A comida sabia-me a palha de papel, insonsa e inodora.
O apetite cultural e criativo já não me movia. Em nada acreditava ou achava que valia a pena. Só me lembrava da vacuidade das promessas que ela havia feito e não cumprido. De como me parecia amar tanto no passado e abandonado sem razão, enxotado para fora da vida dela. Partia a cabeça à procura das minhas falhas e culpas, da vergonha longamente assumida e incubada pela crença de uma inadequação ou imerecimento. Que tenho eu de mal? Onde é que errei? A cona e sonhos de vida futura, diziam-me agora adeus como mão apoiada em parapeito de comboio que parte, deixando apenas uma dura e grande lição, paga muito, demasiado caro. Mas eu só me preocupava com a cona, com sua falta com a sua rejeição. O sexo tornou-se uma merda assim que percebi que estava sozinho. Aqui me tens aqui me levas era o seu paradigma horizontal, e só conseguido a esforço, implorando e prometendo perder a minha barriga de cerveja. No final do curso de que éramos colegas, ela sentia-se já autorizada e ganhando estatuto e eu era apenas um pobre merdas perdido em espantos metafísicos de tipos falecidos há que séculos. Fugia fodendo, utilizava-lhe o corpo para me esquecer de mim, de orgasmo em orgasmo. Perdia-me em cima dela, esfaqueando-a repetitivamente com meu falo, durante horas seguidas, lutando pela pequena morte que faz tremer as pernas e que ela nunca sentira. Tinha de provar que a conseguia satisfazer, para manter a cona, para me confortar a mim mesmo como garanhão lusitano, para ter a certeza que ela gostava de mim. Para me esquecer de tudo o que uma lucidez irresponsável me lembrava. Certa vez por teimosia passei hora e meia sem parar em cima dela repetindo o tal ritmo mecânico, abnegadamente indo ou rachando a ver se ela se vinha, se ia ao oásis orgasmático, comigo de pulso aberto de me apoiar na cama e ela alagada em suor, num claro relâmpago de inexperiência da minha parte, que acreditava que era a falta de injecções de carne que lhe causavam a falta de alívio da sua energia e da sua dose de endorfina. Não se veio, nunca se veio, e eu continuava a achar que a culpa era minha. E ela a pensar que o sexo era uma maçada desagradável e sem graça, uma merda que desarrumava a casa e despenteava o cabelo. Por vezes dizia-me que eu tinha andado perto. Lambia-lhe a vulva durante uma hora, parecia gostar, mas aorgasmática ela era comigo. Quando sua respiração e som dos gemidos atingia níveis sonoros extraordinários para a exclamação dos vizinhos, lá me soltava da minha tarefa obsessiva vindo-me de seguida perseguindo a romântica ideia e ilusão do orgasmo simultâneo. Teimosia, necessidade, insegurança. Ela era linda e só por isso tinha de ser mantida, como um puro sangue, mesmo que não se goste de cavalos. Comecei a aparecer a seus olhos como um pobre diabo, um tolo sem futuro, sem nível para a levar na ponta do braço. Mas não podia pensar em aberto desta forma sob pena de manchar a imagem impoluta que queria ter da sua moral. Preferia pensar e dizer que éramos incompatíveis. Ela queria um homem organizado, digno dos pergaminhos que lentamente conquistava. Feito estúpido sacrificava-me em calculismo e sentido de dever, ia ter com ela a casa ouvindo-lhe as lamúrias existenciais, sempre na esperança de que teria cona se pedinchasse o suficiente, ou apenas se o meu amor estivesse bem disposto. Não conseguia quebrar a linha com quem me havia apaixonado, e já havia há muito partido deixando-me em cais aguardando seguir para outra margem. Nada tinha que comer nos dias que lá passava, raramente me dava algo para comer, ela que também se alimentava mal, e com a mãe me censuravam se lhes dava cabo do queijo ou do chocolate. A minha voz interior soluçava ser demasiada humilhação, mas a puta da esperança de tudo voltar a compor-se, dela não ter agorafobia ou ataques de choro. Considerava-a doente e queria ampará-la, sem perceber que adoecera junto, culpando-me por querer fodê-la mas também não o conseguindo evitar. Sempre que retornava a casa, vogava vazio e frustrado, estar na minha pele era um veneno mortal. 6 meses muito bons, ano e meio mais ou menos e 2 anos de merda. Eis o sumário. Instintivamente queria continuar minha amiga sabendo dos meus sentimentos por ela. É uma capacidade feminina épica, fazer corta mato sob os sentimentos dos que por elas ficaram em suspenso, onde a única saída é o polido e cínico ‘ficar amigo’. Algumas mulheres são como as hienas, medem as presas pela altura, descartando-as desdenhosamente se são mais altas delirando ainda com as suas janelas de possibilidade em aberto. Assim foi, descartou-me mesmo depois de me ter dito que me queria para sempre e de ter acendido umas velas na igreja e na areia da praia. Um refrescante novo mundo banhou-a na cara, a vida revigorava lá fora. Pelo meu lado passei uma semana a ouvir a música do Moby ‘Why does my heart feel so bad?’