Mais um jantar, destes das festas de Natal e celebrações quejandas. Desta vez, uma mesa comprida cheia de gente pelas bordas. Quem combinara a coisa, combinara com tudo incluído e as doses eram de banquete romano, havendo um ou outro que ia de facto ao vomitorium arranjar espaço, no decorrer do repasto. Aliás, desde o sentar-me à mesa, que o ambiente era de banquete, e só me vinha à cabeça Sócrates e as suas palermices bonitas sobre o amor. 20 e tal anos depois de pousar os diálogos, lembrava-me deles, e do quanto eu apreciava comer, beber e discutir os temas, especialmente o amor, que agora me provocava vómitos, da mesma maneira de uma canção que adoramos até descobrirmos que a letra é uma merda muito distante do que pensávamos antes. O arroz de marisco viera com mais arroz que marisco, e eu inclinava-me para trás, apreciando a única coisa boa do repasto, o vinho. Vim de Uber, e portanto, podia beber até cair de cu. À minha frente tinha uns dois ou três miúdos, na casa dos trinta, um meio desconfiado com o mundo à sua volta, um claramente desesperado e um rebarbado que me fazia lembrar a mim há uns anos atrás, sempre à espreita de uma oportunidade sexual, de comer as gajas que se oferecem e não as que realmente quero comer. Reparo que a maior parte dos tipos ficam no mesmo lado da mesa comprida, e eu fiquei no lado das gajas, com mais um ou dois tipos nas pontas da mesma. As conversas à minha volta não me seduzem, e vou degustando o vinho da casa, à espera que o jantar acabe, feita a tarefa de socializar com malta do trabalho, e de me ter forçado a dar socialmente, como forma de meter novas imagens pelos olhos adentro. No grupo há dinâmicas próprias, tensões e tragicomédias, às quais sou estranho, pois evito perceber o húmus humano por detrás das funções da treta de qualquer posto de trabalho. Os postos de trabalho são uma espécie de cosmética que se coloca sobre o rosto do emprego, a macacada vive das emoções das relações humanas que se estabelecem, e invariavelmente, falam os colegas uns com os outros, sobre essas relações, mesmo estando de férias e longe de voltar ao trabalho. É tema comum, como uma ponte sobre o estuário da individualidade, que aproxima indivíduos e ventila frustrações. O tipo que esteja de fora, fica, se quiser, a apanhar do ar, as relações, a organização do trabalho, e as reacções emocionais em torno do exposto. «-Ela veio e nem bom dia me disse, só disse passa aí o relatório de terça-feira, e eu disse, olha bom dia também se usa.» Dito isto, em avaliações de carácter de outras, ou outros, colocados na experiência de laboratório de nome ‘tripalium’. Os romanos outra vez. Ri-me sozinho, à vontade com a natureza da macacada, sempre sob o teatro da informalidade laboral. O chefe deles todos estava algures na mesa, mas eu não conseguia identificar, nem queria. Que sou de outro departamento, e sou convidado porque os desenrasco invariavelmente. O vinho, leva as aparências como rio que limpa o lodo das chuvadas de Inverno, e invariavelmente, fico cada vez mais à vontade, com a desinibição que vem com a Primavera, que é quando a coisa começa a ser interessante. O primeiro exagero no volume de voz, a primeira gargalhada desmesurada, começam a indicar que a coisa se compõe, e olho para os pratos e vejo que a maioria ainda nem a metade vai. Ninguém se quer embriagar com o chefe, ou chefa na mesa. Mas o vinho é demasiado bom. Duas tipas à minha direita, que tinham abusado em jarros de tinto, começam a discutir, por acumulações nervosas prévias, e por momentos, o jantar parece arruinado, com uma delas a fugir a chorar para o wc, com uma terceira a ir no seu encalço, em apoio codependente, que é uma coisa normal no gajedo. Fico orgulhoso de mim, por estar calado e encostado à parede, sem me estar a envolver em discussões, com o mesmo à vontade que um bom pugilista se envolve em refregas, logo eu, que bebo ou discuto, para tornar os outros mais interessantes, à Hemingway. Não porque me ache a última bolacha do pacote, mas porque me aborrece de morte, esta navegação sobre o verniz da formalidade entre as pessoas. Já pensei que é um desejo enorme de intimidade com os outros, que não se compadece com conversas de chacha. Logo eu, cuja energia nervosa só se