Eu sempre soube que usava o amor como distracção. Ó que caralho dos Infernos, ter demasiada lucidez dá nesta merda. Assim, guiado pela pila, ia dourando a visão das dulcineias que cruzando o meu caminho, se transmutavam em taberneiras de verrugas disfarçadas e pernas de pau tornadas lúbricos pedaços de carne, dois corrimões em direcção ao alto ladeando escadarias para o Céu, à graça divina. Mas, almas do diabo, sempre fazendo-me cair na profunda melancolia, por causa da ruptura entre a minha apreensão fria, e o escaldante torpor do contacto das peles, da observação dos defeitos delas. Sim, o rabo faz apaixonar, mas os defeitos fazem amar. O contacto com o quid além da carne, é o engodo que nos fisga a todos. Caímos que nem patos ao menor beijo, à menor paz ejaculatória, que não queremos mais alguma vez sentir que teremos a cona de nós afastada. É tão bom ter ali, por alturas dos nossos braços, alguém a quem chamar ‘nosso’, que valida a nossa existência com um vade retrum solidão. Muitos têm medo, de morrer sozinhos, querem alguém a segurar a mão, enquanto o padre recita a extrema unção. O rabo e as mamas, dão tesão. Mas sentimo-nos perto delas, quando percebemos os defeitos. E os defeitos, são a nossa verdadeira personalidade. A gaja está para além do par de mamas. Assim que conseguem engodar o gajo, acham que podem manobrar à vista de todos, como se o tipo fosse uma cobra enfeitiçada pelo som de um instrumento de sopro, narcótico, soporífero. Como se fôssemos todos tolinhos e comandados pela pila, e não víssemos por detrás da cona, o verdadeiro feitio da sua dona. Como se os truques da prestidigitadora impossibilitassem o conhecimento das suas jogadas de óptica e luz. Eu como outros, vemos. Vemos, e calamos. Deixá-las ‘enforcar’ com a corda que tecem à la Penélope. Fingir. O jogo que permite viver. Mais uma que abocanhando a minha pila, rejeita a minha sugestão para melhorar o broche. Como se o facto de envolver a minha pila com os seus lábios, fosse um favor suficiente para inviabilizar qualquer queixa ou exigência da minha parte. Mas eu não lhe pedi nada. Ela foi por volição própria, buscar umas joelheiras que comprou no Maxmat, de gel, para trabalhos de jardim. Colocou-as por cima das meias de rede, e recusou as várias vezes que a puxei para cima, por ter pena que estivesse ali há quase uma hora a ver se eu me vinha, para a gabar do mega broche que teimava fazer. Deito-me para trás e emito uns gemidos e finjo agarrar os lençóis com força. Ela aumenta a sofreguidão convencida de que estou quase a ejacular, e o seu tormento a terminar. Foda-se, se não me venho, aumento o seu sentimento de inadequação. Mas quem a mandou confundir-me com um gajo que se contenta com qualquer coisa, até uma festinha no dito? O jogo dela é impressionar-me. Quer-me colocar etiqueta na orelha como a outro gado bovino. Só para se sentir livre, podendo descartar-me. Ou sentindo que o pode fazer com mais facilidade que eu a ela. Quanto mais nisto penso, menos teso vou ficando, e entre ficar murcho e passar vergonha, fecho os olhos e tento concentrar-me no ritual mecânico que repete aprendido noutros. Dou comigo, ah puta de consciência do contra, a pensar na impossibilidade delas gostarem de nós se não nos respeitam. E não nos respeitam, se se acham ‘acima’ de nós. E os seus critérios de avaliação são medíocres, mas certinhos como velho processador de nave espacial. Não há portanto, penso eu, qualquer imputabilidade que lhes possa ser assacada. Dificilmente uma gaja fica connosco, passado o limiar do respeito, perdido por achar que é melhor que nós, porque ganha mais, é mais vaidosa e bem vestida, mais socialmente evoluída. Vomitam a ideia de ficar com um gajo por via de uma análise fria. Sentem que estão a ir contra os seus sentimentos, em que tanta confiança depositam. Acreditam deveras na sua natureza divina de mulheres, no poder da sua intuição e na glória efémera do seu sentir. O destino da mulher está no seu corpo, o seu sentir é o critério de avaliação do mundo. E conseguem ser tão calculistas. O seu sentimento pouco vale, basta ver como descartam um tipo sem mais alguma vez pensarem nele. Se