Passámos 2 semanas fechados naquele quarto com vista fugidia para a praia e para a Serra de Sintra. Ora eu ora ela, encomendávamos pelo Uber Eats, comida cerveja e vinho, que seriam queima das actividades lúbricas que se seguiam. Mais batido, eu indagava até onde iria durar esta fase de enamoramento. O meu alter ego, a parte mais adulta e mais chata de mim mesmo, dizia-me que tudo o que é bom acaba. Ora a capacidade de conseguir amar depende da capacidade de sentir alguma esperança em relação ao mundo que nos aguarda no porvir. De que te serve gostar de alguém, quando sabes que a bomba do Putin amanhã te leva, aos teus pais, aos teus filhos? Ficas com a criança nos braços, todo o esforço que largaste na vida, tudo aquilo que te privaste, tudo pelo qual lutaste. Cai a bomba, o asteróide, ou a seca final, e tudo se esboroa como pão velho ao vento forte. De que te serve gostar de alguém, quando sabes que as pessoas seguem certos caminhos estabelecidos há 100 000 anos ou mais, que são marionetas de um títere evolutivo implacável e inescapável? Que a mulher te ama enquanto sentir que és um prémio a obter por outras, ou o prémio de consolação por aqueles que não conseguiu? Que o homem te deseja e trata com consideração, enquanto fores objecto de desejo também para outros, que tenhas simetria facial, e uma fisionomia passível de facultar uma erecção? É tudo relativo e uma charada. Uma pantomina. A contraposição entre mim e o gajo que eu era há 20 anos, faz-me chorar. Lembro-me que há 20 anos desejava ter a sabedoria, isto é, a experiência que tenho hoje, de onde retiro lições completamente determinadas pela minha doentia subjectividade. Hoje, que a tenho, gostava de a jogar fora, pois só podemos ter uma de duas coisas, a verdade ou a felicidade. Eu sempre escolhi a verdade, sempre. Sempre. Por isso gosto de músicas tristes. Por isso e pelo meu passado relativamente triste. Por isso não consigo ser feliz, e choro por essa infelicidade. Mesmo neste quarto, onde uma mulher que faria girar a cabeça a qualquer um, de bonita, tesuda e inteligente, jaz aqui ao meu lado enquanto escrevo no portátil, suada, exausta, sempre pronta para me receber. Eu conheço o fim do arco-íris, amei todas aquelas que agora chamo de ‘putas’, e que só o são, por se terem ido embora, deixando-me a ruminar com a ausência da sua presença. Sei que por onde quer que olhe, os amores acabam, onde acaba o interesse e visão dos indivíduos. Sei que no fundo isso não é uma coisa má. Tal como um cavalo ou um cão não podem estar fechados durante muito tempo num mesmo espaço, ninguém consegue estar fechado numa relação que se reduza a cama, ou a ambos os elementos da mesma relação. Quando é só isso que subsiste, fazemos render, porque amamos a pessoa, não sabemos estar com ela, mas sabemos que queremos que não saia da nossa vida. Mas que não pode permanecer na nossa vida, sem termos com ela a única coisa que nos prende, o sexo. É como foder um cadáver, já lá não está, cheira mal, mas pela memória ainda nos dá tesão suficiente para foder. Para amassar as carnes inertes, os fluídos nauseabundos, a fricção que aquece, só para podermos sentir que há vida em nós a foder um corpo morto. Para nós. A Flávia dizia-me que não entendia o meu apego a este lado negro do existir, de gostar de chafurdar na tristeza. Ela tinha, e tem, toda a razão. No entanto, a minha escolha, foi prévia. Só podes escolher entre verdade e felicidade. Ou uma ou outra. Antes de ter perdido uns 6 quilogramas a foder esta amazona loira, jogadora de vólei do Dafundo, eu percorria os cafés, bares, festas e arraiais deste torrão pátrio. Encostado a um canto qualquer eu observava as pessoas a dançar, rir, seduzir, vomitar, ébrias de vida. Se só posso ter verdade ou felicidade, o que é a alegria, o excesso, a embriaguez, senão um cuspir na cara dessa puta de escolha inexorável? Como posso levar a sério que um outro ser humano me tente reduzir a peça de puzzle, a imbecil que não sou, a pai de filho ou filha cujo verdadeiro pai não quer saber? A amante prémio para mostrar às amigas e família, como prova de que a vida está minimamente encaminhada, e que pelo facto de que alguém as ama, significa que são amáveis? Como posso levar a sério ou como ofensa, a bebedeira dos outros? Como pode a ilusão, não ser tão verdadeira, como a verdade que tenta mascarar? Mas a pergunta não é essa. De certa forma, é até irrelevante. A pergunta é, o que é que eu acho sobre o assunto. Parafraseando Camus, que se foda a quantidade de categorias do espírito. O que interessa, é o que faço com a informação que tenho. E tendo-a, como reajo, nas reuniões familiares, na vida comum pantomineira, como consigo fingir e saber o que passa como verdade ao mesmo tempo? Mais concretamente, como vou comer o meu amor por trás, a seguir a postar este texto no blogue, quando eu e ela estamos