Mastigava uma pizza don Corleone média, não corrupta, mas carregada de queijo espremido de vacas moribundas. O prazer suicida da bomba calórica lembrando as bifanas enfarda brutos que a Rute, ex mulher do meu então melhor amigo, me trazia quando saía à rua para me ir buscar comida depois das noites e tardes de sexo, como forma de me cativar para o microcosmo da sua vida. De como eu saía de sua casa, enrolando o preservativo ainda húmido, e desabafava com o contentor do lixo:«-Puta de condição, esta de sermos marionetas do nosso desejo. É isto um homem?» - a exemplo do judeu Levi, mas tal como no campo de concentração, o contentor apenas se quedava de goela aberta para o céu, sem me responder. Sei agora porque bebo, quando escrevo. Não é para ter inspiração artística. É para celebrar o me sentir feliz, cada vez mais difícil de obter. Ultrapassar obstáculos, atingir objectivos, é bom, mas tão breve. Assim que consigo, apenas me apraz lançar a nova conquista esquecendo as anteriores, e sabendo isso de antemão, deixo de saborear os potenciais sucessos futuros, pois sei que vão durar menos que o amor de mulher. Interiorizava a ideia de que a gordura daquele queijo se alojaria nos vasos do sangue que emanam do meu coração, e que com sorte, viria no meu obituário, morte apressada por doença cardíaca. Mas, nem sabem os médicos, que é possível mascarar uma doença com outra, quando se morre do coração, às vezes o coração morreu antes de deixar de bombear pelas artérias e de receber pelas veias. Quando desiste, ainda em vida, de se alimentar pelo sangue arterial e fresco que lhe traz novas do exterior, e que está reduzido a tratar do rarefeito sangue que percorreu os mesmos cantos do corpo que apodrece e encarquilha lentamente. Experimenta respirar por uma almofada e após 10 minutos, volta a respirar normalmente, para saberes a diferença entre um coração com esperança e um que se limita a cumprir a função de não deixar morrer o corpo antes do tempo. Má obra de engenharia, esta ó Deus. Em sístoles e diástoles contínuas quando a alma há muito que abandonou o navio. Não seria melhor morrer a cada desgosto? Não ligues, sei lá eu do que falo. Crianças a morrer em África e eu aqui a falar em desgostos de amor, luxo de gente rica. «-Ó João, tu não seres feliz?» O sotaque nórdico espelhava o esforço em balbuciar algumas frases na língua do grande Camões. Camões e eu, se faz favor. Virei-me para ela e pelo esforço beijei-a na testa duas vezes, pois à primeira apenas lhe apanhei os cabelos louros, desgrenhados pelas avançadas horas e manobras da noite. Mas continuava a olhar para mim, para decifrar a razão do meu olhar taciturno pela janela aberta no seu quarto, que revelava uma Lua baixa e um frio polar que ainda assim não conseguia reduzir a temperatura do quarto. Como não sei um caralho de dinamarquês só lhe disse que era muito feliz desde que sua boca morresse até ao infinito, na minha. A posição dos seus olhos revelava que colava palavras em português que conhecia, para poder fazer sentido das frases, mas reparou que nas minhas pupilas dilatadas, apenas se exprimia o contentamento de estar na sua presença. Gostava, de saber que há uma parte de mim inacessível, até para mim, e voltou a mergulhar reconfortada por debaixo do edredão de penas da sua cama, para me insuflar ar arterial para a vida, sabendo que dentro de pouco tempo, a sua respiração seria tão ofegante como a de um coração afogado em dióxido de carbono.
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