Viúva Profissional
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Borbulhando

30/5/2019

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No ‘Retiro Minhoto’ 4 homens de cada lado da alongada mesa, bebendo vinho e debicando as entradas, revelavam nos rostos um verdadeiro apreço por partilhar tempo e espaço com outros entes que possuem o mesmo género e forma de olhar para o mundo.
Todos militares menos eu e outro, Miguel.
As conversas começando por onde cada um vai na vida ou em episódios particulares da rede de vida que uns partilham com outros, ao avanço do tinto o pulsar telúrico emana arrebatador.
Gajas, onde se come bem, onde se caça melhor, onde se pode tirar partido da tribo oposta.
Senti-me feliz reportado à era onde o nosso DNA foi formado. Chama-lhe primitivo.
Eu chamo-lhe telúrico, sem filtros.
Em grupo a testosterona exprime-se sem pudor.
Casas de putas, lamento pela natureza dos matrimónios que são meros contractos sociais, e não o mito da alma gémea que todos compramos.
Lembrei-me de Platão e Kierkegaard e dos banquetes báquicos. E de quanta verdade há no excesso.
Miguel, mergulhador outrora assíduo, lamentava não partilhar o mesmo élan agora.
O mergulho no abismo asfixiado por uma rotina caseira em que alguma força indeterminada retira a pulsão essencial pelo Espírito e pelo indomitável. Eu conheço essa força.
 
A paz que se sente na comunhão reforça-se com o aparecimento do prato principal prenhe de abundância, como se a vista cheia prometesse despreocupação para a noite passada longe dos predadores ancestrais.
Por isso as legiões romanas se baseavam em grupos de 8 homens.
Baco chega à mesa e a conversa passa de mulheres para o excesso. Sexualidade irrestrita e disponível.
Vejo a Vénus de Willendorf despejar tinto pêlos copos de todos. Para um olhar feminino, o espírito seria o de depravação. As narrativas, as propostas de sítios para cada um se soltar às mãos do excesso e da vida que ainda resta em si.
Miguel, escuta mas não diz nada, preso num código moral que o impede de partilhar o amargor dos restantes. Mais habituado a renegar-se e a identificar-se com o que de si é esperado, algo em si, faz aderir á singularidade do destino a que condenado, escolheu.
Eh pá, o sítio onde entras e está recheado de musas de poetas que se agarram para ti e asseadas te dão uvas à boca e glorificam a tua masculinidade.
Vinda a sobremesa. A excitação e expectativa amansadas pela fluidez do café com cheirinho.
Miguel, vamos mergulhar para o próximo fim de semana, disse eu.
Epá João, não porque não tenho o fato em condições.
Miguel, porra eras um puro sangue, agora estás um pónei.
Epá, a vida, a idade…
Pendurado na parede o relógio disse para os comensais:
«-Irónico que o vosso maior factor de motivação, é também a vossa kryptonite.»
Levantámo-nos e pagámos a conta em silêncio.

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Metrónomo

26/5/2019

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Marilyn, My Bitterness


The Crüxshadows




I don't understand how you've done these things to me
I cannot comprehend your lack of loyalty
for you I would have shaken down the heavens from the sky
but it seems my love was stronger than this love of yours that died
But did you think it wouldn't hurt?
Did you think I wouldn't feel when the world came falling down?
Or maybe you didn't think at all and that's why I feel what I feel now
Did you think I wouldn't fall?
Did you think I wouldn't cry?
Did you think I wouldn't beg you to stay
One of these days you're gonna realize just what you've thrown away


Now I lie here in this empty bed and all think about is you
And I wonder if you miss me now and if your bed is empty too
 But did you think it wouldn't hurt?
Did you think I wouldn't feel when the world came falling down?
Or maybe you didn't think at all and that's why I feel what I feel now
Did you think I wouldn't fall?
Did you think I wouldn't cry?
Did you think I wouldn't beg you to stay
One of these days you're gonna realize just who you've thrown away

Marilyn, my bitterness
I've fallen to a stranger nightmare
Marilyn, oh Marilyn
I cannot... breakaway 

Marilyn, my bitterness
I've fallen to a stranger nightmare
Marilyn, oh Marilyn
I cannot...  find my way 


I'll absorb this agony
I'll carry all this pain 
I'll wipe away all this emptiness
I'll purify this stain
My wings will fold around me now
for once a one it was two
and my memory is a monument that will always stand for you
But did you think it wouldn't hurt?
Did you think I wouldn't feel when the world came falling down?
Or maybe you didn't think at all and that's why I feel what I feel now
Did you think I wouldn't fall?
Did you think I wouldn't cry?
Did you think I wouldn't beg you to stay
One of these days you're gonna recognise just who you've thrown away
Marilyn, my bitterness
I've fallen to a stranger nightmare
Marilyn, oh Marilyn
I cannot... breakaway 

Marilyn, my bitterness
I've fallen to a stranger nightmare
Marilyn, oh Marilyn
I cannot...  find my way 

Marilyn, my bitterness
I've fallen to a stranger nightmare
Marilyn, oh Marilyn
I cannot... breakaway ​

Marilyn, my bitterness
I've fallen to a stranger nightmare
Marilyn, oh Marilyn
I cannot...  find my way 

Marilyn, my bitterness
I've fallen to a stranger nightmare
Marilyn, oh Marilyn
I cannot... breakaway ​​

Marilyn, my bitterness
I've fallen to a stranger nightmare
Marilyn, oh Marilyn
Now must I go away?




I

A Paula franziu o sobrolho e cuspiu com desdém:
«-Não entendes, pois não?», afastando-se com desprezo.
Ele ficou com a boca seca e com um sentimento de vazio que o consumia por dentro.
Procurava onde era defeituoso. Ela dissera-lhe que ele não conhecia o pecado que cometera.
Sua mente analisava em série tudo o que tinham sido os seus 2 meses de namoro.


