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25 carícias de guerra - 5 de 25

18/7/2023

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Fotografia
​Não sei o que se passou.
Só me lembro de isto me ter acontecido pela primeira vez, há 26 anos, quando perdi a virgindade.


Por mais que torneasse meu falo com a sua língua, o dito não se levantava, comportando-se como tetraplégico molengão.

As pessoas não são o seu aspecto físico, mas eu também não estava a julgar a pessoa, apenas a sua capacidade de me excitar ou não.

E algo se perdera pelo caminho. Dos amassos na Expo a altas horas da noite, até à cama palco da penetração rítmica, apenas diferia a ausência de um desejo que conduzisse ao rapto de sangue nos corpos cavernosos do meu falo.

De certa forma fiquei aliviado. Prometera-lhe foda infinda, e simplesmente algo em mim me dizia que queria estar em qualquer lado menos ali.

Deito-me de costas na cama, com o braço em oblíquo assente na testa, deixando apenas um olho de fora do peso do rádio e do cúbito, espreitando-a.

Surpreendo-me, no meu diálogo interior, por não sentir uma vergonha que seria suposto sentir, por negar fogo. Crenças antigas onde a performance da cama equivalia ao valor do homem, por intermédio de uma suposta virilidade que confirma a masculinidade valorosa. Por andar aí pelo menos uma mulher no mundo, a dizer que não tive tesão para ela.


Deixo abrir um pouco o olho livre, e vejo-a, sem ela saber que a vejo, olhar para mim, para o meu corpo, para os contornos do meu rosto, e observo as roldanas do seu espírito, a aferir se vai permitir-se a gostar de mim.


Pensamentos ocultos de outra alma que não a sua, em suaves lucubrações mediocremente assumidas como calculistas. A sua aferição tem valor, afinal, tem de decidir se vai permitir-se gostar de mim ou não, tomar uma decisão, investir sentimento, entregar-se. Ou não. Ou fazer o oposto, desqualificar-me, isto é, encontrar motivos, ou na ausência deles… inventá-los, para se convencer a si mesma, que ou já não gosta de mim, ou não pode continuar a gostar. Ou que se enganou…ou eu fingi bem.
Estava confusa, meio perplexa por eu não me encaixar em nenhuma das suas categorias provincianas de catalogar os homens e os seus comportamentos.


Porque era extremamente meigo e meloso com ela, considerava-me carente. Se eu era carente, era porque ninguém me amava, e se ninguém me amava, era porque eu não tinha valor, nada de amável. Ninguém neste mundo quer os despojos escolhidos e descartados. Ninguém se contenta com os restos dos outros, se os souber enquanto tal.
 Porque não lhe dava troco nos joguinhos de afastamento que visavam pôr-me a persegui-la, ficava na dúvida se tudo o que eu fazia não era um fingimento, um acto teatral. Ficava meio insegura quando as suas avaliações que, (ilusoriamente como promessas que se auto cumprem), sempre funcionaram previamente, pareciam não resultar comigo.


Ficam ressabiadas, se sofrem na pele o tratamento que geralmente dão aos gajos. E eu sou exímio nisso, mesmo sabendo que me chamam, ou ficam a pensar de mim, que sou velhaquito, amaricado. Como um magarefe que se horroriza com um cirurgião trapalhão em amputação.


Mas eu sabia que era apenas uma questão de tempo. Na era do tinder, não se perde tempo com enigmas, quando existem outros homens à espera. Além de que, dando-lhes tempo suficiente, encaixam cada homem pelo buraco dos seus juízos, como criança acéfala que enfia numa caixa com entradas geométricas, a esfera pelo buraco do triângulo, e o quadrado no buraco da esfera.


À força da escolha, escolhendo ver o homem como lhe parece que seja, e assim se tornam os homens todos iguais, não porque o sejam, mas porque ela tem total certeza no viés e nos juízos que faz e sempre fez, sobre eles. A escolha e a rejeição de uma mulher, nunca são algo mais senão um reflexo dos seus preconceitos e da redução do múltiplo a uns chavões mentais. Uma espécie de lentes de contacto, coloridas, tomadas como a visão apodíctica da coisa-em-si.


Topo que ela achava poder capitalizar sobre a minha falta de tesão.
Que me desfizesse em opróbrio e vergonha. Fiquei fodido, sim, porque imaginara uma noite a foder.


