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25 carícias de guerra   -  1 de 25

16/6/2023

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Fotografia
1
O meu filho não me fala.
Crescemos longe um do outro, conhecendo-me de passagem nos fins-de-semana da sua vida, vendo-me quase sempre ou dormindo ou anestesiando-me em bebida…em casa ou nos dias de praia idos nas nossas vidas.
 
O nosso casamento, vejo-o agora, não era senão um contracto na cabeça dela, encoberto para ambos. Eu pensava que o contracto era a troca de amor, o quer que isso signifique. Creio que a início, me amava por ficar bem na sua fantasia do mundo, do futuro, do que é suposto ser uma existência humana. Agora, despreza-me de todo, não conseguindo não o fazer, e sem saber porquê. Algo se perdeu, ou se transformou, no caminho e na tradução.
 
A minha falta de amor-próprio sempre me impediu de não ver como inquestionável, a razão da escolha dela por mim. Como se quebrasse algum feitiço, ou se usando cogitação, de alguma forma me quebrasse a ilusão que me era tão querida, que me escolhia por mim. Que o muindo de alguma forma, me dava um afago, uma consolação, da sua falta de simpatia pessoal por mim, até ao momento.
Finalmente, o meu navio chegara ao porto. As rejeições passadas, as crueldades e sacanices de gajas estúpidas de quem gostei, os descolhoamentos de gajos que interiorizam que uma mulher bonita no braço é uma prova de sucesso, e que por isso eu era um alvo de chacota, por quem ninguém se ralaria por ser gozado e rebaixado na consideração no mundo geral dos outros.
 
Para um gajo baixinho e magrinho como eu, uma mulher bonita seria um porto de abrigo para o meu sentimento de inadequação, e para o despeito em surdina com que os outros nos tratam. Ao menos com namorada, os outros ficam sempre com a ideia de que há em mim um quid qualquer, passível de ser apreciado.
 
Lembro-me dela, percorrendo a distância do centro cívico (onde nos viemos a conhecer) para a paragem do autocarro.
Sempre agarrada ao telemóvel, por vezes gesticulando e falando em voz alta, com alguém que parecia ser pretendente do outro lado, e eu sonhava um dia ser esse alguém do outro lado da linha.
Sempre solicitada, esbracejando o telemóvel no ar, sempre com aquele ar de quem tem de gerir ser o centro de atenção do universo em determinado ponto do momentum cósmico.
Sempre bem vestida, com um rosto decidido de quem olha o horizonte com toda a confiança disponível.
Um dia, no meu Opel Corsa GT, comprado com o dinheiro poupado no trabalho de fiel de armazém, senti-me confiante o suficiente, para lhe perguntar se queria boleia para casa, num cálculo inconsciente em que me vi como alguém com algo a dar em troca pela sua atenção.
À saída do centro cívico, onde eu ia regularmente jogar bilhar, perguntei-lhe :«-Queres boleia?»
Primeiro olhou para mim, depois para o carro, não tão comum nos idos anos 90.
Olhou para mim, reconheceu-me da multidão que vira a caminho das aulas de francês no dito centro.
Desligou rapidamente a chamada ao alguém do outro lado da linha.
A boleia tornou-se regular, e descobrimos que os nossos pais eram oriundos da mesma aldeia.
Antes da aproximação de sermos namorados, fez-me desempenhar um cortejamento complexo, com avanços e recuos, que visava menos a satisfação do desejo, que o estabelecer e reforçar, quem era o prémio na potencial relação.
Estávamos em idade de mostrar o nosso estatuto de adultos e fazer o que todos fazem.
A 3 ou 4 meses do casamento marcado, o seu comportamento comigo esfria, e quando falo com ela ao telefone, por vezes desliga rapidamente a chamada.
Deixa de me ligar e atender as chamadas, e que precisa de pensar.
Desmarco a cerimónia, mas 2 meses depois volta, extra doce, mendicante, e submissa de uma forma que eu não conhecera antes.
O sexo torna-se uma promessa de exaltação futura, sem fim, sem tréguas, sem condições.
Deduzi que havia voltado por causa da desilusão com a verdadeira selva do mercado da carne, que por contraste, me mostrara a seus olhos, melhor que todos os outros, mais de confiança, maduro, estereotipado. Concluí que as más experiências, ou a complexidade do espírito feminino a tinham feito regressar a mim, e o alívio de saber que afinal não pressentira as minhas fraquezas e se afastara por elas, fazia-me sentir mais calmo e menos amaldiçoado.
 
Estava aliviado por me ter visto como a melhor escolha, e a potencial traição, ela não falava do período de nojo, não me impedia de ainda gostar dela.
Casámos, e gradualmente, vai-me isolando dos meus amigos, com a minha colaboração.
Justificava para mim, que é o caminho das coisas, focado apenas na minha família e na mulher com quem decidira passar a minha vida.
O meu hobby de estofador, relegado para a garagem da nossa casa nova em comunhão de bens, os meus gostos pessoais num enclave afastado do centro da área não marginal do lugar familiar.
O meu hobby, os meus amigos, retirados do meu centro de existência, por sacrifício com as suas ideias decorativas e o seu escritório de explicadora de francês.
Fodemos quando lhe apetece, quando fazemos anos de casados, afinal o corpo é dela, e não a posso forçar.
Aprendo a eliminar o desejo que me dava conteúdo, antes de a conhecer. O período de sexo farto do primeiro ano de casamento, desaparecera, e digo para mim, que foi pelo miúdo, que ela deixou de me foder apenas depois de engravidar.
O que parece ser comum nas mulheres.
Censuro-me por exigir-lhe que queira foder comigo, na frequência com que me apetece estar com a mulher que amo.
Vivo a pensar que sou um cabrão, com ela que tanto se esforça na vida da casa, apesar de eu me sentir uma merda de homem quando ela está presente.
Mas se calhar a mulher é também ela uma condenação do mundo, que aprendi a aceitar, como não estando a meu favor. O que calha bem, porque também não penso muito bem de mim próprio.
Habituo-me a pensar que a vida é isto, e sei que no fim do mês, o meu ordenado compra por mais um mês, a sua tolerância, algum do seu placebo de apreço. Sou útil enquanto trouxer o bacon para casa, digo para mim repetidas vezes.
Ao longo dos anos refinou a manipulação, e neste momento consegue dispensar palavras, modificando o seu ambiente, apenas com expressões faciais.
O nosso filho, perto da idade adulta, e a promoção no trabalho dela, marcaram uma mudança mais profunda no seu desprezo que se acentuou. Deixara de precisar de mim. O miúdo criado, e com condições para comprar habitação própria, inventou que a traí e meteu os papeis para o divórcio.
No tribunal, discutimos, e insatisfeita com o que a lei decidira, pergunta-me como posso fazer aquilo.
Digo que nunca me amou, e que me sinto usado, despojado dos meus melhores anos, e que agora percebo que ela é uma má pessoa.
Ela responde:
«-Jaime, nunca saberás o quanto te amei, nem que o nosso filho não é teu.»
Palavra do Amor, Ámen.
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