O meu telefone nestas alturas parece uma casa de putas no fim do mês.
Não sei que raio tem a quadra natalícia que aos primeiros sinais de pedofilia dos pinheiros de néon, um ou outro Natal passado me liga. É constrangedor e detesto essa merda. Retira-me a dignidade de pensar que o silêncio do passado se deve a falhas de carácter das amantes que em determinado ponto eram invisíveis para mim. Eu só via o que queria ver, e não vi as falhas de carácter, humanas, de pessoas que sabem fingir melhor que eu. Ângela, Natal passado de há uns 15 anos, achou que me devia ligar. Que puta de surpresa, eu não estava mesmo à espera. Habituei-me a não esperar qualquer contacto que manifestasse um sentimento de ‘ei, fodemos amámos, nunca me serás indiferente’, por via de um telefonema a perguntar se tudo está bem. A maior parte das gajas e boa parte dos gajos, trata de esquecer o outro para o rol de troféus ou de paragens de autocarro, numa viagem de olhos postos no porvir, com cegueira para o quejáfoi. «-Olá João!Estás bem?» Arrefoda-se. «-Tudo e contigo?» «-Também. Estou a ligar-te para te desejar boas festas para ti e para os teus!» «-Obrigado Ângela, boas festas para ti e para os teus.» Terminaria aqui a cordialidade, mas não, tanso que sou, acrescentei algo que sugeria continuação do motivo inicial da chamada. «-Espero que estejas bem e feliz.» Arrefoda-se ao quadrado, de onde saiu isto, da minha boca, ou existe alguém de nome ‘Ego’ a falar por mim? «-Estou, quer dizer, acho que sim, o normal.» Tradução, «-Não estou, e quero que me perguntes por mais, porque te liguei a sondar se eras uma hipótese segura para eu alterar alguma coisa numa existência infeliz.» Eu cumpro o papel. «-Conta lá, que se passa, como estão os teus miúdos?» Ela teve 3 filhos, rapazes. «-Estão bem, dão-me cabo do juízo, mas é bom.» «-Sim ter filhos é um desafio tramado na existência, descobrimos mais quem somos quando cuidamos de outros, acho eu.» A simulação de dúvida da minha parte, permitiu-lhe discorrer sobre o assunto com a autoridade de quem abriu as pernas três vezes para deixar sair outro humano, acha que tem. «-Sabes lá, fraldas e infantários e ir a consultas de família, deixei de ter vida para mim. Sinto falta daquelas discussões sobre Metafísica, que tínhamos à sombra da borracheira no átrio Oeste da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Lisboa.» «-Eu também.» «-Casaste João?» «-Não, não tem calhado.» «-E que fazes?» «-Continuo a pesquisar, à procura.» «-Que inveja.» O tom desconcertou-me, de todo é uma experiência habitual uma mulher abertamente comunicar a insatisfação com uma vida que é integralmente resultado de escolhas próprias. «-Inveja nada, continuo com os mesmos problemas que te levaram a pousar a boca na minha, quando estudávamos.» Passou-me pela ideia aproveitar-me da situação. Se Deus lança pito para o teu lado, tens de comer o que te metem na frente. Mas não. O passado fica no passado, é algo que há muito me digo. Não há cá abébias. Pergunto-me a mim, porque me surgiu a ideia, e lembro-me da minha proposta conceptual de que os amores não morrem, adormecem apenas, à luz das circunstâncias. Seja o outro deixar de nos amar, seja nós amarmos outro. Comer uma gaja para relembrar o que me levou a afastar, e comparar uma pobre alma com as memórias de um corpo 15 anos mais novo? Cruel. «-Inveja sim, acho que cometi um erro, quando terminámos.» «-Que erro?» «-O de te deixar ir sem ir atrás.» Foda-se. «-Não digas essas merdas, isso não é justo para com o teu marido que se esfalfa para vos meter comida na mesa.»
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