Perguntei-lhe se era mesmo isso que queria. Sabes, sou de uma geração em que havia mais fé na palavra. Conheci alguns, (de facto só a mim), que acreditavam que a palavra escrita ou murmurada ao ouvido era a via mais curta entre duas almas. Cheguei mesmo a entregar textos de amor a fêmeas que me capturavam de forma tirânica, a atenção. Nos pára-brisas automobilizados, nas caixas de correio familiares, o que me impelia para a frente era a crença de que por via de uma expressão cromática de linhas pretas sobre fundo branco o reina da cueca se abriria para mim como o Inferno para Jó. «-Sim, por quem me tomas? Sou ficcionista também, deixa-te de merdas e cria, narra aqui em frente a mim.» Foda-se, esta não era uma conas e eu não ganhara tempo a amaciar a sua receptividade com esquemas de sensibilidade, olha queres bolinhos? Não pá, deixa-te de paneleirices e entrega o texto. Forma engraçada para me apelar a falar e criar pressão ao mesmo tempo. Foda-se. Não é que não tenha segurança na minha capacidade de improviso. Não. É que sei que vou sacar uma ideia que vou perder, por querer desesperadamente foder esta gaja até ao Juízo Final. Esporrar-lhe aquela boca até que peça tréguas e um escovilhão para coçar o desconforto. Não podia deixar de sentir que isto era mais que uma troca ou desafio entre duas pessoas que escrevem. Ela testava-me, ou como homem ou como personagem que só conhecera por escrito. Mas desligar a ideia de ter que ter performance para engatar o mulherão à minha frente… Mas que mulherão? Pensei eu. Não passa de carbono como as outras, como eu, como as feias. Carbono que me entra olhos dentro transmutado em corrente eléctrica, que faz libertar hormonas que se sobrepõem a toda a parafernália ilusória que passa por razão. Sim, que homem sou eu tratando os outros de acordo com o aspecto físico. Mesmo que programado por eras de antropogénese para reagir de certa forma perante o estímulo visual de uma mulher bonita. O falo tumefacto estava preso na púbis que lentamente o enredara antes da sua inspiração, e cujo desconforto causado pelo gradual arrancar de cada pilosidade, me faria descruzar as pernas, não fosse o risco de revelar que estava com um barrote que doía, desde que ela se sentara à minha frente. Lá estava eu, a pensar de novo na minha imagem na mente dos outros, que todos vivemos preocupados em ter algum controlo na percepção alheia. Porque é nos sinais dessa percepção, que validamos ou não a nossa. «-Bem, queres uma história, pois bem, mas olha que é ficção, não venhas depois achar que isto tem alguma coisa a ver comigo, que te estou a contar uma história do meu passado.» Riu-se, e eu próprio não acreditava no que dizia. «- Era uma vez:» comecei eu a ligar as peças de puzzles diferentes, e a dar-lhes palamenta e roupagens para poderem navegar e vestir conceitos. E ao começar, a entrega a ordenar as palavras como fazia com as peças de lego há tantos anos atrás, combinando-as de forma a fazer naves espaciais que não vinham na caixa das ditas peças…fazendo-o, perdia-me, a cada frase com uma nova ideia para a desenvolver de outra forma possível, de frase em frase como pedras no charco, perdendo essas ideias pelo caminho. Numa aula de Lógica fui chamado pelo seu cabelo preto, e pelos trejeitos da sua individualidade enquanto se entregava a deitar no papel os apontamentos da lição. Ou quando se levantava para ir fumar um cigarro a meio da aula de duas horas. Fascinei-me de imediato com ela , o fascínio tornou-se obsessão e dei comigo a escrever-lhe cartinhas de amor ou bilhetinhos secretos, surripiados por entre os seus próprios papeis, que com a repetição, ela passou a esperar. Detestava sentir-se observada, e fingia não ter qualquer tipo de reacção para não alimentar o ânimo do seu perseguidor. Mas eventualmente a minha escrita tocou em algo dentro dela, e no dia em que o fez, ela não esperou para ler fora da sala de aula e leu imediatamente, debruçada sobre as palavras a negro sob fundo branco, como que procurando uma voz, a minha. Fui com o Gonçalo depois da aula, comer uma bifana ao Chiado, e no caminho de volta usei uma folha de teste para escrever a letra de uma música que não me largava, tal como a imagem do seu rosto, o pensamento. Ela tinha de saber que ela e o ‘Temple of love’ dos Sisters of Mercy, eram algo que me batiam fundo. Na folha de teste escrevi a letra da canção e a manifestação do meu desejo de a cantar ao seu ouvido. Não é difícil sentir atracção aos 20 anos. Sentia por cada colega que passava por mim nos corredores da FLUL, rostos bonitos, rabos firmes, optimismo com o futuro. Na generalidade reagiam aos meus olhares com a rejeição do asco, exagerada para que não suscitasse qualquer tipo de dúvida, o que revelava realmente que um ‘não’ era um não, excepto quando reconheciam que tínhamos potencial para lhes alimentar o ego com a nossa perseguição. Avaliavam-nos o temperamento e a probabilidade de provocarmos constrangimentos no caso de nos revoltarmos com o lugar subalterno e instrumental a que nos condenavam com os seus modos coquetes, as suas expressões lacónicas e aqui e ali, as suas palavras promissoras. A arrogância da maioria, era preemptiva. Eu sabia, e não havia mal. Mas a minha admirada secreta, com cabedal preto e botas góticas, valia pelo todo e não era frívola como as frívolas das reacções exageradas. Valia pelo todo mais que pela soma das partes, era bonita, mas não de beleza comum. O ente dentro dela era meigo, mas magoado ao mesmo tempo. Escondia-se no aspecto com a adopção de um estilo em voga e comum ao seu grupo de amigos. A sua personalidade admirava-me e tentei obter dela toda a informação que estivesse disponível. Uma vez por mero acaso, descobri na Associação de Estudantes, olhar para um álbum de fotografias do ano dela, da sua entrada um ou dois anos antes de mim, e lá estava ela. Com um diferente visual, mas o mesmo rosto bonito, e uma espécie de vigor intelectual comum a todos os que entravam para a FLUL, que tinha as médias de acesso, bem altas na altura. Roubei as fotos que ainda conservo, e passei horas a estudar o seu rosto e a tentar perceber que tipo de pessoa era. Tentar conhecer uma pessoa pelos finos contornos do seu rosto, imitando as caretas e os sorrisos como se de alguma forma conseguisse replicar em mim, a vida interna dessa pessoa. Memorizei o seu olhar desafiador da vida no anfiteatro da FLUL, com papel higiénico enrolado na cabeça e a palavra ‘Filo’ pintada na testa. Praxes estúpidas e que só pioraram com o passar dos anos. Mas é a velha história, a ignorância também tolhe vítimas. Tudo nela me interessava, e escrevia longas cartas nos transportes públicos, animado pela ideia de que o amor de uma mulher é passível de ser despoletado, como chave-mestra em fechadura, com as palavras de encantamento certas. Entrar no pensamento da pessoa e depositar-me no meu novo lar, que facultaria a troca salivar e as exclamações de cada clímax futuro, segredado após um amo-te muito. Ela era alguém bastante reservado. E demorou até que falássemos um com o outro. Acabámos por nos envolver, nem me lembro bem como. Acho que um dia, me fartei de a ver à distância e me desloquei para ela e lhe meti o bilhetinho bem em cima da mão. Fui-me embora e aguardei durante semanas que me dissesse alguma coisa. Não disse. Não cedia facilmente acesso à sua intimidade e ainda tive de passar o teste de conhecer o seu grupo de amigos que incluía a irmã e um competidor que nunca chegara a ex amante e que por isso era passivo agressivo comigo. Ela esperava que eu tomasse a iniciativa e eu que ela tomasse a iniciativa. Nenhum dos dois queria repetir a experiência da possível rejeição. Vencidas as barreiras, chamava-me para ir ter com ela a sua casa, após os pais saírem para o trabalho, e tinha sempre uns vestidos verdes de renda, que eu adorava puxar para cima e entrar na sua fechadura sem cuecas e sentir o ar quente da sua boca entrar-me lentamente pelo lábio superior e para o nariz. Ela vingava-se introduzindo a sua respiração nos meus pulmões. Quando se pausava a linguagem que conhecíamos sem falar, sentávamo-nos aos pés da sua cama e olhávamos a sua colecção de livros de Filosofia, maravilhados com os assuntos que aprenderíamos após a leitura dos mesmos, e deliciados com a ideia em surdina, de vir a perceber a vida de um mundo maravilhoso à mão de algumas páginas. Eventualmente o feitiço quebrou-se e certo dia senti-me demasiado vazio ao sair de sua casa, acho que a familiaridade cria despeito. O amor por ela já não me trazia alegria. As coisas não acabaram nem bem nem mal, acabaram. Desentendemo-nos, mas não de uma forma desagradável. Apenas nos afastámos. Ela fez o curso, teve uma filha com um colega que me andou a perguntar sobre ela, coisas a que não dei resposta, e eventualmente mudou-se para os Açores, onde a progressão na carreira é mais