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1.1 O Sol brilhava, promissor numa manhã como incontáveis outras em que gerações passadas e futuras olham o dia que começa como uma nova oportunidade de esquecer o quer que seja que atormenta os sonhos de uma vida em ruínas até que se concretize. Vindo de mais um turno de 12 horas que me fode a vida como duas garrafas de vodka tónico bebidas de penálti, com o som do rádio do carro tão alto que nem me ouço pensar, para não adormecer e espetar os cornos numa parede de cimento, bateu-me a ideia amarga como arsénico. Não tenho moralidade nenhuma para falar dos seres humanos fêmeas que eu digo que me fizeram dóidóis. Afinal, depois de reunir os pedaços do meu coração que sobraram de rejeição após rejeição, que posso eu honestamente dizer de todas as ninfas que eu supostamente era suposto ter «amado»? Usei-as sem qualquer pudor ou remorso que não fosse justificado a posteriori pela dor da separação quando se foram. Sim, usei-as. E que rejeição foi essa, se ninguém conhece ninguém e se me escondo por detrás de uma máscara perfeita, como posso ser rejeitado se a única coisa que viram foi o brilho que coloquei no isco que usei para lhes comer a individuação? Como monstro abissal que no escuro finge ser um ponto de luz frágil e em apuros, defraldado defronte da boca medonha de predador. Adriana diz-me «-João, eu não consigo competir com as tuas mulheres. Elas são todas tão bonitas, como poderia eu rivalizar com cada uma…» Mais do que a idiotice do que dizia, foi a expressão de que todas, eram sem excepção, bonitas que mais me prendeu a atenção. «-Adriana, mas tu por algum momento achas que o aspecto físico é o que me atrai em alguém?» «-Do pouco que conheço de ti, sim, tu ligas bué ao corpo.» Percebi que queria que a convencesse que era bonita. «-Adriana vai bugiar.» «-Hã?» «-Não estás à espera que te sopre arco-íris pelo rabo. Tu és extremamente bonita, por não me querer envolver contigo não significa um juízo de valor sobre a tua atractividade.» Mas eu sabia que nada do que eu pudesse dizer mataria o demónio de Adriana. Pelo contrário, eu era só mais uma acha numa fogueira que visa fazer esquecer o frio. Mas não aquecendo. Ela sabia apodicticamente que por detrás do meu discurso polido, a lei do mundo é a da força e não sendo ela para si mesma, bonita o suficiente, o que eu dizia só lhe soava a caridade por mais complexo que fosse o quer que seja que eu tentasse explicar. E também uma forma de arrumar bem o assunto. Há quem queira, já que este não quer. Qual pressentimento em relação a mim qual quê, balelas, não me achas bonita. É mais fácil lidar com o assunto, até alijar a ‘culpa’ genética. Começa a procurar em mim, traços negativos para me desqualificar. Afinal só me sacrificando pode ela lixiviar o seu petit ego e poder viver com a rejeição. Este gajo não é grande espingarda, por x, y ou z, e por isso é que não me soube valorizar. Mas até na rejeição opera a ninfa esse fantástico rotor de racionalização da realidade, em que como máquina de fazer chouriços, entra realidade por um lado e sai realidade confortável e protectora de ego pelo outro. O passo seguinte é negar que se tem um feitio de merda ao qual não se pode escapar, que a boca cheira a tabaco e que as noites consecutivas de vodka e sono irregular levam o seu preço na pele e nas feições da cara. Que nem a fuga maníaca do Sol pode competir com o efeito envelhecedor da bebida e do tabaco. Que a dosagem de pila, sempre adiada como próxima dose de validação tem algum efeito no tecido emocional das reacções e trejeitos, que a jactância e o orgulho com que faz avaliações, o imutável menir de conceitos e lugares comuns com que compõe a sua casa psíquica e ideias feitas de como avalia outrem, são mais fruto da sua insegurança e placebo para um mundo que não entende ou quer entender – sempre em devir- que alguma capacidade mágica de digestão do real. Por isso é impossível mudar de ideias ou sequer discutir Metafísica com a maior parte das mulheres. Primeiro acalentam em segredo não assumido (porque lhes daria cabo da auto-imagem lisonjeadora que gostam de ter de si como o género empático e justo) que se acham mais inteligentes que os homens – afinal se os manipulam facilmente, não podem ser muito inteligentes- e segundo porque não gostam desse confronto que lhes possa baralhar os mapas da realidade, conseguidos através de campanhas de georreferenciação através desse GPS místico e mítico. Veja-se a maioria de fêmeas que tem espanta-espíritos nas varandas, e velas e cristais e merdas do género, as que recorrem a videntes, bruxas e quejandos. Dedicam-se a tudo o que é ‘espiritual’ porque vivem bem na fantasia, longe deste mundo, mas só em certas zonas do mesmo onde o GPS parece funcionar. Quando abordam um tipo, fazem-lhe o raio X, anotando a forma como o gajo tem as costas, como é a sua postura, qual a sua profissão como ata os atacadores, a cor das meias e a combinação do cinto com a