Os seus lábios tímidos esmurravam-se contra a minha boca, que retorquia não mais que cheiro de estômago vazio e alcatrão do cigarro que eu acabara de fumar. Preciso da nicotina para me manter no presente. Ela pretendia convencer-me de um assomo de paixão, com movimentos bruscos imitados da sua ideia do que era o tipo de mulheres que eu frequentava. Insegura perante o que desconhecia, o suficiente para não me querer perder, pelo menos para já. No corredor do hospital, faz força para que eu me levante, e arrasta-me para o sítio onde guardam as esfregonas e o papel higiénico. Andou a planear isto durante a semana toda, e é já com a minha pila na sua boca, que volta aos movimentos bruscos, olhando para cima e perguntando ‘-Gostas de mim porque sou maluca não é?» «-Não, gosto de ti por seres quem és.» Mas a resposta passou-lhe ao lado, pois investira demais na personagem que acharia que me cativaria, que na realidade mais simples de que eu gostava dela, apesar das encenações. Tinha uma doença má, fora o que me dissera quando me chamou a ir ter com ela ao hospital. Eu evitava agarrar-lhe no cabelo, enquanto me chupava a pila de forma circense, numa lógica infantil de achar que o excêntrico corresponde sempre ao inesquecível, e o que ela mais queria era não ser esquecida. A lembrança é mais querida aos moribundos, que a própria vida. A espaços dava com ela a olhar para o meu falo, como que absorvendo a imagem, fosse para recordar, fosse, o que é mais provável, para desmistificar algo que tivera inacessível por bastante tempo. Por escolha própria, pois o que não falta no mundo são pilas disponíveis. Mas poucas, creio, que tragam agarrado a elas, algum significado. Foi ela que formulou a resposta a uma antiga equação minha: «-João, tu andas a mortificar-te por causa das alterações de gostos da individualidade de outras pessoas.» É verdade, as pessoas mudam, algumas tornam-se mais parvas. Outras evoluem e amadurecem. Faço-lhe festas no rosto e consigo ver ainda as feições outrora juvenis, que constituiriam o seu encanto passado, bem como o crânio adiado da morte que nos esperava a ambos. Tive vontade de chorar, por nós, mas arranjei-lhe o cabelo com carinho, mesmo desviando ela, o rosto, como se não quisesse ser tocada por mim. Pela primeira vez, vi com claridade o desespero de alguém que me queria a todo custo não perder. «-João, tens o ascendente em Balança, o que é chato.» «-Chato porquê?» perguntei eu. «-Porque em Balança significa que pensas demasiado nas coisas.» «-E isso é chato para ti, não é?» «-Porquê?» «-Porque se eu não cogitasse nas coisas, era mais fácil engolir tudo o que dizes e fazes.» Riu-se, como que se apanhada com a mão dentro do frasco das bolachas. Estava no caminho final da sua breve passagem, e desabei em choro que só a deixou sem saber como reagir. Era ela que me ia fazendo festas no cabelo para ver se eu deixava de chorar. Na cara de cada pessoa, vemos, se olharmos com atenção, o rosto de Deus, mas também a história de cada um até à hora da sua morte. Para trás deixei as birras que ela fizera só com a finalidade de estabelecer que mandava nos dois, os afastamentos intencionais, os silêncios programados, para ver se me forçava a mim a iniciar conversa, tornando-me o perseguidor, ergo, aquele que tem valor subalterno. Estes joguinhos infantis que só me mostravam que ela jogava o mesmo jogo que toda a gente joga, inclusive as pessoas do seu passado. Para quê criticar ou trazer à luz? Há que dar aos outros a benesse de serem humanos à vontade, dando-lhes também corda suficiente. Recordo o caminho que fazia, depois de a trair com outras, pelas ruas em silêncio na noite alta, porque gosto de andar a pé, e olhar para os prédios dormentes, e perguntar porque não desaba em mim o mundo por virtude dos meus pecados e falhas morais. Lamentando cada barata que agoniza com alguma extremidade esmagada, até que a morte atrasada se apresse a vir, e a libertar. São às dezenas no pavimento cinzento da noite de Lisboa, pobres bichos que como nós, não pediram para nascer e para serem considerados pouco mais que merda ambulante, por quem não perde alguma vez, meia dúzia de segundos a pensar. As baratas, penso eu, de certeza que nunca observarão uma fêmea que se retrai emocionalmente porque não observa um comportamento que idealiza, na sua contraparte. Só