fácil, ou menos difícil. Por alturas de 2018, tive uma situação-limite, e precisava desesperadamente falar sobre Filosofia com alguém. Estava há anos a estudar Arqueologia e havia-me deixado reconduzir a um ponto onde me faltava algo de maior pendor para descobrir não o como, mas o porquê. Todos os meus colegas de Filosofia se haviam afastado. Eu vinha de uma longa penúria por não poder falar do que me interessava, com ninguém nos 10 anos anteriores. Há coisas que só podemos falar com outos filósofos. Olá como estás, sim, foi mal o que se passou. Não devíamos falar destes assuntos, o passado…mas eu não tenho problema em falar do passado e até aproveito para dizer que se fosse hoje gostaria que as coisas entre nós tivessem corrido de forma mais fluída pois não teria terminado contigo sem ter apurado a razão do meu vazio. Vamos tomar café. Eu só queria falar de Filosofia com alguém. Tinha tanta coisa presa dentro de mim, que precisava de um ouvido que entendesse. Ela achou que o meu convite para café era mais um expediente que comprovava que todos os homens são coiotes sexuais à procura de cada nova oportunidade. Negando o encontro, talvez por achar uma deslealdade para com o actual companheiro, ignorou a minha mensagem durante um ano, 365 dias. Fiquei tão irritado que lhe escrevi um email a decompor por me confundir com um punheteiro à procura de sexo. E ao fazê-lo entendi, que se era esta a ideia que fazia de mim, ou amadurecera mal, ou ela nunca fora a personagem que eu escrevia nas minhas cartas. O Sol de Lisboa baixara o ângulo, e a cor da luz nas coisas já só me trazia uma melancolia alegre. Sílvia olhava-me, e demorou alguns minutos a esgrimir uma palavra. «-Wow!» Acenou que sim e disse: «-Gostei, se bem que me pareceu demasiado pessoal, é uma história tua que ornaste agora?» Ri-me e retorqui: «-Agora tu.» «-Eu o quê?» «-Agora é a tua vez de me contares uma história.» Ela riu-se, mas a velocidade com que puxou a saia de cabedal para baixo, mostrou que não era totalmente avessa à ideia. «-Opá, não me vais fazer isso…» Quid pro quo, disse eu, olhando para os seus olhos azuis, que se haviam alterado entretanto, um pouco mais ternos e sem reserva, mas ainda assim, ainda vincado a vontade da portadora, feliz pelo seu estado de liberdade na vida, que precede qualquer paixão.
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Debruçado sobre uma dor de cabeça, ia bebendo a água tónica que pedira antes.
Acompanhado por Miguel, que estava agarrado ao telemóvel, mantendo conversas com gajas do tinder com quem encorna a mulher, pois sabe que a mulher o encorna a ele. Desde o primeiro dia de casamento. Perguntei-lhe certa vez, se era assim, porque havia casado. Sem moralismo, porquê andar com uma pessoa, que sabemos que não nos é fiel, nem nós somos capazes de manter fidelidade com ela. Há pessoas que se dão bem com isso, eu talvez seja demasiado inseguro. Sem querer a ideia veio-me à cabeça, a mulher era algo de certo, mal ou bem não o largaria, as aparências prendiam os dois agarrados a um simulacro de vida normal, que confere aquele sentimento reconfortante de fazer o que todos fazem, para não ter de olhar para o abismo entre o que esperávamos e o que somos, até morrer. Sou interrompido pelo Mirtilo. O nome dele é Jonas, mas chamamos-lhe ‘Mirtilo’ porque era assim que dizia ‘martelo’ quando era novo, achava graça à palavra e a substituir os ‘a’ pelos ‘i’, sempre que se lembrava. «-Senta aí pá!» disse eu. Miguel olhou para cima e reforçou o apelo, e começámos a falar como se a última vez que o havíamos feito, tivesse sido ontem e não há uns 6 anos. A vida, passa por nós, e num ápice, estamos a levar terra por cima. Conversa para aqui e para ali, e Mirtilo, com uma segurança que não era normal nele. A assertividade com que dizia as coisas, a perda de curiosidade e o fechamento de espírito, revelavam que a sua realidade estava meio fechada a tudo o que de externo pudesse perigar, uma situação de equilíbrio, aos olhos dele. Eu sabia o motivo, sabia o que mudara, não cusco redes sociais, mas as redes sociais por algoritmos, colocam-me notícias de outros que deveriam ser do meu interesse. E o que mudara era o facto de ter namorada ou mulher, o que vai dar ao mesmo. Eu conhecia a pessoa. Mirtilo afastou-se dos círculos habituais de pessoas, e gradualmente deixou que a sua vida se enrolasse em torno do dedo da vontade dela. Um gajo podia levar a mal esta falha de carácter, mas creio que faz parte do ADN da testosterona, digamos assim. Somos todos assim. Parece que a gaja se torna o ponto de fuga como nos quadros dos pintores. Mais chato, é quando as gajas levantam vôo, é que eles se lembram que deixaram amigos para trás. Normalmente afasto-me, depende do tipo, se faz em consciência e mania de superioridade, ou não. Não suporto que me usem, sejam homens ou mulheres. Mas este tipo, era um puro, não se metia com ninguém e era amigo do seu amigo. Não dizia nada que pudesse ofender, apenas brindava todos os momentos com um sorriso de satisfação por partilhar os momentos, que levava toda a gente a gostar dele, e a alguns acharem-no parvo. Por dentro era uma pessoa deprimida, por demónios que só ele conhecia, um, o mais evidente, foi ter passado ao lado de uma carreira de pianista, por ter partido uma mão, que nunca mais foi a mesma, numa brincadeira estúpida de Verão. O bilhete para viajar acima da mediania, fora-se, por culpa própria, que só reforçava a sua baixa auto-estima. Estavam os dois a debater a natureza feminina, que isto aqui nos subúrbios, fala-se nisso, especialmente quando 3 gajos com alguma experiência, trocam impressões. Normalmente sou eu que animo as conversas neste tópico, devido ao fascínio que exerce em mim. Mas estava calado, estava perdido dentro de mim a analisar a maldade do mal, ou seja, a debater-me com o velho problema filosófico da natureza do mal, aplicado aos comportamentos ruminados das minhas anteriores paixões. Digamos assim. Como é que é possível que tenham feito isto, ou aquilo. Comparava o comportamento delas com o meu, e aferia se a minha análise era justa, comparando os meus erros e comportamentos com os ‘delas’. Às vezes sentia que era só o meu ego magoado e hipócrita, que havia feito muito pior crime, que o castigo judicativo imputado, noutras, não. Noutras foram mesmo mesquinhas comigo. Não vou dizer putas para não centrar a narração em conotação sexual e para não encher a merda do texto com vernáculo filho-da-puta que ainda assim é português. A língua. Uma frase não me saía da cabeça. As mulheres são cruéis as mulheres são cruéis as mulheres são cruéis. Isto contrastava com a minha anciã opinião das ditas mulheres. Para ser justo, comparava, são os homens mais benévolos. Não, procurava exemplos de filhas-de-putice feitas por homens, que me lembrasse, e não podia ser parcial na resposta idiota que procurava para a pergunta ainda mais idiota. Bom, se é só comigo, então, que real merda tenho eu que coloque o outro à vontade, para não me ter qualquer respeito. Sim, é isso, uma falta de respeito que vem de onde. Será que é uma expressão emanada da minha própria falta de respeito por mim próprio? Eles discutiam cada vez mais alto. Apenas a dor que ainda sentia pelo ego destroçado, por esta e por aquela, reconstruído lenta e dolorosamente enquanto borboletavam levemente pelo mundo, deixando-me esfaqueado pelo chão. O meu feitio torcido clamava vingança, mas o meu orgulho fazia com que limpasse o assunto da consciência, estas putas não merecem uma gotinha de energia nervosa. Tocam-me no braço para entrar na conversa. Miguel lamentava-se de uma conquista que lhe fizera ghosting, depois de ele ter ajudado com a renda da casa. Facilmente me perdi novamente na regurgitação do passado e de como para fugir do inferno solipcista, decorrente de uma rejeição, um vómito do mundo, eu engatava gajas atrás de gajas, para usar os seus olhos como reflexos das imagens que eu queria que o mundo exterior tivesse de mim. Convivendo com a alteridade da outra pessoa, apenas o suficiente para a manter por mais algum tempo, e como forma de defesa porque acabo por gostar delas e sei que se as tratar como seres humanos, com curiosidade por quem são, ou se tornam em cabras mimadas ou se metem ao fresco à procura de prémios de maior valor que eu. Acontece que procurar a alteridade do outro, é como ler uma biblioteca, mas só com um ponto em comum, o perigo de revelar demasiado interesse. É que o interesse revela ao outro, qual o equilíbrio de poder na relação, e como qualquer relação é um fino equilíbrio entre a posição vertical de ambos os termos, o interessado corre o risco de aparecer rebaixado aos olhos do interessante. A observação e estudo, tem portanto, de ser feita a encoberto, fingir uma vida superficial enquanto de forma furtiva se olha para o objecto de estudo e de amor, como um predador