Dali - Jovem virgem auto sodomizada pela sua própria castidade I Ela falava, mas o som das suas palavras, não era recebido por mim. Minha mente divagara para o sonhar acordado, indagando se acordássemos nus na manhã seguinte, se eu sentiria que o seu abraço tresandava ao sentimento de que ela sentia o meu corpo como seu. Da mesma maneira como nos sentimos à vontade com a nossa almofada, quando nos refugiamos do mundo fechando os olhos. Imaginava se quando me chamasse para ir ter a casa dela, se sentaria em mim nua, e nossas bocas se beijariam com nossas línguas se sentindo em casa quando cruzadas. Ou se tudo teria o sabor do forçado, do condenado às galés da solidão que se mexe para não sentir estar acorrentado ao remo. Jantávamos os 4, numa tasca ali para o Martim Moniz, e gradualmente o vinho actuava nas sinapses, as larachas polidas transmutavam-se em cada vez maiores exposições de intimidade, como se cada um andasse com pressão para se exprimir livremente ao mundo e aos outros. Eu sorvia e observava, a escolha de palavras, os trejeitos, os maneirismos, as expressões em linguagem do corpo que dança ao sabor do que vai na alma. Logo no início da conversa, e porque sentada a meu lado, olhava-me de frente e aproximava a sua cara da minha, para ver se me forçava a desviar o olhar. Como não desviava, e até lhe tocava com jeito casual, oferecia-me atenção incondicional, descontextualizada em pessoas que se acabavam de conhecer. Óbvio era, que era uma outra reedição do jogo do quente e frio, onde se é quente e receptiva a princípio, com uma alteração brusca e fria de comportamento, para o outro ficar a indagar sobre o porquê, geralmente em curto-circuito sobre o seu comportamento, será que fiz alguma coisa mal, estava a ir tão bem. Cortava-lhe as vazas, com o meu discurso centrado no nós e não no eu e ela, e desviando propositadamente o olhar do seu, quando me metia os olhos à frente da cara. Não fazia por mal, creio, era só mais uma encenação para posteriormente confirmar uma potencial rejeição, se eu alinhasse na brincadeira e ela me rejeitasse os avanços, com uma insistência mendicante da minha parte face ao afastamento súbito da donzela, confirmando para ela, o acerto da sua rejeição…porque o mendicante exprime baixo valor, logo ninguém quer algo que mais ninguém quer, e porque desde o início, não quer ninguém que lhe apareça a uma luz menos que óptima. Algo mais estava em jogo que eu e ela. A sua auto-imagem estava em jogo também. Ou eu a fazia sentir especial e no éter, ou eu tinha de aparecer à luz do Hades, para ela se sentir no mundo dos vivos. Era esse o meu papel, o de elevador de um só lugar. Vês, as suas expressões de fatalismo, no seu discurso, como a narrativa de azar ao amor, ou a assumida condenação a ficar para sempre tia, mostravam que OU já desistira e se acomodara à ideia, ao destino, OU que já estava tão identificada com a estética da condenação, que a sua auto-imagem era feita com esse barro. A condenação, o pathos, eram o prémio e a prova, a prova de que a sua personalidade era especial, e justificativa da solidão escolhida, sem que a escolha seja assumida, como criança abandonada antes da nascença. O silogismo é fácil, embora pouco óbvio…não me contentei com o que apareceu, senti-me desvalorizada, defendi-me acentuando o que percebi como meus defeitos para forçar alguém a amar-me por ‘mim’, só consegui afastar ainda mais os outros, coloco o ónus da rejeição ‘neles’ para alijar a minha responsabilidade ou culpa, e rejeito-os de antemão para mostrar a mim própria que o abandono decorre da incapacidade ‘deles’ em apreciarem aquilo em que me tornei. II O tal branqueamento. As brincadeiras que a nossa massa encefálica tem connosco. O tal branqueamento, coadjuvado por uma postura comportamental sofrível, por uma desqualificação baseada numa falta de qualidade dos pretendentes prévios (arredados de qualquer categoria