Tomado o café matinal, espreguiçando o corpo como gato acabado de acordar, saio à rua do nosso confinamento. Vou passear a cadela e levar com o fresco ar da manhã que me lembra que tenho de deixar de dormir com a barriga para baixo, pois acordo com as costas todas doridas.
Geralmente não levo o telemóvel nestes périplos, mas como na noite anterior havia ficado até às tantas a discutir de novo com pseudo feministas e gente de causas cosméticas, nas redes sociais, queria consultar os desenvolvimentos enquanto a minha Fila de São Miguel cheirava o seu Facebook composto da ureia de outros canídeos espalhada pela paisagem em redor. Alguns dos intervenientes foram meus colegas em cursos que exigiam criticidade para com as nossas opiniões, mas as ideias são lixadas. Quando copulam com sentimentos só dão à luz estrume. A identificação, que um professor de Filosofia numa conhecida Universidade portuguesa, faz entre o que acha ser correcto e avançado, e desejável neste Admirável Mundo Novo, e a sua argumentação, são divertidas. À proposição de que no passado os homens eram opressores do mulherio, eu lhe perguntei se do ponto de vista da espécie, a mulher reproduzir-se num rácio de 17 para 1 em relação ao homem, não é prova do contrário – mesmo que sacrificando a sua individualidade, do ponto de vista da espécie, a fêmea monopoliza e faz uso do seu útero – ele responde-me que isso só prova que o homem impõe à força o seu esperma utilizando a mulher como incubadora, ao que devolvo indicando que na natureza existe infanticídio e canibalismo, e que mesmo que a proposição dele fosse verdadeira, não seria ‘moral’ num contexto natural. Acusei-o de ser Filósofo de torre de marfim, preso às ideias elevadas de que somos o umbigo da criação e não o escroto. Defendendo que o homem, o ser humano do sexo masculino, é violento e trôpego por natureza, nele se originando todas as violências da História, lhe perguntei se sabia em que ponto essas violências estariam relacionadas com as estratégias sexuais do primata nu, que somos. Como assim, indagou, o que me elevou o respeito por ele, ainda que o tenha feito apenas na senda de me tentar ridicularizar para com a audiência que estes docentes sempre têm, especialmente de dondocas balzaquianas. Que o humano masculino é um ser relativamente frugal, que aprecia os artefactos essencialmente pela utilidade e que o comércio de bens de prestígio se origina como forma de impressionar as damas, isto para não falar dos hominídeos da savana que usavam um osso enrolado nos pêlos da franja, para parecerem in às damas da altura. Para se destacarem do grupo. Até que ponto ir matar um exército de homens do outro lado do rio não é consequência de ter de acumular riqueza para que as fêmeas se mantenham satisfeitas. Ah, mas e a sociedade violenta que em Idade Moderna dava autorização ao homem para matar a mulher como se fosse sua propriedade. Retorqui que não nego a violência sexual e social, apenas a examino tentando isentá-la do viés dos meus dias. Perguntei-lhe se sabia que para ganhar titulatura nobiliárquica, em Idade Moderna, era necessário entregar 7 cabeças de mouro ao rei, geralmente pobres desgraçados capturados em praias do Mediterrâneo. Que neste tipo de sociedade, fazer realçar uma violência de género, não generalizada – a maioria não matava as cachopas ainda que por ‘lei’ o pudesse fazer – é uma parcialidade pouco científica. Claro que nestas alturas as dondocas aparecem sempre a fugir para a emotividade, que é o único placebo de argumento que conhecem, não dês conversa, ele é parte do problema, esta sociedade não avança, e etc. Como o interlocutor, insuflado por este chorrilho de apoio, perde o gosto de debater e passa a julgar, ao que dou troco indicando que a sua postura é meramente ideológica, pois criticando o sistema económico actual, faz uso de tudo o que possa constituir critica, a miragem da opressão patriarcal, o racismo endémico do homem ocidental, a luta contra o relativismo que é por ele lido como amenizar os crimes do passado, quando na realidade apenas visa mostrar a natureza violenta do ser humano, transversal a qualquer cultura. A conversa evolui para racismo, e pergunto-lhe se conhece o destino