mete o pezinho na piscina, se a contraparte já tiver água até ao joelho. Uma que foi Natal passado, dizia-me que as mulheres inventaram o amor. Não tenho a mínima dúvida. O amor como um paradigma propagandístico que visa fazer baixar as defesas, ou o espírito crítico. Precisamente como o ventríloquo faz com o boneco onde enfia a mão. Quando as coisas não correm como querem, ou de acordo com as rotinas ou padrões que assinalaram noutros, tornam-se frias, cabras, distantes. Deixá-las ser humanas. Deixá-las contorcer esmagadas pela sua incapacidade de trata cada um como o primeiro. Estamos condenados a levar com a merda que os outros lhes fizeram, ou elas fizeram a si mesmas. Chegava à minha porta e encontrava o senhor Alberto Lopes, muito parado e olhado fixamente para o sinal triangular de perda de prioridade, bem no meio da estrada. Então senhor Alberto, como vai isso. Eu ligava para a PSP que ligava para a filha dele o ir buscar. ‘-No meu julgamento perante a Providência, vou pagar por tudo o que fiz.» A discussão era velha. Eu dizia que Deus perdoa tudo, e ele dizia que não, que tinha encornado o seu primeiro sócio e que por isso, Deus aguardava por ele com a palmatória do Seu Ódio. Eu ainda argumentava para que serviria um Deus que não é capaz de perdoar isto de sermos humanos, o quer que signifique esse cliché. Mas invariavelmente chegava o carro-patrulha, onde Alberto ao entrar censurava os agentes, por o carro cheirar a tabaco. Ainda com a fita no pulso, do hospício de onde se evadira para vir olhar o sinal de trânsito à espera de alguém notasse que estava vivo, ainda. «-Não chores, João.» dizia-me ela, sofrendo mais comigo que com o fim próximo. Abraçando-a, ela percebeu que eu não chorava apenas por ela, mas por ela, pela minha cadela, pelas pessoas à minha volta que significam algo para mim. Que vemos o nosso definhar no rosto um dos outros. E sim, também aquelas a quem olhámos em silêncio, na expressão da sua humanidade, menos enlevada em cogitações de suplantação do umbigo comezinho, e mais entregues às visões limitadas de olhar para esta merda toda a partir do ponto de vista que o mundo é uma coisa pessoal que acontece a cada uma. E que ninguém sabe que pensamentos segredam ao travesseiro. Tirou a bata e mostrou-se nua, no meio do corredor, que achas João? Tenho as mamas ainda boas. Rodava como bolo em vitrine, para que eu olhasse para ela e a gabasse. Tropeçava nos tubos do plasma intravenoso, e eu pensava em mim como caracol que se arrasta no gume de uma lâmina e de que é preciso continuar em frente. Sofismava que ‘elas’ eram incapazes dessa lenta anulação por amor da verdade, sempre olhando para o gajo, a ver se as coisas são feitas com ‘equidade’, justificando para si, que se resguardam para não serem magoadas. Projectando nos outros as suas próprias folias e critérios judicativos de crianças de tenra idade. A sua inadequação, provocava-me compaixão, pois no mundo cão, os ingénuos são comidos e cuspidos fora. Numa longa sucessão de casos dolorosos, em que o sujeito nunca chega à compreensão da razão de ser do comportamento dos outros. «-Sou muito espontânea, João!» «-Pois és linda!» Dançava em torno de si nua, uma ou outra enfermeira fingia não ver. O desapego não me afastou dos outros. Apenas me permite que os possa perdoar, e acima de tudo ver-me como apenas mais um a quem tenho de pedir desculpas. Dançando nu num qualquer purgatório à espera que a morte nos leve pela mão, a mim e a ela, enquanto o meu julgamento não chega.
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Um objecto maciço de azul industrial brilhante que cobria uma multidão de milhares de dispositivos sob a pele metálica, sensores de todo o tipo a estímulos externos, com escrita a fino dourado percorrendo ambos os bordos, escrita mais ornamental do que para comunicar algo, passava defronte meus olhos, de forma serena, como que fazendo render o tempo, tal e qual uma nuvem que se arrasta indolente pelo céu, à espera de morrer gradualmente, ou de um calmo rio à beira de uma cascata..ou que um cometa venha e desfaça esta merda toda de uma vez. A calma antes da tormenta como prenúncio de obliteração. Sabia bem, que o desapego só dura uns meses. Acordamos meia dúzia de vezes juntos, e por fim cedem, e acabam por artilhar a sua vida connosco lá pelo meio. O segredo