As últimas semanas haviam sido difíceis para toda a gente. Os russos, que é o nome que os outros europeus dão aos europeus dos Urais, tinham feito o que haviam dito, castigando a Lituânia, desencadeando uma militarização do resto do continente, com todo o fogo de artifício a ficar no maior grau de prontidão. Misseis balísticos de um lado para o outro como se uma orgia de recadinhos de namorados em tempo de correio postal a cavalo. Era uma questão de tempo até um desses mísseis levar uma surpresa radioactiva. As pessoas andavam tensas nos supermercados, e toda a gente pelos jardins, esplanadas e carreiros usuais, parecia estar à espera de algo. Talvez de um fim rápido. Talvez de algo adivinhado de há uns anos a esta parte, mas desde que haja cerveja, bola e sardinha assada, tudo se aguenta. Estava em casa e já contemplara várias vezes a minha morte, portanto se a mesma ocorresse no espeto ou na brasa, não era indiferente, mas também não era nenhuma tragédia. Dava comigo a pensar noutras pessoas com muito mais investido na vida que eu, empréstimos, filhos, negócios, deve custar muito mais, morrer com tanto investido nesta terra, que pouco ou nada ter e até isso perder. Não me alegrava a ideia, mas fazia-me ver o quão cruel havia sido comigo mesmo. Depois tive a mais estúpida das ideias, mas que é tão minha, que é não relativizar as ligações emocionais passadas. Liguei para a Patrícia, e pedi-lhe desculpa se havia sido cabrão ou injusto com ela. E que me lembre, era a única que merecia as minhas desculpas. Mas faltavam as outras, porque haveria de ligar às outras? Dá-me vontade de designar como ‘putas’, ‘cabras’, ‘vacarronas’, e a minha preferida, ‘bardajonas’. Isso é bom, pensei comigo, se lhes tens ódio, é porque ainda as amas. Foda-se, não sei se era isto que me preocupava mais ou a bombinha de Carnaval a caminho. Toda a gente normal, come, digere caga, e não volta a falar ou pensar no assunto. Que bicho sou eu que rumino em 7 estômagos a comida do passado. Que pernoito em toda a informação disponível, que me confirme que estão bem, que estão vivas? Ainda recentemente, uma, achando que um dos meus textos se referia a ela, vedou o perfil do Facebook à minha pessoa, para eu nada saber da sua vida ou ela da minha. Gente. Gajas. Mas elas têm razão, a maior parte dos homens é um constante ping a ver se pinga sexo. Não tenho nenhum símbolo na testa e, portanto, não pareço diferente. E às vezes até, me sinto ofendido por me tratarem assim, genericamente como que não me reconhecendo com a diferença que não faço questão de ter. Uma ou outra de vez em quando liga e após algumas perguntas supostamente ingénuas, sei logo o motivo da chamada. Não é por saudades, te garanto. É por algo ter corrido mal, e necessitarem de buscar o conforto de uma nova lista de potenciais pretendentes, como Penélope. Mas eu também não sou Ulisses. Vejo os memes nas redes sociais, sobre o mito da ininteligibilidade do quer que seja que as mulheres querem. Acho que é mais difundido por homens que por mulheres. Dá aos inaptos uma desculpa por não perceberem. A mulher, como o cão, como o canário, como eu, como tu, quer naturalmente, o melhor da vida. O homem quer a mulher. Esta equação simples, é o motivo de tanto suicídio e homicídio e adultério, que anda por aí. O homem, é o utensílio com o qual as mulheres mostram às outras serem ou não superiores. Quanto melhor o homem, melhor cai o rimmel. Os gajos não diferem, gostam de mostrar que são amáveis por uma mulher bonita. Homens e mulheres querem agradar tanto ao mundo, aos pais, aos familiares, fazê-los felizes, que subsistem em relações infelizes para descansar os pais, que de outro modo pensariam que tinham a prole encalhada. Os amigos, alguns, gostam de ter amigos, para provar a si e a outros, que têm amigos, têm algo de estimável, pois a solidão não torna ninguém amável ou estimável. E quanto mais choras neste mundo, mais ele te vira as costas. Se te rires, ele dá-te corda para ver se te enforcas, tens de ser maniacamente bem disposto, para a vida ter respeito por ti. É tudo uma troca de energia, por amor de pais e familiares, usamo-nos uns aos outros como adereços de peça teatral. Em vez de procurarmos no Outro, razões para o amarmos, procuramos o oposto, de forma a nunca ficarmos em suspenso, com maior ligação emocional, que o Outro a nós. É a isso que chamamos poder. Era nisto que eu pensava quando passava pela minha lista de Penélopes passadas. «- Oi como estás. Estou a ver esta merda malparada, estou a ligar-te para te dizer que não te guardo nenhum rancor, e foi bom ter partilhado amor contigo. Podia dizer que és uma cabra sem carácter, ou um desperdício de oxigénio, mas não o vou fazer. Tens a mesma agência na tua vida afectiva, que uma criança de 3 anos têm no acto de abrir uma lata de atum. Podes nem achar que existe motivo para isso, mas perdoo-te, vemo-nos noutra vida.» Vá Putin, solta lá esses supositórios ardentes, no cu deste mundo. Uma ou outra não desliga do telefone e até responde: «-Possa João, após estes anos todos ainda me amas?»
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