lhe perderam o respeito. Se ele era o prémio que as comeu e deitou fora, aí pensarão para sempre nele como o prémio que got away. Isso é diferente. A avaliação feminina é a encarnação perfeita de que é preferível cair em graça, do que ser engraçado. Grande parte dos problemas entre gajos e gajas, vem daqui, da suposição em cada um dos lados, que ambos funcionam de igual forma. Ela já não consegue fechar bem o maxilar, e puxo-a para cima com força, abraço-a, viro-lhe a cara para não lhe ver o queixo esfolado. Ela resiste, quer voltar-se para mim e perguntar porque não me venho. E eu não lhe quero mentir, inventando uma desculpa qualquer. Ela sabe que perante todos os outros, talvez eu seja o único em que a pila está tesa antes de lhe entrar na boca, e depois esmorece como girassol após uma lavoura de Verão tardio. Ela que não aperte muito comigo, porque senão conto-lhe a verdade. É que já não tenho paciência para gajas. Já não as consigo respeitar, e por isso não as consigo amar. Apetece-me estar com ‘elas’, comê-las, mas tudo o resto me parece comer uma sopa reaquecida, feita há meses atrás. É sempre a mesma merda. E quanto mais velha a gaja, mais facilmente ela abdica do esforço de seduzir-me, numa conta mesquinhita de deve e haver, onde calcula o gasto energético entre puxar-me para a sua causa, ou engatar um qualquer papalvo de tinder, que os há aos milhões, que a convença com a sua suposta dedicação por inteiro. Uma batalha que ela viu anteriormente, e que procura de novo, sinais análogos aos de há 20 anos atrás, onde os corpos jovens dispensavam muita consideração racional para se atraírem. «-Tens sede?» - pergunta-me ela. Digo que sim. Diz que vai buscar água. Demora um bocado, e traz um copo de vodka. «-Desculpa, não tenho água. Tenho apenas vodka, era a única coisa que tinha fresca no frigorífico.» Não era a primeira foda que dávamos, e ela sabia que verto águas assim que aqueço. Na brincadeira, digo para chamar à minha pila ‘Babilónia a Grande’. Um erudito em civilizações do Médio Oriente, percebe a piada. «-Tu estás parva, se bebo esse copo de vodka, fico já aqui a cantar o fado.» «-Cantas o fado e dás-me uma foda.» Desatei-me a rir. Apesar do tempo frio, a casa dela na Expo, é bem quente. É consultora de informática, e foi assim que nos conhecemos. Apesar das dificuldades entre nós, persistiu em convidar-me para estar com ela, semanas a fio, o que me envaideceu o ego. Ao ponto de dar por garantido o sarau de foda assim que chegava a sua casa. Estava a voltar de novo à alegria de fazer sexo com alguém que realmente nos quer foder. Se bem que esta, por vezes, era por mim apanhada, olhando-me a penetrá-la, com um olhar de biólogo que vai ao zoo fazer trabalho de campo. Ali, de perna aberta como frango no churrasco, olhando para mim, gorilão entusiasmado por um coito difuso de personalidades. Ela já me conhecia o suficiente para saber que eu tinha de ingerir líquidos, e como não ia conduzir, mamei o vodka com gelo, de enfiada. De lado, e apoiada num só braço, observava-me de forma estranha. Sentindo-me observado, desatei a soltar as minhas narrativas da treta, só para não estar calado, porque falar acalma-me, falo para caralho, e é assim que alivio a pressão gerada internamente. E por isso fui para professor, porque os professores podem falar para caralho, e recebem guita por isso. Eu sei que é automático, os outros avaliarem os tagarelas, como fracos, porque a palavra é vulgar e atesta fraqueza de espírito. Quem fala muito passa o seu pouco valor para os olhos de outros, como se não soubesse guardar sons preciosos dentro de si. Pois eu sempre falei, secundarizando a opinião alheia sobre a minha pessoa. Prefiro claramente, aliviar a pressão. Os meus pensamentos abrandam, e fico extremamente sonolento. A força de adormecer é tal, que até a ideia me parece lógica, e vejo, antes de fechar os olhos, um qualquer sorriso de contentamento nela, que passa a riso declarado, quando digo que não me estou a sentir bem, e de repente, vejo-me a sonhar. A inadequação da menina das árvores que choram ao ver passar os regatos, enquanto folheio o livro de fotos que me veio parar às