do sedutor, isto é, daquele que joga sem ser jogado, é prender e não ser preso. No fundo, a sedução, não passa de uma arte cinegética, onde tiramos partido de os pobres alvos não conseguirem ver o cano da caçadeira, ou conceber da sua existência. Seja o que for que o sedutor alimenta, existe para negar a humanidade, de si e do outro. Isto num mundo idealista como é para cabrões como eu. Mata ou morre, com ferros matas, com ferros pereces. Um dia comes o urso, outro dia o urso come-te a ti, e por aí adiante. Isto num mundo dos realistas. Em casa dela, sentado, olhava para as paredes tingidas com cores quentes, diria que africanas. Lanças nas paredes, bonecos em todo o lado, e de todos os feitios. Pede-me uns minutos e volta com um robe, sobre a lingerie que momentos antes me negara com um -«Pára, não me excites.» Fica contente porque me levanto da poltrona e vou como glutão, calcorrear as suas carnes, transmitindo-lhe um sentimento aprazível, que decorre de ser desejada. Beijando-a no pescoço e apertando-lhe as nádegas ao mesmo tempo, tenho de ir respondendo à mesma pergunta…achas-me atraente, queres-me comer, gostas das minhas mamas, já viste algumas pernas assim? O contraste da sua pele escura com a minha, destoa não fosse o calor que ambas trocam em cumplicidade herege. Roça seu corpo no meu, em espasmos que acho serôdios, empurra-me desajeitadamente para a poltrona, e rodando a cabeça como fã de heavy metal, chicoteia-me o rosto com o seu cabelo esticado e pintado de vermelho vivo. Desvio ocasionalmente o rosto das chicotadas repetidas, lembrando o quão estranhas são todas as pessoas, especialmente naquilo que fazem para tentar seduzir o outro. Ou excitá-lo. Esta deve ter visto isto nalgum filme, ou alguém lhe disse que é uma boa ideia. Jogara chicken comigo. Ou roleta-russa. Tentara aferir o meu ponto de suspensão, o quão pelo beiço estaria, instrumentalizando a sua atenção, como as crianças fazem quando descobrem que conseguem controlar o fluxo de urina. No mundo do jogo, perde quem se prende. É preciso arte para prender. É preciso compreender o universo e as suas leis imutáveis. Uma delas, é que o que brilha, é desejado, e não é por ser necessariamente ouro. Desde ver quem beija de olhos abertos, a reter as expressões claras de desejo, para que o outro não sinta ascendente sobre nós, e passe a controlar habilmente o acesso à sua intimidade. Ou, o contrário, bombardeando a nossa periferia dos sentidos, com promessas de amor e sexo irrestrito e incondicional, para nos arrastar para um contexto, onde sem ele, ela, o outro, a vida parece cinzenta sem a sua presença. Invariavelmente, sempre que caçando, e olhei para trás, lá estava o cano serrado de uma caçadeira nas mãos do que eu pensava caçar. É uma questão de disciplina, de não permitir que o que é e o que devia ser, não se misturem ou venham alguma vez a conhecer. As coisas são como são. Como deviam ser é na minha cabeça. As pessoas deviam ser mais dignas umas com as outras, eu incluído, pois Deus me livre, não sou nenhum anjo. Mas não. Calculamos, aferimos, julgamos, tudo o que achamos ser melhor para as nossas vidas. Para nós. Damos carne ao esqueleto instintivo, por via de justificações sofistas, que toma decisões por nós. A uma que havia perdido a atracção por mim, por se achar melhor, por não ter espelhos em casa, por ser solicitada por outro macaco mais bem vestido e imbecil como ela, dei com ela a dizer às amigas que havia perdido a ligação por mim, pois havia dado com nós os dois em minha casa, ela a brincar com o Candy Crush e eu a ler blogues no computador. Nem lhe passando pela cabeça que o nosso divórcio começara muito antes, e que apenas por gostar dela fui permanecendo. Mas como? Existe um gostar que não é suficiente para ficar? Claro. Um gostar do indivíduo que só nos anula, atrasa e empobrece. Mas que não conseguimos resistir, pois é da pessoa que gostamos, defeitos e tudo, rezando semanalmente para que nos largue, porque nós, por falta de amor próprio ou medo da dor que sabemos vir no correio, não conseguimos largar. Nós tínhamos acabado assim que percebi que aquele brilhozinho nos seus olhos, decorrente de me achar um prémio, desaparecera. A primeira vez que fodemos, olhei para ela, e ria-se, de felicidade, de contentamento. É quando sabemos que o outro está ali com todo o seu