bracelete do relógio. Reparam nos pormenores, dizem. Mas qualquer organização sistemática da informação as arrepia. Não informação académica ou processual, contabilística ou estatística. Aí não, mas nas concepções do mundo. São máquinas de compilação de informação. São péssimas em criatividade para organizar essa informação. Não é possível sacar uma teoria de conjunto sobre o mundo, à maior parte das mulheres. Acham que fazer tal é viciar uma realidade inapreensível, e que, portanto, nem vale o esforço. Algo que é apanágio do pensamento mágico. Adriana sabia bem o que pretendia de mim, um troféu, um meio para algo. Melhor ainda seria se eu lhe desse um pretexto para me desqualificar. Se lhe cuspisse para cima, chamasse de puta, ou fingisse ser ciumento. Ou se eu próprio armasse a minha desqualificação, dando-lhe atenção sem regatear, a qualquer hora, se acedesse em todo o tipo de disponibilidade não sexual em que ela fosse testando os limites da minha personalidade, se eu corresse atrás de cada teste que fizesse com amuos, birras, afastamentos, aproximações inexplicadas. Se eu pedisse desculpa sempre que levando uma discussão para o nível emocional, o foco fosse sobre o que eu pecador a tinha feito sentir e não sobre a objectividade do pecado. Mas não, com ela escolhi usar a camisola do adulto, do atormentado em silêncio. «-João, eu gostava que me metesses num texto, gostava que escrevesses sobre mim.» Não posso vacilar, não sei se é honesto este desejo dela, ou não. Comovo-me, mas engulo esta merda sem dar indícios. Claro, penso, o indivíduo a lutar contra o esquecimento do tempo. Mas lembro-me que daqui a uns anos o servidor onde está alojada esta merda vai de cu, e eu morro, e o ‘sempre’ é o que é em relação aos antigos faraós do Egipto, um conjunto de pirâmides em ruínas, de onde já só as vestes mortuárias perduram. Mas pode ser ela a afagar-me o ego, para eu baixar defesas. Já o vi tantas vezes, apelando instrumentalmente ao que escrevo, para provocar um xeque na minha credulidade. Se eu mostrasse insistência e facilidade em criar um vínculo, uma relação oficializada de mão dada na rua, traria a ideia de que o que eu queria era a certeza de algo seguro, acima da pessoa em si. E ela a mim, o meu namorado isto, o meu namorado aquilo, vou ter com o meu namorado, ah o meu namorado para as amigas, numa sinfonia de certeza de que alguém existe que é uma bengala na vida. Não faz andar mas cria a ilusão de não se estar caída. E o sentimento rejuvenescedor de ter ponto de fuga. Eu ligando e falando maioritariamente de tudo o que me fascina no momento, as inovações de interpretação psicológica de determinado livro sobre os efeitos do trauma, ou sobre outra teoria filosófica sobre como o mundo funciona. Especialmente se a pessoa é tão terra-a-terra que o assunto a enfada. Não era o caso de Adriana, a quem qualquer destas formas de afastamento por falta de habilidade social, só seria interpretado como estreitamento de vínculo e caminho para a familiaridade. E eu não queria, não lhe queria queimar tempo, criar ilusões ou desfazer-lhe o ego. Eu era o problema, não ela. Eu era um, na lista longa de amantes a cuja rejeição ela associara o mesmo móbil, aquilo que ela achava de si, e não o verdadeiro motivo da bifurcação de língua. E eu sabia, a cada passo de mãos dadas que nunca demos, que em lados opostos da balança, ela não hesitaria em caminhar com galochas pela seda dos meus sonhos. Que dada a oportunidade cada alma que se quer livrar de nós não tem forma de o fazer senão partindo tudo. Mesmo quando a pessoa que se quer ver livre de nós, tenta sair do quarto em bicos de pés para não nos acordar do sonho, mas não consegue evitar para quem dorme de olho aberto que está a fazer um esforço para não fazer barulho. Trocadas as posições Adriana trucidaria com um lamento breve, o quer que fosse que eu me permitisse sentir por ela, se dada a possibilidade pudesse fazer um negócio melhor. Justificando-se depois, que não dava, ou que o próximo tem algo que surgiu sem se esperar, ou que ah, as coisas não estavam a dar. Todos tentamos ser decentes até à urgência do momento. Que pode vir com o outro transformar a sua presença em algo repugnante, ou aparecer outro (a) na peça de teatro, ou pura incapacidade de amar determinada pessoa. Não era só querer ser ético. Era saber que não tinha porta aberta para ela. Adriana, linda como poucas, embora diferente como muitas. Não era a verruga na face, nem os dentes caninos demasiado aguçados que lhe davam um ar de predador. Não eram as ancas que aos 30 se viam acompanhadas de volume outrora desconhecido, e que lhe encurtavam a visão de umas pernas compridas. Nem as tatuagens sob o úmero que aos 20 lhe conferiam um aspecto indomável e que aos 30 flutuavam sob a derme como ilha de plástico sob o Índico. E, no entanto, havia algo nela que não me suscitava desejo, nem mesmo pela novidade, nem mesmo vendo a beleza que nela achava. Alguém me dissera que acreditava que a