mãos, espreita-me a cada rectângulo colorido. Os trejeitos e o olhar triste da criança que cresce ao longo daquelas fotografias idas, que pretendem capturar um qualquer momento de tempo. Mesmo nas vezes em que me apetecia mandá-la para o caralho, ou meter-lhe os cornos com todas as que me enxameavam o telemóvel, olhava para ela quando não percebia que eu a olhava, nos jantares de família, nas ocasiões sociais, ou quando fechava os olhos quando a comia de lado agarrado às suas nádegas e me esporrava por completo no azul estrelado do seu ventre. Deitava-me exausto, apanhando-a de lado, como se fosse um cobertor por cima dela, e beijava-lhe o rosto, as bochechas, não a deixando retribuir. E por vezes, vinham-me as lágrimas aos olhos, por estarmos ambos presos neste mundo estranho, onde a nossa compreensão é mais limitada que o período refractário até à próxima foda que lhe vou dar, para me esquecer da lágrima prévia. Este sítio estranho, onde em sessões de cama e intimidade, um e outro amante, sabem que os carinhos são circunstanciais. Somos bichos à procura de infinito no temporário. Afago-lhe os cabelos, compondo a sua testa, e a sua cara que vi envelhecer com os anos, com a aprovação por mim, que foi definhando a seus olhos com o excesso de familiaridade que uma relação estável traz. Por isso, não posso dizer que alguma vez fui enganado. Não sou vítima, nem ingénuo, nem inocente. De todo. Andei sempre de olhos bem abertos. Não há cá comiseração para os meus lados. Sei bem que por vezes a minha personalidade falha e sou o que acho que devo ser para manter a distracção. Porque preferimos as mentiras doces às verdades amargas, e tudo o que lhes está pelo meio, as ilusões, passadas a ferro, engomadas com o compromisso que temos automaticamente, de acreditar em coisas que nos distraem para dores análogas a membros decepados. Quem aguenta, pergunto-te eu, quem aguenta olhar a verdade de frente? E será que ela não sabe de todo, que é a minha cornucópia? O meu meio para obter o fim, de me enganar, distrair daquilo que não quero enfrentar. Às vezes penso, que as memórias dela são um vírus corrosivo que deixou em mim de forma a dissolver-me mais depressa no sofrimento e decrepitude. Uma espécie de comichão no cérebro, que sabemos não poder coçar, e que não evitamos fazê-lo com umas unhas afiadas que lascam em pedaços o pouco juízo que vamos tendo. Mas porque penso nela? É pela tesão? Não, não é. Dava-me tesão por gostar dela, não gostava dela por me dar tesão. Porque penso nela e porque me alegro com pensamentos de que se arrasta pelo sofá bafiento da sua sala, exclamando o meu nome? Sei perfeitamente que está-se cagando para a minha existência, mas ainda assim, há uma alteração neuronal na ilusão de que passa um décimo a pensar em mim, do que aquilo que penso nela. É que passadas as coisas, é a única coisa que não javarda o meu amor, a ideia de que quem amei não é um pobre traste humano. Entretido com esta ideia, dou-lhe um estalo no rabo, que a faz estremecer na cama, a partir de um coma profundo. «-Não gosto que me faças isso!» Acorda estremunhada. Pergunto: «-Achas que a lembrança de quem amámos é o veneno que nos faz querer morrer?» Lembrou-se dos tempos dos primeiros namoricos, onde era tudo dramático, intenso, colossal. Das tentativas constantes de controlo, que o deixavam esgotado. De controlar uma vez que fosse, o curso dos acontecimentos, da profecia que se iria cumprir a si mesma, antes na imaginação receosa, depois na ‘realidade’, a profecia do abandono. Parece que há gente excitante, e há os monhofonhos, que soam como nota rude e monocórdica na partitura da existência. Aqueles que ninguém se lembra de convidar para a festa, que pernoitam pouco na lembrança dos demais. Mas que ainda assim sentem, rememoram, e choram por vezes, por não conseguir descobrir qual é o seu problema, além de um baixo nível de energia, ou… de uma pacatez proveniente de plácidos feitios. Em surdina, o corpo amordaçado e desnudo naquela cama, sabia desde sempre, que a percepção é tudo, e que temos de parecer prémios, aos olhos uns dos outros, para almejarmos ter algum apreço, algum esgar de valorização, por