de informação olha para o alvo. Estudar o outro é um acto de predação e de amor, ou ligação emocional. Pelo menos até ao ponto em que a paixão crescente não elimina a capacidade de pensamento crítico. É como que ser cientista social com o nosso objecto de amor, conhecendo-lhe os mecanismos internos e como se distingue de outros indivíduos. Diz o vulgo ignorante, que isso é tornar o outro em objecto, é algo de reprovável, como se o interesse genuíno por outro fosse algo de censurável. As pessoas não gostam de se sentir observadas, além de que agem diferente, se sabem que estão a ser observadas. Portanto, há que observar sem ser notado. A rota descendente, que ocorre quase sempre, é quando começamos a perceber que o ser humano que amamos, tem sérios desafios com os seus defeitos, que todos temos. A indigência cultural pode ser detrimento para uns, a ausência de rabo para outros. Mas por essas alturas, já o anzol não permite fuga. Gostamos da pessoa, e principiamos a construção da narrativa que vai tapar todos os defeitos que lhe achámos previamente. É isto que deviam dizer quando se referem ao fenómeno da cabeça de baixo pensar pela de cima. Tornamo-nos então, por amor, os maiores algozes de nós próprios. Abafamos as evidências, endoutrinamos as nossas capacidades de análise e auto-análise, tornamo-nos os compositores das historietas que visam apenas tornar viver com a gaja, suportável. E quando olhamos para trás, queixamo-nos da gaja, que nada teve a ver com o assunto, e vemos pelo caminho, os pedaços de nós que fomos eliminando por reagirem à anulação. O amor Disney não é outra coisa senão mascarar estas dinâmicas com uma capacidade mitológica e irracional, o amor cortês, cuja premissa de base, é o amor acima de tudo, sem que ninguém consiga definir muito bem sequer, o que seja o amor. Tal como o Paraíso. De como o sexo que é dispensável, lida com a geopolítica do amor, em relação ao objecto fétiche da sociedade ocidental, a mulher. «-Pá!» Eles chamavam-me de novo para a conversa. «-Onde estás com a cabeça?» O Miguel estava mais bem disposto agora, e já debatia os assuntos que não lhe visavam exclusivamente os interesses. Indignado com a falta de vergonha de algumas colegas de secundário, que o sabendo casado, lançavam o isco. Aquela até o convidara a um passeio nocturno no jardim, que tinha o marido no café. E não foste, perguntei eu. Andas sempre em caldeiradas, era mais um troféu para contares aos amigos. Não fui nem vou, na escola não me passava cartucho, agora que está gorda e aborrecida com as suas escolhas sou eu que lhe dou desprezo. Dás desprezo, não é bem assim, pois ela não te ia sugerir isso do nada. Ele calou-se. E eu dei por mim de novo a pensar comigo mesmo, que boa parte das relações mais duradouras, devem muito ao medo de cada um retornar à selva da procura de parceiro, pois todos sabemos não só as nossas filha de putices, como a dos outros e outras. Que quando duas almas se engatam na fase enamoramento, é tudo borboletas na barriga, mas que antes é um salve-se quem puder de mentiras, intrigas e fingimentos, onde a carne é ordenada de acordo com medidas relativamente gerais de proporção e hábitos de acumulação. O mercado da carne, é um mercado no verdadeiro termo, e nem toda a carne é igual. Tem vegetais e animais vivos para venda, pode pagar-se em dinheiro, em víveres, a pronto ou a crédito. Fiquei contente por ter uma nova ideia para um texto. Mirtilo toca-me no pulso e pergunta-me, porque me vê mais calado que ele, como anda a minha vida emocional. Sabes, por observar outros e a mim próprio, o que mais me custa é a minha idealidade. Faz confusão a crueldade ou indiferença de certas pessoas, e ando de volta disso sem muito interesse em engatar as neuróticas que por aqui andam, apontei para o telemóvel. E ele disse-me que (e com razão), que se procuro peixe olhando para o céu, apenas vou apanhar o peixe que outros mandam ao ar. Tem toda a razão, eu é que me deixei tornar ainda mais calão. Foi então que a coisa descambou, Mirtilo começou a dar-me lições de como captar e manter uma fêmea, bem como da sua filosofia de vida, agora que tinha um pito estável que o validava como homem. Por estima para com ele, não lhe disse nada, até porque não adiantaria. As pessoas pensam com o corpo, e de acordo com a situação em que julgam ou sentem estar, na vida. Tive de fazer um esforço para engolir, e só consegui porque me distraía a tentar fazer a genealogia do seu ingénuo modo de pensar. Entretanto Miguel junta-se à festa perguntando se eu ainda continuava a escrever textos crípticos para engatar gajas. Eu perguntei se os dois tinham tirado o dia para me foder o juízo, que não escrevo para gaja nenhuma, mas para mim, para pensar os assuntos. Mirtilo disse que estava a tentar ajudar-me e não a foder-me o juízo, ao que respondi que agradecia mas que acho que a posição dele era ingénua. E que até nem gosto de falar destas merdas, pois é ou pode ser tomado como estar-me a queixar de algo por inaptidão própria, que é um silogismo bastante comum, não tens cona queixas-te da cona, logo estás ressabiado. Quem não se queixa da cona é porque está bem, ergo, porque tem acesso à cona. Neste mundo, o valor da vulva é tal, que até a reacção no acesso à mesma, determina o teu valor como homem. Ingénuo porquê, pergunta Mirtilo. Porque estás a narrar uma história que compuseste para ti. Compus para mim? Como assim? Então, qualquer opinião que tenhas agora é determinado pelo teu estado presente, por exemplo, se tens sede, narras as coisas, com especial ênfase na água, se tens frio, a narrativa que te sai da boca é mais particular em relação a agasalhos ou lareiras. O homem é o seu corpo e a sua situação. O jovem conta histórias de façanhas físicas, o velho de experiências passadas. Que é que isso tem a ver comigo? És uma pessoa mais aberta, inteligente e humilde, quando não estás dormente com a vida burguesa em torno da vulva. Eu sei, porque já passei por isso. Percebi que não respondia, ao contrário de muitos, por arrogância referente ao sentimento de possuir uma chave interpretativa sobre a vida, incapaz de se rebaixar ao plebeu ignorante que contesta. Não respondia por consideração, por não perceber de onde eu vinha senão de um suposto lugar de revolta, e que tudo era preferível a correr o risco de me perder como amigo. Ao percebê-lo, também fiz o oposto do que faço nestas situações, refreei-me, pois, o meu amigo não era arrogante, e, portanto, não era um alvo a desmontar. (…) Mirtilo cortou os pulsos a uma 6ª feira, com velas em torno da banheira em que haviam tantas vezes feito amor. A lógica dele era que o seu sacrifício a faria cair em si, para o erro de análise ao valor dele, que havia feito…ou de alguma forma lembrar-se dele para toda a vida, com um impacto emocional, que ele só sentira dela, nas primeiras semanas de enamoramento. Aliás, como todos nós sentimos, até ao ponto em que elas se começam a sentir confortáveis, connosco em torno dos seus dedos. Sem aviso prévio, ela decidira fazer vida com outro, que está no seu direito, mas ao ir embora da loja de porcelana, decidiu brandir um pé-de-cabra em movimentos circulares. Usou-o como desculpa para a sua hipergamia, e ao bater com a porta partiu toda a fina loiça em redor. Que eras um pobre diabo, não ias a lado nenhum, e tudo o mais que se lembrou para aliviar o ressentimento criado em relação a ele, por nunca lhe ter dado motivos para a ruptura, o novo prospecto surgira como oportunidade, mas para não se sentir mal com a sua canalhice, tinha de culpar Mirtilo, nem que inventando os pretextos. Borrifando-se para o efeito nele. Várias vezes ele ia ter com ela, à entrada do seu trabalho, na esperança que ela abrisse o vidro do carro e combinasse uma hora para poderem falar. Ele simplesmente não percebia como as coisas haviam mudado tão repentinamente, e como lhe havia causado o mal que ela dizia que tinha causado. Queria compensá-la e começar tudo de novo, em pânico por perder a mulher que o fazia sentir seguro por existir. Quanto mais se humilhava, mais ela lhe perdia o respeito e lhe fazia ver ostensivamente o quão acima dele estava, fingindo que não o via, rindo-se e de repente fazendo cara de enfado se os olhares se cruzavam na rua. Mirtilo foi para a cova sem saber qual havia sido o seu crime. Ela não foi ao funeral, e amigas do casal desculpavam-na, dizendo que era melhor assim, para não criar perturbações, que era digno da parte dela. Eu apenas disse bem alto no velório, não, ela é apenas uma puta que não passa por gente. O gajo lembra-se da novela ‘ A Guerra dos Sexos’, e lembra-se do Baldaracci. E de quanto achava que o termo ‘guerra’ era exagerado, pois no fim vencia sempre o amor. Ora se a guerra é sempre uma luta entre dois termos no qual ganha sempre um terceiro, o ‘amor’ é capitalista. Para haver guerra o segundo termo, que