Mas era tão bonito, ele apaixonara-se pelos olhos verdes dela e o 36 de peito que contava pouco na equação. Ouvia ad nauseam ‘Verdes são os campos’ do Zeca, com poema de Camões.
Lembrava-lhe o bonito amor que julgara florescer entre os dois.
Foi sempre assim, quando se decidia a ser o seu ponto mental de origem, aparecia a rapariga que lhe dava a volta ao guião.


Haviam fugido à noite para se encontrarem numa serra fria e olhavam as estrelas e discutiam metafísica, onde ele discorria sobre as virtudes do amor eterno e do mito da alma gémea.
Nunca a vida parecera ter tanto sentido como agora que tinha alguém belo a quem amar, alguém que lhe reflectia a imagem que julgava querer ter de si mesmo.


«-Que raio é que eu não entendi?»
O seu maior medo, o seu sentimento de inadequação, via-se confirmado por recusa tão óbvia por parte da cachopa.


Escreveu-lhe centenas de cartas, explicando as implicações lógicas e teológicas do seu amor, numa vendetta de obtê-la de volta e assim reafirmar a sua auto imagem de grande sedutor.


Certo dia, ela que lhe dava as migalhas saborosas reservadas ao séquito, diz-lhe que as havia queimado todas.
Foda-se, pensa ele. Espera lá, queimaste por quê, diz a voz na sua cabeça.
Ela explica que era para um novo começo.
Ele pensa quanto de si, quanto trabalho intelectual estava naquelas folhas de papel.
A pior falta de respeito, soubesse ela o significado. Algo morreu e ressuscitou dentro dele.
Esta pessoa não tem culpa. Eu é que sou teimoso.


Lembrou-se das histórias que ela contava, com um elemento comum.
A predeterminação da sua mente a aceitar os pretendentes de acordo com o seu catálogo de recursos.
Até gajos de 60 anos eram narrados como charmosos, pela moçoila de 25, porque lhe ofereciam xailes de seda. A sério? Não posso acreditar, não é o macho alfa de liceu, é o maduro que bebe vinho por castiçais?
Só tarde percebeu, quando ela o convidou para o seu casamento, com um bon vivant que deixara apodrecer os dentes da frente nos anos em que foi estudante em Coimbra. Mas tinha moradia perto da Universidade Católica, no luxo que é morar em Lisboa para vítimas da hipergamia.
Escapada do subúrbio, e vendendo a casa que o pai a ajudara a comprar, estabelece família após um casamento em que convida os amigos de liceu só para mostrar que tinha amizades antes do pacto nupcial. Nunca mais os contactou. Haviam servido a sua função de adereços. Eu fui um deles. Mas falamos, mostra o sorriso cordial de quem está bem com a vida, e de que é tudo normal, e na cabeça dela até é. Ele sentiu um certo alívio. Uma cara bonita não garante dignidade de carácter. Afinal Paula sempre procurara mancebo acima do seu próprio círculo social. Acima do seu valor de mercado sexual.




II


Cristiana inicia de mão dada e extrema dedicação uma relação consumada num hotel de Cascais.
Mergulha de corpo e alma no mundo deste promissor aprendiz de Filosofia, mais atormentado com as implicações do que aprende do que com as próprias avaliações.
Ele era louco por ela, certo dia com erecção de 23 horas.
Ainda envenenado por um certo lirismo romântico, acedia a cada desejo e lamúria. Até começar a sentir-se o caixote do lixo emocional. A sua validação perde valor, e esta musa de pés de barro inseguros, exige cada vez mais valor, de alguém que perde valor a seus olhos.
A ele não lhe bastava ser apresentável, elegante e intelectualóide.
Nem ela sabia porque acabava com ele. Sabia que era um anão fofinho para ela.
Ele no deserto, de novo, pensava. Que foi que eu fiz, dei tudo, fiz tudo.
Tudo menos amor próprio.
Ela desqualificava-o com luvas de algodão.
É a barriga de cerveja, é o amarelo do café nos dentes.
É as calças à boca de sino.
É a falta de sofisticação ou de adaptação ao mundo tal como ele é para a maioria.
Andou pela mão de personal trainers de ginásio, que mal tinham tesão para a foder, o que lhe causava a ele a pior das apreensões, a de que de facto nada percebia deste mundo.


Andou aos caídos, experimentando o corpo até que o vislumbre da parede lá no fundo a fez escolher um homem decente mas com recursos a providenciar e mais velho, como ela gostava.
Faziam viagem de cortejamento por alguns pontos da Lusitânia e em breve os frutos do seu amor emergem à existência.


III


Anabela coloca o seu salto agulha para jogar a carta do desejo.
Surte efeito. Faz tudo para agradar, nada nega ao início.
O paciente parece ser bom e promissor para apresentar aos pais. Sua única e doentia preocupação.
Mas ele percebe, na sua teimosia, que ou é amado pelo que é em si, ou não quer ser amado pelo que é para outrem.
Meias compridas por cima das sapatilhas, palito nos dentes, boxers dos ciganos, relutância em desfazer a barba, relutância em sujeitar a sua independência por uma relação em que ela desde cedo deixa de tentar investir, para poder justificar o sem rumo que a sua própria vida parecia assumir. É melhor passar para o namorado o ónus da responsabilidade. Ah ele não quer trabalhar.
Ele via pelo canto do olho, a falta de afagos socialmente, o olhar de semi nojo nas festas de natais passadas nos subúrbios, a desilusão nos seus olhos quando em jantares de trabalho ele insistia em levar as suas botas da tropa. A recusa em aproveitar actividades feitas com ela, porque a monotonia do autismo dela era quase penosa para ele.
Acabou por o desqualificar de forma bruta e todas as suaves tentativas de amenizar eram mais viradas para a lixiviação do seu carácter, que para o proteger.
Andas sempre a contar trocos, esfregando o escalpe dele com desdém dizendo que o cabelo enfraquecera imenso.
Andava a traí-lo há um ano. Por certo incentivada pela mente colectiva das amigas, que a convenciam que lhe estava destinado o céu e as estrelas e os cometas. Fez o upgrade quer em meios quer em idade que a validava, afinal quarentona engatando trintão é feito.