dos albinos africanos, diz que não posso comparar superstição, digo que superstição é um Professor de Filosofia subsumir uma mole de indivíduos a uma ideia feita que visa apenas fazer que ele se sinta iluminado e parte da solução, na sua divisão do mundo em dois, numa espécie de Tratado de Tortosilhas, onde o entortar da perspectiva divide o mundo em nós e eles, e eles são o problema. Bloqueou-me. Procuro a página dele enquanto a cadela brinca com um Labrador conhecido, que a cheira e segue a sua vida, porque a cadela não sabe comportar-se como adulta, como lady. No caminho para casa, toca a Fernanda. Porra. Logo de manhã, que quer-se encontrar. Ok, tenho de ir senão já sei que quanto mais der para trás, mais ela vai perseguir até obter o que quer, mais uma dose de validação, até concluir que merece melhor, numa sucessão de pseudo enfatuamentos originados por uma sensação de carência, a exaltações de dignidade tão elevadas que pareço âncora nos seus egos que flutuam em direcção à Lua. Ainda moras no Estoril? Vou ter contigo à Estação de Comboio. Lá chegado, planeei levá-la à esplanada em torno de uma carruagem de comboio convertida em café, onde havia levado a por mim gorada conquista vinda da Turquia, que afirmando estar cá pela primeira vez, lá se descaiu que há 3 anos que cá vinha e que lhe tinham dado cartão de cidadão, corrigindo uma maldade que D. Manuel I se viu forçado a cometer, expulsando os judeus de cá. O seu desespero por me garantir, era tão grande como a sua lista de planos B, um dos quais se tornou seu marido recentemente, com namoro iniciado nem 4 meses depois de suavemente eu ter manifestado que não estava interessado, pois, para variar, não me gosto de ver como parte de um puzzle de outro. Neste café, vendo-me hesitar – por análise minha que não consegui fingir face ao seu comportamento histriónico de tão contido, procurando a custo ofuscar todos os seus defeitos de carácter – agarrou-me as mãos e disse-me para agarrar esta oportunidade que a vida me dava, numa clara alusão ao facto de a sua família possuir um empório comercial, como se os meus maiores defeitos não fossem a teimosia e o orgulho, e portando, selando qualquer hipótese de tocar sequer no marsapiani deste vosso ilustre narrador. Estas lembranças acompanham-me enquanto estaciono o carro e entrando na estação apanho a Fernanda de costas, e aproximo-me sem fazer ruído, ficando a olhar a pessoa, que não se sabe observada. Olho-a, avalio-a, entretida que está a dar conversa a outros que nunca deixam de lhe povoar o whatsapp e o Messenger, ou bajular no Instagram. Nada de definido ou suficientemente valioso, e daí o encontro por ela solicitado. Há sempre um portador de falo a sondar como ping informático, a receptividade da fêmea. Conversas de treta, para mim, com questões genéricas e que não suscitem qualquer tipo de atrito, viste o ‘The witcher?’ e afins. Ou fotos de cálices de tinto à lareira, para mostrar a posse de habitação e promessas de torpor erótico em noites frias de Inverno. Qualquer pássaro ensina a esta malta como fazer, mostrando a plumagem e um ninho por estrear à espera da fêmea parda que queira dedicar-se à incubação. Riem-se ciberneticamente de tudo o que ela diz, gabam-na fazendo-a sentir bem consigo mesma, o que cria a associação entre ela e a origem do prazer, ele. Ele só tem de manter o acto até ao fim, e quando a quiser descartar para passar a outra, diz que está indeciso e que se calhar não vai ter tempo para o próximo fim-de-semana e que está com uns problemas espirituais, ou que resultar para não passar por comilão e ela por comida. Não é o meu estilo, o meu é mais abjecto porque sou um conas, sacrificando-me em parte para que a tipa saia de ego intacto. A maior parte das vezes forço-me a ser carente e a querer continuamente a sua companhia, a mostrar-me sedento pelo seu sexo, pela sua validação. Ligo-lhe a contar as minhas descobertas psicológicas deste mesmo barro humano de que somos feitos, apenas para ouvir silêncio – cada vez maior – do lado de lá. Quando a coisa exige medidas mais drásticas, falo de mim até à exaustão, sobre os meus traumas e problemas, e conclusões e métodos, sua origem, e reflexões sobre a vida a