Mas os meus próprios juízos e avaliações me haviam levado para longe dali, reparando nas plantas dos pés secas, numa imperfeição do seu nariz, nos cabelos brancos que ficam mal na sua cabeça africana, na extrema magreza que mantém religiosamente, e no seu constante dedilhar o telemóvel, com a desculpa que são amigos e colegas. E não pretendentes, como sei que são.
 
Não gosto destes filmes, mas já havia pago o quarto de hotel.
Não fiquei com vergonha, nem com a falta de erecção, nem com a minha barriga dilatada pela cerveja, pela falta de tónus muscular, pelo cabelo mortiço e fino como fios de palha de aço microscópica.


Fiquei de braços abertos e aliviado depois de lhe dizer que nada tinha a ver com ela, mas comigo.

«-Desculpa bébé, tou numa fase estranha da minha vida.»…aliás, a minha vida é uma fase estranha.
Respondeu fingindo indignação, que não tenho de pedir desculpa, que acontece, e mais não sei o quê.



Dou por mim a pensar que afinal a mariquice da compatibilidade, que eu julgava poder subsumir ao facto de a gaja ter uma vulva e simetria facial, afinal é mais importante.
Ela tenta compensar a frustração do nosso encontro horizontal, com uma felação que se revela de facto, uma das melhores dos últimos anos. Há mestria, mas também alguma ingenuidade, nos movimentos exagerados, decerto retirados da sua imaginação, e não propriamente de algum homem que lhe confidenciou preferências. Percebo que é daquele novo tipo de pessoas, pós tinder e bumble, com abastecimento constante de homens, que cria um avatar sobre a sua verdadeira personalidade, a pessoa fast food. Polida q.b., mas um completo fingimento que visa uma mostra constante ao público, dos traços superficiais de quem realmente se é.


Continuo com a minha cogitação, para evitar vir-me. Que quanto mais compatível a gaja, menos ressentimento no final da relação, por termos negado ou suprimido tanto de nós para podermos conviver com ‘ela’. Foda-se. Que no fim, apenas sobra ressentimento por termos feito tanto esforço. O maior erro da minha vida foi exactamente esse, essa mentalidade de carência onde, a arrepio da mentalidade do outro, apenas ligo à compatibilidade na cama e não nos feitios.


Mas a culpa não é só minha, penso, enquanto ela usa habilmente a promessa de dentes para me excitar a glande. Elas mesmas são camaleões que reflectem a nossa própria personalidade, para que gostemos delas. Na sua cabeça justificam, dizendo que nos imitam porque estão a começar a gostar de nós. Não se sentem predadoras e fingidas, afinal, fazem o que fazem, por ‘amor’. E por amor tudo é permitido, incluindo uma lâmina na jugular.


Só conta o fim, não o meio. E o fim, é a felicidade de ambos, portanto é legítimo para elas, fingir que gostam de heavy metal quando sempre ouviram kuduro, fingir que lêem muito, ou que adoram tudo o resto que nós adoramos. A falsificação do seu íntimo reverte a partir do momento em que nos sentem presos no anzol, e justificam a incongruência de comportamento, com uma espécie de relativização da ilusão prévia que criaram sobre nós mesmos. No solipcismo feminino, a boa consciência nunca perde.
Continuo a vê-la através do meu olho semifechado. Não lhe vejo qualquer interesse pela minha ipseidade, mas pela minha figura, pela minha ideia. Um bloco de pedra que pode esculpir de acordo com as suas ideias. Um apartamento que pode habitar e mobilar a gosto. Não porque tenha estima por mim. Mas porque faço parte da sua check list na vida. Até como paliativo para o seu maior medo. Morrer sozinha.


Tem um filho que é aviador, algures aí pela Europa. O seu plano B falhara. Na juventude, o A, foi bem-sucedido.

O marido fora temporário até ao divórcio como plano de vida. Despachou o filho como exigência desse plano.

Só depois do filho criado e marido despachado, é que percebeu que faltavam anos para morrer.



Precisava de um gajo qualquer que gravitasse em torno dela, que gravitar aparece a esta luz, como prova de que a amam. Sem mais nada para retribuir que um bom broche e um feitio que lhe esvazia a vida das pessoas que caem no erro de lhe terem apreço.
Sem vulva, não passa do pesadelo de si mesma.


Despedimo-nos de manhã, com um beijo falso que me dá por congruência com a sua personagem e não por desejo dos meus lábios. Bloqueio-a nas redes sociais e meto o seu número na lista de números bloqueados.



​Assim é o amor entre condenados desesperados.
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