Todos militares menos eu e outro, Miguel.
As conversas começando por onde cada um vai na vida ou em episódios particulares da rede de vida que uns partilham com outros, ao avanço do tinto o pulsar telúrico emana arrebatador.
Gajas, onde se come bem, onde se caça melhor, onde se pode tirar partido da tribo oposta.
Senti-me feliz reportado à era onde o nosso DNA foi formado. Chama-lhe primitivo.
Eu chamo-lhe telúrico, sem filtros.
Em grupo a testosterona exprime-se sem pudor.
Casas de putas, lamento pela natureza dos matrimónios que são meros contractos sociais, e não o mito da alma gémea que todos compramos.
Lembrei-me de Platão e Kierkegaard e dos banquetes báquicos. E de quanta verdade há no excesso.
Miguel, mergulhador outrora assíduo, lamentava não partilhar o mesmo élan agora.
O mergulho no abismo asfixiado por uma rotina caseira em que alguma força indeterminada retira a pulsão essencial pelo Espírito e pelo indomitável. Eu conheço essa força.
A paz que se sente na comunhão reforça-se com o aparecimento do prato principal prenhe de abundância, como se a vista cheia prometesse despreocupação para a noite passada longe dos predadores ancestrais.
Por isso as legiões romanas se baseavam em grupos de 8 homens.
Baco chega à mesa e a conversa passa de mulheres para o excesso. Sexualidade irrestrita e disponível.
Vejo a Vénus de Willendorf despejar tinto pêlos copos de todos. Para um olhar feminino, o espírito seria o de depravação. As narrativas, as propostas de sítios para cada um se soltar às mãos do excesso e da vida que ainda resta em si.
Miguel, escuta mas não diz nada, preso num código moral que o impede de partilhar o amargor dos restantes. Mais habituado a renegar-se e a identificar-se com o que de si é esperado, algo em si, faz aderir á singularidade do destino a que condenado, escolheu.
Eh pá, o sítio onde entras e está recheado de musas de poetas que se agarram para ti e asseadas te dão uvas à boca e glorificam a tua masculinidade.
Vinda a sobremesa. A excitação e expectativa amansadas pela fluidez do café com cheirinho.
Miguel, vamos mergulhar para o próximo fim de semana, disse eu.
Epá João, não porque não tenho o fato em condições.
Miguel, porra eras um puro sangue, agora estás um pónei.
Epá, a vida, a idade…
Pendurado na parede o relógio disse para os comensais:
«-Irónico que o vosso maior factor de motivação, é também a vossa kryptonite.»
Levantámo-nos e pagámos a conta em silêncio.