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Comatose

31/12/2019

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Saio do comboio, e passo pelo supermercado, macerado por algumas horas de teoria prévia.

Procuro as garrafas de vinho em promoção, Dão, Douro, Alentejo, são as damas eleitas para entrar dentro de mim.

Grelho mexilhão no lume de um fogão cujo gás está prestes a acabar.

Sento-me à secretária e em vez de trabalhar a sério, entrego-me a fazer sentido escrito da charada.

Dentro do copo de pé alto o sangue de Cristo espera que o engula.

Carreguei na manteiga de ovelha em cima dos bivalves congelados no outro lado do mundo. Carrego no vinho até que o nevoeiro mental comece a surgir e nele, ideias esparsas venham dizer olá à consciência.

Tenho de fazer assim, porque se abordar a minha experiência de forma sistemática, apenas verei nela o sistema que lhe coloco.

Espero que imagens ou figuras venham ao palco e me digam coisas novas ao ouvido.

Quando estou quente, lamento a banha que deixei reproduzir-se em torno da minha barriga, nestas sessões de convocar os demónios de serões passados.

Pode então a tinta sair automática, dançando a caneta por si mesma, eu espectando a coreografia, e o que ela me diz nas curvas de tinta preta.

A caneta de tinta permanente rasga a pele do papel caro, em esboços de cacofonia.

Toca o telefone. Atendo, tonto, ou a meio caminho de uma boa disposição.

Do outro lado, uma delas, a Júlia.

Porque uso tanto vernáculo nos textos.

Leitora ávida dos mesmos, faz questão de partilhar toda a opinião que tem dos mesmos.

Levava-a a sério a início. Depois percebi que as críticas não passam no mesmo, e que no fundo ela apenas fala para si mesma, comigo sendo um acidente de percurso.

Finalista de Germanísticas, achei-lhe graça num concurso literário qualquer e metendo conversa, quis convencer-me que me amava. Faço-me de jogral parvo em peça de Gil Vicente.
 
Que vulgariza os textos, tal como me vulgarizo a mim, não fazendo ou escrevendo mais nada de substância. Digo-lhe que tenho os livros prontos a sair da caneta, e que o vernacular serve um propósito, e que é ainda a gloriosa língua portuguesa.

João diz ela, preferia-te quando preferias foder a pensar.


Também eu Júlia.


É tudo tão mais simples, quando deixamos 100 000 anos de antropogénese seguir o seu curso.


Desligo a chamada e vou buscar guardanapos de papel, subo à cama e deito-me em posição fetal, dedilho o telemóvel procurando modelos checas sem gajos misturados. Encontro uns vídeos, e espero pelas melhores posições.

Usados os guardanapos, tapo-me, e dormito, aproveitando a boleia da endorfina.

​ Preciso sempre de uma hora de sesta para fazer o reboot da mioleira.

Minto, no sono, outras figuras me vêm dizer olá. Mulheres que não conheço e afago o rosto. Mulheres passadas que dizem em sonho o que nunca conseguiram dizer em vida. Recordo até ao passado o momento da reencarnação onde fomos todos amigos prestes a iniciar um jogo de auto iluminação.

Haverá sempre qualquer lição a aprender.

Tocam à porta. É Júlia, conseguiu meter-se aqui numa hora.

Começa a discutir, e percebo no tom de voz que é farsa.

Calo-me, assim que se cansa, agarra-me, beija-me e que me quer foder como ao início.

Lambe-me o pescoço sofregamente, paro-a dizendo que ainda não tomei banho.

Desaperta-me as calças e coloca as mãos frias sob a minha pele.

Estico o rabo para trás, que ela bruta magoa-me a tomateira por momentos.

Enfia a língua pela minha boca, e cospe cuspo tépido agarrando-me o cabelo e gemendo alto.

Apetece-me dizer que não me apetece, mas o orgasmo é só outra forma de embriaguez.

Tiro-lhe então o casaco de napa a imitar o Schott que Brando usou no ‘Wild One’ e que agora está na moda.

A tshirt da faculdade que frequenta, e que usa nas tardes de bebedeira com os colegas, também sai sem problema.

O soutien idem.

A pele bonita e molhada, quente encosta-se a mim. Parece nutrir uma profunda fome do meu corpo.

As calças de ganga rasgadas no joelho e com algumas nódoas de relva, saem à bruta por cima das sapatilhas brancas a imitar os Stan Smith da Adidas, que saem a seguir.


A comoção muda de frequência assim que ambos sentimos a ligação que a penetração inaugura.
Liga-me quando chega a casa e pede-me, João não escrevas merda de palavrões nos teus textos.

​É uma questão de imagem.
Pergunta se estou bem, aparentemente acha que ando deprimido só por os textos escassearem ou parecerem amargos.
 
Reconforto-a, estou bem, e tenho tido outras merdas que escrever. Foda-se.
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