. Sentia-me no fundo do poço, rejeitado e isolado no Tarrafal do falhanço. Frustrado também por ter aguentado dois anos sem foder. Ambos lamentávamos. Eu por ter perdido uma fêmea apresentável, e invejada pelos outros, a minha fonte de validação, ela por ter perdido precioso tempo comigo. E agora como vou foder, pensava. Não fazia sentido foder com mais ninguém. Preocupava-me a minha dose regular de endorfina. Lembrava-me do seu olhar absorto e judicativo, tanto menos inquiridor, enquanto eu a fodia, sozinho e desacompanhado…neles se lia a sua inquirição acerca da condição humana e a fraqueza dos homens, na sua aflição pelo calor do corpo de uma mulher. Nada como uma mulher que não se vem contigo, para filosofar sobre ti de perna aberta. Espectadora judicativa sentia-se como Tomás de Aquino perante o mundo. Andou uns tempos por aí aos caídos, desprezada por gajos que a fodiam como prémio de consolação. E contava-me. Eu sentia um misto de revolta com uma profunda mágoa, que me dava vontade de chorar, por perceber bem porque era descartada por uns e idolatrada por mim. Esta cadeia trágica só me lembrava que a sua total ignorância sobre os motivos, a isentava dos juízos sobre mim e me colocava no lugar do gajo que não se vem e filosofa de perna aberta, via nela portanto a encarnação da mulher presa ao seu destino, o seu corpo como dizia o Estagirita. Percebi então que a cona não é mais importante que a pila, e que não é apenas um controlo emocional do ser de matéria superior sublimada em contos de fada e cantigas de amor, que determina a menor dependência do sexo que as mulheres se gabam de ter. Há também uma epidemia de falta de saúde. Abre olhos sinistro. Ishtar tem pés de barro. Ela preferia uma realidade que lhe confirmasse as crenças mais secretas, especialmente a de que tinha pouco valor. Qualquer amor por ela sabia a falso, incapaz de se deixar amar, ou de conviver com a sua ipseidade. Naquela altura de nada me valeriam todas as palavras e ideias do mundo. Se eu voltasse atrás e comigo falasse, o eu do passado ia fazer apenas aquilo que pensava na altura. Não estava preparado nem tinha humildade para isso. Estava esfomeado e acreditava viver num mundo de fome e desespero, e quem tem fome não é alimentado. Passei ao lado de muita cona, mas isto é só o sombrio reflexo desses tempos, como se lamentar a cona perdida não fosse confirmar o valor excessivo da mesma. Conheci miúda análoga, etiquetada com o ‘Bolero’ do Fancy, que tinha como a anterior a nitidez de como faziam avaliações de mim, do homem. Esta ia buscar valor à sua actualização temporal, e não provando a si mesma que era capaz de superar os desafios a que se propunha. Esta tinha mais espírito de rebanho, se bem que para se sentir especial tinha de se mascarar de ovelha de lã negra ou de cor minoritária. A primeira lá vomitava e chorava, mas ia em frente rumo à prova a superar. Esta comparava as penas e as escamas com aqueles que se enquadravam na sua definição de actualizados, e actualizadas. Eu sabia que só um homem capaz de lhe captar a atenção se diferenciaria dos demais. Ela queria provar a minha vulgaridade dando-me por garantido, que ocorreria assim que eu fosse meigo para ela, o que na sua ideia correspondia a não ser adulto, igual aos despojados a quem se entregava no zénite da sua fantasia. Muitas mulheres acham que por te abocanharem o falo com a vagina, ficam a saber tudo o que há a saber sobre ti, como que por osmose. Esta dando-me por comido dava-me por conhecido e conquistado. Cagou-me com a facilidade de quem come dois quilos de figos maduros, e foi tão fácil. Bastou seguir o padrão de concordar com as idiotices provincianas dela, bastou-lhe dar crédito e levar a sério o que dizia. Ela gostava do que gostava, não porque isso a confrontasse com algo, mas porque fazia parte da imagem projecto com que se transformara em boneca de si mesma. As mulheres são óptimas a pentear e a vestir bonecas. Cada mulher é a boneca de si mesma. Também não se vinha, não se entregava, e os seus gemidos no acto soavam a desabafos de quem desaperta um parafuso teimoso. Não era um ser humano que estava ali, como a outra que me olhava por detrás do sal do suor. Era outro autómato judicativo completamente perdida na certeza da sua ilusão. Eu tinha-o percebido, quando notei que nem uma pergunta havia feito sobre mim, ou das rodas que me mexiam, só sabia falar dela, tão certa estava da actualidade da sua ficção. Quem ela admirava e com quem privava, partilhava-lhe o estilo e os gostos que quanto mais anónimos e excêntricos mais comprovavam o seu gosto de vanguarda, a especialidade do seu ser. Como típica portuguesinha, tudo o que fosse estrangeiro e radicalmente não mainstream era de bom gosto. Não tinha um interesse geral pelos outros ou pelo que os outros significam. Muito menos em perceber o fascínio que lhe possam causar a início. Fez uma caridade a um sem abrigo dando-lhe um cobertor. Não por ter a empatia suficiente de sofrer com ele, mas porque precisava de se sentir num grupo moderno e actualizado de gente decente. E também para poder contar. Sob certo ponto de vista tudo se pode entender ou explicar. Cabe a cada um não virar os canhões para dentro e marchar. Se conhecemos bem a nossa sombra como negar que os outros carreguem também o seu próprio inferno, especialmente se com ele transportam um orifício no meio das pernas.
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