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Qual chorar, estou feliz

11/7/2021

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O som dos graves sentido no fulcro do peito fazia confundir as arritmias por amores passados, com o ritmo da música.
O gin tónico que eu levava na mão sobreviveu por metade por entre os encontrões do balcão até à pista de dança.
Arregimentei uma coreografia na paisagem nórdica para poder exorcisar os demónios que me impediam de fruir uma aspiração antiga agora concretizada.
Assim que o sabor amargo etílico se intrometeu entre as minhas sinapses, soltei-me e enfeitiçado por uma anacrónica bola de espelhos movi-me como se sozinho num estabelecimento de entertenimento público.
O rodopio de luzes fugidías fazia desfilar os rostos de amores passados, e a cada nova face era como se eu recebesse um soco, um empurrão, um pontapé.
A princípio indiferente, a acumulação começou a deixar-me dorido.
Sempre que tentava ordenar à minha consciência que se submetesse a um operar sóbrio, as luzes vibravam mais rápido pelas paredes do tecto, e quando um sentimento de dignidade calhou em emergir, resolvi ripostar na direcção da dor que se assinalava na minha pele.
Reagindo, parece que aumentava a quantidade de dores que o mundo me dava.
Ri-me e por momentos senti-me lúcido o suficiente para me rir desta relação directa entre mim e o mundo, e eu nele, a ele reagindo, como que lhe chamando filho da puta, tens de me respeitar porque não tenho medo de ti.
Ri, e acabei por sorrir e a dor tornou-se mais suportável, por me sentir capaz de aguentar aquilo e muito mais, a natureza das pessoas, a indigência moral a que me conformei para poder viver com as minhas amantes, tudo relativizado pela experiência espiritual da minha relação comigo e das diversas formas como posso olhar para as coisas.
Foi como uma viagem no tempo, digo-te, eu era assim quando puto, ainda isento de desilusões com outros e comigo.
E os gritos em surdina acalmaram, e o silêncio tornou-me consciente da minha dança solitária. 
Ao abrir os olhos, vidros partidos por todos os lados, 4 tipos prostrados no chão e duas tipas agarradas à cara a chorar encostadas a um pilar.
Senti a boca dorida e não conseguia por algum motivo abrir o olho esquerdo, e tinha o braço direito a jorrar sangue por alturas do antebraço.
Os dois seguranças pediram ajuda ao porteiro, e agarrando-me por trás, levaram-me para a porta das traseiras da discoteca e empurraram-me com força para o chão molhado da estrada matinal.
A minha companhia vociferava bem alto, um dialecto alienígena, suponho que ou censurando ou perguntando se eu estava bem.
Levantei-me, enrolei o lenço de peito em torno da ferida no braço, e continuei os passos de dança, estrada fora em direcção ao Sol nascente. A dança só acaba quando eu não me conseguir reerguer de novo. Não tenho medo de ti.
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