IV
Flávia ou apagou, ou bloqueou o perfil pedindo lascívia.
Pelos vistos seus olhos ainda aqui vêm beber.
Por certo procurando indícios para me desqualificar.
A desqualificação é um jogo de pobres, mas necessário.
A metafísica do amor mostra que não existe diferença entre a dor física, e a dor emocional.
É mais fácil descartar o outro quando lhe reduzimos a dimensão com os critérios de uma decisão já tomada em nós pela nossa natureza. Depois cabe à psiqué justificar a decisão previamente tomada.
Sempre que o outro nos deixa é parte de nós que nos deixa, é um membro sendo arrancado.
Para o corpo existe morfina, para a alma, apenas arsénico.


V
A insustentável leveza do ser é fácil de suportar uma vez originada.


Basta entender.
Limar o que nos foi dito pela propaganda.
Forçar a nossa mão a um olhar de frente para nós.
Não são as cachopas que são más.
Todos temos falhas de carácter.
Mas é a indisponibilidade para perder tudo, que nos faz ganhar nada.
A paixão narcótica pelo conforto, nem que seja para alimentar uma pena que vomita a preto as linhas destas crónicas patéticas.
Debaixo de nós dançam os demónios, e macacos me mordam se deixo de olhar para eles.
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Perpétuo

25/5/2019

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 Não posso não ter carros velhos.
Não posso deixar de conduzir à velho.
Se tenho o azar de conduzir um carro novo onde o motor disponibiliza sempre mais binário por rotações do coração de ferro, obedecendo à pressão do meu pé, pulverizo-me.
A vertigem da velocidade não tem enzima em mim que lhe resista.


Andar rápido com a máquina mais eficiente que me é possível, é um convite para a morte.
Não consigo resistir ao apelo da aceleração que me manda cada vez mais rápido para dentro do poço sem fundo de tudo o que está à minha frente.


E sobre uma outra Terra que gira em sentido oposto aparece a Revelação de que as piores visões de mim próprio não eram senão bastardos do medo e de uma sapiência fatalista, que só pode ter vindo de uma vida anterior ou de alguma merda de reencarnação.


Não, as visões negras sobre nós são apenas os vírus dos que nos feriram, dos opressores que deixámos que nos colonizassem o espírito.


Eu nunca fugi.
Evitei.
Eu nunca fugi, coloquei-me em movimento para não estar parado.
Eu nunca fugi, entreguei-me à mudança.
Eu cedi muitas vezes ao medo, e a única força que me resta é desafiá-lo de novo.


Eu nunca fugi, refugiei-me no passado ou no futuro para não ver o presente.
Para não encarar a minha mortalidade e a dos que amo. Para não encarar com o esforço monótono do trabalho e do esforço, que me parece fútil a partir do Éter de onde viemos.


Este acesso ao núcleo de mim, está completamente inacessível por inteiro, agora.
Reverbero à sua presença e à sua existência.
Como nunca antes.
Vou com o pedal colado ao fundo, pelo túnel escuro e o vento na minha cara fazendo chorar os meus olhos, com a branda brisa da noite afagando-me o rosto, e lembrando-me os dedos dela na minha cara.
Sei que no fim do túnel está um muro de cimento onde me vou desfazer em milhares de pedaços e partículas, do meu sangue da minha carne, dos meus ossos.
Nem penso nisso.
Não me preocupa, senão quando ocorrer.
Vou tão rápido que nada me passa pela ideia.
Inebriado com tudo, com ela.
Com o contraste de cores azul e fulvo que lhe fica tão bem.
Com a cor dos lábios, e com o sorriso dos seus olhos que parece ser autónomo em relação ao resto do rosto.
Indago, como será ela com os cabelos ao vento e expressão de felicidade, perdida pelo espaço que se atravesse a alguma velocidade. Como será ela em imersão completa com o tecido palpitante da vida e da inapreensibilidade do Ser.
Penso mais nisso que no resto.


O que me preocupa, pois costumo ser mais egoísta. Menos contemplativo e mais preocupado com a minha satisfação imediata. Mas ao mesmo tempo, gosto assim. Gosto do eco que se estende só pelo infinito estelar, sinto-me livre nele. Elevado, digno.


Estou contente.
Muro, podes vir.
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Elíptica

19/5/2019

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 O terrível demónio da solidão já havia sido instalado que nem vírus informático, no seu âmago.
Em tempos de infância.
Proibido de sair de casa por pai tirano, via-se reduzido a ter de imaginar e inventar situações para onde exercitar uma atenção confinada por paredes.
Deu por si certo dia, oferecendo bolachas gravadas com símbolos do Zodíaco, a fantasmas, certo de que a solidão em redor levaria a que o mundo por fim, se manifestasse directamente a ele, num momento de ‘cumplicidade’.
Ao mesmo tempo, envergonhado com esta ingénua sacanice, de pedir situação de excepção ao mundo, só para não sucumbir à essencial solidão e ao sem sentido.
Nenhum fantasma lhe arrebanhou alguma bolacha da mão.
E no entanto algo de grandioso, tratando o mundo por tu, e acreditando na existência de algo não visível e perturbador, como é uma realidade que se esconde sob a apreensível pelos sentidos.