beleza salvaria o mundo. É fácil ver o belo num cachorrinho ou gatinho, ou no novo, no só acessível aos olhos pedantes de alguns. Difícil é ver o belo numa ratazana de esgoto cinzenta e molhada, numa cobra, no velho, decrépito e arqueológico, naquilo que está à vista de todos. E, no entanto, não sei se de quem gostei, amei, e se de quem gostei, gostei pela beleza sob o olhar do observador? E interessa? Nada. 1.2 Conheci-a numa vivenda. O dono da vivenda vira-me instalar um sistema de videovigilância num Ex bar de putas no Cais do Sodré que eu conhecera nos meus tempos de embarcadiço. Vira-me rejeitar um grupo de irlandesas e americanas que ébrias às quatro da tarde achavam graça ao meu esforço para perfurar uma parede onde fixaria uma câmara. O trabalho estava a correr mal e eu já tinha dito ao dono que não queria dinheiro pelo serviço, estava a fazer um favor a um amigo e que o fazia de graça porque a minha profissão não era aquilo. A filha da puta da broca partira e tinha de encaixar uma bucha de tamanho inferior sem a partir. Já tinha partido três, que eram as que tinha a mais. Uma gaja loura toca-me no ombro. «-Hey. Can you join us for a drink.» Eu agradeci e disse que não que estava working. A tipa insistiu. O berbequim desviou-se quase me apanhando um dedo. Olhei para ela com um ar de se não sais daqui fico fodido. Ela fez uma cara de choque e censura que no seu hipotálamo deveria requerer que eu me arrependesse pela rudeza e lhe pedisse desculpa. Há uma graça divina num homem compenetrado em levar a sua vontade sobre a realidade material que o testa. Eu queria acabar aquela merda. E havia de ficar bem pois já fiz merdas mais complexas e difíceis e não haveria de ser um caralho de um sistema de CCTV que me faria suar, filho da puta. Bem-dito, melhor feito, faltavam 2 câmaras, aquelas apontadas para a registadora, em pladur e já não em betão armado. A furar um dos buracos, a conduta onde se apoiaria desfaz-se, ao que solto um «-Foda-se.» bem audível. Dizer asneiras é uma boa forma de expurgar emoções negativas. E eu quero que se foda, longe vai o tempo em que me ralava com o que pensam de mim. Todos morremos sozinhos, assim que interiorizares isso é fácil relativizares o resto. Felizmente dentro da caixa vinha um espelho de plástico que permitiria disfarças o buraco no velho pladur. Estava absorto em aplicá-lo, quando outra mão me toca no ombro. Outra gaja, foda-se. Lembrei-me de um sonho que tive quando tinha uns 26, 27anos. Sempre sedento de sexo, sonhara com uma tipa loura e com um vestido preto com bolinhas brancas que nunca me largava como se castigo de Zeus e Olimpo restante, que onde quer que eu fosse recebia as minhas fodas e no final me perguntava: «-Então e mais?» O meu período de refracção na altura era de menos de meia hora, e agora vai numa hora. Portanto já na altura era assustador. Mas lembro pensar no sonho, amiga se é pila que queres vieste ao local certo. E penetrava-a vez após vez e de todas as vezes ela se recompunha e perguntava, numa perpendicular a mim, «-E mais. Não há mais? fode-me cabrão.» Lembro-me que no decurso do sonho, me fartei dela e a entendi como castigo divino. De pensar que gaja é esta e que quer ela de mim, se não tem nada para fazer. «-Hi, we were thinking you might want to join us, we will buy you beer. » Isto saído da boca de uma gaja das mais bonitas que vi até hoje, ruiva, pele branca, do país com mais ruivas, ou Irlanda ou Escócia. Vestido em viscose, amarelo com um casaco de cabedal mesmo como eu gosto. Olhos azuis claros, as outras olhavam da mesa numa espécie de competição intragrupal onde a anterior jazia cabisbaixa. «-Look, I’m working, maybe when I’m finish here, I join you all, ok? » Ela acenou que sim. Com a cabeça e desiludida. Foda-se Lisboa já não é nossa pensei eu. Lembro-me de pensar que com a entrada na C.E.E. ia ser o paraíso, eu que gosto de louras iria ter louras a morar em todo o lado, que viriam para Portugal por causa do tempo e porque somos os melhores. Agora que me são indiferentes as louras, não posso dar um passo sem as ver. Rodando o pulso no sentido dos ponteiros do relógio apertei o último parafuso. Foda-se. Agora é configurar e bazar. Eram 18 da tarde. O dono ou gerente já me oferecera 4 garrafas de água, e vinha agora com uma cerveja em caneca que traguei de imediato por causa de estar a escorrer suor. Não tinha almoçado ainda e aquela merda bateu. Fui para o canto isolado programar o filho da puta do Network Vídeo Recorder. Instalei a app no smartphone do gerente e expliquei-lhe onde podia na app store instalar o programa no telefone do outro gerente de forma a controlarem ambos remotamente as câmaras para verem o que se passava nas caixas registadoras, afinal o estuário de toda a actividade. Uma delas estava focada demasiado à frente. Fui para baixo, para onde ela estava, para a ajustar para o local onde devia filmar non stop. Entre ela e mim estava um gajo para aí com dois metros e dez. Era mais alto