não eu, tem de ter força para me fazer frente. Acontece que nenhuma mulher me faz frente, sem que eu a deixe. Ergo, controlar a minha fraqueza, é controlar o desfecho da guerra, e portanto, o homem livre é o que controla o seu desejo, mesmo a potenciais expensas de nunca deixar os seus genes reproduzirem-se, e fazer assim feliz, a sua mãe. A dona de útero ganha duas vezes, se fornica e tem prole, ou se tendo prole, aguarda pela reprodução da mesma. O não portador de útero está fodido, ou convence uma portadora de útero, ou torna-se rémora, desenvolvendo ele mesmo essa capacidade que não tem. Eu brincava com os pelos do meu peito, de encontro à parede, e olhava a reunião de amigos não meus, enrolando a minha camada pilosa em cornucópias copiosas. A quantidade de putaria que se me apresenta hodiernamente, com vontade de foder, leia-se, de esguichar os últimos cartuchos de oxitocina, usando-me para o efeito…estarrecem-me totalmente. Dou comigo a pensar no completo desprezo que a minha amante de ontem, me vota. Prefere apaparicar os que a desprezaram e pelo caminho comeram, como forma de mostrar que lida bem com a rejeição, que não ficou qualquer tipo de ressentimento. Ou como diz o vulgo, não dar o braço a torcer. Estas putas lidam tão mal com a rejeição como eu. Honra aos que as tratam como tal. É guerra, não existem paliativos ou excepções. Já que eu tombei em combate, que outro prossiga. E que as aniquile em género, o que eu não consegui por fraqueza minha. Ah odeias as mulhe… vai para o real caralho que real te foda. Acabei de vir de um funeral onde um amigo se anulou por causa de uma gaja que nem ao funeral foi. Que merda pode ir na cabeça de pessoal, que coloca a mulher…como deusa, acima de si. E vejo isto nos mais novos. E quando lhes falo de liberdade, olham como se fosse um estrangeiro em terra distante. Que farias tu, se ela fosse tua filha? Nada, porque era algo programado em ti para aceitar. Choraste inúmeras vezes sozinho no teu quarto, pela crueldade de outra, ou pela fragilidade própria que não conseguias conter. Afinal nada tem que ver contigo, mas somente com o mundo. Com a propaganda que te gravaram a sangue. É guerra mano. Guerra, sem apelo ou sem quartel, mesmo que te digam que cada indivíduo é um indivíduo. A mulher só respeita a força. Vê a fábula do ‘A bela e o monstro’. Os monstros hoje em dia são garotas co dependentes. Vão às compras com elas e pintam as unhas. Perdeu-se a fidelidade à tribo, onde todos os dias cada homem dependia do próximo para sobreviver. Com a sobrevivência garantida, os outros que se fodam se eu consegui a ‘cona’. Prémio máximo do universo e arredores. Não estou magoado, por esta puta andar aos caídos, e continuar a mesma peça de teatro em que não acredita. Estou mesmo, indiferente. Não por um estado de ilusão prévio, mas mesmo por pena de um outro ser humano caído num redemoinho que desconhece existir. Eu alertei, falei com ela longas horas acerca do encargo de ter uma alma. Mas ela, só pensava na pila do prémio, nem eu a pude valer. Deixa. Perdido por 100, perdida por 1000. Enquanto não souber, ainda consegue alguma felicidade, se a desejo infeliz? De todo. Que o porco continue feliz no esterco. Até a Vera foi capaz de remissão e arrependimento. Esta, desconhece por completo o que seja ter uma personalidade. Ai odeias as…vai levar no real cu, com essas afirmações. É destas que gostamos, das que comem gelados em Vilamoura, como se fossem as ostras deste mundo. Para quem tem olhos por detrás do rosto, vê que esta gente é cega. Deixá-las andar. É nesta merda que nos fazem acreditar... As últimas semanas haviam sido difíceis para toda a gente. Os russos, que é o nome que os outros europeus dão aos europeus dos Urais, tinham feito o que haviam dito, castigando a Lituânia, desencadeando uma militarização do resto do continente, com todo o fogo de artifício a ficar no maior grau de prontidão. Misseis balísticos de um lado para o outro como se uma orgia de recadinhos de namorados em tempo de correio postal a cavalo. Era uma questão de tempo até um desses mísseis levar uma surpresa radioactiva. As pessoas andavam tensas nos supermercados, e toda a gente pelos jardins, esplanadas e carreiros usuais, parecia estar à espera de algo. Talvez de um fim rápido. Talvez de algo adivinhado de há uns anos a esta parte, mas desde que haja cerveja, bola e sardinha assada, tudo se aguenta. Estava em casa e já contemplara várias vezes a minha morte, portanto se a mesma ocorresse no espeto ou na brasa, não era indiferente, mas também não era nenhuma tragédia. Dava comigo a pensar noutras pessoas com muito mais investido na vida que eu, empréstimos, filhos, negócios, deve custar muito mais, morrer com tanto investido nesta terra, que pouco ou nada ter e até isso perder. Não me alegrava a ideia, mas fazia-me ver o quão cruel havia sido comigo mesmo. Depois tive a mais estúpida das ideias, mas que é tão minha, que é não relativizar as ligações emocionais passadas. Liguei para a Patrícia, e pedi-lhe desculpa se havia sido cabrão ou injusto com ela. E que me lembre, era a única que merecia as minhas desculpas. Mas faltavam as outras, porque haveria de ligar às outras? Dá-me vontade de designar como ‘putas’, ‘cabras’, ‘vacarronas’, e a minha preferida, ‘bardajonas’. Isso é bom, pensei comigo, se lhes tens ódio, é porque ainda as amas. Foda-se, não sei se era isto que me preocupava mais ou a bombinha de Carnaval a caminho. Toda a gente normal, come, digere caga, e não volta a falar ou pensar no assunto. Que bicho sou eu que rumino em 7 estômagos a comida do passado. Que pernoito em toda a informação disponível, que me confirme que estão bem, que estão vivas? Ainda recentemente, uma, achando que um dos meus textos se referia a ela, vedou o perfil do Facebook à minha pessoa, para eu nada saber da sua vida ou ela da minha. Gente. Gajas. Mas elas têm razão, a maior parte dos homens é um constante ping a ver se pinga sexo. Não tenho nenhum símbolo na testa e, portanto, não pareço diferente. E às vezes até, me sinto ofendido por me tratarem assim, genericamente como que não me reconhecendo com a diferença que não faço questão de ter. Uma ou outra de vez em quando liga e após algumas perguntas supostamente ingénuas, sei logo o motivo da chamada. Não é por saudades, te garanto. É por algo ter corrido mal, e necessitarem de buscar o conforto de uma nova lista de potenciais pretendentes, como Penélope. Mas eu também não sou Ulisses. Vejo os memes nas redes sociais, sobre o mito da ininteligibilidade do quer que seja que as mulheres querem. Acho que é mais difundido por homens que por mulheres. Dá aos inaptos uma desculpa por não perceberem. A mulher, como o cão, como o canário, como eu, como tu, quer naturalmente, o melhor da vida. O homem quer a mulher. Esta equação simples, é o motivo de tanto suicídio e homicídio e adultério, que anda por aí. O homem, é o utensílio com o qual as mulheres mostram às outras serem ou não superiores. Quanto melhor o homem, melhor cai o rimmel. Os gajos não diferem, gostam de mostrar que são amáveis por uma mulher bonita. Homens e mulheres querem agradar tanto ao mundo, aos pais, aos familiares, fazê-los felizes, que subsistem em relações infelizes para descansar os pais, que de outro modo pensariam que tinham a prole encalhada. Os amigos, alguns, gostam de ter amigos, para provar a si e a outros, que têm amigos, têm algo de estimável, pois a solidão não torna ninguém amável ou estimável. E quanto mais choras neste mundo, mais ele te vira as costas. Se te rires, ele dá-te corda para ver se te enforcas, tens de ser maniacamente bem disposto, para a vida ter respeito por ti. É tudo uma troca de energia, por amor de pais e familiares, usamo-nos uns aos outros como adereços de peça teatral. Em vez de procurarmos no Outro, razões para o amarmos, procuramos o oposto, de forma a nunca ficarmos em suspenso, com maior ligação emocional, que o Outro a nós. É a isso que chamamos poder. Era nisto que eu pensava quando passava pela minha lista de Penélopes passadas. «- Oi como estás. Estou a ver esta merda malparada, estou a ligar-te para te dizer que não te guardo nenhum rancor, e foi bom ter partilhado amor contigo. Podia dizer que és uma cabra sem carácter, ou um desperdício de oxigénio, mas não o vou fazer. Tens a mesma agência na tua vida afectiva, que uma criança de 3 anos têm no acto de abrir uma lata de atum. Podes nem achar que existe motivo para isso, mas perdoo-te, vemo-nos noutra vida.» Vá Putin, solta lá esses supositórios ardentes, no cu deste mundo. Uma ou outra não desliga do telefone e até responde: «-Possa João, após estes anos todos ainda me amas?» Estivemos horas a falar. Adiei a minha ida para casa. Havia-me comprometido comigo a não limitar esta mulher para lá de atraente, a um belo engate. Afinal, ela escrevia, e isso era algo que em