ser, sem reservas, e não quereria estar em lado algum, a não ser ali. Aquela altura, e também depende do tipo de gaja, em que se dissermos que vamos assaltar um banco, ela salta para o carro para meter o motor a aquecer. Mas o tempo, roeu essa imagem de mim, nos seus olhos. Tal e qual como a Esfinge por milénios de sol e chuva e ziliões de pequenos fragmentos de areia soprados contra si. Contra mim. A minha imagem a seus olhos é também minha responsabilidade. Mas acredito, lá está, mais no que deve ser, do que naquilo que realmente é. Que uma tshirt rota por a puxar do estendal, desbotada por meia dúzia de lavagens, não me deveria desqualificar, pois só o ‘amor’ importa, não é? Infelizmente o rouxinol não canta assim. O macaquinho ou a roda de hamster do outro lado, interpreta esta negligência como um sinal de desleixo, de que eu não tenho amor próprio suficiente para me preocupar com a minha própria imagem. Ergo, o segredo está sempre no mesmo, somos bichos de imitação, e se algum não acredita em si próprio e O DEMONSTRA, ninguém consegue acreditar nele. São portanto, as relações, análogas a uma peça teatral contínua, de gestão de imagem, de controlo da percepção do outro. De esconder o facto de que nos peidamos, arrotamos sem querer, ou que a casa de banho cheira mal depois de sairmos. Que não ganhamos trocos suficientes para parecermos autónomos, ou a braços com contas ao fim do mês, que não conhecemos o restaurante da moda, exprimindo assim um anedótico conhecimento do ‘nosso’ mundo e tempo, que nos torne válidos, o quer que seja que isso signifique. Escolhemos idiotices para dizermos uns aos outros, e fingimos profundamente esse acreditar em nós, essa proactividade e convicção, para sermos apreciados e valorizados, uns pelos outros. Jogos de congruência, onde uma morde o ombro quando a como por trás, outra, sendo introvertida, fingindo gostar de foder em locais públicos. O olhar atento consegue perceber quando é a manipulação do outro, da nossa percepção, até ao ponto em que a intimidade nos prende, e ficamos como peixe preso no anzol. Porque são os nossos sentimentos que nos prendem. O velcro. A rejeição, a mentira, quase nunca são relativas à nossa pessoa em concreto. São expressões do macaco interno, demónio camuflado de livre-arbítrio. Tal como, e aqui jaz a tua ilusão, o apreço, a aceitação, o ‘amor’. Reflexos de reflexos de reflexos, reflectindo outros reflexos parecidos. Apertando a realidade pelos colhões, o real não passa daquilo que os teus olhos não querem ver. Porque é preferível viver na realidade que a nossa mentalidade inventa, que na crueza do que seja o mundo, naquilo que é. O véu, por cima de todas as coisas. A mão do titereiro enfiada no cu da marioneta. E a pergunta mantém-se, quanta verdade, és tu capaz de suportar? Que por exemplo, o Rodrigo, que é uma jóia de pessoa, se fartou de chorar à noite, e com mentalidade de coaching negativo, divisou um plano de conduta ao contrário do que sempre tivera. Trata de forma bruta e rude as tipas com quem se envolve, engodadas pelas suas certezas absolutas e exuberantes, fodendo esta e aquela, de encontro a um guarda-roupas, largando-a inerte no chão assim que se vem e vai ver a bola para a televisão da sala. O seu instinto seria de a abraçar e beijar, mas sempre que procedeu assim, nele cagaram. Senta-se na sala a ver a bola e a lamentar os modos deste mundo, e a incongruência que sente no fundo. Mas o comportamento é reforçado, porque conseguiu reduzir a taxa de abandono. A sua dúvida pende entre a rudeza e a assertividade nova, que introduziu no seu comportamento. Ou a Ana, que finge, se esconde, do mundo e das pessoas, desde que se conhece como gente. Vive apenas através da personagem superficial que lhe garantiu apreço dos outros ao longo dos anos, e como acha que não é passível de ser amada além disso, anula todas as outras expressões do seu ser, para se focar na sua percepção que garante resultados. A sua ficção. Mas é incapaz de se anular completamente e tenta por todos os meios procurar a validação exterior que lhe permite viver com o seu pálido reflexo, a aprovação dos pais e da família, sobre esta pequena parcela de individualidade artefactual, ou para o seu grupo de amigas promíscuas e culturalmente indigentes, amarguradas por a passagem dos anos as ter privado das opções