Há mais gente a pensar como eu.
Ontem em conversa com autor muito vendido neste pequeno mercado nacional, percebi que quanto mais diferentes achamos que somos, mas afastados da realidade estamos. A conversa começou comigo dizendo em frente à sua cara: «-És um conas.» Assim que o disse, repostei-me de novo para trás na poltrona e no gin tónico. Pensei comigo, então se o gajo faz vida disto, não vai ostracizar ou encolerizar metade da gente que lhe compra os livros. Bem, a coisa começou antes disso. Foi ao Castelo de Pirescoxe apresentar o novo livro. Eu quando entrei para a palestra, já estava bêbedo. Atravessei toda a sala do auditório, esforçando-me para não me estatelar ao comprido, num silêncio sepulcral, com todos os olhos apontados para mim. Assim que me sentei, o som da apresentação, recomeçou. Que tinha cursado Filosofia na FCSH, que tinha viajado por aqui e por ali, que tinha vivido num cu de Judas nos states, e toda essa merda kitsch que faz um gajo parecer pra frentex. Eu só pensava, enquanto andavas nessa boa vida, andava eu a sofrer em call centers para pagar propinas. Percebi que o meu rancor apenas se devia a inveja da boa, por ele ser profícuo escritor e ter legião de fãs. E eu, uma promessa adiada. Inveja de sapateiro. O indivíduo culpa nenhuma tinha, das minhas frustrações. E por isso mantive-me calado, até que me lembrei de pesquisar na cercania da minha cadeira, quem estava na plateia. Vinte e tal gajas para meia dúzia de mancebos. Mau. As mulheres são mais letradas ou apreciam mais a literatura? Saem das Universidades em maior número, isso é um facto. Os homens perdidos entre empregos de merda e meros autómatos que deslocam x de A a B, mas o drama é que há muitas mulheres a sair com cursos, e que portanto merecem ganhar mais. Ninguém se pergunta porque os homens ficam em casa a bater punhetas, a evitar entrar na escalada social, ou a suicidarem-se aos magotes. A atenção está toda virada para a ‘questão’ feminina. Qsa foda, tenho a minha dose de gajas e não as censuro de serem egocêntricas. Ou que me chamem chauvinista. Desde que o façam com a almofada entre os dentes. Divertia-me com estes pensamentos, e ia percebendo a lei número um da vida bem-sucedida, não mordas a mão que te mete comida na mesa. E ele, tinha muita gaja à espera para receber um autógrafo. Em semi-círculo, muitas com os tornozelos fora das sapatilhas, com pés cruzados sob as cadeiras rijas, embeiçadas pela voz de um gajo efeminado que era famoso. Ele escrevia romances policiais, coisa para a qual não tenho paciência. No bar do Castelo servem Estrella Damm, uma puta de cerveja espanhola, com o mesmo carácter da minha última namorada. Tem de ser bebida fresca. Fui lá fora buscar outra, outro silêncio à ida, e à vinda, mais por trombas de desconforto dalgumas gajas presentes, ele disse alguma coisa a perguntar ou a censurar a que eu não liguei. Sentei-me e aguardei que o som da sua voz continuasse a falar. Terminado, seguiu-se ruído intenso com palmas e saudações e merdas do género. Na fase zen da bebedeira, tinha inclinada a cabeça para trás a ouvir a sabujice desta trupe de traças apaixonada pelo brilho. Um toque no ombro, alertou-me para o facto de que alguém prestava mais atenção a mim, que ao que acontecia em frente ao palco. Abri os olhos e lá estava o gajo, com um olhar censurador e com uma censura verbal que nem percebi. Mas percebi o olhar e foi quando lhe chamei conas. Deu dois passos atrás e mostrou que eu tinha ido muito longe, mostrando as palmas das mãos como que pedindo clemência pelo que ia fazer, que era inadmissível a ofensa. Levantei-me e disse-lhe, «-Não levas já, seu conas de merda, por respeito ao teu pai.» O pai dele é um famoso cantor dos tempos da resistência antifascista. Musicou muitos poetas, e é realmente um tipo admirável. Mas não era eu que falava, era o vinho. Mas não gostei da abordagem dele. O ter mencionado o pai, ele amainou e até pareceu ignorar-me, embora algum do meu linguajar o tivesse perturbado. Olha lá escreves, perguntou-me. Ya dude, tenho um blog assim e assado. Ele conhecia. Dou por mim num bar de putas na Avenida da Liberdade. Putas é como quem diz, algumas das presentes eram amigas dele. Delegou-me duas, que me ladeavam enquanto eu consumia de borla. O gajo falava, mas eu só ia dizendo que para não morrer de tédio, dava maior carga dramática às relações com outros, tal como Hemingway. E que és um compreensível conas. A minha tesão de culpar o outro, não sei porquê, mostrou-me que eu não era nenhum frouxo, ou prodígio, apenas alguém nascido com pouco temperamento para o corriqueiro, afinal, 99% da nossa vida. Uma das minhas companheiras começou a mordiscar-me o pescoço e é das últimas coisas de que me lembro antes de acordar de manhã, exangue e ainda sem livros publicados.
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Junho 2024
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