dissipa com falar muito, sempre e demais. E o falar muito é visto pela macacada como sinal de baixo valor, nada há a fazer. E quanto mais falamos, menos nos respeitam. Mas eu não me importo, porque se fico calado sinto que me estou a anular, e só caio em mim, quando a pessoa do lado receptor do som, é porreira e não parece merecer a minha verborreia incessante. Se for um chico-esperto qualquer, não paro. Mas se é alguém que por lisura no trato, faz por me ouvir por boa educação, porra, é de elementar justiça que eu feche a matraca. Por isso alguns dizem que sou conflituoso. Não sou. Chato, por vezes. Mas desta vez estou a portar-me bem. Já comi e estou a fazer ronha na sobremesa adiada e substituída por tinto. Perco-me calado em memórias do passado que jurara não alimentar. O tempo flui, e quando dou por mim, o jantar ganhou vida própria e as personalidades individuais saem da toca. Os tipos à minha frente discutem bola, e uma tipa à minha direita havia perguntado se eu estava a gostar de trabalhar ‘lá’. Respondi uma coisa qualquer formal e que parece bem, a ver se desistia de puxar por mim, e resultou, calou-se com ar de insatisfação em surdina, pelo conteúdo da resposta. Queria avaliar o meu ‘quilate’ e vira gorada a auscultação, pela minha resposta da treta. Tomara o primeiro passo, e como não surtira o enfeito encantatório pré-imaginado, recolhia-se frustrada, para dar atenção a outra pessoa ou coisa qualquer, como se eu, o enfermo demais para perceber o valor do seu esforço, merecesse continuar condenado a uma solidão qualquer, que ela julgaria imposta, por inadequação minha. Do género, ‘fiz uma simpatia contigo meu cabrão, e nem te esforças? Morre para aí, a ver se me importo.’ O que derrota qualquer intenção de bonomia prévia e revela o carácter egoísta da ‘caridade’. Estou cada vez mais em casa. O tipo mais frustrado à minha frente, e é notória a sua frustração no seu comportamento como que uma revanche de qualquer coisa, dá por si a falar alto, como se desempenhasse uma peça na sua cabeça. Percebo que é para o gajedo presente à volta da mesa, quase todas bonitas e bem arreadas, como é normal nestas jantaradas. Os gajos não, especialmente os mais novos, vão da forma mais casual possível, com sapatilhas em forma de sapato de sola branca, e camisas mal engomadas fora das calças. Elas têm todas tanto brilho nos lábios, por causa da cosmética da moda, que quase dá vontade de usar óculos escuros. Rio-me com orgulho por estar calado, e fazer piadas para me entreter a mim mesmo. O que fala alto, fala alto para alguém, nota-se na voz e nos modos, e apetecia-me chamá-lo à parte e explicar-lhe que se quer comer ou impressionar alguma da mesa, não é esta a melhor forma. Há malta que não sabe calibrar a técnica do pavão. Que a mostrar penas, o tem de fazer de alma inteira e não à coca de captar as reacções. Deixá-lo, tem tempo para aprender. Elas, creio, preferem os dois ou três gajos das vendas, bem vestidos, bem-falantes, circunspectos, e de trato fácil. Os mais inteligentes, socialmente falando. Pelo que me contam no meu departamento, os gajos das vendas, comem as tipas todas, à vez, casadas e tudo. Mas a informação é irrelevante para mim, tento não me envolver num ambiente que conheço de soslaio, é assim, ou foi assim, em todas as empresas onde trabalhei. Nem me dou ao trabalho para analisar a linguagem corporal e descobrir o chefe ou chefa do grupo, que se comporta com uma autoridade assumida, com uma sobriedade de kapo. Nunca falha. Que se lixe, não estou interessado. Mesmo que permita aferir os beijacus e o séquito próximo, todos os que tentam agradar, para retirar algum tipo de vantagem. Lembro-me dos olhares cruzados dos painéis de São Vicente de Fora. Rio-me de novo, por alguma pretensão em achar que sou uma ave rara por ter tão estranhos pensamentos. O tipo que fala alto para que o vejam e ouçam, começa com um encómio parvo em relação às mulheres. Não sei de onde emerge a conversa, mas capta-me a atenção. Creio que na cabeça dele, assinalar a defesa de qualquer dama, equivale a vulva molhada no seio das ouvintes. Calma, tem tempo para aprender. Defende inclusivamente, curiosa palavra, que às mulheres deveriam estar vedados os trabalhos difíceis na fábrica, pois