sexuais, de antigamente. Porque sabe não merecer melhor. Sabe o logro que é, a traição que opera a si mesma, mas não consegue ser diferente. Estica-se como criança, sobre mim, espetando os cotovelos no meu peito, provocando dor. Olho para ela perguntando-me se sabe que os cotovelos assim como adagas, magoam, se não tem consciência ou faz de propósito para ver a minha reacção. Pede-me para lhe programar a box da tv, pretexto que me levou a casa dela, a seu convite. Ao lado da box, uma caixa de preservativos e dois tubos de lubrificante, um com cheiro a menta e outro a baunilha. Abraça-se sôfrega a mim, e enche-me os ouvidos com a língua, no que considera ser erótico ter muco auricular, não percebendo que a temperança salivar é bem mais aprazível. Mas não a vou envergonhar dizendo que está a fazer algo menos bem. Suporto como soldado, mas começo a reparar nos objectos pendurados nas paredes, que não percebera antes. Um é um pentagrama. Os bonecos que eu confundira com a parafernália que as gajas metem nos vários espaços para efeitos de enfeitar, eram bonecos espetados por agulhas, cravejados de alto a baixo por lancinantes lacerações por via de minúsculos floretes. Algo deste género estava prometido que me acontecesse. Andar com tanta mulher e eventualmente cairia nas mandíbulas de um predador além dos arrufos de namorados. Um predador bem mais sinistro e investido na captação da alma dos visados, petrificados em máscaras que enfeitam as paredes. Bem me enganou, fez-me sentir tão à vontade com a aparência de um lidar franco, sem fingimentos ou artifícios que se cheiram a léguas, e que nos levam pela suposta intenção que os anima. Engodado que estava pela pureza e honestidade de uma relação não predatória ou calculista, como se fosse possível a um humano considerar os interesses do outro tanto como os seus…que não vi os sinais de perigo, a frieza de análise, os olhos vermelhos, e a voz sedutora de mão dada com a fácil sensualidade com que me acariciava o rosto. As nossas ficçõezinhas construídas para engodar os outros e a nós, pois somos uns filhos da puta a verter ouro falso, para manipular a nossa percepção de nós mesmos. De forma análoga, a capacidade de prender o outro, com os nossos afastamentos, as nossas promessas, os nossos corpos. Dobramos os sinos à morte das impressões iniciais, quando vemos sinais no outro que já não nos trata com tanta deferência, com tantos sinais de que nos vê como algo de tão valioso no mundo. Quando a aparência de desilusão percorre o seu olhar, lamentando a perda de tempo do seu investimento emocional. Quando nos dá por garantido, uma desilusão garantida. Quando vemos o reflexo do nosso rosto, nos olhos do amante, devolver a imagem grotesca da nossa face, o único reflexo que nos importa, não do espelho, mas de quem queremos para nós. O longo limbo do nosso medo de haver manipulação ou fingimento por detrás dos olhos fechados que nos beijam, que espreitamos para confirmar se os nossos medos são reais. Viciamo-nos nas fases de enamoramento, no viço inicial que exige de nós as melhores ficções que forçamos goelas abaixo, porque queremos acreditar, que vivemos o amor, que amamos, mesmo que seja só a ressaca da dopamina e oxitocina que nos torna a vida de drogados, um pouco mais suportável e afastada do lento ocaso prometido às nossas vidas. O velcro, com uma face suave, e outra agreste, a procura dos contrários e o vómito dos semelhantes. Com força se cortam as ligações emocionais entre quem se amou e partilhou segredos. Até ao momento da ruptura, que é o momento em que um, se decide colocar a si em primeiro lugar, sobre o pacto anteriormente contraído em eflúvios de loucura temporária. Gerimos o velcro das nossas relações, para não mergulhar de cabeça no mar largo. Para ter alguma ilusão de controlo, controlo que não passa de ilusão. Literal. Escolhemos a mentira, como o menor de dois males. Rodeado de velas acesas, refastelo-me com o verter do meu sangue sobre a minha pele, e um ruído crocante e final separa a minha cabeça do meu torso, inebriado pelo calor do mijo e do sangue do meu corpo desintegrado. Que a minha morte te seja aprazível, ó puta. No fundo fazes-me o favor que eu pretendia, a morte como distracção para a vida. Como aquele herege com tons de aço vítreo, à chuva na rua debitando salmos de arrependimento. A