Essa ilusão trouxe-me alegria, parecia ser humana.
Mais tarde confrontada com esse raro momento apelidou-o como um acto de cumplicidade entre duas pessoas.
Fiquei a pensar nisso. O cuidado em não dizer manifestação de amor, mas sim, um acto de cumplicidade.
Não poderia sentir amor, coisa vaga e sem contexto definido.
A mulher hodierna que trata a vida por tu, vai além da foda e do envolvimento emocional. Não se entrega, especialmente a merdas que a podem magoar, e às quais no fundo já não dá uma migalha de crédito. Estas mulheres adoram-se sentir emancipadas através da frigidez emocional. Maturidade para algumas delas, não é a consciência do abismo que faz borrar os pneus, maturidade é a recompensa de se terem condicionado a não sentir, a procurar as estradas menos sinuosas onde a serpentina da paisagem passa por caleidoscópio da rotina do entulho.
Exultam nos seus vestidos negros voluptuosos pela capacidade em controlar o sentimento ou nada sentir, por claro contraponto ao estrogénio da puberdade.
Confundem o estar-se vivo com fígado de boi cru em mar de tubarões, o frenesim da fome passa por celebração de vida.
Ao vir-se reservam-se ao sentimento do seu corpo, e ao fazer vir, enaltecem com a perfeição técnica a vaidade da sua alma.
Dois celebrando a vida através de esporra e ofegantes espasmos, faz parte de um quadro asséptico e calculado, normal como um mundo sem deuses.
Dois celebrando a vida através da missa que o corpo em Agnus Dei derrama, religados após extenuação celular até às mitocôndrias que arrebanham os lençóis, de mão dada e felizes por juntos, é ideia estranha e tomada por ficcional e digna da pena do leproso condenado ao ostracismo de rarefeito contacto humano.
A tudo o que lhes confirme a lógica e a fantasia dão valor.
Á criança que sentia outrora, contrapõem a madona pétrea e calculista como forma de sentirem uma evolução naquilo que chamam de vida.
Cumplicidade implica mais um acto consciente e adulto que se pratica a encoberto de uma noite social em uníssono com outra pessoa cada um fechado na sua individualidade, pois é isso que significa ser adulto. O auto controlo, a noção da nossa falência por cada pecado que inevitavelmente cometemos…cumplicidade…é tão seco ser adulto e pode até deslumbrar como videoclip de uma radicalmente nova música, mesmo que use as mesmas notas, cumplicidade do mesmo coração desgastado pela repetição aborrecida dos amores e desamores, onde a entrega já não é possível senão enterrada na mesma imaginação fácil e em solitude, que a arrasta para a acção, mas depois a faz escarrar para cima daquilo que acha que já controla e domina.
Assim o cúmplice é aquele que pactua com a sua própria relativização enquanto ser humano que endoidece pela foda e pelo toque da carne, pela carta aberta e cheque em branco em devassar o corpo do outro com língua luxúria saliva e suor, para o caralho com a cumplicidade.
Apenas o frio e a seca, os despojados de sentimento falam em felicidade adequada.
Vivemos num viveiro de gente desapaixonada dedicada a celebrar a sua fantasia de verniz, incapaz de acometimentos e loucuras descontroladas, cada vez mais ficções de si mesmos, e tal como So, com as raízes secas como planta defunta em vaso de terra desidratada.