Ela por momentos retribuiu o olhar, e no fundo preto ele reconheceu ternura tal, que não se pode ter para vítima ou que se possa fingir. Ele viu amor, por parte de uma alma que exigia ser amada de volta em toda a dimensão da sua própria capacidade de amar e de sentir.
E por amor denota ele a capacidade de resistir ao sem sentido numa entrega incondicional a algo em comum que apagará a solidão enquanto condição de se estar vivo.
Entretanto naufragado por sua vontade num qualquer ilhéu pequeno demais para aparecer na carta náutica, olha para o céu estrelado e sob a pele de satélite tenta retirar informação que já detém.
O fofo conforto de um sofá é mais apelativo a partir da fase de epifânia em que o ser choca de frente com a recta final da sua mortalidade e com as suas escolhas passadas e consequências presentes..
O rabo acostuma-se à almofada esponjosa do sofá e começa a chamar-lhe casa, aguardando apenas que o tempo passe sem grandes sobressaltos.
Ganha-lhe amor até, ao rabo, que desprovido de olhos não pode reflectir senão o amor que se tem por si mesmo.


Flávia coloca sua disponibilidade para foder pornograficamente com quem quer que apareça, via uma qualquer aplicação de engate.
Afogar a dor com sexo. Afogar as mesmas escolhas e consequências, saindo impoluto o ego no final da lavagem auto.
Sou tão awsome mas fodo-me em cada etapa do percurso, saboto-me e projecto a culpa nos outros.
Faço merda, sou impulsiva. Sou frustrada, afinal é porque tenho humores. Sou insultuosa é por causa do período.
Faço bluff, o outro tem a culpa de ter 5 cartas mais altas.
O ego que fode a cada sístole, e defende a cada diástole, sai impoluto no final da lavagem auto.
Não é possível assumir responsabilidade, é preferível fugir em frente, entregar a novos extremos de emoção como forma de se distrair da solidão.
Três tristes tigres unidos numa elíptica só porque assim o decidi.
E todos em extremos opostos, sob a arbitrariedade da minha escolha e um Universo que não tira bolachas da mão de ninguém.
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Sentido na pedra

17/5/2019

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I


Irónica esta coisa de escavar a terra para escutar os mortos com os olhos.
Violar a sacralidade do seu desaparecimento eterno sob camadas de pó tão anónimo como as vidas que testemunharam.


A terra onde os mortos vivem, com a mesma sem esperança que os vivos morrem pelo ar até por fim exalarem o último suspiro que os fará, como a uma ruína, tender ao ditame da horizontalidade.


Esgravatar no pó à procura de respostas, que sabemos à partida nada virem a expiar ou conciliar. Apenas pelo amor ou mania de compreender.


Como aquelas pessoas de que vamos sabendo que se enforcaram no candeeiro da sala, ou se mandaram contra um comboio, rejeitando de forma inequívoca e amarga esta existência. No fundo este mundo.


II


Sim este mundo em que vós tão bem viveis, tragando-o com o deleite de um qualquer banquete, tão adaptados como um gemido a uma descarga nervosa de prazer. Outros cospem-no fora, este mundo.
Porque o pensam, e pensando percebem que não conseguem resolver nada. Vós não o penseis, antes o engolireis até que a terra seja morada, como se remédio amargo de que nem se dá conta por tão rotineiro ser.


Que agruras e sem esperança levam alguém a anular-se nesta rejeição? Que desespero leva a esta rejeição senão a rejeição que leva ao desespero?


III


Alguém te virou a cara, saiu da tua vida, humilhou-te, tudo parece correr mal, os teus filhos não te amam, o que és cai antes da praia daquilo que planearas ter sido. Diz-me, que vida te traria vontade de continuar a olhar para a sombra de meia noite sem algum vislumbre de luz?


Alguém sentir-se tão inválido de amor por parte de qualquer outro, especialmente se o amor que se imagina que o outro sente seja semi obrigatório e  circunstancial.
Familiares de sangue amam pelo sangue. Outros amam pela escolha.


O amor de familiares e amigos não é garante contra o suicídio.
Imagina alguém só num ermo ou numa divisão de casa, pesando o tecido metafísico da sua existência tentando aferir se vale a pena continuar vivo, e que a nervura central desse critério é o apreço que outros tenham por si.


IV


Dar com esse outrem pensando sobre que merda de pessoa ele seja sobre o que fez da sua vida e por quantas, se alguma, pessoas foi amado. Mas se todos desprezam o facto de estares vivo, o que te aflige não é essa constatação. O que te aflige é nada saberes de como inverter isso.


E aqui está o coração da coisa. Quando a alma descobre que nada de si, de si depende, porque não existe um si claro e fidedigno de onde depender. Os antigos chamavam-lhe temperamento. Cada um nasce com o seu. Uns são mais amáveis que outros.


V


Muita gente de bem, de bons costumes, gosta de responder que é tudo uma questão de esperteza e de esforço, de saber andar no mundo e na vida, como se o remédio para a constipação de um servisse para a cefaleia de outro.


A universalidade doentia de uma disparidade natural, uns nascem com virtudes sociais, outros não, uns nascem com rácios cintura/anca que enojariam uma abelha mas que inebriam um macaco nu.
Uns são animais de colmeia, outros são animais solitários. Outros são animais nocturnos solitários.


VI


Mesmo a gente avessa a procurar aprovação alheia, a certa altura da sua vida, consigo dá a reflectir sobre o que anda a fazer nesta Terra.
Sobre que valor assume para os que rodeiam, aferindo a partir dos seus comportamentos o valor próprio e o lugar nesta peça de teatro.


Claro que quem não tem virtudes sociais e nasce introvertido se vê num problema de círculo vicioso.
A natural reserva não cativa outros, portanto saberá sempre não ser valia na vida de outrem.
O ressentimento surge e assenta praça sugando a força destas almas teimosas, que por despeito se recusam a mudar e insistem em ser amadas por aquilo que são e não por aquilo que são para os outros.


