algo, que também me entedia. Os joguinhos que temos de fazer. ‘-Quero um velhinho que me aqueça os pés no Inverno.’ Diz-me uma matrona solteirona, que como milhões delas, fez da sua solidão uma medalha, que usa ao peito, mostrando que é especial, exigente, o que exige em contrapartida alguém especial, que lhe confirme a sua especialidade. Não escondo a nenhuma que ando com outras. Mas também não revelo. Trato-as bem e dou-lhes amor. Apenas não lhes dou exclusividade. Vejo o rosto de Deus na cara de cada uma quando se vem, e macacos me mordam, se alguma se interpõe entre mim e o Criador. Muitos anos de punheta sequencial e doentia, retiraram alguma sensibilidade à minha pila. Dou forte e dou com velocidade, percorrendo o coelho pela toca de uma geografia qualquer onde a nossa individualidade se dilui, e onde somos a mesma mente, osmótica, uníssona, reverberando no Nada. Com preservativo é pior, retarda-me o clímax, e às tantas perdemos os dois, água e paciência. Às vezes farto-me de perseguir o orgasmo, e partir do 3o, já mal consigo olhar para elas. É quando sei que estou temporariamente vazio, e tenho de fazer maior esforço para fingir. Quando matei o demónio, quando está exausto, que ao mesmo tempo, me deixa ser o meu verdadeiro eu, e sem o qual, não me reconheço, enquanto recupera. Que estou interessado, vivo. Engatado. Detesto a frase feita segundo a qual a juventude é desperdiçada nos jovens. No entanto também acredito que com os anos, a imagem do mundo, das coisas, das pessoas, vai-se livrando da ingenuidade, do véu, da idiotice decorrente da experiência, que pouco mais é que comparar padrões e sentir na pele, aquilo que em tenras idades, está geralmente inacessível. O jovem recusa ser limitado por essa determinante, ter de passar por coisas que entende na sua cabeça, racionalmente, é para ele suficiente, pois desconhece, geralmente, que a casa psíquica e emocional onde habita, se alarga com a experiência pessoal. A Paola havia-me pedido para esperar por ela na Fontana dei Quattro Fiumi, e faltava uma meia hora para as 15, quando ela era suposta aparecer. Convencera-me em Lisboa, a vir ter com ela, sob o argumento de que passaríamos os dias juntos por Roma e pelo seu apartamento, mas assim que cheguei alertou-me logo que estava a lutar por um lugar na companhia de dança que sempre sonhara integrar, e por isso tinha de ir às ‘audições’ ou algo que o valha, sempre que solicitado. O que acontecia todos os dias. E nem me podia esticar muito com ela durante a noite, para não lhe esgotar a força toda, necessária para impressionar outros. Passei boa parte da semana perdido pelas ruas e monumentos, com uma filha de puta de nostalgia, sei lá eu bem porquê. Fazia questão de mexer na pedra ainda erecta, e por vezes desejar não ter vindo à vida neste tempo, mas mais atrás ou mais à frente. Andava com o meu bloco de notas, para anotar todas as ideias e situações potencialmente passíveis de gerar um texto. Sentado num banco, ia olhando para as estátuas de homens barbudos na dita fonte, e de quão longe se estava daquela masculinidade, como que se as feições captadas em pedra, me acenassem de longe, prometendo um reino de significado, inacessível aos conas da minha geração, eu incluído. Perto da fonte, uma ninfeta norte-americana, no auge da sua capacidade de atracção corporal, tonificada, sem rugas, sem pregas de carnes salientes, e um sentimento de audácia para com o mundo e as pessoas, que acentuava a chamada de atenção para si. Num rádio ao fundo, começou a dar aquela música de merda que entra no ouvido e não de lá mais sai, a música do ketchup ou o raio que seja. Comecei a rabiscar, alienado de tudo à minha volta, sobre a futilidade de uma música que pouco mais de nada quer dizer, e que visou apenas inaugurar uma moda passageira e tornar-se um ícone da mesma. A coreografia, a letra, e só uma porção do ritmo me cativava, precisamente por ter um sabor de eco pelo tempo, uma espécie de lamento por o tempo passar demasiado depressa. Eu escrevendo como ambos os sexos abusam no poder sexual, na roupa que moldada ao corpo enaltece curvas, sejam as das ancas sejam as dos bíceps, numa espécie de parada com megafone na mão, onde cada um publicita as características das suas formas de carbono, de modo a captar valor e as gónadas alheias. Lembro-me de ver o à vontade das cachopas, com roupas vibrantes e adaptação total à ficção que é o mundo de todos, enquanto, eu e a maior parte dos rapazes, lida até tarde com sentimentos de inadequação agudos, porque em essência rejeitam este mundo, que lhes exige modificação, e porque demoram mais tempo a saber quem realmente são. Ela é baixa, magra, um boneco nas minhas mãos, que mal se aguenta com a minha brutalidade carinhosa. Mas continua viva, que é mais do que o posso dizer de mim próprio, hipnotizado por um dragão atrás de uma caneca de cerveja morta…pensando em Dulcineias que me forcei a acreditar serem mais que taberneiras, mas princesas. Para eu mesmo, fugir ao tédio. |
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