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Anatomia do corno

7/12/2006

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O corno é marreco.
O corno é curvo.
O que verga o corno?
O medo?
O baixo amor de si mesmo?
O amor em lume brando de outrem?
A ingenuidade?
O poder de negação?
A sua própria Natureza?
Um amor ao cálculo?
O amor pelo absoluto com forças relativas?

É perito na ontologia da queda e da perda.

O corno assume dois tons.
O corno absoluto ou metafísico, e o corno circunstancial ou físico.
Há um terceiro tipo, mas não quero que o caro leitor (a) se sinta ofendido.
Genericamente, o corno está disposto a abdicar de si, dos seus propósitos, em nome de um grande propósito. A ofensa passa para segundo plano em face do que as últimas consequências podem trazer para o quadro mais geral, que é o que ele espera da vida.

As últimas consequências são o fundamentalismo sobre a ofensa. Este fundamentalismo causa normalmente para o corno não corno, uma ruptura na relação, ruptura que o abana por completo nos fundamentos da existência.

É esse terramoto que aflige o corno comum.
Só o verdadeiro corno infeliz, o metafísico, faz por sobreviver além da catástrofe, porque ama o espinho que o atormenta.

Para o corno infeliz, o ente amado é fonte de sofrimento porque não se consegue livrar da dôr que a traição provoca. Não se consegue libertar porque o cuspo do outro é, contra sua vontade, o mel da sua existência.
Este corno é um corno solitário. Ama o outro como a uma droga. Só é corno quem se enquadra numa relação.

Porque é que no amor, o encornado é culpado da sua culpa, enquanto o enganado pela mentira assume o papel de vítima? vítima da perfídia alheia...

Para o corno comum, é a sua personalidade que é rejeitada, pois a seus olhos não é suficiente deslumbrante para cativar...e aí assume os primeiros acordes metafísicos, a saber, quando a traição passa a fazer parte de uma maldição cósmica à sua pessoa.
Mas ainda não chega. Detesta essa condição do fundo da sua bílis.
O corno metafísico puro, ama e odeia o que vai dar ao mesmo, a sua condição, que o diferencia do comum. E é aqui que se começa a transformar em corno comum.
É esta a dialéctica da encornação.

O corno comum agarra-se a uma ilusão, à convenção.
O verdadeiro corno infeliz agarra-se à própria existência que o oprime.
Agarra-se à âncora que o leva ao fundo.
O corno comum espera que a âncora o mantenha à tona, próximo e em uníssono com todos os outros.
Ambos têm em comum a traição.
Só é corno quem sabe e prefere manter-se como tal, diz a tradição.
O corno comum é o acomodado.
O corno infeliz é o corno profundo, alienado na sua condição inconsolável.

Um é vítima da sua vontade e ilusão, outro de um pathos terrível.
Ambos mergulham no lago do absurdo.
Um é verdadeiro amante de si próprio e do seu sonho.
Outro é o verdadeiro corno porque é a natureza ou a entidade de alhures que lhe prometem felicidade a sorver em pequenas gotas de arsénico.
Um é enganado pelas quimeras do seu cérebro, os desejos da sua carne, pelas imposições dos seus semelhantes. É o corno físico.
O outro é atraiçoado pela própria existência em que brotou.
É trazido à luz para ser cilindrado pela luz a que é trazido.
É o corno metafísico.
O verdadeiro corno não trata ninguém por corno. Só ele sabe o peso que lhe atarraca as costas.

Os cornos metafísicos reconhecem o peso da existência nas costas dos seus semelhantes.
Os cornos físicos gozam uns com os outros através das estradas da inaptidão e do desempenho.

O corno metafísico enrola-se sobre si mesmo como um feto a horas de nascer, enrola-se sobre a sua dor, sonhando que ela desapareça, cônscio apenas do seu sofrimento.
Espera que a dor intensa passe e não se propague a ninguém.

O outro corno, o comum, acha que a dor é parte da vida, e não a parte mais importante. Escarna dos outros iguais a ele, por só ele conhecer o vazio desse gozo.

Um vinga-se da existência que o faz sofrer, outro celebra-a.
Um subsiste e segue em frente, o outro só pode continuar a entoar os belos cânticos forçados pela dor a sair de sua boca exigidos por nós, filhos da dor que o arde.
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