são elas que tratam do lar e invariavelmente, dos escritórios por este país fora. Muito poucas fábricas existem de trabalho industrial pesado para as mulheres, e mesmo essas deviam ser proibidas. Após mais um copo de tinto, e porque não obtivera os olhares de aprovação que almejara, vai mais longe, dizendo que o mulherio nos faz a nós, homens, um favor, por engravidarem de nós. Não consigo evitar sorrir sem mostrar os dentes, e faço por nada dizer. Fico orgulhoso pelo meu silêncio. Como não obtém os olhares de aprovação que almejara, e porque me apanha de raspão, a sorrir com a sua conversa, pergunta-me: «-Não achas?», onde estava implícita uma casca de banana onde eu colocaria o pé, se por acaso a minha resposta fosse contrária, trazendo para mim o foco de atenção do grupo, fazendo esquecer o sapateado palonço dele. A contragosto, disse: «-Gabo-te a coragem, falares destes temas, que nos dias que correm, são tão evitados como outrora o geocentrismo.» Há alguma atenção para o que digo, mais pelo carácter de novidade de quem eu seja, que pelo crédito de rua, uma vez que sou de Letras, e a maior parte dos engenheiros e contabilistas naquela mesa, acalentam a crença de que a malta de Letras escolhe Letras, porque as Exactas é que são difíceis. E que o mundo do trabalho é que é o verdadeiro e o mundo da cultura é um achaque de inaptos. Como a minha resposta é esférica, simpática e sem ângulo de rebate, ele fica ainda mais ressabiado e envolve-se em disputas velhas com os outros que conhece há mais tempo. Alivia-me ter escapado a mais um debate ao qual não saberia escapar, porque também tenho um espírito de missionário, de fazer a malta duvidar das suas crenças, e que duvidar delas é bom. É uma crença minha. Mas da ponta da mesa, alguém pergunta: «- Mas isso significa que achas que o que ele disse em relação às mulheres, não é o correcto, mas é algo análogo a um dogma religioso?» Pronto. Eu tentara evitar, e manter a boca fechada. Toda a população à volta da mesa, ficou em silêncio, o que acentuou a necessidade de eu dar resposta e não poder fingir que não ouvira a pergunta. A interlocutora está vestida com um fato preto, mais um decalque dos fatos fraque masculinos, como outros, como os leggings, ou as malas de tiracolo. Lembrei-me da Simone de Beauvoir e de como sustentava que a identidade feminina ia buscar muito à masculina, sendo cópia com interpretação livre. De como isto tinha tanto a ver com Fanon, o ideólogo da vitimização. De como todos convergiam em Sartre… Mas não interessava, ela continuava a olhar para mim, à espera de uma resposta. Do outro lado da mesa, o que incomodava, quem estava pelo caminho. Respondi, «-Citando Voltaire numa frase que nunca disse, sabemos quem manda em nós, quando sabemos quem não podemos criticar.» E calei-me, encostei-me para trás e bebi mais um pouco de vinho. Claro que a resposta não a satisfez. Cada vez mais autoritária, exigiu: «-Explica, por favor.» «-Como pediste por favor, eu explico.» Olhava para mim com pequenos olhos azuis, cabelo pintado de loiro platina, e dois imensos aros a fazer de brincos, o que no meu livro significa serem brincos de actriz porno. Isso excitou-me e pensei, deixa lá antagonizar esta gaja. «-Existem duas ideias que baseiam a vitimização feminina, e uma multiplicidade de contradições. Primeiro é que as mulheres foram sempre e sistematicamente oprimidas pelos homens, o que não só não é fácil de provar no registo histórico, como é pouco provável que 50% da população tenha de forma duradoura e sem falhas, oprimido outra metade da população. Claro que houve alturas em que o marido tinha direito de vida sobre a esposa, mas isso nem sempre foi a regra, e só aparece como tal hoje, devido a uma multidão de gajas que vão à historiografia tentar provar a sua ideia feminista.Por exemplo, não conheço nenhuma manifestação de esposas de esclavagistas, a tentar acabar com o tráfego que lhes trazia bem-estar material para casa. Quero com isto dizer que, não partilho da ideia de opressão contínua e persistente, mais acreditando que as pessoas do sexo feminino sempre tiveram outro tipo de formas de influenciar a narrativa histórica, o que me leva á segunda ideia feita e contraditória.» «-Qual?» pergunta ela de