Havia notado que desde a boda ao copo de água, o tipo se envolvia em pequenas discussões, sobre assuntos que não dominava, com toda a gente. Olhei para ele e para a mulher, ambos sexagenários, e vi algum orgulho nela, por ter um homem tão ‘excêntrico’ e vistoso. Já ele, em nada tinha que provar o seu valor, tinha uma filha adulta, e não é com 60 anos que a mulher o vai largar para se amantizar com um instrutor de ioga. Teoricamente, que isto do gajedo, não é uma ciência exacta. Foi quando me bateu a ideia, tornou-se uma segunda natureza nele, o acto constante de ser vistoso. Interpelava o tipo em frente, em voz alta, fazendo-o rir, discutia bola com a tipa ao lado dele, numa encenação tornada personalidade, que visava impressionar a esposa. Sentiu-se observado por mim, e durante alguns momentos, creio que se sentiu exposto, apanhado no que sabia ter-se tornado automático nele, a cerimónia e tarefa de impressionar a deusa, que é o carácter divino por detrás da personalidade de cada indivíduo mulher. De forma agressiva, pois o meu olhar lembrava-lhe a sujeição inicial e maldita de ter de investir esforço para agradar a outro, interpela-me, ‘-Estás a olhar para onde pá?’ ‘-Para uma marioneta.’ – respondi eu, mas virei-me para a frente para não deixar prosseguir a conversa, embora ouvisse de soslaio, ele a dirigir-se a mim, perguntando o que queria eu dizer com aquilo. Sentiu-se dependendo da minha atenção para obter a resposta, e isso seria contraproducente com o esforço prévio de se tornar o centro das atenções. Parou, mas ficou com o grão na asa. Mais tarde, num jardim com relva, onde bebericávamos vodka com laranja, orbitou o grupo onde eu estava, queria tirar de esforço o que eu lhe negara responder à mesa. Mas deve ter concluído que a estratégia frontal não surtiria efeitos, e estava, portanto, em suspenso, da minha opinião confirmar o que queria esconder dele mesmo, que se tinha tornado o satélite de algum astro, fingindo ter brilho próprio. O tema eram VPN’s e a uma frase minha, pergunta-me algo básico como os motivos de eu usar, e eu expliquei em demasia, como costumo fazer, os benefícios da coisa, especialmente para piratas como eu. Vi a acalmia nos seus olhos, pois não viu em mim o censor severo que imaginara na mesa de almoço, e portanto, o meu comentário teria sido relativo a algo de diverso, do que temia, nem sequer uma provocação. Não me interessava a mim, estar a missionar a boa nova da individualidade, até porque ele iria interpretar-me como maluco ou inadequado, que é uma maneira que os nossos egos têm de se protegerem… fazerem menos dos outros para se sentirem mais. Como já estávamos todos tocados, ao vê-lo virar as costas, ainda o chamei na brincadeira ‘-Anda cá, vou-te explicar os benefícios do UDP sobre o TCP!’, sabendo de antemão que ele havia acalmado o temor existencial, e que podia relaxar sob a ideia de estar ainda, encoberto no seu segredo. Respondeu-me já de longe ‘-Está bem abelha! Vai trabalhar malandro!’ bem alto, para todos à mesa ouvirem, em especial a esposa, que se reconfortava em ter um homem tão exótico e em forma de prémio. Enquanto a estocava com força, tentando passar à sua pélvis o placebo de uma grande foda que me distinguisse dos anteriores, sentia-me observado por uma longa fila de antecessores, aos quais não podia senão dizer olá com a palma da mão, e receber dos seus rostos imóveis, a confirmação de que nunca passaria de mais um rosto que suando o guiador de mota tatuado na zona dos rins, arfava como cão na planície alentejana no pino do Verão. Tinha focado a atenção em mim já na Igreja, avaliando-me pelo que eu trazia vestido, pela minha forma física, pela ausência de alianças nos dedos, e o seu olhar de aceitação era uma passadeira vermelha para o meu pedido para dançar uma valsa, que os noivos agora casados eram gente fina que não mete música pimba nas cerimónias. Fez por encostar as mamas ao meu peito, embora o estilo de dança o desaconselhasse, fazendo um all in na sua intenção de me levar para a cama e de me usar para fingir mais um desgosto amoroso que confirmasse a sua auto-imagem de desiludida com os homens que são todos uns cabrões, e ela um ser especial de luz. Criando uma fantasia à qual nenhum homem com o mínimo amor próprio, pode corresponder, para depois, nos jantares de amigas encalhadas contar a história à sua maneira e assim obter comiseração e apoio incondicional de malta acrítica e co dependente. A mais bonita do seu grupo de amigas, tinham ficado todas na mesma mesa, ordenadas por uma noiva que fizera parte daquele grupo, ainda dava umas voltas sem ser com gajos do Tinder. Era convidada para inaugurações de discotecas e viagens ao Dubai, porque ainda mantinha um corpo saudável aos 40 anos, e na boda, não tocara senão em água, ao contrário das outras, que naturalmente a assumiam no topo da hierarquia grupal, tendo até, uma ou outra, lucrado outrora, com a atenção de gajos, que para chegarem à líder, boa e bonita, se amantizavam com as restantes, comestíveis q.b. Natureza humana, segundo alguns. Ela contava-me os feitos da amiga, com um lamento oculto no timbre da voz, por não ser ela nas aventuras, que a diversidade de pilas é uma aventura sem dúvida. E eu cogitava para mim mesmo, que a mais bonita e mundana, apesar de tudo não lograva manter um gajo, fosse que por motivo fosse, e a mais pacata e menos atraente, se tinha casado. Se é que ter um homem seu, e vida familiar, é o prémio que elas dizem ser. Que acham ou não, ser. Esse lamento oculto na voz, revelava uma mágoa, decorrente das escolhas feitas, e da lotaria genética, não tinha mamas como a líder, não tinha rabo como a líder, não tinha cabelo loiro em terra de morenos, como a líder. E acima de tudo, não tinha a confiança da líder, habituada desde nova aos encómios masculinos que a colocavam a meio caminho entre o Céu e a parte do manto de São Pedro que roça no chão. Lamento oriundo quer do sentimento de perder algo na vida, aquele tempo entre o nascimento e a morte, quer da perda de potencial, quer da perda da validação que o desejo de outro, traz. Poder sentir-se bem consigo mesma, porque se sabe desejada. Ver reflectida nos olhos de pretendentes, a imagem de si que gostava que fosse a real. Sentir que se obteve um prémio, e que cada dia é um orgasmo pleno de significado numa existência monótona para os demais. Fruir o borbulhar no sangue, das pequenas tensões e excitações dos processos de cortejamento, que fazem que a malta se sinta viva. E assim, assume o processo do engate, o papel de placebo de uma vida plena. Desgraçado do gajo que namorar ou se envolver com esta, ia cogitando...eu... De modo que, eu era mais um na multidão que dava mais uma volta na mota, ladeado de estátuas pétreas de gajos que ela veria sempre como prémios passados, superiores a mim, e que por algum motivo do destino, as coisas ‘não deram’. Talvez por isso a malta no passado dera tanta importância à virgindade das gajas, nem tanto pela questão de posse ou mecânica, mas pela questão de evitar o sentimento de diluição de individualidade, no meio das pernas da deusa. Observados por estátuas de pedra.
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