A foder também sou de esquerda.
O meu envolvimento com o outro implica não uma troca de serviços com plano de regras - implícita ou explicitamente - conhecido previamente e sujeito às leis de mercado, mas um compromisso entre um grupo de pessoas (geralmente duas) em desenvolver uma vivência que beneficie ambos. O modelo neo liberal de foda é muito mais simples e despojado, mas o cabrão do cérebro, o meu pelo menos, desafortunadamente não me permite essa ligeireza de afectos. Talvez tenha a ver com a sobrevalorização decorrente de uma infância e adolescência indigente em vulva. Talvez tenha a ver com a ideologia burguesa. O excessivo peso que a malta de esquerda coloca no desejo, é a antítese do que a vox populi propaga. Não há a dissolução da individualidade numa supra mente colectiva, da mesma maneira que liberdade não encontra definição na possibilidade de escolha entre mais de duas marcas de pasta dentífrica. A ideologia dominante segundo a qual numa mundividência competitiva, aqueles que se erguem acima da mediocridade merecem o que seja que a vida lhes oferece, é um fétiche de elevado grau, cocaína intravenosa para o ego, através de uma auto imagem de vencedor, aprazível e aparentemente edificante, o indivíduo se vê a si mesmo como algo destacado dos demais, especialmente daqueles que considera ' abaixo '. É portanto natural, que muita da malta que vem debaixo, da merda, da indigência, se metamorfoseie em encomiastas do Homo homini lupus. Alimento para o ego. Susana gostava de brincar com os corações dos homenzinhos que cativava com o seu sorriso. Brincava como gato brinca com pássaro semi vivo em peças de mestre de marionetas. A vulva e a promessa de sexo eram o engodo, mantido com apetite libidinoso e desenvoltura encenada mesmo ao jeito como nós gostamos de loucas na cama, como diz a canção. A malta de programação neo liberal procura nos outros a semelhança que os eleve, a malta de esquerda procura nos outros a diferença que os una. Preferem mergulhar nas características de cada sujeito com que se envolvem, dos próximos, conhecê-los e isso exige tempo. Os outros não. Tendem a fazer ouvido mouco às profundidades psicológicas – além do conceito de interesse próprio numa lógica de ter e de haver – e assim, na mais profunda convicção nos seus compromissos ontológicos, podem passar de mão em mão, sem qualquer achaque de consciência ou introspecção judicativa, pelos corpos e mentes dos outros, aqueles que como res extensa partilham um espaço geográfico. A simplicidade deste raciocínio só confirma a sua veracidade, a seus olhos. É muito mais simples arrepiar caminho, que pensar fora da gaiola do hamster. Formatada pela doutrina do ISCTE, Susi era a maior das defensoras da ideologia da selva. Em duas ocasiões pudemos comprovar isso. Os jantares fartos e as sessões de fornicação são geralmente ocasiões em que a língua facilmente se solta e relaxado o corpo trai a tensão nervosa da personagem representada e dos limites e cautelas do agir. Em duas ocasiões soltei frases, como velho passarinheiro, e aguardei a reacção. Não foi manipulação pois acreditava em ambas. Ela adorava falar dos seus ex, especialmente para evidenciar a forma como a tratavam, obviamente a anos luz de como eu tratava, e carregava na questão dos imensérrimos orgasmos que lhe davam, e por vezes da simpatia com que todos os aspirantes a companheiros de alcova a tratavam, pelos bares da zona saloia, por sms, nos elogios fáceis na consideração, nas deferências que polvilham todos os chacais que tomam a oportunidade como modus operandi. Verdadeiros pescadores de corpos e aventuras, espalham as redes por largos territórios de coxas e mamas, aguardando os desenvolvimentos das fragilizadas até que mordam o isco. Não cessa de me divertir a forma como branqueiam esta forma de proceder. Eu e tu sabemos que é o método dos abutres. Parece que através de uma pedra filosofal no âmago da sua alma estes condores que pairam sobre as promessas de amor, são empreendedores arrojados e primos de bucaneiros, que o coiro barato e mais que curtido, são prosas de Camões no alto da sua inspiração. Se lhe dizes que são máscaras que engorduram seu caminho até à cópula, xingam-te por pensares coisas dessas tão baixas e erradas. Eu disse ' Sou o melhor gajo que conheço.' Naquele seu jeito tão característico de quem acha uma aresta, parou de pensar no seu expediente ondulando a perna flectida, e olhou-me com surpresa de quem acha um defeito. Qualquer bípede pertencente ao espécime Sapiens sapiens sabe que é impossível ajuizar matematicamente em causa própria desta forma. Por causa da escala. Por causa da inexistência de critério. Mas ela levou a sério a afirmação. Disse que eu era maluco. Fica sempre bem dizer que sim, que o objecto de amor tem razão. Só provou que eu não era de facto objecto de amor. Noutra ocasião, desta feita num restaurante, disse que era o mais normal que conhecia. Voltou o seu riso zombeteiro. Para ela, e todas as outras sedutoras magoadas, o conceito e a sua insustentável leveza são mesquinhices de merda, próprias de nerds. Acreditam tanto na validade da experiência própria que todas as dissemelhantes não podem ser respeitadas. E por isso, o outro, é cilindrado na sua diferença, especialmente se não falar na sua linguagem. O idealista, ou o que pensa fora da box é tratado como se disfuncional na apreensão da realidade, exemplo patético do looser, ou fraco darwiniano. Convicção e sinais de fatal sabedoria, juntam-se à testosterona e testemunham os dias do fim dos homens. O tipo de esquerda cai com os burros na água permitindo-se desenvolver sentimentos de afeição, por esta categoria de pessoas que tem em comum a ridicularização das relações entre indivíduos que não se baseiem em justificações psicofisiológicas ou egocêntricas. Que não apliquem as leis de mercado à paixão. O menos cínico está do lado que parte a corda. O sinistro.
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