imediato. «-A de que, face a esta opressão, a mulher é ao mesmo tempo anulada e ao mesmo tempo um sujeito histórico. Significa que a anulação foi feita por incompetentes. Ou que as mulheres são feitas de um barro mágico, diferente. O que implica que não haja igualdade.» Percebi que ela percebeu a minha cilada, com este silogismo. Antes que ela dissesse algo, tirei uma caneta do bolso da camisa, e escrevi algo num guardanapo. Estendi a palma da minha mão para ela, e disse: «-Não digas nada ainda.» o que a fez ficar vermelha de raiva. Entreguei ao gajo que me interpelara antes e disse-lhe «-Não leias ainda, só quando eu disser, se faz favor.» Ele riu-se mas anuiu, mantendo o guardanapo dobrado à sua frente. Virei-me para ela, e disse, «-Desculpa, podes dizer o que ias a dizer.» Todos se olhavam de soslaio, especialmente para o guardanapo, sem perceber o encadeamento das minhas acções. E ela diz: «-A minha mãe nunca teve possibilidade de estudar, para limpar a casa e servir o meu pai e criar-me a mim e às minhas irmãs. Pelos vistos, para ti, isto não é anulação.» Respondi: «-É a forma tradicionalista de constituir família, onde, antigamente, bastava um trabalhar para sustentar a família. Mas não vejo onde está o drama nisso. Eras capaz de ficar com o teu marido em casa, enquanto tu ias ganhar o ordenado para todos? E ias continuar a respeitar o teu marido da mesma maneira? Responde honestamente, se faz favor.» Ela ponderou, e pareceu-me que de forma genuína. «-Não, acho que não. Não o ia respeitar da mesma maneira, tal como o teria em menor respeito, se ganhasse menos que eu. Mas não sou casada, nem isso tem que ver com a anulação do exemplo da minha mãe.» Em frente a ela, outras duas continuaram a falar, sobre a sua total capacidade de viverem uma vida em que o marido estaria em casa a tratar dos filhos. Tentavam cativar-lhe a atenção, mas ela estava à espera da minha resposta. Eu disse: «-Achas que os gajos ligam ao que uma gaja faz, é ou ganha? E tu e a tua irmã, são filhas verdadeiras da vossa mãe?» A cara dela era de estupefacção. As minha perguntas não faziam sentido, mas ela pressentia uma intenção encoberta. Uma armadilha qualquer. Ponderou de novo. Respondeu: «-De facto, pela minha experiência, os gajos querem é saber se a mulher tem bom rabo e bons seios. Não quanto uma tipa ganha. E sim, somos filhas biológicas da minha mãe. Que tem isso a ver?» «-Tem a ver que o teu exemplo é um mau exemplo porque mostra uma situação ideal, quase impossível hoje em dia, em que um dos elementos do casal fica em casa a tratar da prole, sem perda de respeito por parte do parceiro, cuidando do seu legado genético. Parece-te a ti, anulação, que a pessoa feminina trate do seu legado genético, fim último neste mundo nesta natureza? Ou para ti, a realização última do indivíduo é uma carreira, ou um diploma universitário, e não a propagação dos SEUS genes à geração seguinte?» A minha resposta confirmou a sua suspeita, e como era de esperar, começaram as 3 a falar comigo ao mesmo tempo. Deixei que se atropelassem, e quando perceberam que eu nada percebia do que diziam, calaram-se uma a uma, e voltou a amazona loira platinada, a tomar a palavra. «-Mas tu achas que o mundo, e as pessoas assentam apenas nessa lógica determinista? Que não somos mais que máquinas procriadoras? Que dizes da alma, do amor, da empatia?» «-Não, mas também não acho que sejamos muito mais que o código genético que nos define, e a nossa definição é a de macaquinhos sanguinários capazes de poesia. Alma? Quantas vezes pensas na tua alma por dia? Mais ou menos vezes que aquelas que vais à casa-de-banho? Amor? Amor é uma palavra que é um saco onde metemos as definições que queremos e que são mais convenientes. Se o amor é para sempre, porque é que acaba? Os amores são passageiros? Qual é a diferença de amor para capricho passageiro, então? Empatia? Que empatia tiveste tu com os teus ex namorados a quem enxotaste sem consideração pela capacidade empática dos mesmos? És, somos, ou não crápulas egoístas, que gostam de pensar bem de si mesmos, através de palavras bonitas que denotam impossibilidades biológicas?» Ela ficou para lá de vermelha. Algo reverberara nela, e aposto que foi a alusão à forma como eu retratara as