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25 carícias de guerra - 6 de 25

21/7/2023

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Fotografia
​Entreguei-lhe ‘O estrangeiro’ de Camus para a mão.
E disse-lhe que lhe faria bem, ler o livro.
Boa parte dos teus problemas se resolvem se tiveres mais introspecção.
Ela olhou para mim e fez um olhar indignado.
‘-Quais problemas pá? Mas que problemas achas tu que eu tenho? Rala-te com os teus problemas, mas é.’
Acusara o toque e percebi duas coisas.
Primeiro, que as lamúrias dela, de se sentir desligada do mundo, da sua vida, de quem era, eram apenas artifícios de captação de atenção.
Segundo, que se achava melhor que eu.
E disse-lho.
‘Estás a reagir de forma tão aguda, porque no teu íntimo me tens em tanta desconsideração, que te ofende que um gajo que consideras ‘abaixo’ de ti, te possa querer ajudar. Agudiza o teu sentimento de desamparo, da mesma maneira que alguém a quem um sem-abrigo emprestasse uns trocos para comprar pão.’
A cara de indignação agudizou-se mais.
‘-Abaixo? Melhor? Mas com quem pensas que estás tu a falar?’
Empurrou com o rabo, a cadeira para trás, para ganhar espaço para o ombro e assim atravessar o tampo entre nós com um movimento da omoplata.
Antes que chegasse ao fim do trajecto, interrompi-a e disse muito calmamente:
‘-Pensa bem antes de fazeres o que achas que vais fazer.’
Queria dar-me um estalo, habituada a desabafar com agressões, as tensões mimadas que sentia perto de algum homem pretendente.
Duas semanas antes, havia dado uma palmada no meu rabo, com uma força que percebi como excessiva e com intenção de testar. Dei-lhe com mais força, e durante umas horas coxeou, não sem antes dizer que eu era bruto, não sabia brincar. Não se foi embora, porque eu sabia que ainda estava na fase de aguentar os meus defeitos, ou de me tentar cativar, que é aquela fase em que podemos, no início da relação, limpar a pila ao cortinado, ou meter o dedo no cu do gato delas, que elas tentam achar graça ou fingir que não estão piursas, para nos manter um pouco mais.
Algo lhe disse para não armar o braço.
Levantou-se e foi-se embora.
Fiquei a pensar, nos meus problemas referidos por ela, e na repetição da minha estupidez de esquecer que tentar ajudar tem sempre castigo, que nos dias que correm, a compaixão pelo outro é tomada como um sentimento de superioridade e não uma comunhão na natureza humana.
Assim, erro à cabeça, envolver-me com esta tipa.
Tinha-me dito que era bissexual, e perdi demasiado tempo a olhar para ela, metendo cremes na pele, a arranjar-se ao espelho enquanto obra de si mesma, e lembro de perceber como podia ela ter evitado durante alguns anos a invasão dos falos no seu corpo de cor-de-rosa e perfumes adocicados.
 
 
Sentada sobre mim enquanto a dedilhava por dentro de acordo com a pauta dos seus gemidos, ia dizendo ‘-Fode a tua pretinha maluquinha!’ ao que eu respondia, com voz grossa e rouca ‘-Fodo a minha pretona fodilhona!’
Falávamos ao ouvido um do outro na competição de ver quem excitava mais a contraparte.
Estava cheia de tatuagens, e sempre me fez confusão gajas que acham que inserir tinta epidérmica é um sinal de emancipação ou expressão pessoal.
Engraçado que quem mais refere a questão da expressão individual, é geralmente quem menos se consegue exprimir em português correcto.
Patinhas de gato tatuadas por detrás do tríceps, o guiador de uma mota sobre o sacro, para quem dá uma voltinha comendo-a de costas. Ou uma roda de bicicleta na base do pescoço. Tudo rabiscos para que outros vejam, invalidando a conversa de que se tatuam para si mesmas.
Quando eu lhe perguntava porque ninguém se tatua no deserto, ela achava que eu era parvo, não percebendo a minha alusão ao facto de que nos ornamos para que outros vejam. Mas dela não esperava muito, é daquelas pessoas pobres de espírito que acha que eu sou um tanso descartável só porque ela, ela, acha que o que é a realidade, o paradigma e o aceitável, é o que é aprovado e expresso pelo maior número de pessoas em determinado tempo. Pobre de espírito, portanto.
Cataventos do rebanho que procuram refúgio na conformidade e dela fazem prova de sanidade.
O nome do filho tatuado sob um coração.
 
Não havia esse tabu das cores.
Desde o início que me dissera, que os pretos são mais racistas que os brancos, que ela, por ser um pouco mais clara, havia sido gozada e enxovalhada por outras, que em Angola, a censuravam por ser memória do tempo colonialista. Em vez de ser vista como uma mistura de pretos e brancos, era vista com o opróbrio de não ter qualquer responsabilidade nos pecados passados da humanidade e ódio por ter uma cor mais clara.
A primeira vez que dormimos juntos, notei a cama a tremer, várias vezes durante a noite, era ela dedilhando-se a si mesmo, mesmo dormindo.
Lembrei-me imediatamente de Susana, que dá nome ao blogue, que fazia o mesmo. Fiquei feliz, porque tal significava que nenhum avanço meu receberia uma nega, mas ao mesmo tempo lamentando, a perda de interesse pelo sexo. Quando a mulher dá pica, não é preciso fazer força para foder, procurar nela os pontos excitantes, e esquecer a unha torta, os dentes espaçados, as mamas descaídas, os derrames pela pele, os papos dos olhos.
‘Vai, fode-me, vai dá-me com força!’
E o inferno torna-se alguém no meio das nossas pernas, incapaz de nos fazer esquecer que existe um mundo à volta.
E atrás.
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