luz solar mudando de matiz consoante os anos, queremos a felicidade adequada, dançar em torno do abismo, fingindo que nunca nele cairemos. Lembrei-me de certa vez, enquanto aguardava pela minha namorada da altura, na zona da restauração do Colombo, (ou seria do Vasco da Gama?) de olhar para as caras das pessoas que passavam, e julgar que estava a ver o rosto de Deus. O Seu rosto, é o rosto de nós todos reunidos. Ideia parva, eu sei. Tenho um amigo que escolhe propositadamente ‘as malucas’. Todos aqueles indivíduos mulheres, que de uma forma ou outra apresentam traços de neuroses, psicoses, traumatoses, pancadoses. É um fiel crente de que maluca na cabeça equivale a maluca na cama. Eu discordo, em parte. Não é bonito olhar o abismo, e percebi isso enquanto ela me chupava a pila e repetia ad nauseam, que a minha pila era pequena. Já anteriormente me tentara menorizar dizendo que sou baixo, apesar de ela ter 165 centímetros de altura e parecer uma anã ao meu lado. Calo-me, escuto, observo, analiso. Concordo e amplifico. Que tenho de usar banquinho para a comer de costas. Que me pode usar todo o dia às costas, e chamar-me ‘mochila’. Aproveita o facto de eu estar sentado no carro, teso, mas com metade da dita, espreitando para fora. Que sabes João, eu gosto de pilas grandes, e o meu primeiro namorado tinha uma que parecia a cauda da Godzilla. Direito à jugular. Crente de que tudo o que sente é correcto, acha que me abana, que me provoca uma reacção emocional, tocando nos pontos tradicionais da frágil masculinidade. Concordo e amplifico. Digo-lhe para ver os pontos positivos da minha micro pila. Nunca mais precisará de comprar palitos para palitar os dentes. Que tem a higiene oral garantida, que lhe permitirei usar a minúscula coisa como fio dental. A redução ao absurdo, cala-a por instantes. Não arranha com os dentes. Pára algumas vezes para olhar bem para o meu falo, como que matando saudades de algum velho conhecido de quem se esqueceu das feições. Volta ao ataque bocal, quando exclamo meio murmurando: ‘-Que bom.’ Não posso censurá-la moralmente. Ou melhor, não devo. A estupidez da coisa é tal, que sei que na cabeça dela faz sentido. Mesmo que eu retribuísse infantilmente, fazendo pouco de algum seu atributo. Se lhe dissesse que por vezes passo alguns momentos a avaliar se o seu feitio emana de alguma deficiência ou trauma, ou de uma original idiossincrasia individual. Goza com o facto de eu morar com a minha mãe, que quer homens independentes, não conhecendo de mim muito mais que o carro onde estamos, e a personagem que represento para ela. Um chorrilho de lugares-comuns, repetidos até à exaustão nos escritórios, nos refeitórios e nos filmes de Hollywood. Apesar de tudo, o broche agrada-me e sei lá porquê, dou por mim mais entregue a lembrar Luísa, que a celebrar a rega do meu nabo ressequido. Luísa era a mulher de um amigo meu, que o rebaixava sempre que tinha hipótese, de maneira a que ele não a largasse. A coisa ficou pior quando ela ficou mais gorda, após o filho de ambos, e ele acabou por a largar, não pelo aumento de gordura, mas porque atingiu o ponto de saturação em relação ao que hoje pomposamente se chama de ‘assédio moral’. Pura e simplesmente era uma cabra, por insegurança. Há sempre uma desculpa, não é? Certa vez, descendo pela avenida que ladeia as Amoreiras, após recolha do seu marido que tinha estado internado no hospital, fez a avenida toda, a conduzir e a queixar-se de que ele não a satisfazia na cama, tinha o sexo pequeno, isto e aquilo. Senti-me desconfortável, mesmo sabendo que exageram quando apanham os melhores amigos do marido, a jeito de ouvir. Eu já farto, e não estava casado com ela, perguntei porque é que me contava assuntos do foro íntimo, que não me interessavam, e que me custava estar a ouvi-la falar assim do meu amigo. Indignada, mas em silêncio, passou o resto da viagem a tentar seduzir-me para a sua causa, vendo que a sua manipulação não surtira efeito em mim. Baixo, pequeno, menino da mamã. Que mais irá ela usar, por insegurança, ou manifesta má formação. Que diriam de mim, as imaginárias pessoas a quem eu dissesse que tinham a cona esbardalhada, as mamas descaídas, ou a vida afogada em mágoas por culpa própria? Que diriam de mim as pessoas, se eu esfregasse na cara das indefesas fêmeas, o total âmbito da sua