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Corre uma brisa fresca à noite VI

12/7/2022

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 Eu seguia de mão dada com a dela, por uma rua que nunca havia percorrido.
Como se me levasse para uma teia, onde me morderia, largando um veneno que me dissolveria e, depois, me sorveria, para não ter trabalho a mastigar os ossos. Ah puta de néfila!
De facto, a pensão onde morava não era nem pardieiro nem hotel de 5 estrelas. Tinha personalidade e via completamente algum escritor a inspirar-se aqui.
«-Queres um gin?»
Para não parecer mal disse que sim, e ela empurrou-me para uma poltrona vermelha, de tamanho exagerado, e disse venho já.
Ao sentar-me, ou melhor, ao cair, é que percebi quão ébrio estava.
Na rua e com o ar fresco, se me mantivesse calado, disfarçava. Mas sentado, o espaço siderava à minha volta.
Se misturo gin com cerveja, estou fodido, pensava eu.
Passa um ancião de pele alva, com uma fedora no cocuruto, que levanta e saúda: «-Good evening old chap!», olhando na direcção do bar e do guichet, para onde ela andava.
Não fiquei desconfiado pois a hospitalidade do cumprimento não me fez sentir que o mesmo fosse gratuito, vulgar ou imerecido.
Lembrei-me do Vincent no Pulp Fiction, não sei porquê. Talvez porque estava à vontade na situação que me aparecesse de seguida, fosse por ter naquele momento descoberto qual seria a minha e dela, canção.
E como gostava muito da canção, só podia significar algo, este estar com ela, que a propósito, me traz um balde de gin.
Não era um balde, mas um cálice tão bojudo, que no final do mesmo teria de subir as escadas de gatas.
Ela sentou-se e perguntou-me então se gostas disto, que achas.
Ri-me e disse, «-Impressionante.»
Sorriu vitoriosamente e concordou.
Eu disse-lhe: «- Pensava que eras daquelas meio malucas que se embrenham em situações mal medidas apenas em nome de um ideal ou de uma estética. Reconheço-te inteligente e com sensibilidade para a causa, pois este velho albergue tem de facto vibes literárias.»
Ela olhando para mim, ficou a pesar as palavras.
Deduzi se pensaria se o que eu dissera era um insulto ou não.
Para 3 da noite, tinha bastante movimento nestas noites de calor infernal onde ninguém dorme.
Por estupidez de bebedeira, gritei para o átrio coberto de mármore e de gente que circulava de e para os quartos: «-Aproveitem que o calor do Putin vai ser pior.»
Quando estatelei de novo o rabo na poltrona, dei comigo a rir com a laracha, e com a constatação final de que sim, estava bêbedo com meio cálice bojudo pela frente.
O seu silêncio observador relembrou-me tempos passados, onde optei por me esconder, de modo a manter o meu amor e a concórdia com os humanos mais importantes para ela.
É como quando no final, quando nos servem a conta no restaurante, que realmente avaliamos se a refeição valeu a pena, se o prazer gustativo mereceu o pagamento em numerário.
Ela pergunta se subimos. Mas eu não oiço.
Estou ainda a pensar nos anos em que me permiti anular a mim mesmo, para me poder dar bem com toda a gente, e fazer que me amassem.
Ganhar aquele quid mínimo de apreço que nunca me dariam, precisamente por eu gostar de o ter.
As pessoas reagindo ao meu desejo, com desconfiança, pois só alguém desejável é imune a ter de se esforçar para ser desejado.
As vezes que constatei que quanto mais faço para ser amado pelos outros, mais me perco a mim próprio.
Perco-me até ao ponto de não saber quem sou, e ter de iniciar nova aventura de descoberta do caralho que seja que eu sou.
Procurar nos arquivos resquícios de mim, do que me fazia mover há uns anos atrás.
Por isso aparece o amor como uma terna viagem de auto-anulação, onde no final somos cuspidos como lixo sem qualquer valor.
Humilhados pelo singelo intuito de querermos agradar aos outros, cuspidos fora como água tépida, apenas porque quisemos fazer alguém feliz.
Arrastado sou até ao seu quarto de paredes vermelhas e duas poltronas verdes à entrada, 3 cães de loiça que recebem os visitantes, bordejando à porta, à direita fica uma pequena sala com um sofá de canto para 3 pessoas, e uma televisão esplanada na parede, uma mesa de centro em vidro, atarracada e anã, e uma janela ao fundo com visão para uma colina que se intromete entre o mar e o quarto.
Quarto com cama de casal e lençóis brancos, para lá do hall de entrada.
Uma mesa de cabeceira, um jarro com água e a ideia de existir um quarto de banho comum a todo o andar do prédio.
Se queres cagar, mijar ou vomitar, tens de sair do recinto.
Ela está deitada na cama, retirou os sapatos de salto alto, tem as pernas brancas e musculadas sobre o branco dos lençóis escancaradas, e olha para o tecto como alguém que espera uma prece divina.
Ao ver-me aproximar, pisca-me o olho e convida-me a deitar ao seu lado.
Deito-me, e abraço-a, colocando-me em posição fetal com ela em frente a mim.
Curiosamente as suas pernas atracam-se nas minhas, sob protestos da sua saia de cabedal.
Sabe-me tão bem-estar abraçado a ela.
Quando estou quase a adormecer, sinto a sua impaciência na minha boca sob a forma de um beijo.



​Para o leitor que gosta de finais felizes, a história acabaria aqui, eu granjearia meia dúzia de likes nas redes sociais, e umas palmadinhas nas costas por causa de um final feliz.
Mas quando a sua língua tocou na minha, e encaixei seu rosto ofegante entre as minhas mãos, no momento menos apropriado tocou o meu telefone.
Era Elvira, uma estampa da C+S, que dava agora aulas de inglês na mesma C+S.
Tenho sorte com gajas de Anglísticas, caem quase todas.
Que tenho de te ver e quero estar contigo.
Como não se satisfizesse com a minha negação (se eu fosse gaja diria que tinha sido violada), insistia mesmo após terminar a chamada.
 
Farto, gritei-lhe ao ouvido, mas que caralho Elvira, falamos depois. Que urgência há agora contigo?! Na C+S achavas que eras melhor que eu, não me ligavas nenhuma.
Casaste fodeste e engravidaste de quem bem entendeste.
E agora, só porque me viste na RTP3 num programa da treta, lembras a minha existência.
Foda-se, vai-te foder.
E desliguei a chamada e o telemóvel.
 
Olhei para ela e perguntei se era melhor ir-me embora.
De todo, um tipo que é desejado por outras, é por certo um privilégio a ser desfrutado.

Exclamei que era a minha heroína e minha Super mulher.
Ela riu-se e disse que por acaso tinha algo a rigor para o efeito.

Saiu de cima de mim, deixando-me com uma surpresa assinalável.

Quando voltou do roupeiro, percebi e ri-me bastante às bandeiras desbragadas  . 
Chamei-a para mim, e pedi para fotografar para o meu blogue.

Disse que só depois de a beijar muito e prolongadamente.


Puxei-lhe as pernas dobradas na posição fetal para o seu peito.
Apanhando-a de lado sussurrei, «-Eu é que te vou desfrutar a ti.»

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