mim, era mais valorizado que uma boa herança genética. Prometi a mim próprio, dar a este indivíduo, a possibilidade de exprimir as suas ideias, sem que eu o classificasse apenas no campo sexual. Mas, a quem engano eu. Faço sempre isso, até eu próprio desclassificar a pessoa por não conseguir respeitar as suas ideias. Ou melhor, eu não desclassifico a pessoa, constato é que a receptividade do seu ser, não inclui a minha partilha de ideias. O que é um corpo que não recebe as nossas ideias, senão um receptáculo de esperma? Ah, mas espera, tenho aqui uns conas indignados por esta afirmação. Dizem que as mulheres não se reduzem a uma mera bipolaridade no que concerne às nossas excreções. A sério? Não sois vós, os mais abjectos entes, que visam agradar de qualquer maneira, de forma a obter o que intendes? Cona e validação? Não estão vossas mercês dispostos a ludibriar o humano de sexo feminino, se e somente se, no fim do arco iris ocorrer um orgasmo por via da cedência da contraparte? E que por essa cedência, sois capazes de matar o próximo e os que vierem a seguir a ele? Ide-vos encher de moscas. Não és sofisticado, és só mais um cabrão que engana mulheres e anula outros, só para teres a tua dose. Não és o bastião dos direitos humanos, és apenas mais um egocêntrico de merda, que capta o vento para onde quer que ele sopre. A ‘não estratégia’ é a tua estratégia. Ceder e esperar que te respeitem por isso. E quando as apanhas na horizontal, vais-te queixar ao mundo que não te sentes desejado incondicionalmente, quando as coisas invariavelmente acabam. Pudera, és um objecto. Não um homem. E eu sei. Sempre soube, e é por isso, por não poder evitar, que sempre as antagonizei. Sou cá um teimoso. Sempre visei uma reacção emocional negativa como via de ligação emocional positiva. Que isto de nós macacos só assim é que funciona. Teria mais sucesso de outra forma, mais maleável, adaptável, agradável. Mas isso seria fácil, seria dar o que sabemos que querem. O genuíno, a verdadeira ligação, está quando amam por nos odiarem. Isso, é verídico. O resto é manipulação, e sim, sei que não entendes um caralho do que estou a dizer. O que interessa é que sou gato escaldado. De todas as vezes, as lentes do amor ou da tesão, permitem que eu dê dignidade ao que a(s) gaja (s) diz, para depois, muito tempo depois, recriminar-me por deixar essa mesma tesão, amor ou desejo, me tenham toldado uma análise fria do afirmado. E uma análise que me dissesse, que a tipa, era uma imbecil. É que isto do verter opiniões para o éter, depende somente da convicção. Uma que me informava da evidência acerca da não esfericidade da Terra, quase me levava, por causa da certeza com que dizia o que dizia. Valeu-me Eratóstenes. A convicção com que dizem imbecilidades, aliada à autoridade que lhes damos por terem vulva, é o que permite muita imbecil continuar a sê-lo, mesmo quando o espelho egrégio já não lhe tece poemas ao ‘asspecto’. E até que se banhem na refrescante liquidez da realidade, demora um tempo. Por isso algumas tentam fazer durar o período de ilusão, colocando condições. Olha, não faço pilas hirtas senão a rebarbados, mas se queres sexo sardinha, tens de saltar, rebolar e dar a pata. O Tinder, Bumble, etc, estão cheios de ‘destroçedo’, (leia-se gajedo que não se importa de anular a tua individualidade em proveito próprio) que por mais pilas que conheça, acha sempre que não envelhece, não caminha para a cova, e que cada ano é uma medalha. Se defendo que as pessoas devem ser avaliadas pelo que despertam nos outros? Não, mas o que eu defendo e o que o ‘mundo’ é, são coisas diferentes. Quantas já não me disseram, ‘-Cu? Não, isso foi para o pai dos meus filhos.’ E essas, respeito porque foram honestas. A resposta à pergunta apenas me fez perceber em que posição estava eu na hierarquia das suas coisas. Nada de mal nisso. Não finjas que sou o céu e as estrelas, se amanhã encontrares firmamento melhor. Ah és calculista e testas, podes crer puta, que testo e jogo jogos, e por mais que digas que isso não é de homem, não me envergonhas por fazer o que fazes. Se para cada puta, puta e meia, então, não levas a mal que te supere no teu próprio jogo. Passavas por mim, ali na rotunda de acesso a São João da Talha, tu saindo da C+S onde dás aulas, e eu vindo de comprar a ração do gato e da cadela, e fazias trombas e fingias que não me vias. Convencida até ao caralho mais longo, de que eras de um barro diferente ao meu. Professora de inglês e alemão, viste-me um dia na TV, numa entrevista ao vencedor de um prémio literário de merda. Pois ah caralho, se não me começaste a inundar o Facebook de elogios, likes e comentários da treta, que em mulherês significa, quero que me preenchas o espaço que te ofereço entre as pernas. Pois eu, e qualquer outro, indaga, o que mudou? Só por me teres visto num ecrã de televisão? Por ser ‘famoso’? É por isso que me consideras um prémio? Por outras considerarem? Árrefoda-se. Mas ok, lanço a escada, tomemos café e falemos do sexo de Jesus. Três, quatro olhares, e achas que me fizeste a pinta, que para te levarem para a cama têm de demonstrar que te merecem. Amiga, se achas que esses quatro lábios pendurados são algum prémio na existência, podes oferecê-los a outros. Saio da mesa, pagando a conta e desejando-te felicidade, com algum prazer por ver a tua cara de surpresa. Mais do que teres um contraponto às capacidades de merda de avaliação, a que dás demasiada exactidão, tentas ler no meu rosto se me senti ofendido ou ainda há forma de conseguires levar de mim o que pretendes. Ok, se não levas o braço, talvez consigas levar a mão, quando um dedo para ti, seria suficiente. Ai que eu não sou assim, e tu és especial por conseguires o que queres tão rápido. Quando acordamos de manhã e fodemos de novo, faço questão com que batas com a cabeça na cabeça da cama. Depois arrependo-me porque te reconheço humanidade, e não sou como tu, uma puta implacável. Eu que te reduzo a um depósito de esperma, tenho mais respeito e amor por ti, que tu por mim, que me colocas a seguir ao teu ex marido e filhos. Os filhos ainda entendo, mas o resto? Mas que sou eu nessa mente insana que as tuas amigas gabam como pragmática? Que não gostes do sabor da pila? Amiga, isso entendo até demasiado bem. Não gostas, não chupes. Agora achar que a tua vagina sabe a rosas vai uma longa distância. Sim, mijas por aí, e a cada acto de sorver meu, achas que não te mereço porque sorvo o local por onde sai o mijo. Que por te lamber o ânus, sítio anatómico com maior presença de terminações nervosas, mais que a ponta dos dedos, achas que sou filho de um deus menor. Um homem com valor não faz minetes nem botões de rosa. Farto-me de rir com as mulheres. Desdenham os gajos que lambem o seu esfíncter, mas põem na cara merdas bem piores e mais nojentas. Desdenham as tentativas dos lambedores de cu em lhes dar prazer, em soltar para a sexualidade (que erradamente não interpretam como reduzido interesse por parte delas), mas abraçam quem as despreza. É uma lei da vida ao que parece. Para ti um homem de valor, é aquele que sem te tocar, te manipula. É no fundo, aquele que não é determinado pelo ideal. Sabe como és, e te usa nesse paradigma. Apenas respeitas quem te usa a natureza que não entendes, à qual, por isso, não podes escapar. Mas também podes ser aquele tipo de pessoa, amaldiçoada pela Existência, cujo existir não provoca qualquer tipo de alvoroço nas estimativas dos outros. Se és homem, és invisível para as mulheres, ou pior – és objecto, se fores mulher, és comida e largada a não ser que escolhas alguém com o mesmo nível de energia ou frenesim para a vida, e então, escolhem uma vida inteira em comum a amaldiçoar os outros e a vossa sorte. Se tiveres sorte, se não tiveres, bem, vais sendo prémio horizontal no currículo de muitos, até ao ponto da tua vida onde o teu aspecto já nem a ti, agrada ao espelho. À noite, ao jantar, com amigos ou família, naqueles restaurantes finos onde todos se esforçam por parecer bem, de peito cheio para com o sucesso na vida, sentem-se melhor, pois estão no seu elemento, que rapidamente amarga, quando o silêncio deixa de ser fuga para uma importância que a vida teima em não dar. Um toque na minha mão, acorda-me deste torpor cogitante. «-Gosto do que escreves. Mas acho algo cru. Martelas os textos? Passas algum tempo a rever?» «-Não, como sai é como fica. Chamam-lhe escrita automática ou criativa, ou lá o que é. Eu chamo-lhe ‘preguiça’.» «-És capaz de sacar um texto, assim do nada, a qualquer hora?» «-Acho que sim. Nunca tinha pensado nisso.» «-Conta-me uma história inventada agora.» Nunca tinha pensado em fabricar uma historieta assim à pressão. «-Pode ser sobre professoras de Filosofia?» «-Sobre o que tu quiseres.» A soirée caminhava para o fim, para mim. Começara como sessão de autógrafos num prémio literário, com os primeiros 