parte dos outros. Eu puxava o cordame que me atava aos quatro pontos cardiais do leito, e tornozelos e pulsos, estavam em carne viva, até que fiquei sem forças, sem capacidade de reagir à brincadeira sinuosa dela, de adiar o seu prazer com a minha dor. Temi entrar em choque, e com isso perder a capacidade de sair ou aplacar a deusa. Uma nesga de racionalidade, ou instinto, tomou conta de mim, e calmamente, comecei a desbobinar as minhas teorias sobre as coisas, as pessoas, e o mundo. Se me matasse, era indiferente se por ressabiamento, ou por eu a aborrecer de morte. Acordo. Estou atado pelos artelhos e pelos pulsos a uma cama. Velas acesas à minha volta, estou todo nu, a assim preso, quase tenho pena de mim próprio. Tento a todo o custo soltar-me, mas apenas logro esfolar-me e deixar os pulsos, com peles soltas e algum sangue. Os nós estão bem dados. Uma música de tambores esquisita, sai do rádio que tem no quarto, e à luz das velas, o papel parede adquire tonalidades e padrões que me deixam assustado. Ela voltou ao quarto, com um facalhão que mais parecia uma faca de mato, para cortar ramos ou canas-da-Índia. De cabo castanho, e gume imaculado dirigido para o chão, avançou para mim, dizendo que me ia cortar e comer o coração. Eu bem gritei e exultei, e tentei manipular, mas ela contornava a cama com a lâmina à mostra, orientando o reflexo do candeeiro na lâmina, em cheio para a minha cara. Quando entra no quarto, traz um facalhão de cerca de 40 centímetros que mais parece uma daquelas facalhonas que se usam nas selvas para cortar mato. Desato aos gritos e a perguntar o que se passa, porque estou preso e o que vai fazer. Parece uma zombie, num movimento maquinal de ignorar a minha voz, o meu desespero e os meus pedidos para que me solte. Com meias de renda, mamas à mostra, e sangue fresco de uma merda qualquer, a escorrer-lhe pelo pescoço. Eu bem grito, mas as janelas de vidro triplo, não permitem soltura aos meus sons, tento abanar a cama, como se algum vizinho viesse tocar à porta e perguntar a esta fodilhona, que sons de cama a roçar no chão eram aqueles. Ela brinca em torno da cama, para trás e para a frente com a faca. A força que despendi a tentar soltar-me, deixou-me exausto. Foda-se, juro que vou deixar de beber cerveja e vou correr todos os dias. Abeira-se de mim e roça-me com a ponta da lâmina nos mamilos, eu digo para não fazer nada, por favor, para me soltar. Ela parece alimentar-se do meu desespero e do poder sobre mim. «-Com que então não sei fazer broches cabrão. Vou-te matar e comer aos bocados filho da puta.Estás fodido, daqui não sais. Hoje cessa aqui, os destratamentos que tenho recebido dos homens.» Não lhe posso dizer que faz bons broches, seria óbvio demais. Tento apelar a alguma lógica, no sentido de que nada tenho a ver com as maldades que lhe fizeram antes, que não há nenhum pathos que não o estabelecido pela sua consciência, que comos sabemos, é uma construção. Finge que não me ouve, e manda-me uma coronhada com o cabo da faca, mesmo na canela. A violência assusta-me tanto quanto a dor e sei que ela está a falar a sério. Sinto-me ficar, e penso que não posso permitir-me entrar em choque. Jogo a minha última cartada, e acalmo-me instrumentalmente, e inicio a discorrer sobre o que me diz. Interpretando a partir do que me disse, que de facto o mercado da carne é um lugar agreste onde o homem é lobo do homem. Faço suposições mais elaboradas, sobre as frases que ela me disse, na firme convicção da justeza de Voltaire, que dizia que a arte de ser chato, é falar sobre o que se julga saber. Oh virtude heróica, e não é que a consegui aborrecer?! Cortou, com enfado uma corda, a partir da qual me soltei. Envergonhada consigo mesma, por causa da imagem que fizera de mim, com valor suficiente para ser sacrificado a todas as suas mágoas passadas. Vestido, fujo porta fora, parando a meio caminho, e avisando-a. Não fiz dela queixa na esquadra, mas avisei de que se a voltasse a ver, ela se ia arrepender de não ter usado a faca. E não é que por uma vez, não ser percebido como o ‘prémio’, me salvou a vida?
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