partir deles. O meu valor baixa subitamente no olhar da receptora, que me desqualifica e fica enfadada, sem acesso à dose de oxitocina e portanto já deixo de ser o providenciador de bons sentimentos, aprazíveis. Passando a ter pena de mim e a não respeitar-me, fica impossibilitada de gostar de mim, quanto muito fica com pena, que é a maior secador de pito que existe. Irónico, o sexo empático é incapaz de amar se não respeitar ou se tiver pena, compaixão, comiseração. Sente, claro, sente pelo outro, pelo gajo, coloca-se no lugar dele de boa vontade para poder fruir o espectro sentimental do que ele sente, mas é incapaz de o amar, desejar, querer copular. A mulher, caro leitor, apenas respeita a força. Apenas ama o que não controla. O que está de acordo com a natural hipergamia, procura sempre parceiro acima de si, raramente igual, e nunca abaixo do seu valor de mercado sexual, que é uma equação complexa que mistura aspecto físico, personalidade do indivíduo, afluência social e acumulação de recursos. Gosto de escrever porque sofro, que a mulher fez dóidói, mas a verdade é que sou um cientista humano, que testa ad aeternum, o seu objecto de estudo, a mulher. Sempre fascinado pela figura da mitologia, Medusa, a deusa feminina que transforma o homem em pedra, em objecto inanimado -como qualquer comparação entre um homem antes e durante uma relação de longo termo com uma mulher, onde abdica das suas paixões para se dedicar à casa e ao sexo ocasional – petrificado ou pela sua beleza ou pelo suposto insondável que encerra sob o corpo feminino. Basta ser mulher para parar o homem onde está, imóvel, como que se a natureza lhe tivesse dado a única chave para parar a força mais indómita da biosfera, o homo sapiens masculino e a sua testosterona. Os anos que levo nesta análise, à procura de leis gerais, de perceber o território além do mapa, e o meu espírito, não me permitem contentar com versões generalizantes do fenómeno, cada caso é um caso e comparável nas harmonias e desarmonias, com outros. Testo, para ver reacções, para ver o conflito interior do sujeito, para ver o ser humano além do sexo. É-me impossível não gostar delas. É-me impossível amá-las depois de as conhecer. O gajedo faz o mesmo, ou pior. Testam para desqualificar, para se convencerem de que arranjam melhor. Mas também não sou flor que se cheire. A norte-americana que enrolava preservativos descartáveis, como quem vira hambúrgueres no drive in comunicou logo que o pior para ela era o ciúme, ou seja e traduzindo, acho que és um conas – eu- e estou já a avisar-te que aceito outros candidatos pelos quais te trocarei sem apelo ou agravo, se os considerar superiores, e espero que não me dês cabo do arranjinho, ou me torres a paciência com coisas como o «amor», que só posso sentir por quem tenho genuíno respeito ou medo. Oh minha querida. Tratei-a nas palminhas até à cena de terríveis ciúmes, e mais uma vitória, descartada com o ego intacto. Aprendam gajas, a verdadeira empatia afinal não está desse lado. Da longa lista de lábios outrora beijados no papiro da minha existência, sou como um botão ausente numa camisa ao xadrez de pescador, nenhuma das gajas olhará o horizonte murmurando o meu nome lembrando que eu existo. Sou o às do descarte, por mais que venha para aqui como gaja, chorar aos quatro ventos que as cachopas são más e fazem coisas feias. Desculpas, dizem os meus amigos, isso são desculpas para poderes lidar com a rejeição delas. Confronto-os com esta teoria, e riem-se, como se eu fosse a criança que diz que não quer brincar com o carrinho do outro, que previamente não consentira à intenção. Mas já sei desde tenra idade quais as condições para manter uma mulher preza pelo anzol. Gerar vida. Basta geral vida, que o útero não é o único local onde ela se transmite. Basta manter uma postura impregnada de neofilia, entregue a toda a espuma dos dias. Não é preciso dinheiro, bom aspecto, apenas gerar energia de que se alimentem. Emoções com que se nutram. Teimoso, nego-me a fazê-lo. Tão teimoso ao ponto de não conseguir fruir de uma paisagem se me souber acompanhado de alguém de quem é suposto ser parceiro emocional. Fernanda de volta do séquito internauta não me vê mirando-lhe