10 escolhidos. A única coisa que eu havia ganho, foram umas tostas com paté de atum, e um champanhe, ou gasosa sem açúcar (nunca sei distinguir), estranhamente boa. Antes de me fazer ao Metro para a Estação do Oriente, sentei-me na poltrona com duas taças do beberete. O fresco escorregando pela minha mão, e refrescando-me com o efeito gasoso esófago abaixo. Menos mal, iam editar uma colectânea e o meu trabalho apresentado a concurso, era um dos textos escolhidos. Peguei em mais dois copos, de um tabuleiro ambulante que passou perto, acompanhado por um rosto bonito e simpático de ocasião. Morena, com o cabelo apanhado à moda espartana, repetia o mesmo sorriso ensaiado, com o mesmo resultado, espalhando magia para todos os homens ainda vivos da cintura para baixo, onde todos somos irmãos, segundo Miller. O Sol poente inundava-me os olhos, trazendo-me dois amores para dentro de mim, a Luz e Lisboa, que me enchendo a alma, confidenciavam um seio de Tejo lá ao fundo, por entre umas colunas marmóreas rosa salmão, que ejaculavam para o chão em redor, raios luminosos em dança alegre. Aliviado de alguma forma pelo inebriante líquido e pela imagem fantástica desta soirée ao fim da tarde, fiquei feliz por um momento epifânico que sem sombra de dúvida, tinha feito valer a pena, percorrer a cidade escaldante no mês de Junho. Haviam-me dado um exemplar do dito livro de colectânea e perfeito seria aproveitar os momentos para reler algumas linhas minhas, vaidoso como sou. As letras negras ganhavam um sentido poético, neste ambiente, e na minha cabeça, de onde haviam saído. Senti um pouco de orgulho, pela qualidade do que produzira, e só por isso valera a pena, as bebedeiras, o chover no molhado, o partir pedra sobre eventos passados, sobre as falhas imperscrutáveis da minha personalidade, sobre o pço fétido dos meus defeitos, e acima de tudo, sobre este amor-ódio que aparante ser dirigido às mulheres, e não ao que de facto é, um choro sobre o leite derramado do romantismo. Ser romântico dava-me um ponto de fuga à racionalidade. É verdade o adágio, ou tens a verdade ou a felicidade, as duas ao mesmo tempo não. E eu sempre escolhi a verdade. Será? Sou mesmo capaz de dizer ao meu alter ego que não sabia de facto como as coisas eram? Se for honesto não. Sei desde pequeno que é relativa a ligação dos indivíduos, baseada na química pura entre dois entes. Existe sempre um contexto. Nenhum mal há nisso, desde que o aceitemos sem reservas. E quando o aceitamos sem reservas, a vida baralha as cartas de novo e lança-nos dados novos que contrariam a crença anterior. Sou é teimoso. Às tantas, prendemo-nos tanto a uma ideia, do que deve ser, como se esse dever ser fosse parte de uma forma de ver a vida em trono da qual nos construímos. Quando a ideia se desfaz, somos nós que jazemos no chão também em pedaços. A crença no amor romântico oferecia uma fuga, análoga a Deus, do encontro norteado por uma ideia de Destino, de duas almas que se encontram no meio da aleatoriedade do tempo e do espaço, e que escolhem não se largar até a uma separação final. Se calhar, este desejo de amor fusional, mais que uma dança, era para mim, por via da aceitação de um par amoroso, da minha pessoa, no fundo, um sinal dos Céus, de que a minha vida não foi em vão, e que a Providência não se esquecera de mim. Mim, mim, mim, não vêm todos os problemas e milagres do mundo, deste sentimento de ipseidade que nos abandona só em certos períodos do sonho? Mais dois copos do delicioso autómato de rosto feliz que circula aleatoriamente pelo lugar. Em torno, as macacadas do costume, avaliações de quem é quem, de quem manda o quê, as catadelas sociais sem piolhos ou pulgas que o valham, ou como se diz hoje em dia, ‘criação de sinergias’. Algumas pessoas olhavam para mim, com um olhar reprovador, um barrasco emborcando fresco líquido, como se não houvesse amanhã. Em vez de participar nos mesmos jogos, a fazer figuras a um canto. Dou por mim a pensar porque dou importância ao que os outros podem pensar, e como estrago um momento em que estou tão feliz e contente comigo mesmo, deixando a mente vogar para o efémero, guiado por ressentimento. Retomo o estado de felicidade, ao lembrar que pelo menos lembrei-me de não seguir esse coelho toca abaixo. Rapidamente retomo o estado de espírito anterior, sem que o mundo, ou a vida me possam roubar o biscoito do contentamento. Digo para mim mesmo que este é o momento de usar uma consciência fotográfica, para recordar mais tarde e não poder dizer que existir foi completamente mau. Pelo contrário. Alguém se senta à minha frente, tapando a luz que me banhava, com uma cadeira trazida pela própria, de uma mesa próxima. Encandeado pelo Sol, demoro a conseguir ver a figura. A pessoa que se senta à minha frente, assim que as minha pupilas fecharam o suficiente me permitiram ver, é uma das mulheres mais bonitas que já vi na minha vida. Saída sei lá de onde, não a vira nas duas horas que ali estivera, e teria dado por ela, com uma saia de cabedal preto, com uma superfície que mais parecia vinil preto, brilhante quase como um espelho de trevas. As ancas delas estavam encaixadas de forma perfeita dentro do negro invólucro, e eram umas pernas tonificadas sem exprimir masculinidade hipertrofiada, feitas a cinzel, a escopro, ou a colher de pedreiro, não interessa, o escultor só podia ser Deus. A blusa era azul-escura de onde se viam uns ombros bonitos, brancos, tonificados também, por entre um cetim. Esta mulher não tinha um pedaço de carne flácido, nem se devia sentir intimidada com homens maiores que ela, pois era não só uma ode à biomecânica e à geometria das proporções, como era uma atleta. O rosto exprimia um sorriso enigmático para mim, apenas com uma janela por onde o branco dos dentes espreitava por entre o vermelho vivo dos lábios carnudos. O cabelo era loiro platina, mas as sobrancelhas eram castanhas-claras e meticulosamente tratadas. Os olhos, pintados com sombras negras nas pálpebras com uma mistura qualquer azul carmim, criavam um efeito hipnotizante, enigmático e sedutor. Que mulherão. Os sapatos pretos, todos abertos, expunham uns pés bem feitos, sem dedos encavalitados, todos certinhos, decrescendo harmoniosamente à medida que se dirigiam para o rebordo da sola. Até o mindinho dos pés, tinha a unha completa, e envernizada com um tom de carmesim que ajudava a compor tudo o resto. «-Olá, João, chamo-me Sílvia.» Do espanto passei à suspeita. «-Vejo que já sabes o meu nome, mas não estou a ver quem és.» «-É natural que não te lembres. Estamos próximos e apertadinhos um no outro, mas nunca nos conhecemos.» Sorri, como se soubesse exactamente qual seria a minha reacção. Fiquei sem palavras, e sem sequer conseguir percorrer o rosto dela à procura de algum contorno conhecido. Após alguns momentos em que fiquei perdido num estado de perplexidade, ela alivia dizendo: «-Sou uma das autoras da colectânea, o meu conto vem logo a seguir ao teu.» «-Disseste que estávamos apertadinhos um ao outro e pensei que…» Soltou uma gargalhada. «- Eu fiz de propósito, é tão engraçado ver os homens a braços com o peso da memória sobre as mulheres passadas, além de que tudo que tenha um remoto aroma a lúbrico, vos faz focar a atenção.» Não gostei do «vos». Não gosto de generalizações, embora tenha de as aceitar, pois também falo demasiadas vezes nas ‘mulheres’ ou na ‘deusa’, relativizando os indivíduos. Ela prossegue, «-Mas há verdade no que disse, eles meteram o nome dos autores no início de cada conto e depois no fim. Se fechares as páginas nossos nomes se encontram.» A princípio, achei que ela fosse uma forma de furto, ao momento que eu estava a ter, mas as palavras que ia ouvindo, só me revelavam sob o seu sentido aparente, que Deus estava directamente a olhar para mim, e a divertir-se como criança, criando um punhado de momentos em que testava a minha inépcia em lidar com demasiada beleza em todo o ambiente onde eu jazia. Há uns 15, 20 anos atrás, facilmente chorava por pensar sobre a beleza do mundo.