que a porta por onde entrara. Toquei-lhe no ombro e pedi-lhe para me dar um jeitinho. Olhou de soslaio por cima do ombro e tratou-me com a mesma jactância que eu tratara a boazona ninfa de Saint Patrick. Quando não como, fico agressivo. Já não tinha paciência no corpo. Meti-me à frente dele que falava com amigos ou conhecidos ou o caralho e pedi no meu melhor inglês de Shakespeare, «-Hey, sorry can you please move for a moment so that i can adjust the CCTV system im working on, thanks.». O cabrão fez-me o raio X e congruente com as dezenas de copos de imperial no balcão em frente a ele e a 3 ou 4 comparsas, não se fazendo rogado lança um punho fechado na direcção da minha cara. O que me tocou não foi um punho mas uma locomotiva em forma de mão humana de grandes proporções. Só me lembro de uma dor na nuca, de olhar o tecto, do silêncio no bar, e da minha língua a aferir danos a ver se nenhum dente havia abandonado a nave. Havia sentido um número impreciso de saliências ósseas que formam a mão humana fechada, nas minhas gengivas. Tinha todos se bem que ao empurrar um molar, o gajo abanava e doía. Vá lá, teve a delicadeza de me acertar na lateral do rosto não me partindo nenhum dente. Fechei os olhos e pensei, ou saio daqui na horizontal ou vou preso, que se foda, há muito que me cansei de fugir. O chão provara que não sou feito de papel. Levantei-me, encaixei o maxilar como nos filmes, e olhei o gigante da feira popular nos olhos enquanto os amigos deles ainda não haviam terminado as gargalhadas em honra da audácia do amigo. Eu disse, «-Thats gonna cost you. » Ele olhou-me com o mesmo desprezo que a Ana Santos me olhou quando a abordei para saber porque me deixara especado na paragem de autocarro. Ele achava-se de casta superior à minha. A diferença física assim o determinara. Sentado no banco alto estava com a cabeça à mesma altura que a minha, comigo em pé. Eram 18 e 30 e o ‘portas’ só chegava às 19. Ninguém me defenderia, ninguém me seguraria. Foi com facilidade que o meu pé se levantou, eu levara os meus calções azuis, largos, oferecidos pela minha ex, que me comprava sempre roupa largos números acima, Deus a abençoe. O koshi do pé tocou-lhe em cheio no queixo que acelerou em direcção oposta do occipital prenunciando um período de trevas para a sua consciência. Ao cair no chão, senti o mesmo tremer. Um dos amigos, com cara agressiva, avançara na minha direcção, encontrando a meio caminho a parte lateral do meu crânio que terminando nas fontes, lhe atacara o dito queixo, acertando-lhe no nariz que, entretanto, se tornara numa fonte de sangue jorrando. Agarrado ao rosto caíra estatelado no chão, e senti uma dor forte na nuca, um dos outros amigos partira nela um copo de imperial, ideia estúpida pois agora era ele que tinha a mão toda ensanguentada e gritava como se tivesse perdido alguma virgindade sem vaselina. Agarrei-o no queixo, e na nuca, e desferi a minha testa em direcção à dele, desfazendo-lhe parte do nariz, não sem antes completar o serviço, com um afundanço do resto de cara que lhe sobrara, em cima dos copos amontoados no balcão, deixando-o cair de seguida em direcção ao centro da Terra. Eu estava coberto de sangue e 3 falantes de neerlandês jaziam no chão. Eu ainda estava zonzo, como se ébrio. De dor e de adrenalina. O bar em silêncio. Numa mesa, as tipas de que te falei. Aproximei-me da de vestido placebo de seda amarela e disse-lhe: «-I want to fuck you right now.» Não faço a mínima ideia porque é que disse isto. Julgo que o bater com a cabeça no chão avariou alguma coisa dentro de mim. A cara delas ante tanta violência, o susto perante o quão fácil se pode tornar a morte num país civilizado mesmo sob o verniz, fez com que se pirassem todas rapidamente, mesmo a boazona de amarelo, com gémeos mesmo como eu gosto e parecendo saída de anúncio de chocolate da Guylian dos anos 90. Sentei-me num banco, com a palma da mão direita na nuca se como para segurar algo que quisesse sair da minha massa encefálica. Outra mão no meu ombro. «-Hey amigo, gostei como resolveste essa.» O armário bípede levantara-se do chão, pagara contra a vontade da brasileira na caixa, e fora-se embora com os amigos. Olhei para o dono da mão que me tocara no ombro. Era estrangeiro também, percebia-se pelo sotaque à Bobby Robson com que falava a língua do grande Camões. Eu respondi, com dor, e com fome, «-Fuck off motherfucker.». «-Leave me alone.» Foda-se caralho para os turistas. O gajo olhou-me com uma espécie de soberba do género de quem já vira muitas caldeiradas do género. Mas eu estava compenetrado na dor que sentia ainda na nuca. O gajo retira-se para a mesa de onde saíra. No canto. Inobservável, numa ponta em que para se lhe chegar tínhamos de ouvir a sola dos nossos sapatos, fazer barulho por causa do chão peganhento que mediava a distância, mercê de cervejas incontáveis entornadas no local por gerações esquecidas. Uma sensação de ser observado apodera-se de mim, e olho na direcção da porta da