o rabo que começou a mirrar em direcção à púbis. Conheci a Fernanda em quase todas as fases da sua vida e conheço-lhe o corpo de cor, visita-me ocasionalmente porque nunca acabamos a mal, é a única que não exijo qualquer moralidade, pois ela não esconde não a ter. A sua falta de respeito por mim é tal, por outro lado, que acha que sou simplório o suficiente para não pensar sobre as coisas, e rebarbado o suficiente, sem sucesso no mundo feminino, que aceitarei sempre o seu retorno incondicional. O seu ego não lhe permite encarar com o facto de que é um dos mais adoráveis objectos de estudo, da minha área. Já me usou para preencher tardes entediantes, para confirmar crenças pejorativas em relação aos homens que não o são, para fazer ciúmes aos namorados, como reserva de confiança para a próxima potencial relação. Escondo a minha análise tão bem que ou acham que a não faço, ou acham que fico a pensar nelas por causa de quem são como indivíduo, ou por causa do impacto que têm em mim. Gosto particularmente quando me mandam fotos delas nuas, prometendo-me fodanga futura, um isco ao elogio. E depois cortam contacto, num modus operandi recorrente e pouco original que visa abalar as fundações lógicas dos tipos, que presos a encontrar uma explicação, não a encontrando, entram em curto circuito. O entrar em curto circuito é terrível, e vão andar atrás dela por uma explicação que ela nunca dará, ou por ‘pena’ e não querer magoar, ou por querer o biscoito de validação que é saber que um tipo anda atrás dela, em suspenso como peixe na ponta de um anzol, só querendo saber o porquê da diferença de comportamento. Calo-me, observo. Finjo que não vejo. Persigo, um post ocasional a fingir ressabiamento, mantém o ego dela em altas, perdida na ilusão de que a sua maior ferramenta a seguir à vulva, ainda funciona, a suposta intuição feminina. Também gosto quando existe alguém que querem mesmo na jogada, e me usam para as perseguir, aumentando-lhes a confiança, menor de outra forma. Do tipo, se correr mal com aquele, tenho sempre o prémio de consolação. Nunca cairei no vazio. Tal como em tempos idos ouvi relatos de gajos que se masturbavam antes de ir às putas ou a um encontro com uma gaja que queriam, a punheta prévia retiraria a pressão e a tensão, relaxando o indivíduo. Cheguei a experimentar o método, mas à 2ª ou 3ª tentativa, senti-me menorizado por colocar tanta ênfase num encontro com uma gaja, especialmente depois de saber que amam utilitariamente, ou seja, desde a C+S. Oh João, quem te magoou, odeias as mulheres…. (imagina esta frase dita por uma gaja irritante que cospe teorias pejorativas sobre os homens e se sente insultada pela retribuição da gentileza). Se isto corre mal? Claro que corre. Já conheci cachopas que interpretei com este viés contextual, e afinal eram excelentes seres humanos que se depararam com um gajo execrável que teve de se explicar e pedir desculpa. Cabras que mereceram melhor tratamento para depois revelarem as virtudes mais anti sociais imagináveis, e passam impolutas ao próximo. É o jogo. Cada uma é outra, e trato-as de forma igual, até perceber como me vêem, e a melhor maneira de descobrir quem realmente são, é observar como te tratam quando já nenhum interesse têm em ti. Tal como carácter é o que fazemos quando ninguém nos vê. É possível fingir décadas, elas conseguem, Deus as valha. Mas não são nem boas nem más, são o que são. Os gajos são iguais. Fumando cigarrilha, demasiado magra, mantinha as mamas em bom estado, usando calças de ganga como as que se usam agora, que parecem uma saca de batatas dividida a meio, por onde passam as pernas, e uma camisola laranja cheia de peluche a viagra, entretida no whatsapp, os dentes afastaram-se desde a última vez que a vi. Cogitei com o mano debaixo, marsapi, traças isto? Ele respondeu, «-Como se alguma vez fosse preciso perguntar…» A opção era voltar para trás, ou entregar-me de novo à aventura. Por norma não remexo no passado, o que é irónico, mas estou sempre curioso para avaliar a forma como a pessoa se desenvolveu ao longo do tempo, como foi moldada pelas experiências, o que a vida provocou nela. Ok, em frente. Antes que pudesse pregar-lhe um susto, toca o Beethoven, 