potenciais canalhices feitas a outros, em contextos de namoricos. Como se de alguma forma eu soubesse do segredo. Ela deve ter sentido que tinha de tirar o ónus de si, e que o podia fazer, atacando-me com vergonha, desqualificando-me o discurso, retirando-lhe racionalidade e fazendo-o decorrer de uma reacção sentimental amargurada. É melhor desarmar assim, colocando o foco no amargurado, mais que lhe deixar sobressair a evidência lógica do afirmado. «-Tu só podes falar assim porque tiveste algum desgosto amoroso que te fez odiar as mulheres.» Ri-me. Respondi: «Eu não odeio as mulheres, pelo contrário.» Pedi ao rapaz que tinha ficado com o guardanapo, para o virar e mostrar aos restantes convivas, o que lá estava escrito. Ele assim fez, lendo primeiro, desatou a rir-se, e expondo a todos os outros, podia ler-se: «-Argumento continuamente central : Quem te magoou?» As risadas espalharam-se pela mesa, e as três voltaram a falar entre si, para mim e a cavaqueira prosseguiu como normalmente prossegue. Reclinei-me para trás e fiquei estranho comigo, afinal não evitar mais um bate-boca. O tipo do guardanapo, ao perceber que a minha antagonização lograra mais atenção que os seus encómios, a avaliar pelo rubor das cachopas e da discussão entretanto estalada, exclama várias vezes, logrando captar igual reacção emocional para si, longe de uma neutralidade e desprezo costumeiro: «-Pois eu concordo com esses tempos tradicionais, acho que devíamos voltar a eles, as mulheres deviam voltar a ficar em casa a tratar dos filhos.» Olhei para ele e até eu achei que ele se excedera, porque tenho a certeza que não tinha argumentação ou verve para sustentar a bomba. As reacções das outras cachopas foi de espanto exagerado, associado a asco. Antes que fosse totalmente eliminado pela atenção negativa, perguntei: «-Como vais fazer isso sem retirar direitos aos cidadãos femininos? Esses tempos tradicionais não voltam meu caro, a menos que aconteça uma catástrofe apocalíptica. Nem devemos nós tentar impor o quer que seja, ao gajedo. Mesmo que convencesses todas as gajas do mundo, ou só as do Ocidente, o mal está feito. O tinder, o bumble, foram cancros que se espalharam rápido e mataram os hospedeiros. A mulher, sabe que há sempre um pretendente, um novo desafio, um outro homem, num arrastar de dedo indicador. As que se contentam contigo ou comigo, fazem isso, acomodam-se, contentam-se, que remédio. Nunca conhecerás desejo genuíno por parte delas, apenas contratual. O mal está feito, e não pode ser desfeito, pelo menos com estas mulheres, que podem fingir, mas eventualmente apanhas quem finge. É cada vez mais difícil que te encarem como prémio, há tantos e sempre perto, mesmo que estejam no Dubai. O excesso de oferta obliterou o mercado.» Na sua cara percebi que ele já sabia o que eu dissera. Queria era continuar com a ilusão. Prossegui: «-Não estou a dizer que as mulheres isto ou aquilo, apenas a dizer que o mundo actual pulverizou qualquer forma de relação desinteressada, quanto baste, porque criou um desequilbrío nos poderes. A mulher, e bem, é a guardiã do sexo. Do seu corpo. O sistema só funciona com alguma carência. Com equilíbrios. Retirados para meter o gajedo a consumir mais.» Parei a narração porque percebi que era o único a falar e falara demais. Na hora de pagar a conta, nenhuma gaja veio ter comigo para prosseguir a noite, não fiz papel de engatatão, e vim de uber para chez moi. Mordendo a língua por não a conseguir controlar. No dia seguinte sou chamado aos recursos humanos e dispensado do meu posto de trabalho, por não perfilar a mentalidade inclusiva da empresa. A chefa afinal, era a gaja que dera o exemplo da mãe. Optei por não encetar um debate sobre o delito de opinião. Ao invés fiz-me de triste e disse, é uma pena, e logo agora. Ela respondeu, do outro lado da secretária:«-Logo agora porquê?» «-Logo agora que andavas a imaginar eu chegar a casa, comer-te de costas no balcão da cozinha enquanto os putos brincam na sala e a panela do jantar apita no fogão.» Como pensei, ficou desarmada, especialmente no local onde se achava rainha e senhora. Pisquei o olho na direcção do seu rosto vermelho vermelho, e fui-me embora assobiando.
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