rua. A musa de amarelo olhava-me indecisa, do género, devia ter virado costas, mas algo telúrico a fez voltar costas em direcção ao tipo que metera outros três largando sangue no pavimento. Aquele vermelho fizera-la ficar molhada, algo na visão a excitara ao mesmo tempo que repudiara a violência. Algo básico, uma atracção pelo ‘vencedor’, uma paixão pela coisa-em-si que se manifestava através do indivíduo eu. Olhava para mim imóvel à espera de algo, nem sei bem o quê. Algo se apoderou de mim também. Levantei-me na direcção dela e ao chegar ao pé dela, enfiei a minha língua na sua boca e com um braço pela zona das suas costelas flutuantes a trouxe até mim. Com a mão livre levantei-lhe o vestido pela zona da vulva até ter acesso às cuecas que eram de gola alta, e antiquadas como só as irlandesas sabem ter, e num movimento de mão como o dos cavaleiros que antigamente mostravam não ter armas ocultas nas palmas, dou comigo a tocar com o dedo médio a dedilhar como guitarra o seu clitóris. A pessoa estava encharcada beyond belief. Agarrei-a pela nuca à entrada do bar e puxei-lhe a cabeça para o meu ombro, sentindo-lhe a respiração ofegante na minha clavícula, sob uma fina t-shirt verde que tenho. Por trás dela eu via o bar todo, talvez devesse ter ali uma câmara. No canto obscuro e invisível o gajo que te falei. No resto, umas 10 pessoas olhando para mim e para que merda estava eu a fazer às 18 da tarde com uma estrangeira. A dor na nuca e o sentimento de que quero é que se fodam, encontraram a meio caminha alguém nos meus braços cuja respiração se alterara e cuja contracção me apertara contra si. A irlandesa tinha-se vindo. Beijou-me com carinho e ouvi palmas lá de dentro, do canto escuro. Um dos gestores ou donos, chegara e eu disse que o meu trabalho estava pronto. Disse-me para sentar e que bebesse o que quisesse, era por conta da casa. Sentei-me apoiando a testa no meu antebraço, não podia encostar a nuca a lado nenhum. «-Mate, i want you to come to a party.» O meu vodka tónico estava ao alcance da mão do caralhídeo que se sentara à minha frente. «-Mate, can you please leave me alone?» - disse eu já com uma voz quase suplicante. Não era a dor que me deixava mais apreensivo, mas um proceder que não reconhecia como meu. Já não me bastava que a gaja que eu queria estivesse a chegar, que a época do mergulho estivesse longe para mim, ou que eu ainda andasse abraços com a descoberta do meu dom para o mundo que ainda vinha um caralho sabe-se lá de onde tentar invadir este meu espaço de solitude. «-Desculpa amigo, today tu vens comigo.» Olhei para o cabrão à minha frente. Não tinha cara de punhetas recém desembarcado de um paquete de merda. Este gajo estava cá há alguns anos, depois vim a saber por malta do bar que era um dos 3 maiores, ‘facilitadores’ de castanha de Lisboa. Mas não daquela que é assada e larga aroma por Lisboa. De Essex, parece. Adepto do Arsenal. «-Look mate, i dont like drug dealers and im leaving.» Um negro maior ainda que o holandês que ficara no chão uma hora antes, ocupou o espaço da porta de saída. Ao sinal do sobreolho do gajo que estava à minha frente. Foda-se, pensava eu, onde me vim meter, que caralho, para desenrascar um favor. «-Hey no need to be nasty you fucker.»- disse o gajo. Não sei se o medo se o estar nervoso, disse «-Motherfucker i dont like you, you make Money with others misery, leave alone and call your dog so big I don’t know what animal shits so big.» Não sei que caralho estava a dizer. Sei que o gajo desatou a rir-se e disse ao outro na porta o que eu dissera. Eu pensei, foda-se estou fodido, tive sorte com o holandês, este mata-me. O gajo da porta senta-se à minha frente e estende-me a mão. Apertei-a, sempre com a esquerda livre para bloquear o que viesse à mânfio. 1.3 Nada veio. Eram dez noite e ainda estávamos a ver quem bebia mais cerveja e quem conseguia manter mais coerência de discurso. Eu. A cerveja fizera-me pensar estar mais sóbrio que os outros dois. Um sentimento sinistro de que era tudo fachada para levarem a sua avante, eu ir com eles. Estavam a ganhar-me, num processo bem oleado e eficaz. O que me irritava por saberem mais de como eu funcionava que eu próprio. É isso que acontece quando sabemos que somos manipulados, a nossa individuação desfaz-se como cinzas ao vento. «-Mate im giving a party and you will come.» O bacano da porta coloca sobre mim a sua mão com forte aperto de falanges, portanto não era uma escolha o meu luxo. Fingindo beber o resto da sua cerveja, percebi que era a bem, que se foda. Disse: «-Bora.» Bebi o que faltava do meu copo de imperial e levantei-me. O gajo levanta-se, abraça-se a mim e empurra-me pela porta de saída. Podia ter alguma réstia de prudência, que se lixe, estou sozinho mesmo. Entrei no raio do Range Rover de 2018, e não sei quanto tempo estive lá dentro. Não sei se o gajo me levou para a Graça se para Sintra. Sei que dentro do carro eu só dizia «-Foda-se sinto-me o Hank Moody!» e ele e uma gaja