9ª.Ela dá um salto e eu também. Grita por me ver atrás dela, e eu olho para o visor, a gaja que me esbofeteara. Rejeito a chamada. Sentados na esplanada, por detrás dos óculos escuros, avaliamo-nos um ao outro, ela olhando a minha roupa, eu olhando para os olhos dela para ver para onde olha. Olha demoradamente para as minhas botas castanhas para ver se foram compradas na Seaside ou em alguma loja cara da Baixa. Avaliando a minha capacidade financeira actual, consegue enquadrar-me numa hierarquia de gajos portadores de pila, que faz parte da chamada ‘intuição’ feminina, um arsenal de ideias feitas com tanta validade científica como a astrologia da esquila Joana. É por estas falhas na armadura que os gajos menos dominantes procriam. Fingindo ser o que não são, aproveitam esta ‘intuição’, e quando elas dão por si, estão prenhes, a pílula apenas veio fazer perdurar mais um pouco o período de fingimento. Ao fingir ser o que não é, o macho convence a fêmea de que deve reproduzir o seu código genético. Olha aqui o BMW, a casa com lareira, as minhas fotos de Instagram em Bali, um estilo de vida televisionável, como promessa isco. Aos 7, 8 meses de barriga grande, já começa o gajo a aliviar a farsa. Com a criança nascida, a fingidora, a mulher, já se lamenta do logro, escapa-se como sempre para a projecção de culpa, os homens são todos uns fingidores, diz a ursa com mel no nariz, às abelhas. Não consigo não me rir, com o contraste entre o discurso espiritualista que ela tem, e as mesmas forças em operação, por detrás de cada acto dela. Pá, Fernanda, quem queres enganar, a última vez que ‘estivemos’ saíste da minha vida sem alguma vez me contactares para saberes se estava bem. Era melhor assim, estava com sentimentos muito fortes contigo, mas não conseguia, não podia, ou outra desculpa esfarrapada que inventa para justificar a má formação enquanto ser humano, que a caracteriza. Não consigo não me rir o que ela encara como gozo. Não estou nada a fazer pouco de ti. Relembro a ideia de que se não fosse a mistificação que fazemos delas, não as suportaríamos, e que os mais conas são aqueles que esperam delas, que sejam como homens, moral igual, forma de amar igual. Mas se fôssemos iguais não nos complementaríamos, como complementamos. Se o Yin fosse igual ao Yang, seria apenas um círculo monocromático com um pequeno círculo de cor oposta, no interior da circunferência. A mistificação é a grande ferramenta da natureza para que as suportemos, além da sexualidade. É a ilusão por detrás da cortina, uma medida de segurança, para o caso de a testosterona poder ser controlada pelo tipo que se deixará cair em feitiço. Passada a paixão, ficamos a ver tão melhor o que a outra pessoa era. Esta, a Fernanda falava de conquistas passadas como alguém que fala de viagens. Para ela o sexo é sinal de sofisticação, uma ânsia tal de cosmopolitismo por um manifesto complexo de inferioridade continuamente afogado, sob esta hierarquização, ao ponto da arrogância intelectual. Lê Simone de Beauvoir sem perceber que a apropriação que a filósofa menciona, é extensível ao comportamento sexual, a mulher copiando o comportamento sexual do homem, tal como os porcos de ‘Animal Farm’ copiam os humanos quando obtêm a ‘liberdade’. Gosta de ler e tem livros mas protege o jardim das suas ideias para nunca correr o risco que lhe apontem ervas daninhas. Toca o telefone de novo. Atendo. A Fernanda finge não se importar, e até ficar enjoada pelo facto de eu ser requisitado. A outra quer-se encontrar comigo. Tenho uma ideia. Digo-lhe para ir ter comigo onde estou. A Fernanda fica a olhar pasmada. Desligado o telefonema, pergunta-me se quero que se vá embora. Claro que não tola. Que é altura de retribuir o favor que ela me fez, andando comigo e com o namorado ao mesmo tempo, há uns anos atrás. Ou namorando comigo, dando conversa a um ex colega de trabalho que lhe mandava fotos de lingerie que gostaria que ela tivesse, ou até mesmo com o porteiro do seu local de trabalho que insistia em ir tomar café com ela. Engoliu em seco e calou-se. Perguntei-lhe se ainda era feminista. Disse que sim, mas que já não ia a manifestações. Que as amigas feministas o eram só depois dos 30 e tais, quando