Sou dado à criação de micro-relações.
Nunca consegui lidar com a aleatoriedade dos encontros entre mim e o Outro. Se o gajo que me serve o café, no snack bar onde vou duas vezes consecutivas, mete conversa duas vezes seguidas, considero que eu e ele temos uma relação, uma micro-relação, dependente da circunstância de eu lá ir tomar café ao estabelecimento, e do humor do serviçal naquele dia. Se calhar levo demasiado a sério a vida. Ou sou co dependente. Temo que seja a 2ª. E sei que sou um romântico incurável. Tenho toda a minha personalidade enredada nessa premissa de tomar o ‘amor’ como um valor por ele mesmo. Foder, todos fodem. Dar significado metafísico aos encontros e desencontros, é só para malta de barba rija, como eu. Como a relação com o gajo que me serve o café acaba assim que saio do estabelecimento para ir ‘à minha vida’, assim termina a micro-relação com as gajas do tinder e do bumble. Geralmente, numa manhã promissora, em que elas tiraram a maldade do corpo, e onde eu terei de tirar a ideia delas da minha cabeça, as fantasias de fodas futuras e felicidade permanente a dois, da minha cabeça. Ò pinga amor do caralho. Gajos como eu, têm dificuldade neste jogo. Gostamos de pensar que foder é apenas recompensante se houver uma ligação emocional entre ambas as partes. No passado eu achava que o que era preciso era virar frangos. Números. Que Deus, Deus o tenha, não me iria colocar no prato a mulher que eu mereço. Portanto, como bom protestante, traduzi a Bíblia para vernáculo, e tratei de foder tudo o que me aparecesse no radar. No meio do entulho aparecerá a flor. Mas não. Não apareceu a ride or die girl, a gaja que me amaria incondicionalmente, aquela que mataria ou morreria desde que ficasse ao meu lado. O meu lado conas diz-me que nenhum ser humano digno desse nome, se dignaria a uma auto-anulação apenas para presencia a minha existência. E eu digo ao meu lado conas, olha lá ó cabrão, então eu não morreria por cada puta que me traiu? Quanto mais com as que foram decentes por mim. Não me meteria à frente do tigre-dentes-de-sabre, do estuprador, assaltante, ex marido, para a proteger da dor? Ora se eu me posso auto-anular em benefício da detentora de vulva, não pode a mesma retribuir e não é isso o ‘amor’? O meu lado não conas, toma a palavra, e responde, ‘-Ó seu caralho, sacrificares-te não é virtude, é apenas condicionamento genético, proteges o útero que te promete imortalidade.’. Foda-se. Tem razão. Mas tiro tanto prazer da certeza de que uma gaja que me deseja é um sinal do Criador a dizer ’-Estás bem cabrão, continua.’ Que me custa acreditar embora saiba que é verdade. Ao escrever este texto, vou ao Lidl, escolho 3 latas de meio litro de cerveja cujos desenhos steampunk me servem de desculpa para quebrar o voto de abstémia. Juro que vou deixar de beber cerveja, juro. E estas têm 11.5º de álcool, boa. Onde ia eu? Sabes que mais? Não vou abdicar do meu ‘romantismo’, com ele provo a todas as putas, que elas são meras marionetas, e eu, verdadeiro agente. Fiquem-se aí, suas putas, com orgasmos e com vossas certezas nas escolhas correctas, que eu fico cá comigo nesta sabedoria infernal, de que vocês jogam bem o jogo, mas só eu conheço as regras. Enquanto não te aparece a certa, fode as erradas dizia-me o alter ego, porque se estás à espera da ride or die girl, morres virgem. O silogismo é simples, uma gaja que te veja de tal forma o prémio, que a única coisa que lhe importa é estar contigo. Tudo o resto para ela é acessório. Se a gaja te encara como uma peça no puzzle que delineou para a vida, não é ela. Eu sei que bato nesta tecla, mas é apenas porque prefiro atracção genuína, que instrumental. Tive a minha parte de gajas que picam o ponto na sua labuta contra o mundo, onde sou apenas um número. Reconhecíveis pela constante cara de enfado e sexo sardinha. Não quero isso para mim. Nem tu. Não queiras ser o prémio de consolação na vida miserável de outro ou outra. Se não sabem dar valor ao que têm diante dos olhos, que se deitem na cama que fizeram. Cabe ao gajo das micro-relações, ir aprendendo as técnicas do açougue. Cortar a direito e aprender a aceitar, a aleatoriedade das escolhas alheias. Não é ressabiamento, apenas perceber que ninguém vê com olhos de outro, a não ser quem não tem vida interior e se limita a ser reflexo da tribo alargada em que se insere. Enrolas-te com uma gaja que de vida própria tem apenas a vivência com família ou amigos, como podes esperar personalidade? Traços específicos de um outro que se determina autonomamente na passagem da areia pela ampulheta? Como podes esperar ser amado ou amada, quando a pessoa que está do outro lado evita a sua própria individualidade, refugiando-se nas trincheiras de relacionamentos com outros? Quem és tu? Sou a amiga de x, familiar de y. Há quem viva bem, passando ao lado destes pormenores. Não é o nosso caso. Se o fosse não estavas aqui a ler. E nos entretantos, vamos rodando frangos. Até ao momento em que percebemos que somos também nós um frango rodado por outro. Perdidos em cornucópias infinitas em que o movimento é o único garante contra a morte aparente, a estagnação. Só o movimento nos convence da inexistência de mobilidade no tempo. E como sabemos que o alarme da morte tocará eventualmente, preferimos a ilusão do movimento, à helplessness da crua realidade, de que não vais a lado nenhum. O movimento não é senão a cenoura que te faz fugir da verdade de que tudo é relativo, menos o beijo que te dou onde a minha língua bebe o teu fresco cuspo como se num deserto de Ozymandias. E te puxo uma perna para cima apenas para ver os teus olhos reflectidos nos meus enquanto te penetro pela primeira vez.
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