que lá ia também fingiam perceber o que eu dizia. A gaja chamava-se Adriana, soube mais tarde. A tontura da cerveja borbulhava pelas minhas palavras e para o Céu que sob mim sorria pelo tecto de abrir do carro albiónico. O portão em ferro forjado fez parar o 4x4 da viatura tocando ambiente sonoro dos Theather of Tragedy, gosto que tínhamos em comum. «-Hey John, you hungry?» «-Yes, but i dont eat meat.» Quando, 15 minutos depois, saí do carro, um gajo saído sabe-se lá de onde, me aparece com uma travessa cheia de mexilhão meia casca da Nova Zelândia fresco, eu não conseguia acreditar. Não me lembro se falei em bivalves, se adivinharam. De certeza que devo ter falado. Comi umas 12 peças antes de pedir uma cerveja. Um som a rave party vinha das traseiras, «-John this is your party.» Decidi fingir que acreditava. Chegados à piscina, foda-se, nunca vira tanta gaja boa junta. O quê, o fisicamente belo não é critério nas tuas escolhas? Conta-me histórias. Assim que me sentei num banco, esperando que o meu cérebro voltasse à estabilidade normal, uma morenaça de 20 e tal anos abraça-me e enfia a sua língua na minha boca como que se procurando a resposta ao dilema da vida e da minha intimidade. Há 20 anos que não como gajas de 20 anos. Penso. Eu é que me descolhôo. Olho sua cara enquanto me beija e de olhos fechados parece entregue a usufruir o que sou. Agarrando-a pela nuca puxo-a cada vez mais para mim sem resistências da sua parte. És demasiado pesado, sério. Sisudo. Dou comigo a pensar porque penso nisto. Percebo o complexo dentro da minha consciência, da permissão que não me dou, do merecimento que não me autorizo. Como que se juventude de um corpo menos replicado ao nível das mitocôndrias fosse um qualquer prémio para sapiens silverback. À minha volta toda uma plêiade de diferentes movimentações com J. como denominador comum. J. é o nome que dou ao dealer. Tão amável comigo que não me sinto confortável a chamar-lhe dealer. Apesar de me ter drogado para se rir à minha conta. Qsa foda. A sua língua procura o que de mais mim sou eu. Sem me desqualificar, sem me reduzir à condição de curiosidade de circo. Lembrei-me de chamar pelo anfitrião mas nem sabia, nem quero saber o nome do gajo. Chamo-lhe J., já que K. já foi usado. Sei que ela, paga ou não, fez-me relembrar o sabor da paixão. O sabor além da minha musa futura que provaria minha boca e diria para os seus deuses, «-Fuck, this is da shit.» A boca jovem, a saliva escorreita e saborosa, as mucosas intrabucais esticadas, os dentes sem tártaro. A expiração cheirava a novo, e a pele parecia casaco de cabedal que nuca sai de moda. Promessa de eternidade por entre murmúrios de entrega. 1.4 Mas não, as minhas viúvas alfa, estavam refém das suas escolhas, e eu sou teimoso e orgulhoso demais para aceder a ser o prémio de aproximação e não a sorte grande. Tinham à sua frente, ou a escolha de um diabo que a carregasse ou de um anjo que a mandasse ao chão como na farsa de Inês Pereira. Qsa foda a escolha é delas. A miúda de 20 anos chupava-me o falo com demasiada intervenção dos dentes. Disse-lho, ficou exaltada. Chamei-a pelo nome, e disse-lhe que neste mundo de merda, quando alguém nos corrige, nem sempre nos quer dominar, provavelmente quer-nos informar do que podemos fazer melhor já que outros só nos usaram para aliviar a carga. Assim era com meu ‘amor’, ninguém lhe dissera amor usas demasiado os dentes. 35 Primaveras e ninguém se dignara explicar. Mas a minha amada não queria saber, ou tal servia de tónico nas pilas passadas ou ninguém perdera tempo a expor. Estive para lho dizer. Mas gosta de se pensar como temperamental. Mas não, é frustrada com o rumo da sua vida. E qualquer coisa que lhe mexa com a zona de conforto das suas crenças adogmatizadas, é algo visto como virulento. Cabia-me dançar com o rabo para trás em direcção à parede, puxar-lhe suavemente a cabeça para cima para lhe dar um beijo, e aguentar a dor como um homem, só para lhe proteger o ego, e alguns cabelos brancos que eu ganharia porque a temperamentalismos fáceis respondo com um sair de cena sem mais delongas. Amor, assim magoas um pouco, tudo bom, mas menos dentes. Se ninguém lho dissera, que caralho haviam sido as experiências desta pessoa? Ok, és boa para eu esporrar, mas nada mais mereces além disso. Lembro de certa vez ter dito a uma das minhas Primaveras passadas, qualquer coisa sobre ser um depósito de esperma. É algo tão triste, do sítio de onde venho. Tal como eu ser bom apenas para andar na ponta de um braço. Eis um exemplo. Foda-se ninguém a avisara com medo de lhe romper o amor próprio. Eu incluído. A quantidade de pila naquela boca e ninguém se dera ao trabalho, por pena ou negligência a dizer-lhe que foda-se não é assim que se faz um broche. Quer a minha ex, quer o meu ‘amor’ se eu lhe contasse, iriam rir-se de mim. Chupar pilas não é uma actividade vital à existência ou meritória para o indivíduo agente. Mas há algo de trágico quando após anos de prática e