exaustos, com dores musculares e assados, ela da minha barba, e eu da sua púbis. Como, no final, no momento em que ela me pedir algo fora desta cama, quando se quebrar o feitiço por fim, me vou escapar a sentir de novo como mais uma peça na engrenagem, como em mais uma etapa numa puta de lição que não consigo descortinar. Mas são as coisas que correm assim, ou sou eu um traumatizado de guerra com o seu sistema reticular, que procura na realidade, dicas que confirmem a sua teoria? Mas esta miúda já me deu algum motivo de queixa? Não. Tenho de continuar a tratá-la como se fosse a primeira, sem ter de levar, na medida do possível, com a merda que as outras antes dela fizeram. Mas sinto que esta, posso estar enganado, é diferente, pois não me força a estar na farsa evolutiva da coisa entre homem-mulher. Esta trata-me como indivíduo. Pelo menos é o que sinto. Essa é a definição de carácter, receber a luz do mundo, mas só esporrar nos outros, os comprimentos de onda do espectro electromagnético, que interessam. Cessar o ciclo da doença, de espalhar merda, infelicidade, crueldade, apenas porque nos calhou a nós. Porque me queimaram um cigarro no braço, não tenho de o fazer o outro como paliativo de uma Existência que ficou aquém do prometido. Ou se calhar nunca houve promessa alguma. Estava tudo na minha cabeça, e exijo demais dos outros, porque não tenho coragem de exigir a mim. Quero-a tanto que sei que se a trato como quero tratar, num instante me desqualifica e passa a outro. Tenho de aceitar que escolhi a verdade e que por isso, tenho de a encornar, tratar menos bem do que o desejaria, para que permaneça comigo e me deseje. Tenho de jogar o jogo entre homem e mulher, que prometi a mim mesmo não jogar, há longas décadas. Mas eu estava enganado, errado. Como indivíduo que se apresenta à minha frente, a gaja não é uma extensão da minha vontade, mas outro humano determinado pela sua condição. A merda do amor Disney, foi um logro que comi às colheres cheias. É um logro, uma pantomina. Pego no telemóvel e envio sms a todas as gajas passíveis de me facultarem vulva, sem muito esforço. Meia dúzia responde de volta, e combino para a próxima semana sair com todas. Eu não queria, só quero esta, mas se só quiser esta, esta deixa de me querer a mim. Foda-se, vou ter que foder gajas que me vão tratar como se me fizessem um favor. Que se lixe, é uma charada, é nisso que tenho de pensar. Mas como fica o indivíduo nesta reificação que faço? Sim, que exijo a mim próprio determinado comportamento não completamente egocêntrico. Afinal a gaja que me engole o falo é uma pessoa por si mesma. Com toda uma galáxia incognoscível, de subjectividade, de incapacidade de me tratar da mesma forma como eu a ‘ela’. O fodilhão ético. Contradição nos termos. Como as posso tratar como fins e não como meios? Prostituindo-me. Dando-lhes o que acho que querem, até que se fartem. E quando se fartam, e me largam por algo que acham melhor, tenho de apanhar os cacos depois da rejeição. Verdade ou felicidade. É impossível ser feliz, quando me vou diminuindo, cortando partes de mim, e deitando-as no lixo. Ano após ano, amor, após amor. Uma mão afaga-me o rosto e retira-me desta cogitação. Ela olha para mim com a íris totalmente aberta, não apenas pela ausência de Luz, mas por amor verdadeiro, se eterno só Deus saberá. Começa a fazer-me festas no cabelo pastoso do suor, e a massajar-me os músculos da cervical. Apesar de relaxado, sei que eventualmente não serei eu a ceder. Sou capaz de permanecer pela eternidade fora a foder. Sei que por ela ter metade da minha idade, ou quase, o apelo do externo ilusório é maior nela, e uma constante na equação, que eu não posso, devo ou quero negar. Se fizer parte da mesma, eu, tanto melhor. Mas, sei onde pára o comboio. O olhar dela, nos olhos azuis que apenas parecem ser indecifráveis, parece andar à volta de algo ou da forma como me dizer algo, sem magoar os meus sentimentos. Debruço-me sobre ela, puxo-lhe o cabelo para trás e digo «-Diz.» E ela, «-Nada.» Rio-me e digo, «-Tenho uma fantasia contigo, quero ir para a zona de rebentação de uma praia e embebedar-me contigo, nós os dois, água salgada, Sol, alegria, celebrar estarmos vivos. Eu tu, uma caixa com gelo e cervejas dentro, beijos molhados e memórias efémeras!» Ela riu-se e os olhos dela brilharam, como se um peso tivesse saído de dentro. Eu demonstrara que a nossa vida não se reduzia a foder até cairmos de exaustão. E que não era uma mera caixa de ressonância das feministas imbecis e hipsters. E acrescentei, «-Quero ir contigo a um bar que conheço, que bomba no jazz até às tantas. O jazz é uma música triste, porque apenas reflecte a verdade.» Ela sorri, e responde, «-Amor, eu contigo vou até ao fim do mundo.» Como é que um gajo não se derrete com respostas destas?
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