Como Filoctetes, passeio pela vida com uma ferida que não sara nunca e que tem o teu nome. Em reuniões com amigos de longa data, já o meu riso não é tão despojado e franco, quando vejo o pôr-do-sol já não sinto o mundo como o mais maravilhoso lugar, quando olho o céu azul já não lacrimejo, o mar já não me enche de ansiedade por não se aproximar rapidamente do carro que me leva a ele, nem sentir a água fria de encontro ao meu peito, me tira a respiração. Não é que viver faz mossa? Mas eu não era assim antes de acontecermos um no outro. Sei que também não fui tudo o que merecias, desde o momento que as fiz, que reconheço as minhas falhas. Mas que castigo esse, do teu desprezo. Depois de ti, o meu tempo é contado de forma diferente. É como se a vida se tivesse tornado num violento combate de boxe, comigo num canto do ringue a levar pancada que já não consigo sentir por colapso do sistema nervoso, encolhido sobre mim e protegendo a cara, sabendo que é apenas uma questão de aguardar quem chega primeiro, se o KO se o toque do gongo… para eu voltar a esquecer-me que existo. Feriste-me de morte, como um desses pobres touros vazados numa arena derramando sangue arterial às mãos de sádicos sanguinários. Trespassaste-me com a bandarilha da tua indiferença e agora já só aguardo que tudo acabe. O teu desprezo faz de mim parvo apenas por ter acreditado que a sintonia entre as pessoas vai além de uma conjugação de circunstâncias. Mas diz-me, explica-me, como é que é possível que se separem aqueles que em algum ponto se abraçaram e desejaram profundamente não mais se separar, ou que o tempo se congelasse num momento em que a dor da separação com tudo, se aplacou ou tirou férias? Não percebo nada desta merda. Não pode ser apenas a idealização da portadora de útero. Se fosse apenas isso e não uma morte no verdadeiro sentido da palavra, a dor desaparecia com a posse de outras gónadas. E se o que choro não tem a ver contigo, mas com a pessoa, que eu era antes de te conhecer? Será que é por isso que te odeio? Porque roubaste o melhor de mim e deitaste-o num qualquer contentor do lixo nos arrabaldes? Quando demos as mãos, o calor do Estio, amaciava as nossas peles no Parque das Nações, a excitação de termos conseguido obter a presença um do outro, e garantida a mesma nesse tempo, com a tua cabeça encostada no meu ombro o mundo fazia sentido a partir de onde o olhava. Tenho a disciplina para me ordenar a apagar-te completamente da minha lembrança, mas sei também que já levaste tanto de mim, que se tiro mais um pouco, deixo de ser pouco mais que um invólucro vazio. Abençoada a tua vida, com maior capacidade de esquecimento e de seguir em frente. Eu sou infelizmente, como um ecrã de radar, em que o teu trajeto já alguma vez vê o rasto esmorecido.
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