experiência em actividades lúbricas, não saberes que os incisivos casam mal com glandes tumefactas. Ah não sejas maricas, um bocadinho de dor não dói nada. Eu acho que no fundo elas sabem. Esta de quem te falo, acha que tem de esgrimir a cada respiração, que tem um feitio forte, tem personalidade. Talvez para esquecer ou mitigar a suspeita de que poucos a aturam além do sexo, que nada é de especial e ainda assim gosto dela, veja-se bem, eu um homem porco como todos os outros que só pensa em sexo. Tanto quer mostrar que é uma mulher de carácter como aquelas que admira em filmes e tem em póster pelas paredes da casa onde vive sozinha com namorados imaginários, que não consegue ver que é apenas mau carácter. Fechada sobre si e pouco elástica em relação aos outros que não consegue respeitar e às parcelas de mundo que desconsidera, por não lhe confirmarem a estética. Luta pela sua pegada moral no mundo, mais para se ver com bons olhos que pelas consequências dos seus actos. Tudo o que seja causa social a faz envergar o seu fato de trabalho burguês, dando assim alguma dignidade a uma vida que aparece cada vez com menos brilho ante o fascínio que provocava nos mancebos e que mascarava de forma inebriante, até há uns anos atrás. Faz voluntariado onde quer que ele apareça para tirar selfies com os pobres e desfavorecidos numa virtue signallingconstrangedora. Tão moral mas usando outros para viver o seu papel. Tão ciosa por reciclagem, mas não dispensando o seu tabaco diário, fumando árvores e libertando alcatrão para os pulmões e monóxido de carbono para o ar de todos. Recheia o Instagram de fotos nas viagens à Índia ou a templos budistas na Indochina, ou a fazer pára-quedismo numa preocupação constante de registar o momento. Com gente famosa no meio que escolheu como palco, pelas noites da capital, num mostrar ao mundo que é sofisticada e não uma dondoca que nada sabe sobre estar viva, como todos os restantes. Pronta a lixiviar o distante, o exótico, o preto, o muçulmano e todos os que sofrem às mãos dos homens brancos, e a odiar o próximo, o filho da puta, o cabrão, o homem branco, culpa de todos os males do mundo, como se fosse genética e exclusiva a filha de putice, no homem, branco. Fez turismo sexual nos trópicos, mas chamou-lhe descoberta do seu corpo, fala das anteriores aventuras sexuais como se de uma viagem, mas tenta envergonhar-me pelo papel lastimoso que dou às minhas personagens, retirando-lhes peso ontológico. E continua, abençoado ego, a achar-se melhor e mais esperta que eu, afinal, homem branco não sabe nadar yo. Tendências feministas como forma de justificar a certa desilusão com o curso da sua vida, mercê das escolhas que tomou e pelas quais só em parte é imputável. Sonhara ser femme fatale de boulevard bem torneada em tudo, físico, educação, profissão, mas vê-se agora reconduzida ao papel de dona de casa, não que haja mal algum nisso, excepto para uma feminista. Coitadas, presas na sua narrativa acerca do mundo, que se fodam. Ainda olham para mim como se fosse um inválido a quem deram o dom da sua vulva. Que basta ter a vulva dourada que o tudo o resto é dádiva para o crente. Que se vão foder. Não, eu é que vos dei o dom da minha presença. E ao pensar assim desconfiei ter ingerido algo além da cerveja. Mas não, no gemido comum de 30 almas em torno de uma piscina num sítio ignoto para mim, eu apenas transmito o tom geral. O mundo que se foda, eu sou o dom. E não é que sou? Se ela se acha assim, serei eu menos? Num mundo que quer que eu me foda, eu quero que o mundo se foda. Mas sei que o mundo nem está aí, na sua rotação diária. Ou seja, o mundo quer é que eu me foda. Esporro para aqui loas de auto bajulação dizendo que as ninas é que fizeram mal ao cuspir-me fora como esperma sem validade genética. Mas não as posso culpar de nada. Preso nestes pensamentos um alarme vem debaixo e diz-me que soltei mais uma carga de espermatozóides, ou nas cuecas da feira vendidas por ciganos e compradas a chineses ou na boca de uma cachopa perdida algures no existir e que tem de entregar amanhã um paper sobre a alienação na sociedade moderna para uma cadeira de Sociologia no ISCTE. Assim que me venho, e antes de poder beijar na boca, a cachopa salta do sofá como que se tivesse cumprido a tarefa acordada. Eu sinto-me usado e a minha individuação desmorona como baralho de cartas. Afinal, nada coloquei em suspenso de alguém que me viu como tarefa. Afinal não tinha sido paga, achara-me graça e achava-se independente sexualmente para comer quem lhe apetecesse. A sua auto-imagem assim o exigia, sentir-se na crista da onda do Zeitgeist, ainda que fosse, como no ‘2º Sexo’ de Beauvoir, um decalque, ou projecção do sexo masculino. Esta ‘liberdade’ sexual. Quantas, quantas não agiram assim, com a curiosidade de ver até que ponto me diferenciava dos coros batidos por outros? E eu é que sou o homem porco que só pensa em alijar as gónadas, e penso no significado que o acto sexual tem além do mero toque