Procuro as garrafas de vinho em promoção, Dão, Douro, Alentejo, são as damas eleitas para entrar dentro de mim.
Grelho mexilhão no lume de um fogão cujo gás está prestes a acabar.
Sento-me à secretária e em vez de trabalhar a sério, entrego-me a fazer sentido escrito da charada.
Dentro do copo de pé alto o sangue de Cristo espera que o engula.
Carreguei na manteiga de ovelha em cima dos bivalves congelados no outro lado do mundo. Carrego no vinho até que o nevoeiro mental comece a surgir e nele, ideias esparsas venham dizer olá à consciência.
Tenho de fazer assim, porque se abordar a minha experiência de forma sistemática, apenas verei nela o sistema que lhe coloco.
Espero que imagens ou figuras venham ao palco e me digam coisas novas ao ouvido.
Quando estou quente, lamento a banha que deixei reproduzir-se em torno da minha barriga, nestas sessões de convocar os demónios de serões passados.
Pode então a tinta sair automática, dançando a caneta por si mesma, eu espectando a coreografia, e o que ela me diz nas curvas de tinta preta.
A caneta de tinta permanente rasga a pele do papel caro, em esboços de cacofonia.
Toca o telefone. Atendo, tonto, ou a meio caminho de uma boa disposição.
Do outro lado, uma delas, a Júlia.
Porque uso tanto vernáculo nos textos.
Leitora ávida dos mesmos, faz questão de partilhar toda a opinião que tem dos mesmos.
Levava-a a sério a início. Depois percebi que as críticas não passam no mesmo, e que no fundo ela apenas fala para si mesma, comigo sendo um acidente de percurso.
Finalista de Germanísticas, achei-lhe graça num concurso literário qualquer e metendo conversa, quis convencer-me que me amava. Faço-me de jogral parvo em peça de Gil Vicente.
Que vulgariza os textos, tal como me vulgarizo a mim, não fazendo ou escrevendo mais nada de substância. Digo-lhe que tenho os livros prontos a sair da caneta, e que o vernacular serve um propósito, e que é ainda a gloriosa língua portuguesa.
João diz ela, preferia-te quando preferias foder a pensar.
Também eu Júlia.
É tudo tão mais simples, quando deixamos 100 000 anos de antropogénese seguir o seu curso.
Desligo a chamada e vou buscar guardanapos de papel, subo à cama e deito-me em posição fetal, dedilho o telemóvel procurando modelos checas sem gajos misturados. Encontro uns vídeos, e espero pelas melhores posições.
Usados os guardanapos, tapo-me, e dormito, aproveitando a boleia da endorfina.
Preciso sempre de uma hora de sesta para fazer o reboot da mioleira.
Minto, no sono, outras figuras me vêm dizer olá. Mulheres que não conheço e afago o rosto. Mulheres passadas que dizem em sonho o que nunca conseguiram dizer em vida. Recordo até ao passado o momento da reencarnação onde fomos todos amigos prestes a iniciar um jogo de auto iluminação.
Haverá sempre qualquer lição a aprender.
Tocam à porta. É Júlia, conseguiu meter-se aqui numa hora.
Começa a discutir, e percebo no tom de voz que é farsa.
Calo-me, assim que se cansa, agarra-me, beija-me e que me quer foder como ao início.
Lambe-me o pescoço sofregamente, paro-a dizendo que ainda não tomei banho.
Desaperta-me as calças e coloca as mãos frias sob a minha pele.
Estico o rabo para trás, que ela bruta magoa-me a tomateira por momentos.
Enfia a língua pela minha boca, e cospe cuspo tépido agarrando-me o cabelo e gemendo alto.
Apetece-me dizer que não me apetece, mas o orgasmo é só outra forma de embriaguez.
Tiro-lhe então o casaco de napa a imitar o Schott que Brando usou no ‘Wild One’ e que agora está na moda.
A tshirt da faculdade que frequenta, e que usa nas tardes de bebedeira com os colegas, também sai sem problema.
O soutien idem.
A pele bonita e molhada, quente encosta-se a mim. Parece nutrir uma profunda fome do meu corpo.
As calças de ganga rasgadas no joelho e com algumas nódoas de relva, saem à bruta por cima das sapatilhas brancas a imitar os Stan Smith da Adidas, que saem a seguir.
A comoção muda de frequência assim que ambos sentimos a ligação que a penetração inaugura.
Liga-me quando chega a casa e pede-me, João não escrevas merda de palavrões nos teus textos.
É uma questão de imagem.
Pergunta se estou bem, aparentemente acha que ando deprimido só por os textos escassearem ou parecerem amargos.
Reconforto-a, estou bem, e tenho tido outras merdas que escrever. Foda-se.