responsabilidade, a total ausência de método de pensamento que não determinado pelo momento, ou a incapacidade de entrega e crença, em amores após os 30 e poucos anos? Que eu era um cabrão, evidentemente. Porquê tolerar então, esta malta, que a encoberto de ser fêmea, anda por aí a sentir que faz bem, cuspindo vergonha tóxica para os outros? Daquela vergonha que por mais que esfreguemos com palha de aço, não nos sai do corpo e da mente? Cujo resultado, é algumas vezes, o fim do túnel, cuja claridade é o flash do disparo da pistola com a bala em têmpora mole. Sim, de certeza que as estatísticas revelam alguns casos de gajos que se mataram, por terem sido desqualificados, pela pila pequena, pelo feitio plácido, pelo falo flácido, pela reduzida estatura, pelo azar genético? A nossa vida é um eterno, até à morte, recreio de escola, aparentemente harmonioso, mas que ao olhar atento aparece como um cruel terreiro, de terror, violência, manipulação, hierarquias. O contexto não muda, só as aparências. O tratamento ostensiva e directamente hostil, das mulheres que não nos desejam, como castigo aprendido na escola primária em que as meninas não brincavam com uns, e brincavam com outros, guardiãs da aprovação e atiçadoras, por vezes, dos que tinham na violência, algum papel útil no seio da pequena macacada. Assim estava esta, a repetir padrões serôdios a partir do seu sentir. Sob o sentir bem, tudo se justifica. O macaco interno ou a roda de hamster, a encontrar racionalizações para a decisão tomada a priori e sobre critérios inconscientes q.b. para o indivíduo. Ao apelo de um colega de trabalho, a justificação da traição porque o marido ou namorado não lhe deram a atenção devida. Encornar a esposa, porque não lhe dá sexo há um mês e portanto, por ter necessidades, há que recorrer a transitários externos. Todo um reino de desculpas, que nos vedam a imagem de nós mesmos como marionetas, e, de um ponto de vista moral, cabras e cabrões. Os comportamentos de desqualificação dos outros, como ferramenta inata para o corte emocional, numa rapsódia de deve e haver existencial, onde todos, todos fingimos, perceber e jogar bem o jogo. Isto não é um lamento, apenas um murmúrio de desejo, que fosse diferente. Especialmente, que não se debitasse até ao vómito, as loas ao ‘amor’, com música barata e sofrível, onde se declara a um outro, que se é a alma e coração, como se isso espremido fosse algo mais que outra forma de bajulação exagerada do sentimento de apreço que vamos sentindo uns pelos outros. Como se a tipa com filhos, alguma vez tivesse lugar liceal para o novo amante, que lhe disputa o coração com o ex marido, os filhos, os cães e gatos, os pais, os amigos…seja qual for a ordem que sofrem todas estas variáveis. Coração quarentão, é um túmulo adiado. Mas, como, pelo mal e pelo bem, me recuso a deixar de rir com a situação, as tentativas de me mandarem abaixo, passam ao lado, pelo menos o suficiente, para não deixarem de ser algo mais que argumentos para textos. Esgotado o reportório, perguntam-se como me mantenho de pé. Como posso ser tão confiante, mesmo após as críticas, os ataques de vergonha. Como não vacilo, onde tantos outros, após olharem directamente para a Medusa, ficaram petrificados. A resposta é simples, não jogo com os critérios delas. Bem fodido estaria. E aí lembrei-me de Flávia, que fazia broches bem melhores, e não é cabra. Ela dizia não entender porque não recebia o apreço, o valor que achava merecer, por parte dos homens, porque sabia pintar paredes, escrever argumentos, construir cenários cinematográficos e rebocar muros. Ela e eu sabíamos a resposta a esse desabafo. Mas não o dizíamos em voz alta, para não a magoar. De modo que a questão se mantém, para tu que me lês. Podes responder, porque foste tão cabra para mim? Que fiz eu concretamente de tão errado, que merecesse as putarias infantis que praticaste? Que crime justificou o castigo? O que te leva consistentemente a ser uma puta de merda para mim, e a esconder continuamente a mão que flagela o chicote da minha pena sob o teu juízo? És simplesmente trapalhona, ou uma má desculpa para ser humano? Ou pura e simplesmente um animal dotado de razão, mas não praticante, meramente entregue aos instintos? Ambos sabemos essa resposta. E é nela que se baseia o teu silêncio. Qualquer notícia de mim, é um lembrete