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A deusa de novo

15/4/2019

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1-Em tempos escrevi algo baseado em alguém cujo tempo veio a quebrar a ilusão anteriormente formada. Ela, aluna na altura de um curso de literatura na minha Alma Mater, era alentejana e perfeita corporalmente, pelo menos aos meus olhos pouco viajados então. Mas o suficiente para ser passível de concórdia a partir de outros olhos, e por isso a comunidade de mancebos que comigo por ali estudavam, também a designava de «Deusa». 

Boas mamas, melhor rabo, sabia-se vestir, cabelo preto como Endechas, e pernas bem torneadas. Meti-me com ela bem mais tarde, por essas redes sociais fora, usando o meu modus operandi habitual de provocar o outro analisando-o na sua reacção. 

Só fora de si pode a verdade de alguém aparecer à luz do dia. Ela lembrava-se de mim, nem sei como. Aparentemente eu esquecera-me que havia publicado esse texto numa revista de estudantes, e ela achara, acertando, que o epíteto de «Deusa» apenas a ela podia ser referido.
Lembro-me que na altura o neguei, mas no fundo sim, a força que eu tentava designar era a de um ser cuja reacção mais aguda que me provoca é a de copular até que todo o meu falo ensanguentado cesse de bombear sangue pelas cavernas. Nos tempos celofane em que vivemos, o leitor médio associa isto a primitivismo, mas é um primitivismo observado em Altamira ou Foz Côa, e portanto, no meu livro é o primitivismo mais próximo da verdade. 


Sim, olhava para a deusa e nada mais me passava pela cabeça que a celebração do ritual imemorial que gerações antes da minha e depois da minha celebrarão pelo ritmo monótono da passagem do tempo. E esta deusa nem era nada de exuberante a nível emocional, só um corpo. Fiquei desiludido, após uma troca de frases por rede social. Amarga e viúva alfa. A viúva alfa é a mulher com bagagem emocional que nos anos de viço juvenil privou com os mais aventurosos espécimes masculinos, e de acordo com específicos critérios nunca por si assumidos (tal mancharia a sua auto imagem caso tivesse capacidade introspectiva para isso) hierarquizou os homens seguindo uma matriz de prestígio, meios, e sofisticação. 

Esta matriz torna-se lente, e é essa lente que se torna visão petrificada. Esta deusa de Castro Verde, privara com bucaneiros e portanto não se impressionava com burocratas. Ainda não estava na fase de desespero, e portanto a minha intervenção na sua linha de vida apenas se cingia à tentativa de criar ou ampliar séquito, de forma a garantir a atenção que lhe permite a individuação simpática que julga merecer.
Como não me prestei, tenho problemas com altares, a ser um satélite da sua existência que lhe faculta atenção e elogios de tempos a tempos, quando o seu frágil ego necessita, ameaçou-me com o fantasma da sua retirada. Ou somos amigos ou não percebo o que há para mantermos contacto. Respondi que nenhum motivo sem ser o facto de que havíamos sido colegas, e essa era a única relação que existira ou existiria entre nós. 


O seu perfil electrónico expõe as habituais verdades feitas, frases motivacionais, ou apelos de atenção à sua luta versus o mundo, criando ao mesmo tempo uma comunidade de ‘amigos’ que supostamente a acompanham pelo tempo e vicissitudes, e projectando uma vida ideal a partir do electrónico.
Os seus dentes haviam perdido alinhamento e os seus olhos anunciavam desgostos passados, e amargor presente, numa espécie de relação causal inferida. A deusa estava na fase descendente da pirâmide. Como diz Gil Vicente, na fase de um burro que a carregue, já que nenhum cavalo a derruba. A minha presença não tinha intenção erótica para com ela, embora não possa negar que mesmo estrelas mortas geram calor, e no entanto fiquei surpreso pela forma como me tratou, se eu fosse obviamente desclassificado, só por a ter abordado. O incauto poderá pensar, é alguém com amor próprio tão baixo que odeia ou hostiliza quem a aprecia pois só respeitará o desprezo de quem a desqualifica, os únicos que coloca acima de si, em terreno confortável porque lhe confirma a sua imagem de si. 


Mas não. Isso pensei eu durante muito tempo. Que algumas mulheres não se permitiam ser amadas por causa de demónios internos. Nada disso, são pessoas que fazem jura perante a vida de não passar de cavalo para burro. São as mesmas pessoas que se insurgem contra a pornografia e a redução da mulher a um corpo sexualizado, mas que operam, porventura sem consciência, na mesma reificação ou redução do homem a um mero objecto de sucesso. 

