O corno é marreco.
O corno é curvo. O que verga o corno? O medo? O baixo amor de si mesmo? O amor em lume brando de outrem? A ingenuidade? O poder de negação? A sua própria Natureza? Um amor ao cálculo? O amor pelo absoluto com forças relativas? É perito na ontologia da queda e da perda. O corno assume dois tons. O corno absoluto ou metafísico, e o corno circunstancial ou físico. Há um terceiro tipo, mas não quero que o caro leitor (a) se sinta ofendido. Genericamente, o corno está disposto a abdicar de si, dos seus propósitos, em nome de um grande propósito. A ofensa passa para segundo plano em face do que as últimas consequências podem trazer para o quadro mais geral, que é o que ele espera da vida. As últimas consequências são o fundamentalismo sobre a ofensa. Este fundamentalismo causa normalmente para o corno não corno, uma ruptura na relação, ruptura que o abana por completo nos fundamentos da existência. É esse terramoto que aflige o corno comum. Só o verdadeiro corno infeliz, o metafísico, faz por sobreviver além da catástrofe, porque ama o espinho que o atormenta. Para o corno infeliz, o ente amado é fonte de sofrimento porque não se consegue livrar da dôr que a traição provoca. Não se consegue libertar porque o cuspo do outro é, contra sua vontade, o mel da sua existência. Este corno é um corno solitário. Ama o outro como a uma droga. Só é corno quem se enquadra numa relação. Porque é que no amor, o encornado é culpado da sua culpa, enquanto o enganado pela mentira assume o papel de vítima? vítima da perfídia alheia... Para o corno comum, é a sua personalidade que é rejeitada, pois a seus olhos não é suficiente deslumbrante para cativar...e aí assume os primeiros acordes metafísicos, a saber, quando a traição passa a fazer parte de uma maldição cósmica à sua pessoa. Mas ainda não chega. Detesta essa condição do fundo da sua bílis. O corno metafísico puro, ama e odeia o que vai dar ao mesmo, a sua condição, que o diferencia do comum. E é aqui que se começa a transformar em corno comum. É esta a dialéctica da encornação. O corno comum agarra-se a uma ilusão, à convenção. O verdadeiro corno infeliz agarra-se à própria existência que o oprime. Agarra-se à âncora que o leva ao fundo. O corno comum espera que a âncora o mantenha à tona, próximo e em uníssono com todos os outros. Ambos têm em comum a traição. Só é corno quem sabe e prefere manter-se como tal, diz a tradição. O corno comum é o acomodado. O corno infeliz é o corno profundo, alienado na sua condição inconsolável. Um é vítima da sua vontade e ilusão, outro de um pathos terrível. Ambos mergulham no lago do absurdo. Um é verdadeiro amante de si próprio e do seu sonho. Outro é o verdadeiro corno porque é a natureza ou a entidade de alhures que lhe prometem felicidade a sorver em pequenas gotas de arsénico. Um é enganado pelas quimeras do seu cérebro, os desejos da sua carne, pelas imposições dos seus semelhantes. É o corno físico. O outro é atraiçoado pela própria existência em que brotou. É trazido à luz para ser cilindrado pela luz a que é trazido. É o corno metafísico. O verdadeiro corno não trata ninguém por corno. Só ele sabe o peso que lhe atarraca as costas. Os cornos metafísicos reconhecem o peso da existência nas costas dos seus semelhantes. Os cornos físicos gozam uns com os outros através das estradas da inaptidão e do desempenho. O corno metafísico enrola-se sobre si mesmo como um feto a horas de nascer, enrola-se sobre a sua dor, sonhando que ela desapareça, cônscio apenas do seu sofrimento. Espera que a dor intensa passe e não se propague a ninguém. O outro corno, o comum, acha que a dor é parte da vida, e não a parte mais importante. Escarna dos outros iguais a ele, por só ele conhecer o vazio desse gozo. Um vinga-se da existência que o faz sofrer, outro celebra-a. Um subsiste e segue em frente, o outro só pode continuar a entoar os belos cânticos forçados pela dor a sair de sua boca exigidos por nós, filhos da dor que o arde.
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