É no fundo uma relação de codependência.
Adorar e procurar os notáveis, os míticos, aqueles que são memoráveis, pois são esses que nos seduzem para a vida. Os tristes e melancólicos apenas nos mostram a verdade que queremos esquecer.


A maioria dos símios espaciais está no meio destes extremos, enterrados em metros cúbicos de monotonia e convencionalidade.


Os memoráveis, já para o fim, não passam dos palhaços de serviço egocêntricos, que servem de entertenimento para os outros, acabando todos por morrer sós.


Os lúcidos ou se penduram pelo pescoço ou se tornam latifundiários da frustração.


VII


Em concreto, a selecção natural não é só o tigre com dentes de sabre ou outra arma branca.
Ela age a partir do interior do próprio indivíduo.
Como que se quisesse garantir que miséria e sofrimento nunca faltassem por este mundo.


Sob o ponto de vista da arqueologia psicológica, percebemos que esta vida tem uma doentia intenção.
Os primatas que na infância sofrem eventos traumáticos, parecem correr até à morte com a companhia de um estado de choque tornado natural em si. Já não basta nascer com alguma sensibilidade como a violência exercida é recebida de forma mais profunda prolongando-se até ao fim.
A vida parece querer dizer que cada um nasce para o que nasce, e se os temperamentos pacíficos existem, servem apenas para ser repasto da violência, e a cada etapa, lá está a Fortuna os lembrando disso.
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Uni Verso

11/5/2019

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A Magda tinha, tem, 23 anos.

Quando lhe disse que a realidade era a minha ficção, riu-se.
Quando lhe disse que a realidade era meramente o húmus do que escrevo riu-se também.
Acreditava que eu era um gajo com quase o dobro da idade dela, amargurado com algo inapreensível para ela, uma suposta trágica percepção da existência.

Achava-me graça porque a tratava como trato toda a gente, sem deferência pelo aspecto físico.
Sejam bonitas, sejam feias, trato tudo por igual.
Ela não estava habituada a isso, estava habituada a gajos sofisticados que sabem bem fingir um envolvimento emocional que termina quando deixa de lhes apetecer fornicar com ela(s).
Por gajos sofisticados entenda-se, com a vida exposta como tatuagem para outro ver, porta-chaves de BMW na mão, apartamento ou chalet de praia, bronze de solário e aftershave caro.

Claro, conseguindo disfarçar a ignorância do que seja estar vivo, como elas, sabendo o que resulta, conhecendo as regras, pouco se debruçando sobre elas, as regras.
Espertos são eles.
Foi ela que se meteu comigo, se meter é um toque de sapatilhas de pano meio rotas e gastas no meu joelho sob calções e pernas cruzadas num café qualquer da Baixa.

Aos desculpes habituais revelou interesse pelo livro que trago sempre comigo, Die Geburt der Tragodie, quando vou para qualquer lado escrever.
Mal sabia ela que o livro me cheira a campos de trigo e sexo ao Sol.
Perguntou-me porque gostava daquilo, que ela tinha uma cadeira de Filosofia, para encher currículo e não dar trabalho, e havia escolhido Metafísica.
Usei o meu melhor tom pedagógico e expliquei os pontos fortes, para mim, daquela obra de juventude.


Industrial não é a onda dela, mas quando as nossas mãos se tocaram fortuitamente num concerto em que cada um foi comprar cerveja para os amigos, o sorriso constrangedor por ambos terem ido com a mão ao mesmo copo de plástico que acabará num oceano qualquer, fez a sua magia.
Dois encontros fortuitos desafiam a estatística e ameaçam Eterno-Retorno.
Trocámos números.
Foi ela que me ligou primeiro.
Estranhei. Era fácil conversar com ela e aparentemente e ela parecia interessar-se genuinamente pelas patranhas que como estações me povoam o espírito.
Especialmente o meu calcanhar de Aquiles, a escrita.
Leu tudo o que postei. Tudo.
Permitia-se perguntar-me por trechos.
Eu retorquia, que te interessa isso man, são só deambulações de alguém que paga o domínio e espalha palavras pelos datagramas virtuais.
Porque quero saber que mulheres gostas, respondia ela.
Magda, retorquia eu, eu não gosto de mulher nenhuma e gosto de todas. A mulher é a cenoura que coloco na frente do nariz para não sucumbir perante a ataraxia, é a minha via de perceber o que significa ser-se humano.
Finjo ser amor, o amor que deveras sinto. Essas merdas.
Mas, dizia ela olhando para os sapatinhos gastos na biqueira, eu amo-te ou acho que te amo.
E eu, foda-se, mas só tomámos umas cervejas aqui no Terreiro do Paço e discutimos o existencialismo de Marcel.
-“Sim, mas desde que te vi, que te acho fascinante e não sei porquê.”
-Sei eu, sou exótico para ti.
-“Exótico?”
-Sim, diferente do que estás habituada.
“-Leva-me a casa.”
-Já?
-“Agora.”
-Mas passa-se alguma coisa?
-“Sim, não gostei do que disseste.”
-Ok, deixa-me acabar a cerveja.”
-“Quero ir já.”

Coloquei-lhe a chave do carro perto da mão, e disse-lhe para que lado o tínhamos deixado.
Disse também, -O eléctrico leva-te até perto de tua casa. Se aguardares 5 minutos bebo a cerveja e vou-te levar.”
Aguardou os 5 minutos.
Após a degustação da minha cerveja, vi com surpresa que mandara vir mais 2.
Depois confidenciou –“Não gostei do que disseste.”
-Sim, eu percebi isso, mas isso não justifica que por não gostares do que alguém diz ou pensa, alteres comportamento ou tentes pressionar essa pessoa a agir como queres. Muito menos a ameaçar com a tua ausência.
-“Eu não suporto faltas de respeito.”
-Não te faltei ao respeito, apenas sugeri que o meu efeito em ti possa decorrer de um carácter exótico que possa ter a teus olhos.
-“Sugeriste que sou uma tolinha que te acho graça porque és mais velho.”
-Não sugeri nada disso, estás a projectar ideias tuas. O que pensei foi que não sou a amostra mais fidedigna da demografia a que estás habituada.
-“Eu não sou nenhuma parvinha como disseste.”