já os homens pouca ou nenhuma atenção lhes prestavam, é que davam em feministas. Que se cansou de azedume contra os homens, pois não conseguia lidar com essa ideia e o pai que em casa era ainda homem e cumpria, indomável, as suas funções e era amado pela mãe. Mas o facto é que anos antes o sobrinho dela se suicidara por causa de uma namorada que fizera nem um terço do que ela, Fernanda, fizera a conquistas suas décadas atrás. O sobrinho sucumbiu a uma lógica na qual não entendendo o comportamento cruel e brusco, injustificado da sua namorada para consigo, se humilhou pedindo para que voltasse, e o silogismo disse-lhe que talvez a sua morte provocasse a única reacção emocional que a ex namorada agora com outro, lhe negara, tal como justificação para o que fizera. Na cabeça da ex namorada, ou ele deixara de existir, ou era a via do mundo, ou dava a si própria razão dizendo que era melhor assim, lá está, sentindo-se bem sabendo que o anterior parceiro, não avançava com a vida por causa dela. Não ironicamente, ela nem foi ao funeral. Estava de férias no Qatar onde o upgrade tinha uma casa. A dor aguda pela perda do sobrinho, às mãos de uma mulher, quer dizer às mãos dele no cano de uma caçadeira de canos sobrepostos, fizeram com que a necessidade de justificar uma vida de más escolhas, dispensasse o feminismo de causas visíveis e pouco cogitadas. Fernanda, que queres, porque me quiseste ver, se cagaste completamente para mim como a ex namorada do teu sobrinho cagou para ele? Que queres agora, um conto de fadas onde eu mergulhe, e fique à sombra de todos aqueles por quem me trocaste? Mas quem julgas que eu sou? És aquela que se pensa chico esperta, que quando voltou para o namorado que a trocara por uma mais nova, fingiu ser altiva de sentimentos dizendo que eu merecia melhor, ou que espalha pelo Facebook que o mundo é melhor com amor, passando por cima dos gajos que espezinha e queima para aromatizar o seu ego, apenas porque o homem é dispensável, o homem não chora, e o homem está proibido de ser vítima, e se responde de volta, é porque é tóxico, amargo, ou negacionista do holocausto vulvar. Riu-se com a expressão ‘vulvar’. A outra chegou, situação estranha com ambas a avaliarem-se uma à outra. Perguntando simultaneamente se se devem ir embora, e eu corto a coisa pela raíz apresentando-as uma à outra como amigas minhas, o que causa incómodo, mas não o suficiente para uma se ir embora. Como esperado assim que continuamos a conversa, elas formam um grupo, olham-se enquanto se aliam contra mim, fazendo ver que sou amargo e devo ter uma culpa tóxica devida à mulher que me amargurou, ao que respondo que somos sempre perdidos por ter ou não ter cão. Que nos é vedada a análise sempre que a mesma seja detrimento em relação ao sexo feminino, que só por um suposto trauma emocional pode um homem não ver o maravilhoso de toda e qualquer mulher, que o seu discurso não é válido porque emana de uma dor aguda, não provocada por um elemento do sexo feminino, mas por uma incapacidade do homem em lidar com a dor. Engraçado como o colectivo feminino nega a capacidade de reflexão ao homem, tal como os porcos do ‘Animal Farm’, como se não fosse possível uma análise para lá da mistificação. Curioso como ambas, supostamente disputando-me, se aliam sem se conhecerem, ao sentirem os interesses comuns, a possibilidade de boa escolha e de boa vida plena de validação por intermédio de outrém – homens- reconduzindo-me a um lugar que nunca aceitei, peça do puzzle de outro. Levanto-me, com o olhar surpreso de ambas, agradeço as 4 cervejas que deixo vazias em copos na mesa e dirijo-me para a saída. «-Mas João, vim aqui para estar contigo.» Disse Fernanda que a outra estava vermelha achando que eu a desrespeitara atropelando a sua individuação, não lhe concedendo a dádiva de atenção exclusiva, e instrumentalizando perante esta concorrente. «-Não Fernanda. És uma cabra. Sempre foste. Sempre serás.» Ri-me para ela, e desviei a cara antes que pudesse fazer o mesmo. Desliguei o telefone e aproveitei o melhor que a viagem de regresso tem para mim, as calmas águas à minha direita, e o vento soprando no meu cabelo.
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