Sexo e sucesso, o binómio pelo qual se objectifica o outro. E eu, senti-me fora da selecção natural, a partir do momento em que usei a única arma que temos contra a coisa-em-si, a razão. Então se não me conhece, se não sabe o que possuo, ou qual o âmbito da minha oralidade, como pode a deusa desqualificar-me? Pela abordagem, e a abordagem não padecendo da mesma estrutura dos homens ou homem que realmente desejou e não conseguiu manter, é desqualificada tal e qual foram todas as outras da longa fila de pretendentes de Penélope, que apenas desejavam deitar-se no leito que Ulisses construiu com as suas próprias mãos. 

A deusa ensinou-me a vacuidade das avaliações femininas e quão distantes estão das minhas. O verdadeiro romântico é o homem. Dizem-no os poetas, com algumas Florbelas Espancas para confirmar a regra. O amor visceral, ideal, de entrega absoluta e absoluto arrebatamento pelo outro, é masculino. Nenhuma mulher cortou a orelha por amor ou escreveu 22 volumes de Filosofia por causa de um casamento não consumado.

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Eva Green em Sin City 2, todos os direitos de : Dimension Films Aldamisa Entertainment Demarest Films Troublemaker Studios Miramax
2-Durante algum tempo amargurei pela injustiça do naipe que tinha nas mãos.
E perguntei a mim próprio, que gosto tanto de escrever, e que uso o amor como cenoura para esporrar tinta preta em papel branco, se teria de abdicar também da ideia de amor romântico e ceder-me por completo na planície darwiniana do determinismo.


Se teria de abdicar de algo que caracteriza o masculino, a imaginação e a criação artística, perante a evidência de ser obliterado pelo realismo dos meus objectos de amor.
Ser desqualificado vezes sem conta por seres mais alinhados com o centro terrestre, que tomam o magma subterrâneo como o calor termonuclear do Sol.


Decidi que não, seria um preço demasiado alto a pagar por dois pares de pregas de carne e uma pound de validação.
E no entanto continuo no jogo. E nada me protege senão a capacidade que tenho de me afastar dele, e só assim vi a deusa com olhos e não com preces.


A deusa queria validação nos seus termos pois eram esses termos que justificavam todas as decisões tomadas. O que por fim me desiludiu foi o contraste entre a minha idealização e a pessoa-em-si que se apresentava à minha frente. Ela era incapaz de se relacionar com pessoas, apenas com as categorias formadas na sua cabeça. É até trágico e cómico ver este tipo de matronas, preocupadas em retomar modas juvenis de Converse vermelhos e calças rasgadas no joelho, quando a mentalidade está petrificada numa era recuada duas décadas.


Admitir a falibilidade dessas categorias é admitir a falibilidade dos seus juízos acerca do mundo.
É admitir o cavalo de Tróia que não permite chegar atempadamente a Ítaca.
Deus proteja a deusa.
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Eva Green em Sin City 2, todos os direitos de : Dimension Films Aldamisa Entertainment Demarest Films Troublemaker Studios Miramax
3-Consegui formular esta imagem a partir do meu contacto com Ishtar.
A deusa encarada como forma de expressão de uma natureza que suplanta o homem de forma hipnótica e inexorável.
E à qual nunca estaremos imunes, e cuja única defesa é carácter, vontade firme e uso da razão. Porque senão somos como Ulisses desamarrado passando em frente a sereias.
Esta ideia trouxe-me humildade e ajudou a reconhecer padrões.


Por exemplo, outras deusas mais próximas de mim, exibindo os mesmos métodos de agir.
Primeiro aparentando receptividade, depois afagando o meu ego de forma a que me sentisse como importante no seu esquema de vida que me ignorara até então. Depois pressentindo alguma entrega da minha parte exigindo uma oferenda, fosse uma remissão ou confissão de culpa ou pedido de desculpas.
Tão certo e matemático como ser o ponto em que a receptividade se transforma em afastamento.
Apenas queriam a oferenda aos seus pés. Desprezando de seguida quem as adora. Não fosse tão interessante seria monótono.
Perceber como funcionam as suas ideias, e o rigor lógico entre elas, por exemplo C. , cuja desqualificação da minha pessoa é não só total, como negativa. Não tem um só pingo de respeito por quem sou.
O que traz a sombra da questão, como podem os amores ser iguais entre sexos, se quem nos diz ter amado, consegue passar do amor à indiferença e até à pena?
Mas existem gradações de amor, respondem-me.


Não, não existem, ou nos afectamos uns aos outros ou é tudo escolhido e falso. Felicidade adequada.
Eu percebo a minha falta de habilidade. Mas eu posso escolhê-la.
A deusa está condenada a ser o que é.


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