Ela olhava com o maior desdém para ele. Mascarava sob muralhas de pele, o sentimento de desprezo que não podia deixar de sentir. Não queria sentir assim, mas não conseguia deixar de o fazer. Algo brotava dentro dela que a impedia sentir de forma diferente. Uma voz, uma orientação de consciência omnipresente a partir do primeiro pensamento… acerca dele, que o via como algo relativo e não absoluto. Dava por si, a ter pena dele, alheio a este seu afastamento em surdina, ignorando a avaliação negativa de mulher, à qual, os seus modos simples, o seu desconhecer o que é um sommier, e outras frivolidades com que as mulheres se convencem de ser sofisticadas, tudo isso, o impedia de ver a sua própria inadequação. O que aumentava a carga trágica, ela, tomando-o por pessoa de boa índole, mas sem ser capaz de ter tesão por ele. Só pena. O pobre gajo porreiro, ignorando o verdadeiro mundo do juízo feminino, cruel, implacável, inexorável. E quanto mais dela gostava, mais aumentava o drama interior de um dia se ver sem a aprovação do seu receptáculo de amor. Da sua validação, em forma de duas pernas abertas, húmidas e convidativas. Aquela descarga nervosa que precede a penetração, em que um gajo sente que venceu na vida porque cumpre um papel para o qual foi programado. Claro, ao início, as pessoas dançam uma valsa que visa também verificar se a coreografia é conhecida na ponta da língua. O tédio, o sentimento de familiaridade, como nevoeiros tóxicos, vão-se instalando, e uma das partes vai deixando crescer o mofo do despeito, e geralmente, o gajedo, ou embalado pela atenção de pretendentes ou pela observação dos parceiros das amigas próximas, criando a ilusão da escolha, é sempre o primeiro a deixar os idealistas românticos a profanar os falos com a mão. A escolha é fodida. Se muitos artistas encomiastas, gabam a donzela, a seus olhos o valor sobe e instala-se a mentalidade de leilão e fantasia. As perguntas ‘-Que tens feito por mim, que podes fazer por mim?’ e ‘-E se…’, instalam-se como carimbo de cada pensamento, inebriante acerca do seu próprio valor como pessoa com mamas e rabo. De todos os lados, o upgrade é mais sedutor, que o rei prestes a ser posto, a galinha da vizinha, a certeza do erro que quase se cometeu em forma de gajo recém despromovido a humanóide desprovido de sentimentos que importem. Da mesma maneira que numa app de engate, enquanto houver simetria facial, há sempre um pretendente no canto de uma esquina, à espreita. Como borboletas esvoaçam levemente pela existência, sem a preocupação de algum dia acabar o recurso que lhes constrói a estima. É assim a existência das gajas, leve, despreocupada, sem consequências que não as que se revelam já demasiado tarde. Ah mas odeias as gajas. Não odeio nada as gajas, odeio a frivolidade a que se entregam por ausência de carácter. Especialmente as que preferem viver sozinhas, a contentar-se com alguém que consideram inferior a elas. Odeio a sua estupidez travestida de esperteza, profundamente. Aprendi a odiar. É essa forma de pensar, esses critérios fantasiosos e infantis, que odeio. Engraçado ver moles de putas em manifestação pelas ruas, a favor de um mundo mais igual, quando são elas mesmas as que não conseguem deixar de ver e dividir o mundo em hierarquias. E os homens, cada vez mais conas, apenas têm de afinar a sua conduta ao som dessa divisão, se quiserem ter acesso a uma descarga sonora em forma de monossílabo. As gajas são cruéis quando não és desejado, já cantavam os Doors. E tratar as pessoas de acordo com a situação, é falta de carácter. Por isso desconfio das gajas demasiado-rápido-demasiado-intenso. Visam convencer-me, visam predar-me, visam continuar na sua fantasia marreca. Instala-se a questão, como carcinoma persistente, ‘-É ele o melhor que consigo arranjar, com as armas que ‘Deus’ e a Natureza me deram?’ Como gato que se olha ao espelho vendo um leão, a gorda e a marreca olham para si mesmas a partir do que gostariam que os outros pensassem delas mesmas, e não do que é a imagem reflectida. As apps do smartphone, têm filtros que lhes melhoram os dentes cariados, a pele com crateras de acne e purulento sebo. A sua auto-imagem passa a ser a reflexão cibernética do rosto, do corpo retocado, e avaliam como merceeiro, o seu valor a partir dessa nova maquilhagem. A projecção simpática passa a ser a realidade, sem qualquer exigência de objectividade. No mundo feminino só a forma como se sente é importante. A realidade objectiva, uma chatice. Imitam-se umas às outras, com os mesmos clichés, nos gostos, nas poses de pézinho assente na biqueira da sapatilha, dos dedos anelares e indicadores em V, da língua projectada para fora da boca, ou mordida pelo fechar de ambos os maxilares, no intuito de exprimir, uma inocência malandra e uma ingenuidade com pouca malícia, em pequenos paradoxos estéticos que resultam por causar curiosidade nos observadores, que olham para a dicotomia Madonna-Matrona, virgem-puta. Tudo o que não corresponda ao esperado ser superior ao valor percebido, de si mesmas, do seu corpo, da sua personalidade, da suposta opressão patriarcal nos tempos dos antepassados, tudo o que não seja considerado à altura dos pergaminhos da geometria facial, da gordura acumulada no peito e nas nádegas…é considerado um contentar-se com a vida que soa a condenação, a fracasso, a falhanço. Torna-se a soberba, a arrogância, em estratégia psicológica de captação de valor, análoga ao sentimento dos opressores colonialistas que achavam ser melhores que os escravos que parasitavam. O homem comum, despojado daquele encanto natural, daquela graça social, de ter um je ne sais quoi apreciado pelos outros, tem de cativar da vida algo, por outras vias. Pelo esforço, pelo cumprir das regras, pela auto-anulação. Crescente na exacta medida em que se vai apercebendo que a sua vida vale não por quem é, mas pelo seu valor utilitário. O mundo convida sempre a escolher novos inícios, novos campos de lavoura que parecem mais verdes que os nossos. Havendo pretendentes, sentimo-nos livres e valorizados, por termos escolhas. Quando o valor utilitário ainda não está potenciado, elas fazem apostas. De acordo com o valor próprio interiorizado, com o potencial de olhar para o gajo como caval, e tentar adivinhar com aquela ‘intuição feminina’,quão longe irá ele na corrida. Poucos homens comuns, têm esse luxo. E mesmo que tivessem, há sempre uma resistência a largar a certeza garantida pela hipótese promissora. É fácil dar uma foda, e até um pouco de envolvimento emocional. Mas lá voltam deles, a maior parte das vezes, a respeitar o dever de palavra dada, abafando debaixo de masmorras de pele, a sua falha moral, ao invés de justificar, por vezes, com um suposto merecimento do outro, pela traição cometida. Qualquer coisa lhes morde, na maior parte deles, um sentimento de dever, um asco a fraquejar pelos sentidos. Uma projecção de si mesmos na traída, e um asco pela traição sentido na pele. A gaja precisa de sentir-se no lugar do outro para deixar de pensar na sua pele, o gajo precisa de pensar no lugar do outro para se sentir a si mesmo. Ou uma merda do género. Existia uma guerra civil em surdina, com as armas ao dispor dos dois. Até um filho da puta qualquer, inventar a pílula contraceptiva. Aí, deixámos de precisar um dos outros. E agora, bem, somos dispensáveis. Já não fodemos. Isso é do passado. Não, agora andamos em relações co-dependentes entre gónadas. Validando fantasias uns dos outros. Reconhecendo na fantasia o território pátrio onde nos sentimos à vontade. Emprestamos tempo à ilusão de que nos envolvemos emocionalmente. Mas é só para passar o tempo. A malta não pensa em si, por si, sobre si. Sem introspecção, passamos pela superfície das coisas, dos outros, num salve-se quem puder ao sabor do relógio. Como podemos dedicar amor aos outros, se não nos conhecemos, aos nossos desejos, aos nossos caprichos, à ilusão da carne que nos sustém de pé? Toda a luta moral e o seu carácter dignificante, é asfixiada sob o véu que a cobre. O véu do tudo ser permitido. Tornamo-nos amorais, por excesso de ausência de princípios, que essa merda é chata e limita-nos. Sem Deus tudo é permitido. Sem amor, muito mais. Um amor idealizado, pois não existe outro.
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