A insistência numa via de culpabilização fez-me relembrar velhos ritmos conhecidos.
Estava a testar-me.
Tentando fazer-me sentir mal por algo que não disse, e nessa culpa, afogar-me em desculpas gaguejadas de forma a comprovar-lhe a sua suspeita de que o exótico afinal era apenas ouro dos tolos no meio de latão.
Como há muito perdi a paciência, calei-me e ri-me.
Insistir em explicações e dialéctica apenas que gastaria saliva e cabelos pretos.
 Mas eu também já vejo testes em todo o lado, e a maior parte das vezes nem perto do jogo estou. Quanto mais nele.
-Olha, Magda, foi bom ter passado este tempo contigo, mas vou levar-te a casa.
-“Temos tempo, só mais um pouco.”
-Tenho de me levantar cedo, e tenho trabalho até aos ouvidos, e nenhuma vontade de o fazer.
Enquanto me levantei, para ir aos lavabos, e voltei, tinham nascido mais duas cervejas, em canecas de quarenta centilitros.
Ao sentar-me brinquei:
-Estás a ver se me embebedas para teres sorte comigo?
-“Estou.”
A seriedade do proferido obrigou-me a olhar para a sua cara.
Olhava-me séria e determinada.
-“Eu quero-te, muito. Desde que te vi que te quero.”
-Magda, estás a falar a sério?
Não me respondeu com a boca só com um olhar determinado.
-Epá, tecnicamente tenho idade para ser teu pai. Isso é um pouco estranho, nunca me enrolei com uma pessoa tão nova.
-“Vai à merda, sou adulta e se não me queres diz, não uses a idade como desculpa.”
Deitou mão  a uma peça de roupa de gaja de que desconheço o nome mas que se mete por cima dos ombros em noites de brisa fresca, e principiou a afastar-se e eu a olhar incrédulo para ela.
Chamei-a, duas vezes.
Bebi a cerveja de empreitada, e levantei-me já com uma distorção ébria do espaço.
Em 3 minutos a apanhei e perguntei o que se passava.
-“Deixa-me, vou para casa sozinha.”
-Espera, eu levo-te.
-“Deixa-me, não quero ver-te mais, e tu estás bêbedo.”
-Epá, católico não estou mas não estou bêbedo. Pára, fala comigo.

Agarrada já ao corrimão do autocarro, prestes a entrar, achou por bem olhar para trás e balbuciar frases desconexas de superioridade moral.
-Não sejas infantil, vamos andar um pouco.
A sua face ficou ruborizada ao ponto de parecer explodir.
Os insultos morais passaram a vernáculo puro e duro.
Como me pareceu excessivo e intolerável, virei costas ao autocarro que entretanto fechara portas e arrancara.
Iniciei o caminho para perto do meu bom amigo, o Rio, que tantas vezes me confidenciou nas ondas que não sirvo para poeta. João, diz-me o Tejo, já vi muito escrevinhador a chorar aqui pelas margens, mas não te chegas aos pés de nenhum, nem em talento nem em transmutação de dor.

Arranja uma mulher convencional e dedica-te a fazer o que toda a gente faz. Deixa a escrita para quem tenha mais espírito que tu.
Um cacilheiro anónimo descrevia uma curva manobra de aproximação ao cais, quando sinto um toque no ombro.
Virei-me era Magda.
Tinha saído do autocarro, na primeira paragem e tinha vindo a pé à minha procura.
Comovi-me.
-Que queres?
Principiou o chorrilho de vitimização, ri-me e principiei o caminho até qualquer ponto onde ela não estivesse.
Por fim, meteu-se à minha frente.
Com lágrimas nos olhos e palavras aflitas só me pedia para a ouvir.

-“Eu não consigo fazer nada desde que te vi a primeira vez, não me consigo concentrar, não consigo respirar bem, o centro e periferia de todas as minhas ideias és tu, ensaio conversas para termos um com o outro, imagino as formas de fazermos amor e as mil e umas vezes que acordaremos de manhã de mão dada e boca seca e corpos peganhentos de suor seco. Quando trocamos mensagens adio de propósito a resposta para que me dês valor, e finjo ignorar-te para vires atrás de mim. Eu não consigo pensar em mais nada senão neste fantasiar e concretizar a fantasia. Tenho de fantasiar porque não te tenho e não aguento estar aparte, e tenho de concretizar para não ficar frustrada.”
O choro saía copiosamente em lágrimas e soluços, e ela inclinada sobre as suas duas mãozinhas apertadas no peito.


Aquela conversa da idade, para mim é treta, não acredito nela. Se duas pessoas possuem afinidade tal que se sentem bem uma com a outra a idade, desde que legal, em nada influi para o caso.
De facto havia arranjado um pudor onde não o tenho.
-Magda, preciso de uma hora, para me passar o efeito da cerveja, depois levo-te a casa.
Abracei-a de forma a que amenizasse os soluços, a princípio rejeitou o toque, depois ela mesma se abraçou a mim.
Sentámo-nos perto de duas garrafas de cerveja partidas no chão por turistas ébrios, e ficámos a olhar as luzes da outra margem.
-Nada sei sobre ti. Pelo que me disseste, peço desculpa por ter insinuado que era capricho.
Mas eu não andava à procura de nada e muito menos de uma pessoa bem mais nova do que o que estou habituado.
-“Cala-te, não me fales das outras.”
-Não estou a falar, tens razão.