Agora acontece o mesmo, mas só pensar sobre o seu carácter trágico. A mesma resposta emocional, a uma alteração de mundividência. E nestas coisas, como é abençoado o ignorante. Tinha ido com a Francine ver o último filme de dinossauros. Nã nã, prefiro filmes de ficção científica, mas como esta gaulesa se tem portado bem, não regateando sexo oral, e fingindo além do que é necessário, desejo genuíno, recompenso-a, como a um cão, com uma guloseima. A experiência de namoro, com pipocas, mãos dadas e tudo. Experiência em que já não acredito, porque sei que nós, animais relativamente complexos, temos agendas próprias além da consciência, e portanto, os amores duram enquanto ambos os lados têm algo a ganhar com o outro. É o que é, e só me custou deixar morrer o romantismo, que sob certo ponto de vista não passa de uma mentalidade de carência. Tal como Cristo, a partir do momento em que me libertei da necessidade da cona, apaixonei-me pela vida e deixei de ter um objectivo. Restavam-me as memórias dos meus estados de espírito passados. Ruiva como só ela consegue ser, Francine traz pipocas e coca cola, sorridente como só uma gestora de HR de uma multinacional pode ser. Não queria vir para aqui, mas apaixonou-se por Lisboa, e passa metade do ano com dificuldades em respirar por causa do calor. Onde vou com ela, seja dia ou noite, os autóctones viram as cabeças, alheios à minha presença que marca posse, quem sabe se por causa do vermelho vivo natural dos cabelos, e não pintados, para o mesmo efeito de captar atenção e disfarçar o grisalho, como acontecia no caso da Sónia. Às vezes dava-me para rir, certa vez tive que encostar as costas da mão no peito de um, que quase me atropelou para meter conversa com ela. Nem foi pela tentativa, foi por quase me ter pisado. Mirou-me de alto abaixo e leu mal a capa do livro. Só quando lhe esmaguei duas falanges da mão que discretamente lhe capturara, é que o gajo caiu em si, e percebeu que existem, ainda, limites, e comportamentos inaceitáveis em sociedade. Podia ter-lhe partido a mão, bem como podia ter levado um tiro na têmpora. Eu não sabia com quem me estava a meter. Mas antes ir para casa morto, que alguma vez a sentir-me cobarde. Não estranhamente, Francine ficou toda molhada, e não descansou enquanto não fodemos num lance de escadas em Marvila. Estava eu a roer uma pipoca não abortada, quando o Raimundo, colega de há longos anos, da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Lisboa, me cumprimenta. Efusividade, recordação dos bons velhos tempos, actualização da nossa vida para outros, é pá então não vais dar aulas, epá não, fartei-me dessa merda, etc. Apresentei-lhe Francine, e fomos todos às nossa vidas. Depois de a deixar na Estrela, vim para casa a pensar nesta vertente da minha vida, de professor, e se não devia voltar a leccionar. Não tinha paciência para a vida de merda dos professores de secundário, mas por outro lado gostava de transmitir o meu fascínio pela Filosofia e História, à malta mais nova, ainda que tivesse que lutar contra marés hormonais, para as quais não tenho a mínima paciência. Além de que as minhas colegas, eram na maioria ou mal casadas ou solteironas à espera de fodanga. Essa era a minha maior motivação, meter professoras vestir de enfermeiras a gritar com orgasmo. Fiz uma nota mental para considerar seriamente o assunto. Entretanto ligam-me da Prosegur, que um colega tinha metido baixa, que precisavam de mim para ontem. Eu já me esquecera que era ‘efectivo’ na Prosegur. Não lhes entregara o registo criminal, para evitar que me chamassem, pois estava a estudar e a elaborar a tese de mestrado. Parece que quando o cu está apertado a legislação se torna acessória. Precisamos de ti na rub n’ bear dos Olivais. Ok, lá estarei, foda-se. Nessa loja de roupa, ia metendo conversa com as africanas da limpeza e com as repositoras, sondando como serial killer, a recepção para com avanços de um gajo barrigudo próximos dos 50. Apenas uma, a Cláudia Silva, me dava troco, mas não por me ver como ser sexual. Gostava que as colegas a vissem como ser social bem-sucedido, o que implicava falar com toda a gente, incluindo com o segurança. No seu microcosmos de hierarquias, eu era um adereço, que seria fácil tornear, mas para o qual nem eu acreditava na minha satisfação se me envolvesse com ela, pois por instinto já aprendi que depois do orgasmo o silêncio ruidoso de não ter nada a ver, é pior do que bater uma punheta. De modo que brincávamos os dois um com o outro, ela a ver se me tirava do sério, de forma a cometer actos visíveis do meu desejo, e assim subir ela na consideração das colegas, e eu, a ver se ela se abria mais comigo, amaciando-a e tornando-me parte da sua vida até ao ponto em que nos confundiria a ambos. Infelizmente, era o penúltimo dia ali, e todo o esforço se diluiria pelos meses futuros, mas ao menos tinha-me animado nas tardes monótonas de Julho a Agosto. Numa delas, quando saio de serviço, deparo-me com Raimundo, que após as confissões de morar perto, me olhou de alto a baixo e expressou felicidades futuras e foi à sua vida. Fui para casa a pensar de novo, cagar para esta merda toda, e ir dar aulas. Sei que não é a melhor altura para pensar nisso, após um turno de 11 horas onde levamos com imbecis que não querem desinfectar as mãos, ou com mentecaptos que não querem esperar numa fila decorrente da limitação do número de clientes dentro de uma loja. Tento demover-me, nas tréguas de um semáforo, lembrando a paciência necessária para aturar encarregados de educação. Do que me levou a esbofetear um, que achando que eu era um funcionário público, me veio gritar demasiado próximo da cara. Amigo, você é um tirano para o miúdo e é por isso que ele não levanta a nota. Não gostou, e achou que estava a falar com uma dondoca de germanísticas. Após 3 avisos para que não se aproximasse, a bofetada projectou-o por cima de 2 secretárias da C+S. Quando se levantou avisei-o de que à próxima, a mão estaria fechada. Avisei todos os outros de que na minha presença nenhum professor seria agredido ou desrespeitado. Apesar de tantas testemunhas e do carácter de autodefesa, no dia seguinte fui dispensado da escola. Voltei à actividade que me pagara as propinas. Bem, esqueci o assunto e enterrei-me na cama até ser meia-noite e as dores nas pernas terem sido apaziguadas. Meia hora depois liga-me Francine. Bem pensado, meia-noite de foda era o ideal para me libertar a tensão. Combinámos a minha ida depois do jantar, ao que ela me confidenciou que Raimundo lhe pedira amizade no Facebook, o que só podia ter acontecido por ser meu amigo no Facebook. Disse-me não me leves a mal, mas eu vou-te mandar um printscreen do que ele me disse. Olá. Que coisa estranha. A solenidade na voz dela, deixava-me alerta. Ao ler, via que após ela o ter aceite, ele iniciara logo com um olá, como estás vamos tomar café. Neste ponto eu já seguia pela estrada para passar a noite com ela, e ali no Poço do Bispo, parei para cogitar melhor sobre o assunto. Um gajo que me conhece, que me vê com ela, que vendo os posts dela, me vê identificado no teleférico da Expo, no Cristo-Rei, na Torre de Belém, etc., sabe perfeitamente que a miúda está ‘tomada’. O meu ego diz-me que é uma questão de desrespeito pessoal. Mas eu sei que não é. O ego faz só o papel de familiar tosco, que evita por todos os meios que eu saia magoado do quer que seja. Algo de mais sinistro é expresso pela minha intuição. O grau de solidão de um homem levado a ver como viável, tal opção. O desespero de abordar o que parece a mulher de outro, como forma de aliviar a própria falta de alguém. O Raimundo não é um engatatão. Não é claramente um mulherengo com sucesso. Mas é alguém há demasiado tempo, só. O tempo sem ponto de fuga de uma relação, queimou-lhe o fusível. O meu ego diz-me que ao analisar-me com farda de vigilante, o Raimundo achou que mudaria a mente da portadora de vulva, pelo facto de ele ter um emprego socialmente mais valorizado. A mundividência dele é que as mulheres apenas apreciam os providers, isto é, que ao maior licitador, vai a cona por correio expresso. Tive pena por ele, por saber do seu erro de análise, e por saber que apesar de dar aulas, continua a masturbar-se à grande e à francesa, pun intended. Lembro-me, dos meus gloriosos tempos de C+S, dos professores que todos sabíamos, darem uma voltinha com os alunos. A minha professora de alemão, manteve durante anos uma relação com um aluno que o marido não conhecia pessoalmente. Eu próprio estive na casa dela, e optei por não lhe dar a minha opinião sobre os usos da língua portuguesa. Ninguém se queixava desta merda, que hoje é justamente – de alguma forma – censurável. Embora tudo fosse de comum acordo. Raimundo não comia as colegas nem as alunas, emparedado entre o dever e um feitio ineficaz. Só uma vez encornei, de plena consciência, outro gajo. Convenci-me a mim mesmo, por falta de foda, da necessidade de quebrar as minhas próprias regras. E portanto sei, conheço o Inferno de Raimundo. Valha-me o cafoné de Francine. Senão chorava. O frio sabor do metal, um pouco amargo para o céu da minha boca, era a única ligação entre mim e a certeza de uma ligação entre o momento presente e a impossibilidade de estar a sonhar. Se puxasse do gatilho, deixaria de existir. Pensamento caro. Será que é assim tão fácil? Escapo-me assim com tanta facilidade? Espreito para baixo e vejo as letras ‘Desert Eagle’, e aspiro pela mão de Deus libertadora por via do calibre .357 e o cheiro a carne queimada. Começa-me a doer o maxilar, e sai uma lágrima, por nem na morte me conseguir respeitar por levar algo a termo. Pergunto a mim mesmo, que tenho eu que me prenda aqui, a ‘isto’? Nada. Nem mesmo a