A multidão que mora em nós faz por vezes surgir a nossa versão mais apurada, em relação à merda que achamos ser regularmente. Anita é angolana e com 34 anos tem já o bilhete de avião para a decadência, algures a meio do caminho nos encontraremos. Gosto de ver o contraste entre a sua pele negra e a minha mais clara, mas sobretudo gosto de ver com ela se senta sobre mim, de costas, e virando a cara de lado, me dá a boca para que lhe sugue a saliva e a alma, enquanto prossegue com o ritual rítmico que a levará algures onde o corpo faz um reset. Algo de diferente nela. Ao estar comigo, sinto-me como ponto de fuga total, da sua atenção. Não sou uma paragem de autocarro, nem um amor provisório numa longa linha de sucessão de consciências. Por outras palavras, nela é claro que me aprecia pelo que sou, pela minha individualidade, numa apreciação virgem de calculismos e da poluição do seu grupo de pares, de amigas que se odeiam umas às outras por via de simulacros de amizade. Mal fala português e nenhuma vontade sinto de exprimir complexos encadeamentos de ideias para a impressionar. Agarro-a pelas mamas e puxo-a para mim, prolongando um linguado que damos onde sorvemos o cuspo um do outro. Depressa se liberta e continua a sua senda apreciando o acto, e não um envolvimento emocional que soa a sonso. Olho-a bem nos olhos e percebo que retira de mim, por quem sou, o prazer que quer para ela. Não me usa como vingança saloia, como justificação de existência para os pais e amigos, ou como vibrador animado, não. Celebra o seu corpo e o seu prazer, comigo, sem me deixar ser o macaco circense que não se achando suficiente, acha que tem de desempenhar um acto para que gostem dele. Não consigo deixar de olhar para o contraste negro e castanho claro entre o peito dos seus pés, e as plantas dos seus pés, imaginando os meus próprios vistos por um outro. Dou-lhe um fodão e depois outro e outro. E a cada sessão de abraços, me sinto cada vez mais eu. Sem jogos de poder e ascensão, sem delimitação de zonas de intervenção. Ela deseja que seja o homem que sou, e sendo-o, ela pode ser a mulher que é, nas pessoas que somos. Que lufada de ar fresco em relação às experiências recentes, onde a mesma ópera toca, sem que eu tenha esperança de ouvir algo diferente. Agarro-lhe o denso e farto cabelo com uma mão, e enrolo o lençol em torno da sua anca, com a outra, impedindo-a de fugir. Arremesso-me como se a fosse trinchar ao meio como frango na churrascaria, rodo-lhe a cabeça e beijando-a digo-lhe, «-Deo Gratias, veritas.»
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Junho 2024
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