Aproximou a sua boca da minha, cheirava a morangos de papel, e a expiração do seu nariz foi o suficiente para me alterar a respiração, como se o olfacto masculino tivesse uma EGR que monitoriza a expiração feminina e controla o motor a partir daí.
O beijo não tardou e a sua boca parecia dedicada. Os olhos cerrados e o abraço desesperado.
Seria isto o que eu queria? Que encontrara finalmente uma musa que me queria mais do que à concretização da sua fantasia? Uma gargalhada ecoou ao longe, o cabrão do Tejo tinha estado a observar.
O vento fresco a 120 à hora levou-me à residência universitária, para onde entrei para um quarto de monge copista, com uma cama e uma secretária.

Voltada da casa de banho, em cuecas descuidadas e despretensiosas, e um peito pequeno despreocupado.
Sentou-se ao meu lado, e evitei agir de acordo com a experiência que tinha nestas ocasiões, tornando o momento genuíno e único para ambos.
Ao tactear a pele dela com a língua, percebi que havia 20 anos que não lambia uma estrada tão esticada e saudável, promissora e optimista.
Os gemidos dela pareciam promessas de novos planetas esperando ser colonizados.
Sua vulva parecia quieta e arrumada como recheio de bivalve imberbe sem cheiros parasitas e histórias em sobeja para contar.
Adormecemos abraçados.
Raiam os primeiros electrões solares, os melros anunciam estar vivos.
Ao ver-me acordado, diz-me:
-“Vai-te embora, não te quero ver nunca mais.”
A mesma determinação. Mesmo que fosse brincadeira, nunca o seria. Nem pedi explicações.
Saí do grosseiro cobertor e vesti-me.
Entrei no carro frio da noite.
Vindo para casa, com vento acariciando os cabelos, recebo uma mensagem no telemóvel.
Pego, esperando não ser dela.
Era do Tejo, -“Eu não te disse palhaço, dedica-te a outra coisa! :D”
Respondi, “Simplesmente não entendo.”
E ele responde 5 minutos depois, -“Isto não é para ti. Sou mais livre com barragens às costas, que tu livre com tanto que te prende.”
E é que não entendo mesmo.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

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Homo Faber

2/5/2019

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O meu fim subiu as escadas, e não olhou para trás.
Parei, escondido sob um dos ângulos da arcada e fiquei a vê-la subir a escadaria que a levava para longe de mim.


Com a calma que contrastava com a penumbra que caía sobre a projecção de felicidade futura a dois, que se esvaía em mim, apenas amenizada por um sentimento próximo do êxtase por ter passado tempo com ela, só a falar, só a fruir da sua presença.


Fiquei a ver o cabelo fulvo, que descrevo nas minhas orações, sonhando um dia agarrá-lo junto ao escalpe para lhe segredar junto ao ouvido o meu nome.
Fixa-o aí dentro. Eu sei amor, que dá jeito ter uns cavacos de atenção na fogueira da nossa estima. Imola-me à tua vontade, sou insensível à dor anestesiado pelo saber que existes.


Penso com força em cenários que te tragam a mim na esperança de migrar para uma realidade em que a tua pele toque a minha e me vejas como quero que vejas, como eu te vejo a ti.


Tal como a antecipação do sexo liberta em si algum prazer, sonhar acordado sobre nós é à sua maneira a única e mais próxima forma em que estaremos alguma vez juntos, e não abro mão dela.
 
Como onda que esbarra na areia, sinto-te fluir ora para mais perto ora para mais longe, sem saber ou ralar se são apenas cavacos arrojados à praia que pretendes para a imolação.

Dá sempre jeito no meio de um remoínho, ter uma mão amiga que nos afaga o rosto limpando algum do sal que arde lentamente.


Hipnotizado pela tua espuma branca, vejo-me como activo amante em direcção a um escolho que não me deseja. Mas há um prémio de consolação, para ti a minha atenção, para mim o saber que és.
És o meu amor, és o meu fim. Não acabaremos num subir de escadas, nem com a distância entre ambos.
Sou eu que decido além da tua escolha prévia detalhada sobre o rumo do que se passaria entre tu e eu.
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Teoria Geral da Rejeição

2/5/2019

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 A deusa.
O sexo sensível, age na maior parte das vezes, como bully de recreio no que se trata de desqualificar homens que não contam para o baralho.
Célia aprendeu bem a lição.

Desde a fase em que como cão assustado sai pela primeira vez à rua após um casamento burguês, até agora em que já não cai facilmente em cantigas mais ou menos elaboradas.
Desenvolveu até uma certa velhaquice manipulatória que voa sob as asas do vento sempre que visa anular o homem que não respeita.
Ciente de que não é o que se diz, mas quem diz, eu sabia que ia ser quase impossível a empresa.

Como seria de esperar havia ficado ressabiada com o que eu havia escrito sobre ela.
Não gostou de ver-se retratada e recolhe-se sempre no ‘não foi nada disso’.
-“Então como foi?”, perguntei eu.
Não me sabia dizer, sem enveredar por fantasias cuja narrativa passava sempre pela lixiviação de qualquer responsabilidade pessoal. Fornicámos logo a seguir ao ano novo do ano passado, e desapareceu em presença e em discurso, numa clara tentativa parola de vingança, congruente com o espírito de missão com que abrira as pernas no seu veículo.

A mesquinhez com que falava contrariada ao telefone, tratando o interlocutor com quase nojo, por se mostrar interessado nela, contrastava por sua vez com os contos cor-de-rosa que inventava para justificar o seu comportamento.
Se da primeira vez o interlocutor tinha algum brilho por ser supostamente, um escritor, desta vez a Célia não cai em brilho distante mas apenas quer certezas presentes.