de mucosas. Bem, mas a minha pila também é o radar com que ausculto os outros e determino sofisticação alheia pela capacidade de jogar o jogo. Tá certo, não posso julgar. Quantas não pinam os badboys nos 20 e agarram-se aos providers aos 30? Ainda nem tinha puxado para cima ainda as calças, e já o bacano de horas antes me dava caldos na cabeça testando a minha paciência. «-Hey mate lets go you lover. I have someone I want you to meet.» E eu com um pedaço de vómito a implorar pelo canto da minha boca para se ver liberto, «-Fuck you motherfucker.». «-I want to karaoke.» Toda a gente em torno da piscina se calou. Em menos de 10 minutos tinha à minha frente um microfone e um ecrã de 40 polegadas. O bacano assistia a tudo divertido num canto escuro, inobservável. Cantei «Join me in death» como que se por exacerbar o carácter do amor, o meu amor soubesse e me validasse por entrega a tal dissolução de quem sou. Mas o play automático do youtube meteu-me no «Wicked Game» dos mesmo HIM, e eu me lembrei que isto não é uma corrida justa, é um ver se te avias. Assim, procurei nas redondezas a gaja mais boa, mais heterodoxa em relação à norma. Encontrei Adriana, com tatuagens, mini saia de cabedal, e pose de que venha quem vier já sei de tudo. Nem lhe perguntei o nome, enterrei minha boca na sua boca como bezerro desmamado à força de açougue e prendendo-lhe a nuca no meu punho cerrado perguntei-lhe : »-Quem te vai comer toda?» E ela responde perguntando «-Tu?» Puxei-lhe a saia de cabedal para cima e agarrei-a pelas nádegas, e ela respondeu olhando-me nos lábios e implorando pelo beijo que se aproximava. Os meus incisivos cerravam como os velhos frustrados da vida decididos a resgatar em minutos a dignidade de uma vida inteira e penetrei-a à vista de todos em torno da piscina que ululavam como se num cabrão de culto satânico, ao que eu gritei caídos não sou satânico, sou agnóstico filhos da puta, abafando-se a minha voz, pela acção de Adriana que me chupava a língua como dama inesgotável que soçobra em ritual. Ah boa queres luta. Soltei-me numa luta de pittbulls pelo amor, e só parei quando a deusa apareceu a meus olhos como humana prestes a colapso que a sua condição de fumadora convidava. Colocando-a de pé perguntei-lhe, sabes a quantas lambi como se fossem minhas? Poucas. Levantando-a, virei-a ao contrário e com a vulva no mesmo nível da minha boca, toquei harmónica. Não ligues, isto é a cerveja e a droga a falar, eu não sou assim, nem me reconheço. Dizia eu a um hipotético observador divino que me visse naquela situação. À minha volta os sorrisos passaram de aceitação a jocosidade, e virando-me para J. perguntei «-Hey mate, did you put something in my drink?» Ele respondeu «-I wouldn’t be much of a drug dealer if I didn’t, now would i ?!» Até ali apenas havia fumado charros. Não sei que merda me meteram na bebida, e estava verdadeiramente aterrorizado com o eu que emergiu debaixo do verniz. Quando abri os olhos, era dia, e ela ofegava, a minha pequena Adriana. Respirava de boca aberta e eu não sabia por onde me esvair, prenhe de cerveja e de colhões vazios. Estás bem, durmo. Ao meu lado, n garrafas de cerveja gourmet cuja marca só um traficante de psicotrópicos conhece. A ressaca dizia-me adeus ao longe e eu ao longe tresandava a cerveja gourmet. E tive de ir mictar. Ao sair, uma panamiana que eu não havia visto antes e que trocara umas palavras comigo agora, agarra-me no fio que uso ao pescoço, e tocando no pendente em forma de âncora aponta para a tatuagem em forma de âncora que tem no ombro, e convida-me para ao futon dela. Eu indiquei na direcção da outra com quem estava. «-Busy, sorry, next time, kiss. » Olhou em frente apagando-me do seu mundo sem qualquer insistência. Queres queres, não queres nem existes. Que capacidade. Dei por mim a pensar se não é isto que transmito, se alguma aderência a valores não é desaquação ontológica, má leitura do mundo, casmurrice minha confundida com imbecilidade pelo observador demasiado convicto da sua mundividência. Eu é que sou o homem branco, porco e amoral, e, no entanto, não ‘aproveito’ uma oportunidade de sexo fácil por um estúpido e deslocado sentimento de deslealdade. Chegado ao pé de Adriana, cheio de confiança pelas abordagens e pelas gargalhadas do anfitrião, disse, Adriana vou-te beijar essa boca toda. Mas espera, tenho de vomitar primeiro. Vomitei para cima do andar de baixo da vivenda encaixada em colina. Como Susana na Covilhã, que vomita na banheira para que ninguém se perceba da sua fraqueza a beber com homens que têm mais massa muscular que ela ( o quê, perder a feijões logo com…homens?...), logo mais capacidade de assimilar a bebida de Baco, eu fingia aguentar. Mas como não tenho medo da minha vulnerabilidade. Antes de se ir embora, acordei. Fui mijar, de novo. Eram 3 da manhã. Como vais? Tenho o carro em Entrecampos. Não consigo guiar agora. Fica comigo até vir a aurora. Está bem.
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