de humanidade, mera res extensa que serve unicamente o objectivo de ser desqualificada), apenas para manter a ilusão criada por si e para si (e para as amigas próximas e família chegada), a ilusão de excentricidade em relação às demais. Para sobrevivermos connosco próprios, queimamos outros que querem viver connosco. Nunca aprendendo a técnica de dar o litro para fazer as relações funcionar, com a ilusão de base, de que tudo o que vale a pena acontece por pós de perlimpimpim, a donzela empoderada espera naturalmente a adoração dos súbditos que lhe confirmem a natureza divina. O homem está aí, para adorar, para me esconder os pés de barro sob litros da sua baba. É a negação, que passa em certas culturas como uma espécie de fé, a maior ferramenta da desprovida de amor próprio, ou da que nada mais tem que mostrar ao mundo que vaidade. O futuro feito de pêlos de gato e copos de vinho tinto, amontoados e por lavar no lava-loiça, escondem as suas tentativas serôdias de me encaixar na galeria desses pretendentes-objecto, como mostrar-me as fotos dos bichanos, a partir do smartphone…ou a do pai, tentando aferir o meu grau de interesse ou proactividade, que visa esconder a baixa ideia que faz de mim, e a confiança exagerada nos seus dotes de sedução, nunca postos à prova, que nós os homens, somos papalvos fáceis, que não carecem de muito convencimento além de uma amostra de pele. O universo composto de uma cama fria e eflúvios ébrios nas noites solitárias, são ainda assim mais reconfortantes que a sombria ideia de partilhar horas que sejam, com um tipo que se sabe nunca ser passível de respeito, quanto mais de desejo. Portanto, como vês, a suposta batalha estaria perdida à partida, se eu me comportasse e tocasse nos correctos fios da teia, de modo a reverberar com alguém que não me pretende além do confirmar a sua crença sobre si própria. No final, ficaria a pensar na minha falta de personalidade, em ser o mais aproximado ao que sou, e não uma ficção para outro ver, e ela ficaria a desqualificar-me, colocando-me na galeria de todos os outros que tentaram agradar à deusa. Assim optei por ser enterrado, numa aprovação que não tentei, na galeria dos que não dando sinais de se esforçarem, são avaliados pelos mesmos critérios de desqualificação, os brutos, os grosseiros, os ainda bem que estou sozinha e não tenho de aturar gente assim. Há muitos anos atrás, quando os animais falavam, eu preocupava-me na ilusão de que gente avariada pode ser reparada. Arrogante era eu. Há certas mentiras que valem mais que a vida, porque sem elas não seria possível viver. Não é possível viver, com a aceitação plena, da ideia de que temos pouco encanto para os outros. A pedra filosofal feminina transforma o chumbo da inadequação em actos de emancipação e provas de excentricidade de carácter. A nossa falta de encanto, transmutada em excepcionalidade, apenas reconhecível a um restrito e imaginário, conjunto de pessoas, igualmente excepcionais. Quando lhe perguntei o que fazia, insistiu mais na ideia de querer fazer alguma diferença no mundo, tentando convencer-me de tal. Estava um bocadinho apostada em condicionar a minha apreciação de si, até para evitar um possível juízo negativo, ameaçador temporário da sua auto-estima. Ainda tentei aferir a sua capacidade de encaixe, aumentando o carácter vernacular das minhas larachas, apenas para a ver afastar-se, levando o biscoito da rejeição a priori que salvaguarda sempre a tal decisão do ‘ou mátria ou morte’. Gradualmente, o seu falar assertivo e alto, talvez para me impressionar, deram lugar a um pedinchar para ir para o carro, nestas frescas noites de Março, privando a amiga de alguns momentos com o seu amor, apenas porque já obtivera o que pretendia… A confirmação de novo, que a sua fantasia permanecia tão inalterada como aquela dor de uma condenação que sabe tão bem.
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