para ti, do quão estúpida e má és ou foste. Uma nódoa nesse vestido branco, que o teu ego pinta para ti. Os homens não são muito melhores, não penses que isto é sexista. Somos cabrões uns para os outros. E facilmente nos esventraríamos a pedido, das nossas donas. Mas não partilho afectos com homens, partilhei contigo, e por isso é tão incompreensível, como conseguiste ser tão cruel e imbecil. Juro que não entendo. Teres o esforço de ir além, na estupidez, como que se ressabiada comigo por já não te atrair, como se a culpa fosse minha, réu, sob holofotes do carrasco e juiz, tu. Enfim, concordo e amplifico. Deixo que se enforquem com as suas próprias personalidades. Finjo-me de parvo, morto. E observo. Avalio o indivíduo que acha que ainda estou encadeado pelo brilho do efeito da sua beleza nos olhos do meu desejo. Além da pantomina, observo-as quando não estão a representar, distraídas. Fazem parte da vida, vês?! Como uma paisagem que se desenrola à minha frente. Uma paisagem que me chupa a pila. Fui a Pombal buscar uma máquina de costura, que alguém vendia barato, por fecho de actividade. Dá-me mais prazer limpar e fazer a manutenção minuciosa dos equipamentos, que propriamente a função a que se destinam. Cheguei antes da hora e após a transacção, enquanto falava com o casal que me vendera o equipamento, reparei num cão do outro lado da vedação, imóvel a um Sol inclemente. Só a custo reparei que não tinha olhos, comidos pelas moscas e pelos corvos. Notei também que era velho e o cadáver estava gordo, mas ainda assim, fiquei a olhar ostensivamente para as pessoas que em frente ao cadáver, nem pareciam ter consciência do mesmo. Que merda de morte, passando horas sem alguém saber que se é morto. Não cheirava mal, pelo que o cão morrera recentemente. Não sei porquê, não mencionei directamente o caso. A empresa que fechara portas era uma empresa de caixões e a máquina de costura servia para costurar as imitações de seda e veludo das caixas onde se metem os mortos. Em frente à fábrica, havia uma outra de lápides, e pelo que me apercebi, toda a especialização naquela zona, na Guia, era a indústria da morte, de todo o tipo de apetrechos e liturgias em torno da mesma. Eu não sabia se o cão era deles ou de um vizinho. Mas sabia que me queria vir embora o quanto antes, dali. Um pouco antes de Peniche, toca o telefone, e uma Sheila com quem eu andara a trocar mensagens, marcava um encontro. Pela altura da minha conversa pouco convencida, sabia que se não alinhasse no encontro, mesmo não me apetecendo, a potencial cachopa, cortaria comunicação. Anuí e combinei às 20H30 em frente ao Parque Urbano. Pelos vistos agradei-lhe, pois não arranjou nenhuma desculpa para se ir embora, e fomos falando até às 2 da manhã, já dentro do meu carro porque entretanto a noite ficara fria. A mesma conversa de sempre, sobre a excepcionalidade do seu carácter, e o olhar de enfado quando digo que as redes sociais tornaram os telefones das mulheres, em sacos de pilas, e os homens em comodidades. Começámos nos beijos nas bochechas e eu rapidamente evoluí para tentar beijar a sua boca. Tenho um dente do siso para arrancar e calculo que a minha boca cheirasse pior que um cão morto. A pergunta que mais fazia era se eu me sentia atraído por ela. Tanto o repetiu, que por compaixão, lá lhe fui enchendo o ego, como se fosse um pneu recauchutado. Claramente precisava de sentir-se desejada por outro, para se sentir bem consigo mesma, e poder lidar com a passagem inexorável do tempo. Estávamos a despedir-nos um do outro há uma hora, quando ela sai disparada do carro, e noto que de costas, no seu vestido vermelho, havia uma enorme mancha de algo molhado. Foi-se embora no seu carro a todo o vapor, sem olhar para mim que como cromo, dizia adeus para o éter. Bate-me de repente, que se tinha o vestido molhado, como estaria o banco. Olhei para o banco e uma enorme mancha de humidade, escura no banco escuro. Que caralho era aquela merda? A minha primeira ideia era de que seria algum líquido orgasmático decorrente de eu brincar com a sua orelha na minha língua. Passsei dois dedos e cheirei. Era inequivocamente, urina. Mijara-se no meu carro sem qualquer justificação que me ocorresse. |
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Outubro 2024
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