ideia de provocar tristeza e desgosto aos meus familiares. Afinal, para o suicida, a tristeza dos que o amam, dura só até ao funeral. Não sabe que perdura até ao fim da vida de cada um dos que conheceu. É assim que vejo ou tento catalogar as pessoas que conheci ao longo da vida. A partir do que conheço delas, imaginar a sua postura perante a minha morte. Os piores são os que acham que a coisa acaba e acabou. Chamo-lhes os ‘engenheiros existenciais’, pois concebem a vida e a vida psicológica como uma mera troca energética e alterações de estado. Abraçam os filhos e os pais, e os irmãos, com ligações emocionais fortes, mas negam a todos os outros o insondável mistério das profundezas destes macacos de carbono. Traduzido por vernáculo ‘pimenta no cu dos outros para mim é refresco’. A vida só é problemática na narrativa acerca dos outros, que apenas serve como confirmação do seu próprio estado de superioridade em relação aos demais. Fechando a boca e mordendo a atmosfera, percebo que o cabrão do cano da arma comprada na dark web, é grande para caralho. Algures no canto da sala, reflectida num espelho, uma cara familiar, a minha, pergunta-me como é que cheguei a este ponto. Um pouco mais gorda e bolachuda, daquilo que lembrava das enormes promessas de juventude, onde censurava alguma vez a ideia de pôr termo à minha vida. Mas filósofo como sou, que é essa merda de pôr termo, e ‘minha vida’. Está certo, ela largou-me, fez um upgrade, arranjou um com mais dinheiro e levou os nossos filhos com ela. Onde é que isso justifica que eu me mate? Penso que é só a desilusão de o amor falir, ao mesmo tempo que a nossa ilusão naquela pessoa. A puta ainda me tentou convencer que a culpa era minha. Olha, vais com o caralho, porque não regaste as plantas. Sneaky puta com gaslighting de que nem se apercebe. Já tardiamente percebi que se estava a convencer a ela mesma pelos motivos que eu nunca lhe dera para a ruptura. Com um ar senatorial, como quem toma uma decisão de estado, como se oportunidade que a vida lhe dera, mais que um caminho ou escolha, a fizessem rica entretanto. Onde não existem, a estrutura de símio força, como ratazana pela carne de condenado, uma saída, ficcionada a cada dentada até à luz da liberdade. Pelos entrefolhos do amor passado, esventrado pelo egoísmo mais frio e cruel que o cano desta pistola. Como não tinha pretextos, inventou-os, que eu lhe asfixiava a vida, que não a entretinha como centro de massa do sistema solar que ela achava ser. O facto de ter passado os últimos anos a divorciar-se de mim, não era responsabilidade minha. De ter alterado os critérios de avaliação. De não ter analisado as origens dessa mesma alteração. Tem uma cona e por isso acha que os astros lhe devem homenagem e o universo, especiais favores. Desculpa se a palavra ‘cona’ te ofende. Estou prestes a matar-me, escrevo aqui no memorando, para evitar ofender a tua sensibilidade em ocasiões futuras. Ai João, odeias as mulheres. Como se o ódio fosse o oposto do amor. Creio que a indiferença é o oposto de amar, e por isso, dizer que odeio, apenas significa que amo de uma forma cá minha. Mas depois se digo que odeio, e faço o favor, dizes-me, se as amas, amas como são e não te queixas, se te queixas é porque não amas como são. E se calhar há razão nisto. Não as odiando, odeio a minha visão romântica delas. Mas nem posso falar em ‘elas’ pois cada indivíduo é um indivíduo, com a constante de ter vulva. E os mesmos padrões de comportamento. Mas que sei eu? Sou apenas um traumatizado de guerra incapaz de juízo objectivo porque alguém me magoou e agora destilo ódio por não obter o prémio do universo, a santa conaça. Para variar, não foi a falha ética da puta que me fodeu. Eu já sabia o que o ‘amor’ significava. As pessoas só mostram quem realmente são, quando já não têm interesse em ti. Aí, já não precisam fingir, ou esconder quem são. Mesmo que à vista de todos. Mesmo quem se esconde à vista…tornando o seu feitio ou carácter, de acordo com a expressão de si que pretende esconder. Pousei o revólver no boudoir do meu descontentamento. Dediquei-me a analisar o que se passara, de acordo com o meu entendimento e não de acordo com a guerra psicológica que a minha mulher me fizera antes de me trocar por outro. E de acordo com uma fria lógica não podia culpar o outro, ela. Sim, lembrei-me de ir ter com o gajo, que perturbara o lago de águas paradas da minha infelicidade. Dava-lhe um enxerto de porrada, e raspava-lhe o rosto no alcatrão até só ficar a madrepérola do crânio. Provocaria uma tragédia na família dele e amigos, gente que nada tem a ver com o meu infortúnio. Ia preso, e ficaria privado da liberdade de morder o cano de um revólver. Teria de me enforcar com um lençol, bem mais doloroso, além de que a morte ou desfiguração da cara de outro de nada me adiantaria, pois ele nada fizera de mais, a não ser fazer um ping na armadura e descobrir que obteria mais um troféu para pendurar na parede. Fez o jogo dele, não foi nada pessoal. Quem me traiu foi ela, ela é que tinha um contrato comigo, não ele. Mas espera, de onde vem esta energia para tanto ódio? Lembrei-me do esforço em desempenhar uma personagem para os pais dela e sociedade em geral. Para mim. Para os outros, para a pantomina. Nos casamentos e baptizados, como o homem responsável e de quem se pode depender. Quando só me apetecia juntar aos solteiros e beber até perder noção de mim. Fingia que não, que era superior. Afinal era o gajo que tinha uma vulva no seguimento do braço. E a cona é o prémio deste mundo. Valida-me como pessoa e como projecto de vida. Agora que o projecto de vida me trocou por outro, descubro não só que fiquei vazio com um saco de plástico ao vento, como que andei a desempenhar um papel longe do real. Que me menti para aplacar a insegurança. E é isso que não me perdoo. O passar por outro e olhar de cima para baixo porque uma gaja me dava o braço, validando a amabilidade que só não granjeava obter. A cona é um objecto de prestígio. E eu o meu maior traidor. Desempenhei um papel que tinha por base a crença de que pouco mais valho que um qualquer bicho esborrachado na estrada matinal. Que não sou suficiente como sou, que é apanágio do ser homem, esmerar-se pela aprovação do feminino. Vomitei para os pés, desviando a tempo a pistola. A tipa, a mãe dos meus filhos, nenhuma culpa tem do ocorrido. Esta é uma ideia de difícil ingestão. Perco a indignação que alivia a dor da rejeição. Afinal, não sou vítima. Afinal sou o filho da puta que me faltou ao respeito, sim sou o responsável pela forma como me trataram. Mas que culpa tenho eu de ter nascido assim? Consigo ser diferente? Quero, sequer, ser diferente? Todas as charadas, todos os fingimentos, todo o esforço que gira em torno de se ‘ter’ uma mulher, vale no final, o preço pago? De nos perdermos a nós próprios? De onde vem o ódio? Da minha estupidez na insistência em crenças erradas? Da falha em controlar o indivíduo à minha frente, de forma a que eu não me sinta magoado? Dos períodos em que não consigo satisfazer os meus desejos sexuais, de forma satisfatória, por mim? Pertenço à falange de gente amaldiçoada com o desejo de amor e satisfação por via de um tirânico e pétreo outro, que goza connosco acerca do seu suposto carácter empático, nunca aplicável a nós? Encostados a paredes frias, arredados dos sorrisos do mundo, aprendemos a lidar com a ideia de que nascemos como erro neste mundo, e que há que fazer o melhor com as cartas que nos deram no baralho. Fingir como se ninguém soubesse. O ónus da derrota é duplo, por perdermos e por nem sabermos jogar. Toda a minha personalidade passada, construída todas as vezes nas minhas rejeições, se esboroa com areia pela palma de uma mão, as crenças que me conferiam segurança, de afastar o bicho papão que é a crença de nada valer, de ser um erro da vida que teima em não desaparecer, voltam a cada vez que me tratam como um não humano, cada vez que me queimam na fogueira para fins de aquecimento próprio. Mas não sou inocente. Também eu julguei os outros como menores, por não conseguirem engatar gajas. Aliás, mesmo no topo do mundo, olhamos para cima, para o homem que saca as mulheres que quer. A cona é objecto de sucesso. A mulher á volta é senão a deusa que afaga a nossa, cabeça, e sussurra que sim, não somos erro nenhum, existe um programa metafísico do qual fazemos parte, a ilusão de superar o esquecimento é adiada se depositarmos código genético das gónadas de outrem. E depois percebo que sou mais humano, desperto, digno e eu, nestes momentos de ruptura. Os contentes na vida, vivem na mesma ilusão que eu vivia. Que tirando a dor da ausência de quem amamos, a rejeição é a bênção que nos liga à realidade. Um pouco como dizia o velho Mestre Eckhart, os demónios são apenas anjos que te libertam da vida. |
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