O Pedro ligou-me eram duas da tarde.
Ele e o Jorge são amigos de longa data, fui ao casamento deles. «-Queremos-te hoje aqui às 20 em ponto. O Jorge vai abrir um vinho especial da nossa garrafeira.» «-Querem que leve algo?» «-Só alguém especial, se quiseres.» «-Não, vou sozinho.» Foram os primeiros a dar-me um banho de realidade sobre o que se passara em Lagos. Foi a primeira vez que notei o enfado profundo nela, por passear comigo numa quente noite de Verão, com o mar nas nossas costas. Ao passarmos por uma banca que vendia chapéus, coloca-me um na cabeça a experimentar, e diz que mo oferece. Epá, eu nunca usei chapéus. Desiludida, restitui o item ao vendedor, cabisbaixa. Fiquei a matutar naquilo. Conhecíamo-nos há 7 anos, e nunca me vira de chapéu, que coisa súbita era esta? Eu sabia o que era. Eu estava-me a tornar tão sem sal para ela, como ela já era para mim. Um chapéu, um traço de personalidade que se distinguisse, além da que já tenho, mas parece embotada por anos de familiaridade. Quem nos diz que a neofilia não é por causa da dinâmica sexual entre os géneros..e nós a pensar que era por sermos curiosos. Se calhar é para não nos enfadarmos uns aos outros. Mas eu queria negar essa possibilidade. De que ela se fartara finalmente de mim. O que o meu orgulho não me deixava ver, Pedro e Jorge esfregavam-me na cara. «-João, começa a pensar que ela já passou por ti.» Eu, desiludido e cabisbaixo naquela noite de Santos Populares, com as mãos a cheirar a sardinha, disse-lhes: «-Foda-se, vocês para paneleiros, parecem perceber muito de mulheres.» Riram-se e gozaram comigo, dizendo que as minhas mãos cheiravam às minhas preferências, o que demorei para aí meia hora a perceber, porque o palheto de Alfama é o melhor neuronicida conhecido pela Humanidade. Como me viram abatido, pela suspeita do que lá vinha, tentaram animar-me desviando-me a atenção para outras merdas que eu fingia interesse para não lhes ser ingrato pelo esforço. E eu só me perguntava, qual é o problema. Tudo nasce e morre. Eu também já queria saltar fora, mas estava afeiçoado a ela. Fartara-me antes do que ela, mas a cada noite que lhe despejava amor, voltava ao ponto zero. E assim foi andando. Eram 20 horas e eu batia-lhes à porta com um Douro forte no braço. À mesa, depois do jantar e do brandy, voltaram a ensaboar-me com a necessidade de arranjar uma ‘parceira’ que dito pela boca do Jorge, me faz sempre rir, por causa do seu sotaque micaelense. Falam sobre as virtudes do amor, e o diabo a sete. Eu rio-me e digo-lhes que para eles parece fácil. «-Então porquê?» «-Porque vocês estão de fora, a forma como um homem ama difere da forma como uma mulher ama, e disso vocês os dois não percebem.» O Pedro acusou o toque e deu-me razão. O Jorge, ficou pensativo.
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