Tinha o cabelo à Beatriz Costa, ou à Betty Boop. Raio que a valha. Esfregava-se em mim cada vez mais ofegante e ritmada perseguindo o orgasmo, montada em mim como se eu fosse um vibrador locomovido a fantasias amorosas. Magrinha e sem mamas, fazia dietas malucas convencida que a cara cadavérica adiava a completa perda de juventude. Eu só tentava manter tesão por uma questão de orgulho pessoal, até que se viesse e eu cumprisse o que lhe prometera por whatsapp. Por motivo que fosse só fui arrastado por uma memória de quase 20 anos, com a Cristina a pedir: ‘-Amorzinho, faz aquilo do lápis.’ Aquilo do lápis era usar um lápis da Noris bem afiado e percorrer a ponta preta ao de leve pela sua pele exposta ao ar nocturno de uma noite de Verão. Lembro-me de ter a certeza de que aquilo era o paraíso, vendo seu corpo nu, sabia que íamos durar para sempre. Mas porque raio de motivo me lembrava eu, agora, disto? Talvez por andar como passageiro alienado na minha vida, e o contraste remontar ao tempo em que acreditava no significado de estar com alguém. Ela veio-se e deitou-se para o lado a fumar o cigarro da praxe. Detesto a maior parte das gajas do tinder. São as guardiãs da nossa individualidade. Tratam-nos como só mais uma sequência de números, uma equação meio batida que não varia muito senão em pormenores frívolos. Com a segurança estúpida de que a um toque de dedo, outro portador de pila se esfregará nelas até que se venham e maldigam todos os homens futuros, porque nunca lograram manter um dos passados. São pacientes até encontrarem um que não faça difícil a tarefa de se auto iludirem fingindo que se apaixonam por via do lubrificante da utilidade da presa ou cúmplice. O olhar delas arde nas minhas costas, se vou mijar à casa-de-banho, nos trejeitos que faço quando respondo às suas perguntas formatadas e repetidas, gajo após gajo, nas ficções que criam sobre as coisas o mundo e os homens. Confiam mais na sua suposta ‘intuição’ que não passa de lugares-comuns regados com análise inconsciente de linguagem verbal. Há umas que são diferentes, sendo iguais. Têm o amor próprio tão em baixo que usam na licitação o esforço de me convencerem que são um bom partido, são fiéis além de dúvida, sabem lavar a roupa e cozinhar. Não é a mim que querem, mas um namorado que afugente o abismo da morte e da existência, e eu por acaso até sou jeitoso para o papel. A única coisa que têm para dar é a fidelidade, na esperança de que alguém concorde com o contracto e assine a escritura. Depois é uma questão de tempo até que esculpam o bloco de pedra da individualidade do outro, para conseguirem o ornamento que idealizaram na sua fantasia. Geralmente é através de sexo, usando o desejo do outro como pé-de-cabra que abre a jaula da dependência. Quando não nos observam, como se fôssemos filmes já vistos, desempenham aquela peça, fingida à náusea, gasta, batida, sem qualquer arremesso de quem são realmente por dentro, porque no fundo, somos para elas apenas um número. Tal como assassinos profissionais que se forçam a olhar cada morte como meramente trabalho, sem ligações emocionais que os desequilibrem. E assim nos matam a individualidade, sem querer, fazendo-nos sentir que somos tão vazios quanto elas. Somos sempre um item a prazo, até que algo mais brilhante apareça, algo que as entretenha e iluda para longe do abismo da sua individualidade e mortalidade. São as gajas teflon, ou tofu, adaptam-se a tudo, sabem a nada, mesmo quando confundem feitio intragável com ter personalidade. Para se ter personalidade, é preciso estar-se vivo, e a maior parte destas gajas está morta. Se apanhamos muitas gajas destas, de seguida, acabamos por ceder e acabar por acreditar ou que são todas assim, ou que de facto não somos mais do que aquilo para que nos usam. Ou que não merecemos melhor. A verdadeira constatação de que somos a média das cinco pessoas por quem nos apaixonámos, e se são todas imbecis, então o problema não são elas. A Betty Boop por exemplo. Olha para mim de dentro daquela caveira, e pensa que não lhe adivinho o olhar de desprezo mascarado com um sorriso amarelo, que visa esconder o seu despeito. Completa o ramo com frases que soam tão a falso como os amanheceres lilases, ‘-Ai João, és tão tolo!...’ – como se fosse eu acreditar que uma palermice minha a impressionasse o suficiente para alguma exclamação emocional. Há 20 anos, quando eu fazia carícias a uma colega de faculdade com a ponta de um lápis, era ela namorada de um jogador da bola, promessa do Sporting, que assinou contracto na altura. Nos Verões iam para destinos turísticos, de jacto privado e faziam amor em praias tailandesas. Ela era super solícita, afinal, era fácil acreditar no amor por ele, um belo peixe conseguido com a cana da sua beleza. Um prémio para pendurar na parede que mostrava às outras mulheres. A vida parecia sorrir-lhe e prometer-lhe sentido até à velhice. Ele acreditou até uma proposta melhor aparecer. Os jantares com luzes de velas e cascas vazias de caracóis regados com fogo grego, ardendo em ocasos nocturnos ante paisagens de tirar o fôlego, foram sendo cada vez menos, e ela sentiu que o peixe escorregava entre os dedos para outra ribeira. Até que ele a trocou por outra, que ia assistir aos treinos. Acabou por lesionar-se e teve de viver com a perda de um futuro promissor. Ela nunca recuperou, emagreceu, e para sempre ficou manchada com as papilas gustativas sob um estilo de vida que dificilmente outro lhe propiciaria. Sentia que a vida lhe lançara um osso, o melhor de todos, e que ela não soubera aproveitar. Condenara-se a si mesma a viver com a memória dele, vingando-se na sua ideia, impedindo-o de sair da sua memória como saíra da sua vida. Um cobarde, um vazio, um teflon. Entregara-se a um corrupio de homens em série, sentindo em cada foda um nojo de vingança por ele, ou pela memória deles os dois. Ao foder, sentia que se vingava, lembrando-se dele. Foi-se gastando até ao ponto de não retorno, onde não queria admitir que os seus fulminantes que disparam a corrida para a paixão verdadeira, haviam acabado. Mas não podia largar a ideia de que era possível voltar a apaixonar-se. A sério. A morte ainda parecia vir longe, e desistir é só outro tipo de derrota. De modos que, o passado era uma coluna de Hércules imensa, onde cada novo homem que lhe entrasse na vida, era um anónimo plebeu que ardia à sombra da memória dos heróis dela. Pior, os que lhe pareciam ser feitos de humano, descartados em segredo por detrás dos seus olhos, e a estes exigia que a cortejassem, que a tratassem de determinada maneira. Era, no seu discurso, a rosa no deserto, o prémio de vida que há que merecer. Depois descaía-se involuntariamente com histórias de casos passados em que temos de fazer uma cara séria para não pensar no que relata como acções passadas, este farrapo humano. E na diferença, de tratamento humano, polido ou cordial, de valorização, entre os que considera merecerem o esforço, ou os que são meramente mais um degrau em direcção a um Céu que tresanda a enxofre. Olho para o espelho e percebo que sou aprazível aos olhos. Há muito que não me olhava ao espelho. Deduzo que pensei no episódio do lápis e das carícias dérmicas, por necessitar como de pão para a boca, de alguma relação em que acredite, e não me faça sentir vazio como os tomates depois de usados. De modo que estas gajas me descartam quando percebem que já não sou capaz de acreditar. Que já não se podem alimentar da energia que invisto na ilusão em que querem acreditar, para não morrerem à fome. Sei que consigo ser capaz de emoção, e que estou vivo, nem que seja pelos textos que vou escrevendo, e pelo angst que vou sentindo. Já as mulheres teflon, absorvem energia como um buraco negro, na esperança de voltarem a brilhar. Emanar luz, ou qualquer coisa análoga.
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