Lidando diariamente com médicos, a classe potencialmente mais arrogante e certa de si do mercado laboral, e enfermeiros, num hospital privado onde o status se mede em euros, não era um escrevinhador que a iria impressionar. A idade não ajuda, pois ela escolhe agora criteriosamente a forma como vai gastar os últimos cartuchos no mercado da carne.
Eu seria sempre uma aposta instável, pois apesar de assumir comportamento de sabujo, sabe no fim, que sou  indomesticável. Sem que neste caso isso me tenha trazido o resultado de análise pretendido.
-"João, estás sempre a analisar-me. Não confio em ti por isso."

Respondi que só não faço psicanálise a quem gosto a sério. Não respondi nada, apenas pensei.

A táctica dela ficou clara logo ao início, ia atrás da remissão, e a remissão engloba duas facetas, a lixiviação da sua responsabilidade pessoal e a desculpa para uma rejeição mais que justificada sob a desculpa, de que ele não me atrai.

Há aqui uma extraordinária acção do eu sobre si, pois ela sabe do fundo do cerebrelo, o que é preciso um gajo fazer para se desqualificar a seus olhos, perdendo qualquer valor sexual e de atracção.
Para o sexo que enche as prateleiras com livros românticos, coisas como expressão de afectos, atenção redobrada e prontidão suplicante são acções tão atraentes como um martelo pneumático é para um leproso em estado grave.
Enquanto não obteu a confissão de mea culpa, ia prometendo a possibilidade velada de deixar o pito acessível.
Bravo Célia! A relativa ingenuidade anterior dera lugar à malícia ressabiada.
Após a confissão, merecida em parte pois não gosto de reduzir o respeito pelo indíviduo a partir do  tipo de gónadas que possui entrefolhos, não me sentia congruente em retirar uma linha do que havia escrito.


O seu comportamento alterou-se completamente, como previa.
Para os imberbes, a admissão de culpa parece ser o caminho para uma maior intimidade.
Nunca é. É sempre o caminho para um exercício de poder por parte do ‘ofendido’.
-“Não consigo confiar em ti.” Podes ter a certeza que não podes. A vulnerabilidade que é pedida sempre nestes casos é em condições determinadas e específicas.
É sempre nas condições daquela que tenta disfarçar sempre que a única influência ou poder que tem em relação ao pretendente, é o sexo.


Pensando desta maneira torna-se fácil analisar sempre como agirá e como colocará as peças no tabuleiro.
A períodos de maior atenção, responde após obter a confissão de culpa, do tipo ya Célia, podia ter agido melhor, com períodos de silêncio. A vítima sacrificial já havia cumprido o desiderato.


-“Não posso confiar em ti.” Podes ter a certeza que não podes.
O apelo a uma não análise é no fundo um apelo a baixar a guarda. Bem tramados estariam os castelos que caíssem nestas palavras.
Tal tipo de troca entre pessoas só pode ser merecida e Célia nunca me desiludiu.
Das fotos contemplativas olhando o horizonte numa qualquer praia, tentando expressar uma paz de alma que fica bem em foto, às frases motivacionais ocas e de ocasião, que tentam expressar uma sabedoria de vida que não se possui, se retira um ego frágil preocupado em obter atenção e validação de outros.


“Estás ressabiado.” Estou nada ressabiado, irritado por uma falta de originalidade, e por uma categorização da minha pessoa, abaixo da imagem que eu próprio tenho de mim.
O clássico, esta pessoa acha-me mais parvo que aquilo que acho que sou.


-“João, só com palavras conseguiste dar-me a volta.”
Não, não dei volta nenhuma.
O teu critério hipergâmico é que era diferente na altura.
-“Hã?”
Não só alguma vez te dei a volta, como nunca tive verdadeiramente a vontade de percorrer um semicírculo.
-“Estás chateado porque não te dou o que queres.”
Não, estou chateado porque todos procuramos alguém que nos expie com a sua capacidade de superação.
Irritam-me sim os que lambem a hipocrisia propagando aos ventos a sua boa índole, quando no fundo a água cristalina apenas esconde um fundo lodoso.


Eu já sei que sou uma charca de lama, mas porra hombre, haja alguém diferente.
-“Já olhaste bem para ti?”
-“Deves ter a mania que és perfeito.”
Não, todos os dias olho para mim, e analiso, pondero, e tento esgravatar toda a dimensão dos meus defeitos. Se disseres que sou um cabrão, peço-te que exemplifiques e se achar que tens razão e assumo.
Claro que sou um cabrão.
Se não fosse estaria com 100 gramas de chumbo no occipital.
Mas não sou o cabrão que te provoca humidade no Equador.


Só um que te trucida a individuação confirmando a ti no fundo do teu cerebrelo, a certeza de que és escrava dos teus defeitos, te provoca esse tipo de comoção.
O conas que te dá atenção como eu por exemplo, só serve de espelho para essa opereta de que foges, a de que és incapaz de auto análise, dizendo querer algo que pensas que é o que queres, mas depois o que realmente queres é o que te confirma a ideia cem vezes afogada de que não tens personalidade, entendendo personalidade como o acto de se ser senhor de si.
-“Estás a dizer que sou má?”
-“Só porque não quero ir para a cama contigo?”
Mas eu lá alguma vez teria capacidade de avaliar o bem e o mal de alguém.
Não, só te quis mostrar que aquilo que negavas na minha visão de ti, não pode ser negado porque a isso não tens acesso, tanto quanto um mitómano à origem da sua mentira.


-“Foda-se João, tu és um monstro. Fingido, és uma má pessoa.”
Talvez. Mas não é de mim que estamos a falar.
É de ti.
E de quantos levam a sério literalmente, o que sai da tua doce boca, deusa.
Se soubessem que o canto da sereia, caso Ulisses não estivesse amarrado, é um canto irresistível só com um refrão vaginal.
Só com palavras?
Nem podia ser de outra maneira.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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